As falas da rataria
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Deus, a Pátria e a Família estão horrorizados com o baixo nível dos generais que dizem defendê-Los
Bolsonaristas presos em 8 de janeiro – Reuters
Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.
Deus está chocado. A Pátria e a Família, então, nem se fala. Pois não é que justo aqueles que vivem falando em Seus nomes demonstraram que, ao querer passar os adversários na bazuca, no punhal e no veneno, estão pouco ligando para os valores que os ditos Deus, Pátria e Família defendem? Deus, a Pátria e a Família se referem aos áudios descobertos outro dia, que mostram generais espumando de patriotismo e pregando ódio e ranger de dentes.
E que gente grosseira e desbocada, meu Deus! Se é assim que eles conversam em família ou nas igrejas que frequentam, eu não gostaria de vislumbrar meus sobrinhos ou os filhos pequenos dos meus amigos, das minhas amigas, ao alcance de tanta boca suja. Para eles, palavrão é vírgula. Dúvida?
"O senhor me desculpe a expressão, mas quatro linhas é o caralho. Quatro linhas da Constituição é o caceta!" "Kid Preto, porra, por favor, o senhor tem que dar uma forçada de barra com o Alto Comando, cara. Tá na cara que houve fraude, porra. Não dá mais pra gente aguentar essa porra. Tá foda! Tá foda!" "Vai agora esperar virar uma Venezuela para virar o jogo, cara? Democrata é o cacete! Não tem que ser democrata mais agora. Acabou o jogo, pô!" "O presidente tem que fazer uma reunião com o petit comitê. Esse pessoal acima da linha da ética não pode estar nessa reunião. Tem que ser a rataria!"
Ah, está explicado. Eles são a rataria, a turma abaixo da linha da ética. Mas Deus, a Pátria e a Família se perguntam: foi isso que aprenderam nos cursos que fizeram no quartel e lhes renderam aquelas chapinhas no peito? E o mais inacreditável vem agora: "Olha, general", diz um da rataria, "eu sou capaz de morrer, cara, pelo meu país, sabia? Pelo meu presidente, cara. Eu não consigo vislumbrar, né, meus sobrinhos, né, os filhos pequenos dos meus amigos, das minhas amigas, vivendo sob o julgo [sic] desse vagabundo [Lula]. Aprendi na caserna a honrar o meu presidente [Bolsonaro]. E eu tô pronto a morrer por isso".
Deus, que é Onisciente, avisa: "Vá devagar, meu rato. O ratão por quem você se dispõe a morrer vai te deixar na rua assim que as coisas apertarem para ele". Fonte: https://www1.folha.uol.com.br
O que Jair Bolsonaro merece é a cadeia
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Ao que tudo indica, o golpe não foi para a frente porque parte da Cúpula das Forças Armadas evitou a acompanhar o presidente e seus assessores marginais numa aventura inconsequente
Após ser indiciado por tentativa de golpe de Estado, o ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL) desembarcou em Brasília na noite desta segunda-feira (25) Foto: Wilton Junior/Estadão
*Por Fabiano Lana
Essa não é uma coluna sobre questões jurídicas. Mas sobre merecimento. Sobre os castigos adequados como aprendizado para condutas inadequadas das figuras públicas. Nesse sentido, o que merece um ex-presidente da República que cogitou dar um golpe militar para continuar ilegalmente no poder por meio da força bruta a não ser a cadeia? Atualmente o ex-presidente e seus asseclas nem negam mais quais eram suas intenções, apenas tentam colocar o crime dentro de outras molduras, como a de ter cogitado um “estado de sítio”, algo assim. Mas o que fizeram, ou mesmo tiveram a intenção de fazer, além de começarem a executar, é algo que obriga ao castigo, a enviar a todos por um longo tempo para o xilindró.
Mas vivemos no Estado de Direito. Nesse sentido Bolsonaro deve ter acesso a toda defesa possível e pode ser que escape ileso, em hipótese. Pulularam uma série de juristas para dizer que, apesar do plano para destruir a democracia brasileira ser repudiável, etc., na verdade o que houve não pode ser tipificado como um crime. É como se admitissem, veja, que o direito pode ser o refúgio dos canalhas. Numa adaptação aqui da frase do escritor inglês Samuel Johnson, que na verdade se referia ao uso cínico do patriotismo para justificar o injustificável.
Mesmo com o risco de cair na satírica lei Godwin - que considera toda a referência ao nazismo numa discussão como uma carta apelativa – vale agora lembrar do livro “Eichmann em Jerusalém - um relato sobre a banalidade do mal”, de Hannah Arendt. Durante seu julgamento, o responsável por gerir toda a deportação em massa para operar o extermínio dos judeus, Adolf Eichmann, alegou inocência. Agia dentro do ordenamento jurídico de seu país e cumpria ordens. Homem cumpridor de seus deveres, podia até ser considerado um homem de bem pelos autodenominados patriotas brasileiros. Aliás, sempre desconfie de quem alega “cumprir ordens” ou seguir as regras quando tenta defender algo reprovável.
Estamos agora numa espécie de epidemia de desculpas para justificar o malfeito de Bolsonaro. “Olha, tentar um golpe e não ir à frente é o mesmo que tentar que matar alguém e desistir”, dizem uns, trocando as bolas nas tipificações do Código Penal. “Veja bem, o artigo 142 da Constituição permite a intervenção militar”, afirmam outros, distorcendo que a intenção do texto era proteger a República, e não a desmantelar. “A tentativa de execução do golpe é menor do que o atentado ao Direito que ocorre hoje no Brasil”, lamentou outro, sem ir à conclusão lógica de que o golpe tem como fim aniquilar esse mesmo Estado de Direito que ele diz querer proteger.
E tem a frase clássica: “Ah, mas o Lula, que roubou bilhões, está solto”, dita por uma daquelas senhoras com a Bíblia na mão da qual não se deve duvidar das boas intenções. Sem entrar no mérito da questão, a resposta aqui não vai agradar a seita petista. Ora, imaginemos uma cidade com dois bandidos soltos. Pelo menos um estar preso é melhor do que ambos soltos. Dito isso sabemos que Lula não foi absolvido, mas que os casos foram arquivados, prescritos em decisões que parecem ter algo de tramas político-jurídicas. Essa é uma lacuna de nossa história.
Mas por um segundo vamos nos imaginar na cabeça desses infelizes que estavam nos acampamentos que terminaram no vandalismo do dia 8 de janeiro de 2023. Para eles a eleição foi fraudada com a anuência da nossa Suprema Corte para que uma quadrilha com tendências comunistas voltassem ao poder. A tentação de chamar a todos de zumbis políticos é enorme, o que segura é saber que ainda são milhões. De qualquer maneira foram instigados por Bolsonaro a agir assim. E, também por isso, ele merece a prisão.
O ex-presidente, hoje sem direitos políticos, merece o cárcere de um ponto de vista moral, não exatamente do Estado de Direito (pelo qual pode até ser absolvido, o que teríamos que aceitar). Nunca percamos de vista, entretanto, que, ao que tudo indica, o golpe não foi para a frente porque parte da Cúpula das Forças Armadas evitou a acompanhar o presidente e seus assessores marginais numa aventura inconsequente – essa lacuna também ainda precisa ser melhor preenchida.
O ponto é: Jair Bolsonaro, o mesmo que saiu do Exército após a acusação de querer explodir o sistema de abastecimento de água do Rio de Janeiro, agora precisa sair definitivamente da vida pública, e da vida com os cidadãos livres, ao querer explodir a democracia. No primeiro caso, escapou e o país paga o preço de um reincidente no crime. Não merece perdão duas vezes. Existe até alegação cínica: “Mas aparecerão outros Bolsonaros”. Ok, faz sentido dizer que Bolsonaro, assim como Lula, é uma ideia. Mas se esse novo Bolsonaro transgredir deverá ser preso também, para evitar um mal pior. Fonte: https://www.estadao.com.br
*Fabiano Lana é formado em Comunicação Social pela UFMG e em Filosofia pela UnB, onde também tem mestrado na área. Foi repórter do Jornal do Brasil, entre outros veículos. Atua como consultor de comunicação. É autor do livro “Riobaldo agarra sua morte”, em que discute interseções entre jornalismo, política e ética.
Defender a Pátria é respeitar a Constituição
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É perturbador o número de generais suspeitos de apoiar a trama golpista investigada pela PF. Isso mostra que a formação militar precisa deixar mais claro que respeito à lei não é opcional
Ainda há muitas dúvidas a respeito do suposto golpe para manter Jair Bolsonaro no poder, mas uma coisa parece certa: se realmente houve, a conspiração provavelmente não prosperou porque a maioria dos chefes militares do País se manteve fiel à Constituição, em particular o Alto Comando do Exército. Caso seja confirmado que houve mesmo um complô – que, conforme as investigações, incluía o assassinato do presidente eleito Lula da Silva, de seu vice, Geraldo Alckmin, e do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes –, é seguro afirmar que o Brasil escapou de ser tragado por uma das mais graves crises de uma história já bastante marcada por golpes e insurreições.
Pode-se especular quais teriam sido as motivações dos chefes militares legalistas, mas a rigor elas são irrelevantes. Seja pela convicção democrática de seus membros, seja por pragmatismo – afinal, não havia, como não há, “clima” para um golpe militar no País –, o fato é que os militares suspeitos de participar do tal complô foram afinal frustrados e o governo federal legitimado pelas urnas em 2022 aí está, acumulando erros e acertos até a prestação de contas no próximo ciclo eleitoral, como acontece em qualquer democracia constitucional.
Dito isso, não deixa de ser perturbadora a informação de que a Polícia Federal (PF) identificou que a trama golpista contou com uma rede de apoio composta por ao menos 35 militares, entre os quais há nada menos que 10 generais e 16 coronéis do Exército, além de um almirante. Como se sabe, quatro oficiais das Forças Especiais do Exército, os chamados “kids pretos”, e um policial federal foram presos pela PF, por ordem de Moraes, pela gravíssima suspeita de terem planejado aquele triplo homicídio.
O simples fato de os nomes desses 35 militares terem sido citados no curso das investigações não significa, necessariamente, que todos tenham feito parte da suposta conspiração para impedir a posse de Lula da Silva. Não se pode descartar que alguns possam ter sido citados como bravata, a indicar um apoio à intentona que, na realidade, não houve. Há diligências em curso e só a denúncia que a Procuradoria-Geral da República decerto apresentará ao STF individualizará as condutas dos suspeitos, civis e militares, de tramar a permanência de Bolsonaro na Presidência a despeito da derrota eleitoral.
Mas, independentemente do transcurso jurídico do caso, é espantoso que tantos militares, e tão graduados, sejam suspeitos de conspirar contra a democracia – reconquistada à custa de muita dor para os brasileiros – em plena segunda década do século 21. Todos os coronéis e generais da ativa foram formados para o alto oficialato após a redemocratização do País. A esmagadora maioria deles já sob a égide da Constituição de 1988, que, a despeito da exegese picareta que muitos fizeram do art. 142, define claramente o papel das Forças Armadas no regime democrático, principalmente a submissão do poder militar armado ao poder político civil.
A sociedade sabe apenas superficialmente como se dá a formação dos militares, mas a luz dos fatos permite enxergar que algo não vai bem nessa formação quando dezenas de oficiais de alta patente da ativa e da reserva são citados como participantes de um plano de golpe de Estado.
Mais bem dito: o Brasil não pode ficar à mercê dos humores dos senhores membros do Alto Comando do Exército, que hoje, ao que tudo indica, são legalistas. Mas poderiam não ser, como vários de seus colegas de farda mencionados como envolvidos na trama golpista. Por isso, é importante enfatizar que o respeito à Constituição e ao Estado Democrático de Direito não é uma escolha e que as escolas militares devem ter o especial cuidado de incutir esses valores nos corações e mentes dos soldados desde o primeiro passo que eles dão em um quartel. Amar e servir à Pátria, afinal, é antes de tudo respeitar suas leis, em especial a maior de todas.
A Operação Contragolpe e outras antes dela, além das que estão por vir, devem levar as Forças Armadas, em particular o Exército, a um profundo reexame de uma mentalidade segundo a qual os militares seriam uma espécie de “tutores” da República. Nunca foram e jamais serão, ao menos não enquanto aqui vigorar uma democracia digna do nome. Fonte: https://www.estadao.com.br
Tentativa de golpe com nome e sobrenome
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Embora já esperado, o indiciamento de Bolsonaro e de seus principais assessores pela PF dá contornos dramáticos às revelações de que o País esteve supostamente à beira da ruptura
A Polícia Federal (PF) indiciou ontem 37 pessoas por uma suposta tentativa de um golpe de Estado a fim de impedir a posse do presidente Lula da Silva, legitimamente eleito em 2022. Somadas, as penas máximas cominadas à miríade de crimes que compuseram essa desabrida sedição chegam a 30 anos de prisão.
Entre os indiciados estão muitos ex-ocupantes de altos cargos da República durante o governo de Jair Bolsonaro, o que torna ocioso apontar a gravidade e o ineditismo da conclusão dessa minuciosa investigação policial. Basta dizer que, além do próprio Bolsonaro, que obviamente seria o maior beneficiário do eventual sucesso de um golpe, terão de prestar contas à Justiça os generais da reserva Braga Netto, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, que foram os principais assessores do então presidente no Palácio do Planalto.
Embora já fosse esperado, dado o andamento das investigações da PF, o indiciamento da alta cúpula do governo Bolsonaro e do próprio ex-presidente mostra que a trama golpista, se realmente houve, provavelmente não se circunscreveu a um punhado de oficiais de segundo escalão em conluio com agentes policiais. A ser verdade o que a PF diz ter descoberto, o País esteve à beira da ruptura e esse movimento contou, na hipótese benevolente, com a omissão de Bolsonaro, já que parece ser impossível que nem ele nem os generais que o assessoravam não tivessem conhecimento do complô. Tudo ganha contornos ainda mais dramáticos quando se imagina a hipótese menos benevolente: a de que Bolsonaro não só sabia, como jamais desestimulou a sedição, o que comprovaria de vez seu já notório golpismo.
Outro que se vê mais uma vez enredado por uma espessa teia criminosa é o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, um habitué de inquéritos policiais. O deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), que chefiou a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no governo Bolsonaro, e Anderson Torres, que foi ministro da Justiça naquela gestão, também estão entre os indiciados por suspeita de participação na intentona.
Agora que essa suposta tentativa de golpe passou a ter, oficialmente, nome e sobrenome, cabe ao Ministério Público e ao Poder Judiciário processar e julgar cada um dos acusados, na medida exata de sua responsabilidade. Os que forem considerados culpados, sem distinção, devem ser punidos com todo o rigor da lei, pois é este, e somente este, o instrumento de que dispõe o Estado Democrático de Direito para repelir os ataques de seus inimigos e desencorajar audácia semelhante no futuro.
As investigações mostram que o planejamento do suposto golpe foi realizado durante reuniões com oficiais da cúpula das Forças Armadas. É estupefaciente. Conclui-se que só não foi concluído porque o Alto Comando do Exército, em sua maioria, assim não quis. Há provas documentais da conspiração. Não há perdão possível para quem se lança em uma empreitada delinquente como essa. Se já era inaceitável falar em anistia para os que tramaram acintosamente contra a Constituição antes que esse suposto complô fosse revelado em contornos tão vívidos, espera-se que agora ninguém mais ouse condescender com quem, por meio da força bruta, tentou subverter a soberania da vontade popular.
Ficou claro a partir do relatório de indiciamento de Bolsonaro et caterva que a dicotomia entre legalidade e ilegalidade, natural para qualquer cidadão decente, jamais fez parte do léxico dos militares golpistas. Para essa turma, imperava uma mentalidade absolutamente distorcida que opõe “moralidade” à “imoralidade”, sendo “imoral”, para essa súcia de sediciosos, dar posse ao “vagabundo”, como se referiu ao presidente Lula da Silva o general reformado Mário Fernandes, preso no dia 19 passado por suspeita de ter tramado o seu assassinato com outros “kids pretos”, como são conhecidos os militares das Forças Especiais do Exército.
O indiciamento pela PF é apenas o primeiro passo para que o golpismo que grassou neste país com espantosa naturalidade tenha uma resposta institucional à altura da ameaça que representou. Fonte: https://www.estadao.com.br
O impacto da eleição de Trump sobre o Brasil
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Algumas promessas de campanha e declarações do presidente eleito certamente devem estar causando preocupação ao governo brasileiro
Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e ex-embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004), Rubens Barbosa escreve mensalmente na seção Espaço Aberto
A eleição de Donald Trump para a presidência dos EUA terá não só profundas repercussões na política interna norte-americana, como também no cenário internacional, com forte impacto na geopolítica, na economia global e em alguns temas globais, como meio ambiente, mudança do clima, imigração, transição energética e avanço da direita. Ajustes, acomodações e resistências acontecerão em função das mudanças prometidas, a partir de janeiro.
As políticas econômicas e comerciais do governo Trump, se cumpridas as promessas, em função de políticas expansionistas para criar empregos, medidas nacionalistas e protecionistas de política industrial, com o consequente reflexo na inflação, no déficit público e na taxa de juros do Federal Reserve (Fed), poderão impactar o comportamento do dólar, a inflação e a taxa de juros no Brasil.
As relações institucionais entre o Brasil e os EUA não deverão ser afetadas. Comércio, investimentos, tecnologia e outras áreas de cooperação continuarão a fluir normalmente, mas algumas promessas de campanha e declarações de Trump certamente devem estar causando preocupação ao atual governo: a questão da Venezuela, a proximidade com a China, a evolução do Brics, a busca de protagonismo global, a possibilidade de imposição de tarifas para a exportação de todos os países para os EUA, a agenda climática, a eventual deportação de brasileiros, as acusações de corrupção, as relações de Trump com o bolsonarismo e os problemas com Elon Musk, associados à retórica de restrições à liberdade de expressão nas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF).
As ações globais para a preservação do meio ambiente, o combate à mudança de clima e a transição energética ficarão afetadas pela perda de prioridade no novo governo Trump, que prometeu ampliar a pesquisa e exploração de petróleo e gás no território americano e novamente abandonar o Acordo de Paris, eliminando as metas de redução de emissões de gás carbono. A COP-30, no Brasil, será diretamente afetada e poderá ser esvaziada pela ausência do presidente dos EUA.
A escalada retórica de Trump, já presidente eleito, sobre a situação política interna na Venezuela é inquietante para a política externa brasileira. Apesar de a América do Sul não ter prioridade na política externa dos EUA e a Venezuela não ter sido mencionada na campanha eleitoral, Trump disse, em entrevista no TikTok, que a Venezuela é um caos, que a população está sofrendo e que seu governo vai ter várias opções para responder a essa questão, inclusive a opção de uma intervenção militar. Certamente, terá apoio de outros países, como a Argentina, de Javier Milei, e resistências de potências extrarregionais que apoiam Caracas, como a Rússia e a China.
As relações com a China, a principal parceira comercial do Brasil, passarão por um momento muito delicado pela eventual reação dos EUA à aproximação brasileira com Pequim, pela dependência do mercado chinês. As decisões sobre a política de Lula da Silva em relação ao Brics, na reunião no ano próximo no Brasil, podem representar o maior desafio da política externa do atual governo. A presença no Brasil dos novos membros, autoritários e ditaduras, e a questão do ingresso da Venezuela no grupo deverão gerar reação da oposição de direita brasileira, às vésperas do início da campanha eleitoral de 2026. A decisão sobre o eventual ingresso do Brasil na Rota da Seda pode ter implicação no relacionamento com o governo Trump, visto que ainda com Joe Biden altas autoridades norte-americanas mandaram sinais claros sobre os riscos de uma eventual adesão do Brasil.
A promessa de deportar 10 milhões de imigrantes dificilmente será cumprida na totalidade, mas com certeza, em parte, será implementada. O maior contingente de brasileiros no exterior está nos EUA (1,9 milhão – 290 mil ilegais) e poderá ser afetado, o que gerará desconforto para o governo Lula.
O avanço da direita na região ganhará reforço e apoio de Washington. Javier Milei e Nayib Bukele serão prestigiados e ganharão mais espaço na América Latina, esvaziando ainda mais a liderança regional do Brasil e a busca de influência global (guerras na Ucrânia e Gaza).
Até mesmo na política interna poderá haver ações contrárias ao atual governo. Eduardo Bolsonaro estava em Mar-a-Lago, comemorando a vitória republicana, e não será surpresa se vier a estimular provocações e mesmo restrições ao governo Lula no final de 2025. Sem falar num eventual apoio do governo Trump à retórica de perseguição política a Jair Bolsonaro e de julgamento em relação aos condenados pelos acontecimentos de 8 de janeiro em Brasília e à declaração de inelegibilidade do ex-presidente pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Os imprudentes pronunciamentos do presidente Lula manifestando sua preferência por Kamala Harris para “defender a democracia e evitar o nazismo e o fascismo com outra cara” e aconselhando Trump a “pensar como habitante do planeta Terra” não vão ajudar na relação entre os chefes de Estado dos dois países.
Em face de todos esses desafios de política externa, de acordo com o interesse nacional e refletindo a mudança do eixo da política comercial para a Ásia/China, torna-se urgente uma declaração do governo brasileiro, sem ideologia ou partidarismo, com o objetivo de reafirmar uma posição de independência em relação a países ou grupo de países. Fonte: https://www.estadao.com.br
*PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR, MEMBRO DA APL, FOI EMBAIXADOR EM WASHINGTON
Suplente de vereadora, mulher trans é assassinada brutalmente em Sinop (MT)
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Santrosa, que também é cantora, foi achada morta com braços e pernas amarrados
Santrosa tinha pouco mais de 11,2 mil seguidores no Instagram, onde fazia publicações frequentes de seu trabalho como cantora - Reprodução/Instagram
Campinas
A Polícia Civil do Mato Grosso investiga a morte de Santrosa, mulher trans e cantora, encontrada com mãos e pés amarrados no município de Sinop (503 km de Cuiabá).
O corpo da vítima foi encontrado, neste domingo (10), em uma região de mata.
Além de cantora, Santrosa havia sido candidata a vereadora nas eleições municipais de 2024 pelo PSDB. Não se elegeu, mas se tornou suplente.
Ela tinha 27 anos e estava desaparecida desde o sábado (9). Relatos feitos à polícia dão conta de que Santrosa saiu por volta das 11h de casa e não voltou mais. Ela faria um show na noite daquele dia, mas não compareceu ao evento.
A vítima mantinha um canal no Youtube, onde publicava clipes de suas músicas. O canal tem pouco mais de 4.000 inscritos e a última publicação é de um ano atrás.
Na política, tinha como bandeiras a defesa de pautas voltadas à cultura para comunidades periféricas do município. Conforme publicou em seu Instagram, se viesse a ocupar uma cadeira no legislativo de Sinop, seria a primeira mulher trans a atingir o feito.
Nas redes sociais, conhecidos lamentaram o crime brutal. Santrosa foi decapitada.
Em nota publicada no Instagram, a Associação da Parada do Orgulho LGBTQIA+ de Mato Grosso disse que acionou o Grupo Estadual de Combates aos Crimes de Homofobia do estado e que cobrará das autoridades a apuração do crime para que os culpados sejam identificados. Fonte: https://www1.folha.uol.com.br
Investir na democracia
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Não há como cuidar dos objetivos de integração social, de elevação das condições de vida e de valorização da ordem democrática sem combinar políticas de crescimento
Por Rolf Kuntz
O jornalista Rolf Kuntz escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto
Golpistas brasileiros festejaram a vitória de Donald Trump na eleição americana, como se isso fosse um sinal para a anistia a quem depredou Brasília e tentou derrubar o governo em 8 de janeiro de 2023. Anistia se aplica geralmente a crimes comuns e, em situações muito especiais, a crimes políticos, quando se restabelece a democracia e se busca a reconciliação. Convém cuidar do assunto com muita prudência. A democracia sobreviveu ao golpismo, as sedes dos Poderes foram restauradas e a rotina institucional foi mantida, como se comprovou nas eleições deste ano. Mas a extrema direita pouco ou nada mudou. Continua a desfrutar dos direitos e liberdades comuns, como fazem os extremistas em todas as democracias, e a esperar novas oportunidades para destruir a ordem constitucional.
Não basta, no entanto, reprimir o golpismo e defender legalmente, no dia a dia, as liberdades básicas. Pesquisas têm apontado, entre os cidadãos, preferência majoritária pelos valores democráticos, mas políticos eleitos nem sempre se mostram alinhados a essa preferência. É preciso fazer muito mais para consolidar, em todos os grupos, o compromisso com as normas fundamentais da democracia.
Esse esforço é especialmente relevante num país de enormes desigualdades econômicas e culturais, onde o conservadorismo se confunde, frequentemente, com a aceitação do autoritarismo. A mistura de religião e política, hoje mais visível do que em outras épocas do Brasil independente, torna o cenário especialmente complicado.
A extrema direita tem explorado essa mistura com empenho e com aparente sucesso. Passados 135 anos da implantação da República, ainda é necessário – e talvez mais do que em outros tempos – lembrar e reafirmar com vigor o caráter laico do Estado nacional. Esse caráter já foi respeitado, de fato, no período do Império, embora dom Pedro I tenha apresentado a Constituição de 1824 “por graça de Deus” e “em nome da Santíssima Trindade”.
Embora possa parecer estranho, o presidente da República ainda precisa, em 2024, reafirmar o Estado nacional como entidade responsável pela segurança, pelos direitos básicos e pela igualdade de todos os brasileiros, consagrados como indivíduos livres, com direitos intocáveis de cidadania e como sujeitos de uma ordem democrática.
Mas esse empenho produzirá resultados insuficientes, se faltar a esses indivíduos, ou a uma grande parte deles, a crença nessa ordem como condição essencial à sua dignidade e às suas possibilidades de bem-estar e de sucesso. Cuidar da integração de todos os grupos, incluídos os mais carentes, é, portanto, mais que uma tarefa vinculada a uma bandeira partidária. É um trabalho necessário à consolidação de uma sociedade capaz de operar de forma livremente colaborativa, apesar das diferenças entre os componentes do conjunto.
Não basta, portanto, promover o crescimento econômico, se for muito desigual o acesso ao bem-estar e a melhores condições de vida. O Brasil já viveu esse tipo de crescimento – ou de desenvolvimento, mesmo, dadas as grandes transformações nas condições de produção. A integração social nesse processo foi em geral limitada, com acesso restrito aos benefícios propiciados pelas mudanças.
Durante a grande expansão econômica iniciada na segunda metade dos anos 1960, apenas uma parcela da mão de obra teve acesso às ocupações de tecnologia mais moderna e remuneração mais elevada. A desigualdade acentuou-se, portanto, também no interior da classe trabalhadora, fato já reconhecido por analistas nos anos 1970. Embora o investimento em educação tenha aumentado nesse período, as oportunidades de formação permaneceram concentradas, assim como os benefícios econômicos da modernização profissional.
Nas décadas seguintes, Estado e setor privado continuaram fazendo muito menos que o necessário para distribuir mais amplamente as possibilidades de ascensão econômica ligadas à educação e ao treinamento. Embora reconhecida a importância econômica da escola, a política educacional nunca foi suficientemente integrada aos programas de expansão e transformação do sistema produtivo. Falou-se muito no exemplo coreano de articulação das políticas de crescimento e de educação, mas com limitados efeitos práticos. Excetuada a formação universitária, acessível a poucos e nem sempre de alta qualidade, a educação profissional continuou a depender principalmente do ensino privado e do treinamento empresarial.
Não há como cuidar com eficácia dos objetivos de integração social, de elevação das condições de vida e de valorização da ordem democrática sem combinar as políticas de crescimento econômico, de apoio aos grupos mais vulneráveis e de ambiciosa difusão das oportunidades educacionais. Não basta, obviamente, destinar grandes volumes de recursos aos chamados programas sociais. A ajuda emergencial pode ser indispensável, mas só se alcançarão resultados amplos, duradouros e relevantes para a democracia com amplo investimento na capacidade produtiva de todos os cidadãos – sempre com valorização das liberdades básicas. Fonte: https://www.estadao.com.br
*JORNALISTA
Mundo mais sombrio com eleição de Trump.
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Republicano venceu bem e deve obter domínio sobre Congresso para tentar implementar promessas
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".
O mundo não acaba com a eleição de Donald Trump, mas se torna um lugar mais sombrio e mais perigoso também.
Uma primeira observação é que Trump venceu bem. Superou a rival no colégio eleitoral e no voto popular e é quase certo que seu partido controlará as duas Casas do Congresso. A maioria da Suprema Corte ele já tinha. O ex e futuro presidente não encontrará, portanto, grandes impedimentos para implementar suas principais promessas. É aí que mora o perigo.
Suas ideias econômicas têm potencial para desencadear uma guerra comercial em escala planetária. Seus posicionamentos geopolíticos fragilizam ainda mais o já combalido sistema internacional baseado em algum multilateralismo e respeito a regras.
E fica pior. Seu negacionismo climático, com a possível retirada dos EUA dos acordos de Paris, torna quase impossível reduzir as emissões de gases-estufa na proporção necessária para evitar cenários catastróficos. Num plano já mais simbólico, sua recondução ao poder reforça o estatuto de autocratas, o populismo de extrema direita e o vandalismo institucional.
Daria para alongar a lista de problemas, mas não quero terminar a coluna num tom tão pessimista. A democracia funciona como um sistema homeostático. Se Trump de fato impuser tarifas a todos os produtos importados e expulsar milhões de imigrantes, provocará um surto inflacionário nos EUA que terá efeitos tóxicos sobre as pretensões eleitorais dos republicanos no pleito de meio de mandato de 2026.
Algo parecido vale para todas as outras falsas soluções que ele vende. Programas populistas desvairados em algum momento se chocam com a realidade, produzindo frustração.
Vale destacar ainda uma especificidade da política americana. Nos EUA é praticamente impossível aprovar emendas constitucionais que não reflitam amplos consensos. Isso reduz, embora não elimine, a perspectiva de Trump usar sua maioria legislativa para fincar-se no poder. Ele não poderá, por exemplo, retirar da Constituição o dispositivo que lhe veda disputar um terceiro mandato. Fonte: https://www1.folha.uol.com.br
Líderes evangélicos no Brasil celebram Trump e falam em repetir feito em 2026
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Nomes influentes nas igrejas, como Michelle Bolsonaro e Silas Malafaia, exaltaram vitória
São Paulo
Donald Trump de olhos fechados e cabeça baixa, com várias mãos espalmadas sobre ele. A imagem foi compartilhada nesta quarta (6) pela ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro com um agradecimento especial a Deus, a quem ela credita a vitória do republicano na eleição presidencial dos Estados Unidos.
"Um homem temente a Deus. Um homem que ama o Estado de Israel. Obrigada, Senhor! Que Deus o livre de todo o mal. Que Deus abençoe a sua vida com sabedoria e discernimento para governar a sua nação", diz Michelle. "Viva a América!"
Seu enteado Eduardo Bolsonaro, deputado federal pelo PL-SP, acompanhou a apuração dos votos na casa do presidente eleito.
Michelle engrossou o coro de evangélicos influentes no Brasil que celebraram o triunfo de Trump. Uma das bases preferenciais do republicano é o chamado evangélico branco americano.
O pastor André Valadão, que comanda em Orlando um galho da mineira Igreja Batista da Lagoinha, também foi à rede social destacar o desfecho eleitoral.
Ele pede que seus seguidores reajam à conquista republicana. A maioria é simpática a ela. "Que alívio!! Deus fazendo a obra!! A próxima lavada de direita será o Brasil em 2026!!" é o comentário mais curtido.
O pastor Silas Malafaia foi outro a exaltar o resultado sobre a democrata Kamala Harris. "Ele fez barba, cabelo e bigode", diz. "Cadê os institutos de pesquisa? Cadê a imprensa esquerdopata? Eu não aguento essa imprensa tendenciosa, o tempo todo, falando ‘blá-blá-blá, a mulher tá na frente’. Pelo amor de Deus, o cara deitou e rolou."
Os levantamentos vinham apontando empate técnico entre os dois candidatos, sem cravar qual deles tinha mais força para vencer o pleito.
"Quem vota em direita sabe que a bandeira é a família tradicional, é contra aborto", diz Malafaia. "E é o que vai acontecer na América. Só que, desta vez, com Trump ganhando nas duas Casas [Senado e Câmara], vai mudar."
Ao emplacar um presidente e a maioria do Congresso, o conservadorismo ganha musculatura, segundo o pastor. Ficará mais fácil passar leis com apelo conservador, por exemplo. "Com as duas Casas na mão dele, a história vai ser diferente."
O bispo Alessandro Paschoall, da Igreja Universal do Reino de Deus, tratou o saldo das urnas como uma bola dentro do cristianismo. Postou no Instagram uma montagem em que Kamala aparece primeiro repreendendo pessoas que gritavam contra ela num ato de campanha. "Vocês estão no comício errado", ela disse na ocasião.
As redes conservadoras sugeriram que a democrata respondia a um homem que bradou "Jesus Cristo é o Senhor", pintando-a como inimiga dos valores cristãos. Mas não ficou claro se ela, que falava sobre aborto, reagiu a outros comentários críticos dessa turma. É possível ouvir alguém na audiência dizendo que ela estava mentindo, por exemplo.
O bispo intercala essa cena com outra de Trump recebendo uma oração de duas jovens loiras, olhos fechados e Bíblia na mão. Corta para outro momento do empresário dançando em um comício, uma trilha sonora que indica lacração sobre a adversária.
Paschoall comanda o Arimateia, grupo de conscientização política que empresta o nome de José de Arimateia, personagem contemporâneo a Jesus Cristo, descrito na Bíblia como senador e membro do que hoje equivaleria ao Supremo Tribunal Federal.
O pastor Cláudio Duarte, bastante influente nas redes sociais evangélicas, integra a turma entusiasmada com o retorno de Trump à Casa Branca. "Meus parabéns aos americanos que votaram com responsabilidade", escreveu num perfil virtual. E arrematou: "Uma boa mensagem para nós".
A senadora Damares Alves (Republicanos-DF), ex-ministra do governo Jair Bolsonaro (PL), viu em 2024 um trailer para o pleito presidencial que o Brasil enfrentará daqui a dois anos. Ela publicou uma foto de Trump vitorioso e outra de Bolsonaro, inelegível —sua militância nutre esperanças de ver esse status ser revertido até lá. "Simbora, capitão, 2026 é logo ali!", bradou Damares. "Estamos endireitando o mundo!" Fonte: https://www1.folha.uol.com.br
Sai o crime organizado, entra o legalizado
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Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.
Quantos vereadores ligados às facções criminosas não têm sido eleitos no país?
Cidades brasileiras com até 15 mil habitantes elegem nove vereadores. As que têm cerca de um milhão elegem 33. São Paulo, com seus mais de 11 milhões, elege 55. Tire a média e multiplique pelos, segundo o IBGE, 5.570 municípios do Brasil. A pergunta é: quantos dos quase 200 mil vereadores em exercício no país não fazem parte de alguma forma do crime organizado ou foram cooptados por ele?
A pergunta é irrespondível, porque nenhum deles se elege pelo PCC ou por seus satélites, mas por um dos 33 partidos legalmente constituídos, reconhecidos pela Justiça Eleitoral e com direito ao fundo partidário provido pela União para financiar suas campanhas. Os próprios cartolas dos partidos talvez nem desconfiem da ligação deste ou daquele de seus filiados com uma organização criminosa nem ele sobe ao palanque com o button da sua facção. Mas, assim que é eleito, já começa a trabalhar para os interesses do crime, propondo ou revogando leis, nomeando aliados ou facilitando o controle da polícia.
Para que serve um vereador infiltrado? Para o mesmo que um deputado estadual, federal ou senador, ou, se chegarmos a isso, um juiz, desembargador ou ministro —para a lenta costura interna do tecido jurídico, de modo a pôr o Estado a serviço do crime. Essa trama já começou há muito, com a diplomação anual de advogados saídos das facções e sua escalada a promotores ou defensores públicos.
Muitos candidatos a vereador a serviço delas terão sido eleitos há duas semanas, e talvez até alguns prefeitos. O TSE (Tribunal Superior Eleitoral), presidido pela ministra Cármen Lúcia, formou um núcleo de especialistas do Ministério Público e da Polícia Federal para cruzar os pedidos de registro de candidaturas com um possível envolvimento com o crime. É uma nova e poderosa prática de varredura, mas ainda embrionária. Não impede que as facções apontem como candidatos seus membros recém-admitidos, ainda sem nódoa na ficha.
O submundo descobriu que é melhor trabalhar sem balbúrdia, execuções, tiros, balas perdidas e arranca-rabos entre eles. Sai o crime organizado, entra o crime legalizado. Fonte: https://www1.folha.uol.com.br
A hora da política e do diálogo
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Só as ditaduras podem prescindir do debate livre e civilizado. O Brasil está cansado do radicalismo que mata a política e abre as portas para os aventureiros
Escrevo este artigo antes do resultado do primeiro turno das eleições municipais. Mas a temperatura política, marcada por preocupante radicalização, ausência de propostas e demonização do adversário, transmite a urgente necessidade de repensar muitas coisas.
O adversário não é um inimigo a ser extirpado. Todos, à esquerda ou à direita, deveriam saber que é típico do pensamento totalitário reivindicar o monopólio da verdade. Não há democracia sem diálogo. Só as ditaduras podem prescindir do debate livre e civilizado. O Brasil está cansado do radicalismo que mata a política e abre as portas para os aventureiros.
A maioria dos brasileiros, mesmo os que foram seduzidos pelas lantejoulas do marketing político, não está disposta a renunciar aos valores que compõem a essência da nossa tradição: a paixão pela liberdade e a prática da tolerância. É preciso investir na convivência pacífica e plural.
A radicalização ideológica, de direita ou de esquerda, não tem a cara do Brasil. Tenta-se dividir o País ao meio. Jogar pobres contra ricos, negros contra brancos, homossexuais contra héteros. Querem substituir o Brasil da alegria pelo país do ódio e da divisão. Tentam arrancar com o fórceps da intolerância o espírito aberto dos brasileiros. Procuram extirpar o DNA, a alma de um povo bom, aberto e multicolorido. Não querem o Brasil café com leite. A miscigenação, riqueza maior da nossa cultura, evapora nos rarefeitos laboratórios do fanatismo ideológico.
Está surgindo, de forma acelerada, uma nova “democracia” totalitária e ditatorial, que pretende espoliar milhões de cidadãos do direito fundamental de opinar, elemento essencial da democracia. Se a ditadura politicamente correta constrange a cidadania, não pode, por óbvio, acuar jornalistas e formadores de opinião.
O primeiro mandamento do jornalismo de qualidade é a independência. Não podemos sucumbir às pressões dos lobbies direitistas, esquerdistas, de orientação sexual ou raciais. O Brasil sempre lutou contra a censura. E só há um desvio pior que o controle governamental da informação: a autocensura. Para o jornalismo não há vetos, tabus e proibições. Informar é um dever ético. E ninguém, ninguém mesmo, impedirá o cumprimento do primeiro mandamento da nossa profissão: transmitir a verdade dos fatos.
A preservação da democracia, sempre acossada por projetos autoritários, depende, e muito, da qualidade técnica e ética da informação. Um exercício de autocrítica do nosso trabalho é necessário e conveniente.
As virtudes e as fraquezas dos jornais não são recatadas. Registram-nas fielmente os radares dos consumidores de informação. Precisamos, por isso, derrubar inúmeros desvios que conspiram contra a credibilidade do noticiário.
Um deles, talvez o mais resistente, é o dogma da objetividade absoluta. Transmite, num pomposo tom de verdade, a falsa certeza da neutralidade jornalística. Só que essa separação radical entre fatos e interpretações simplesmente não existe. É uma bobagem.
Jornalismo não é ciência exata e jornalistas não são autômatos. Além disso, não se faz bom jornalismo sem emoção. A frieza é anti-humana e, portanto, antijornalística. A neutralidade é uma mentira, mas a isenção é uma meta a ser perseguida. Todos os dias. A imprensa honesta e desengajada tem um compromisso com a verdade. E é isso que conta.
Mas a busca da isenção enfrenta a sabotagem da manipulação deliberada, da falta de rigor e do excesso de declarações entre aspas. O jornalista engajado é sempre um mau repórter. Militância e jornalismo não combinam. Trata-se de uma mescla que traz a marca do atraso e o vestígio do sectarismo. O militante não sabe que o importante é saber escutar. Esquece, ofuscado pela arrogância ideológica ou pela névoa do partidarismo, que as respostas são sempre mais importantes do que as perguntas.
A grande surpresa no jornalismo é descobrir que quase nunca uma história corresponde àquilo que imaginávamos. O bom repórter é um curioso essencial, um profissional que é pago para se surpreender. Pode haver algo mais fascinante?
O jornalista ético esquadrinha a realidade, o profissional preconceituoso constrói a história. É necessário cobrir os fatos com uma perspectiva mais profunda. Convém fugir das armadilhas do politicamente correto e do contrabando opinativo semeado pelos profetas das ideologias.
Veículos de comunicação tradicional e produtos digitais de credibilidade oxigenam a democracia. As tentativas de controle da mídia tradicional e também do mundo digital, abertas ou disfarçadas, são sempre uma tentativa de asfixiar a liberdade. Num momento de crise no modelo de negócio, evidente e desafiante, o que não podemos é perder o norte. E o foco é claro: produzir conteúdo de alta qualidade técnica e ética. Somente isso atrairá consumidores em qualquer plataforma. E só isso garantirá a permanência da democracia.
Vivemos tempos de forte polarização, de afirmações superficiais, carentes de profundidade e de saudável visão crítica. Tempos de cancelamentos, uma atmosfera viciada que pode desembocar em rupturas e fraturas sociais.
Chegou a hora da política e do diálogo. Fonte: https://www.estadao.com.br
*JORNALISTA. E-MAIL: DIFRANCO@ISE.ORG.BR
Ex-catador de lixo, novo prefeito define saúde e gestão de recursos como prioridades
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Guilherme Gonçalves (Podemos) recebeu 49,83% dos votos válidos em Ourinhos, no interior de SP
Guilherme Gonçalves (Podemos), ex-coletor de lixo, foi eleito prefeito de Ourinhos (SP) - Arquivo Pessoal
Brasília
A Prefeitura de Ourinhos (SP) será ocupada a partir de 1º de janeiro por Guilherme Gonçalves (Podemos), 33, um ex-trabalhador rural e ex-catador de lixo que pretende priorizar saúde e gestão de recursos públicos em seu primeiro cargo no Executivo.
Gonçalves começou como trabalhador rural registrado em carteira. Aos 18 anos, passou em um concurso público para a Prefeitura de Ourinhos. O município de 106 mil habitantes fica a 364 km da capital, no oeste do estado.
Na administração municipal, esteve em diversos setores, o último deles a coleta de lixo, de 2019 a 2020. "Essa história de passar pelas vilas com o caminhão me fez ver os problemas da cidade. Aí eu decidi sair candidato a vereador."
Ele se elegeu com 1.151 votos, o oitavo mais votado na cidade em 2020. Agora, para prefeito, recebeu 27.721 votos, derrotando Caio Lima (PSD), que obteve 23.355 votos (41,98%).
Eleito, Gonçalves definiu algumas prioridades em sua gestão, como uma atenção maior às partes mais distantes do centro.
"A gente nota que o cuidado não é igual ao da parte central. A gente vai também ter zelo com dinheiro público. O pessoal reclamou que não tem mais concurso público. Tem a parte de saúde também, que os moradores reclamavam bastante que não tem especialistas, como em neuropediatria", afirma.
Segundo ele, a composição da Câmara dos Vereadores não é majoritariamente de aliados. Mas Gonçalves se diz disposto a procurar e conversar com todos os vereadores eleitos. "A eleição acabou, todo mundo tem que pensar no bem da cidade. Entendemos que a democracia foi feita e todos eles foram eleitos. Agora, é esquecer a eleição."
"Eu queria que as pessoas não desistissem dos sonhos. De onde saiu, do bairro que saiu, do local que saiu, das possibilidades que teve na vida, todo mundo é capaz de chegar onde quiser", diz.
Presidente do Podemos, a deputada federal Renata Abreu diz que a história de vida e caminhada política do prefeito eleito é exemplo de superação e determinação. Fonte: https://www1.folha.uol.com.br
Marçal é filho de uma revolução cultural e social que vai longe
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Candidato surfa mudança profunda e que deve contaminar ainda mais a política
Pablo Marçal dá entrevista após debate no SBT - Rubens Cavallari- 20.set.2024/Folhapress
Pablo Marçal (PRTB) teve até aqui considerável, mas relativo, sucesso de público. Tem 24% dos votos, até 38% em um segundo turno e é rejeitado por 53%. Se não vier a ser inelegível por causa de crimes, apenas começou a carreira política? De onde veio, chegarão outros?
Talvez o tipo puro de marçalismo não prevaleça, mas a mentalidade que representa pode ter um terço do eleitorado, o que tende a orientar os novos investimentos do negócio político-partidário estabelecido.
Há grande revolução social e cultural, acelerada em torno de 2010, em parte por mídias sociais, renda maior e alterações no mundo do trabalho. A mudança agora é conhecida, mas pouco compreendida a fundo. Vamos sabendo dela em episódios traumáticos ou caricatos. Marçal é a mais recente cristalização política ou social desse mundo novo.
Houve Junho de 2013, contra o sistema político, o Estado e elites tradicionais. Houve Jair Bolsonaro, insider da escória política bizarra que passou por harmonização digital em um projeto de direita nova gestado desde o imediato pós-2013.
Houve a ascensão dos influencers. Há o mundo de Deolane Bezerra, presa por ser suspeita de ligação com esquema de lavagem de dinheiro de "bets". A influencer tinha 20,7 milhões de seguidores no Instagram ao ser detida; solta, foi a 22,2 milhões. Há a epidemia de jogo online.
Estudos indicam a disseminação do messianismo individualista e niilista quanto a política e movimentos sociais. Mídias sociais diminuíram custos de difundir informação e barreiras à entrada em mercados, entre eles o de mídia e de acumulação de status monetizável. É o futuro em que todos teriam 15 minutos de fama.
Marçal não é Bolsonaro, vai mais fundo: não foi adotado pelo mundo político, nem pelo centrão mais podre; espezinha políticos. É um garoto-propaganda das mentalidades da teologia da prosperidade ou da prosperidade teológica, temperado pelo que se chama dos valores da direita, que ele dissemina por meio de doutrinação, choque midiático e células familiares militantes.
A precarização do trabalho e a descrença na capacidade do Estado de melhorar vidas (quando não atrapalha) aumentam o apelo desse messianismo individualista, se diz. Pode ser, mas sabemos pouco de detalhes do mundo do trabalho.
Pelos grandes números, a formalização do trabalho está pouco abaixo do recorde do começo da década de 2010, assim como a parcela ocupada da população em idade de trabalhar; o salário médio passou do pico de 2013. A vida melhora um tico. Não parece social ou politicamente relevante.
Há precarização no trabalho, mas não sabemos de seu tamanho e o que é apenas nova forma de precarização. Certo é que o emprego desta economia meio pobre não dará vida satisfatória à massa ou acesso à vida instagramável. A grande mudança seria o vislumbre dessa existência fotogênica conspícua e exemplos raríssimos, mas inspiradores, de que há atalhos para se chegar lá, driblando desigualdades, emprego ruim e escola inútil.
A mudança religiosa tem peso, mas menos de um quarto dos eleitores paulistanos é evangélico e só um terço deles vota em Marçal (aliás, 15% não têm religião). Ideias de certos evangélicos é que parecem fazer parte de mudança cultural maior, revolução ainda pouco compreendida e que estoura outra vez na nossa fuça, na forma sórdida de um Marçal. Fonte: https://www1.folha.uol.com.br
Da cadeirada de agora ao Cacareco de ontem
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Seguimos negando as evidências, como se a defesa do meio ambiente nada tivesse que ver com a área municipal
Por Flávio Tavares
No próximo domingo, celebram-se eleições para prefeitos em 5.570 municípios, além de 58 mil vereadores ao longo do País. Na cidade de São Paulo, a expectativa pelo resultado é redobrada e ecoa Brasil afora, mas não só porque se trata da maior cidade do País e da América Latina.
O motivo principal foi a campanha eleitoral ou, mais exatamente, a “cadeirada” que dominou um dos debates entre os candidatos a prefeito. Mais do que nunca, aplica-se naquele episódio o velho refrão “vivendo e aprendendo”. No entanto, os políticos parecem não ter entendido o significado de uma eleição, vendo toda a campanha eleitoral como se fosse apenas uma contagem para arrebanhar votos. Ou uma simples aposta na Mega-Sena acumulada…
A “cadeirada” mostrou a pobreza da campanha eleitoral e, mais do que tudo, revelou que os insultos verbais geram reações impensadas. Não ouso defender o autor da “cadeirada”. No entanto, prefiro vê-la como uma reação à mediocridade da campanha eleitoral (revelada naquele debate) e da qual ele próprio foi um dos protagonistas.
Lembro-me agora do “resultado” da eleição à Câmara de Vereadores em 1959 na cidade de São Paulo. Naquela época não havia urna eletrônica como agora (quando usamos apenas números) e se votava escrevendo o nome do candidato preferido numa cédula de papel.
Pois, naquele ano de 1959, o rinoceronte Cacareco, do zoológico paulistano, obteve mais de 100 mil votos, transformando-se no vereador mais votado, suplantando mais de 450 candidatos à Câmara Municipal. A iniciativa e propaganda do rinoceronte-candidato foram inventadas pelo jornalista deste jornal Itaboraí Martins, e o Estadão encampou e divulgou.
Ali estava a crítica mais aguda à medíocre campanha eleitoral daquele 1959. Surgiu até uma canção para festejar o “candidato” que muitos entoavam pelas ruas. “Cansados de tanto sofrer / E de levar peteleco / Vamos agora responder / Votando no Cacareco”.
Os meios de comunicação do mundo inteiro contaram do “êxito” de Cacareco, que mesmo sendo o candidato mais votado, com mais de 100 mil sufrágios para ocupar uma das 45 cadeiras de vereadores, obviamente não foi reconhecido pela Justiça Eleitoral. Os sufrágios a ele destinados foram anulados.
Agora não existem rinocerontes que tomem o lugar de Cacareco, que morreu anos atrás, mas cujo esqueleto se encontra à mostra no Museu de Anatomia da Universidade de São Paulo.
No País inteiro, os partidos políticos e os candidatos a prefeito, vice e vereadores receberam agora R$ 4,9 bilhões (repito, bilhões), nada menos do que 150% superior à verba das eleições municipais de 2020.
Mundo afora, todos reconhecem que os municípios são a “célula mater” da administração pública. Lá, os problemas estão à mostra, ainda no nascedouro, antes de expandir-se pelo Estado e o País. Assim, é mais fácil resolvê-los. Entretanto, na maior cidade da América Latina a defesa do meio ambiente não apareceu na propaganda eleitoral ou foi apenas mencionada nos debates dos candidatos.
Assim, pergunto: será mesmo que estamos aprendendo com o desastre, ou continuamos na inércia, sem reagir à hecatombe da crise climática, que nós mesmos engendramos e fizemos nascer?
Nos anos 1970, em Belém do Pará, marcavam-se encontros para “antes” ou “depois” da chuva que despencava diariamente.
Tudo isso está desaparecendo por uma devastação progressiva e predatória em que a mata nativa está sendo avassalada pela especulação imobiliária. Nas áreas de Cerrado estão a maioria de nossas vertentes hidrográficas, mas nem isso tratamos de preservar.
Ou o mais sensato ou verdadeiro será recorrer àquele antigo versinho que virou refrão popular?
“Por falta de prego perdeu-se a ferradura / Por falta da ferradura perdeu-se o cavalo / Por falta do cavalo perdeu-se o cavaleiro / Por falta do cavaleiro perdeu-se a batalha / E assim perdeu-se o reino inteiro.”
Tudo está à mostra, mas parece não existir. O Cerrado sofre mais, atualmente, do que a Floresta Amazônica. As queimadas dos campos, em boa parte criminosas, aí estão espalhando minipartículas nas grandes e pequenas cidades. O Pantanal irá desaparecer até 2070, segundo cálculos da ciência climatológica. Quando conheci Belém do Pará nos anos 1970, lá chovia todos os dias. Atualmente, boa parte dos grandes rios estão secos ou assoreados. Já não há navegação nem pesca, coisas essenciais naquela região.
Em São Paulo, o Sistema Cantareira, que abastece grande parte da área metropolitana, está muito abaixo dos níveis normais. No entanto, continuamos a lavar calçadas com água tratada e potável ou seguimos lavando automóveis com a mesma água.
Seguimos, porém, negando as evidências, como se o assunto nada tivesse que ver com a área municipal. Poderemos negar as evidências, tal qual no passado não vimos que Cacareco era uma advertência?
*JORNALISTA E ESCRITOR, PRÊMIO JABUTI DE LITERATURA 2000 e 2005, PRÊMIO APCA 2004, É PROFESSOR APOSENTADO DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
O preocupante aumento da violência política
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A sociedade e seus representantes precisarão encontrar meios de desarmar os ânimos, desconstruir a polarização e obliterar a infiltração do crime organizado no poder público
Um levantamento do Observatório da Violência Política e Eleitoral (OVPE), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, identificou 455 casos de violência contra lideranças políticas do Brasil de janeiro a 16 de setembro deste ano. À medida que o pleito se aproxima, os incidentes aumentam. Entre julho e 16 de setembro, foram 15 homicídios. No período eleitoral crítico, daqui até o segundo turno, a tendência é de aumento.
A violência política tem se intensificado nos últimos ciclos eleitorais. Segundo levantamento do Estadão, a média de mortes por motivações políticas nos primeiros dez ciclos da redemocratização foi de 52. Em 2020, ao menos 72 brasileiros foram assassinados por motivações políticas. Só as agressões contra lideranças computadas pelo OVPE já são maiores que em 2020 e 2022.
Duas causas parecem alavancar essa escalada. Uma é da ordem da cultura política: a intensificação da polarização e da intolerância e a naturalização da truculência como meio de ação política. A outra é um problema sistêmico de segurança pública: a expansão e complexificação do crime organizado e sua infiltração no Estado.
Divergências são naturais e desejáveis em uma democracia. Mesmo certos graus de polarização são normais. Processos deliberativos e ciclos eleitorais culminam inevitavelmente em momentos em que é preciso decidir “sim” ou “não”, “contra” ou “a favor”. O problema é quando essas polarizações – necessárias, circunstanciais e localizadas – se degeneram em polarizações estruturais, generalizadas e perniciosas, e a pluralidade de esferas sociais passa a ser determinada pela clivagem político-ideológica.
Nas democracias esse processo de radicalização ocorre de cima para baixo. Políticos de ofício têm incentivos para promover atitudes polarizadas, forjando “batalhões” leais e permanentemente mobilizados. Em contrapartida, esses batalhões exigem de seus representantes um alinhamento cada vez mais estrito às linhas partidárias e desmoralizam os moderados. Cria-se um círculo vicioso entre elites políticas radicais e massas militantes radicalizadas, que esvazia o centro, amplia a distância entre os polos e intensifica a hostilidade entre eles.
Essa clivagem única degrada o processo democrático, impossibilitando interações, consensos e compromissos; disseminando desconfiança nas instituições e no jogo democrático; e incentivando o sensacionalismo e o tribalismo. Adversários políticos se tornam inimigos existenciais. A desumanização do “outro” propicia as condições para violências de todo tipo, desde a segregação até a eliminação.
Mas possivelmente a principal causa do aumento da violência é a infiltração do crime organizado na máquina pública. A atuação das facções e milícias passa pelo financiamento de campanhas de aliados, intimidação e extorsão de eleitores, ameaças a políticos, corrupção de agentes de Estado e captura de contratos públicos.
As forças de segurança precisam organizar núcleos específicos que investiguem permanentemente as relações promíscuas entre a política e o crime. Os partidos precisam aprimorar mecanismos de controle para identificar e afastar criminosos ou agregados do crime organizado.
Quanto à violência política “passional”, por assim dizer, a Justiça Eleitoral pode aprimorar as condições de segurança nos ciclos eleitorais, especialmente nos dias das eleições. Mas desarmar os ânimos não é tarefa de um dia, e a responsabilidade é de todos: de cada cidadão, das organizações civis, mídia, instituições públicas e, especialmente, elites políticas. Um desenho institucional de prevenção e mitigação deve considerar melhorias no sistema da Justiça Eleitoral e uma infraestrutura para a paz, incluindo pactos e códigos de conduta, comitês suprapartidários e campanhas e sistemas de alerta.
A responsabilidade final é do eleitor. A menos que puna hoje, nas urnas, os autoritários que instrumentalizam a retórica da demonização, do “vale-tudo” no “nós contra eles” e, sobretudo, os que apelam às vias de fato, amanhã não só seu voto pode ser tolhido, como a sua própria vida. Fonte: https://www.estadao.com.br
PT terá série com evangélicos que conecta ensinamentos bíblicos a bandeiras do partido.
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Ideia é que o material sirva de apoio para candidaturas petistas nestas eleições municipais
O PT preparou uma série de vídeos em que integrantes da comunidade evangélica relatam como o exercício de sua fé se relaciona com as bandeiras sociais e políticas do partido. A ideia é que o material sirva de apoio para as 32 mil candidaturas petistas que disputam as eleições municipais deste ano.
O advogado-geral da União, Jorge Messias, a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) e o pastor Oliver Goiano, da Igreja Batista da Lagoa, estão entre os entrevistados.
Intitulado "Testemunhos de Fé e Luta", o projeto é encabeçado pela Fundação Perseu Abramo, braço do PT que se dedica à pesquisa e à educação política do partido e que foi responsável pelo desenvolvimento da "Cartilha Evangélica – Diálogo nas Eleições", antecipada pela coluna.
Uma leva de oito vídeos com cerca de cinco minutos de duração foi preparada para divulgação. Ao gravar seu depoimento, o ministro Jorge Messias, que frequenta a Igreja Batista Cristã e diz professar sua fé há 40 anos, dedicou parte de sua exposição a desmentir o boato de que Lula (PT) pretende fechar igrejas.
"Tentaram usar isso na campanha de 1989, tentaram usar isso na campanha de 2002, 2006 e por aí vai. Fizeram isso também contra a presidenta Dilma. E a verdade é que desde que o presidente Lula foi eleito, no primeiro mandato em 2002, nunca houve na história desse país um aumento tão significativo de igrejas como nós temos presenciado nos últimos 20 anos", diz o chefe da AGU (Advocacia-Geral da União).
Messias ainda afirma que, graças à Lei de Liberdade Religiosa sancionada por Lula, igrejas protestantes criadas nos últimos anos tiveram mais facilidade para regularizar sua situação jurídica e financeira.
"Eu, como caminho com Deus há 40 anos, posso ver e pude testemunhar o avanço de novas denominações. Isso é resultado de uma lei aprovada pelo presidente Lula", diz o ministro, que também atribui a governos petistas a expansão internacional de igrejas evangélicas brasileiras.
O chefe da AGU também compara a existência de fake news à passagem bíblica que versa sobre a presença da serpente no Jardim do Éden.
"Muitas mentiras são produzidas para serem penetradas nos meios evangélicos como o único propósito de causar temor e intranquilidade nos nossos irmãos. E isso tem, infelizmente, fins eleitorais", diz.
A deputada Benedita da Silva, por sua vez, brinca que é chamada de "PTcostal". Adepta da Igreja Presbiteriana Betânia de Niterói, a parlamentar diz não ser verdade a afirmação de que evangélicos não votam PT e compara pautas defendidas pelo partido a ensinamento cristãos.
"Meus irmãos e minhas irmãs, o PT cuida das pessoas, e elas podem estar em qualquer condição. Ela pode ser, no sentido bíblico, a prostituta que está conversando com Jesus, ela pode ser aquele que está na cadeia, ela pode ser aquele que está sem casa, no meio da rua. Podem ser aquelas criancinhas abandonadas, pode ser o trabalhador desemprego", afirma Bené, como é conhecida.
"Nós [evangélicos] temos muito mais em comum com o PT do que nós possamos imaginar", segue a deputada, que em determinado momento da gravação se dirige especificamente às mulheres evangélicas.
"Queria chamar a atenção dessas mulheres [para falar] que esse governo tem muito a ver com a nossa prática cotidiana. A gente que limpa igreja, a gente que faz quentinha para doar. O governo tem cozinha solidária", afirma Benedita.
Também foram entrevistados para a série o secretário de Educação Superior do Ministério da Educação, Alexandre Brasil, o sociólogo e ex-prefeito de Carapicuíba (SP) Sergio Ribeiro, a jornalista Nilza Valeria, a assessora parlamentar Bernadete Adriana Alves de Lima e o pastor batista Sergio Dusilek. Fonte: https://www1.folha.uol.com.br
com BIANKA VIEIRA, KARINA MATIAS e MANOELLA SMITH
O fenômeno Marçal
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Com ele, mais do que com Bolsonaro, o uso das redes tornou-se um instrumento imprescindível de qualquer campanha, presentes e futuras
Menos fígado, mais inteligência. Menos julgamentos apressados, mais análise. O surgimento e a força da candidatura de Pablo Marçal a prefeito de São Paulo exigem a compreensão desse fenômeno, o que pressupõe abandonar juízos açodados, se não preconceituosos, como se fosse ele uma espécie de perversão da boa política, quando essa se tornou no Brasil, nos últimos anos, ela mesma pervertida.
Partidos políticos afastaram-se cada vez mais de sua função de representação dos interesses da sociedade em sua diversidade, tornando-se máquinas de atendimento dos seus próprios interesses, paroquiais e corporativos, quando não instrumentos de corrupção. O espetáculo escabroso das emendas parlamentares, seu montante assustador e sua falta de transparência apenas distancia ainda mais os cidadãos dos seus representantes. Um pilar da democracia mostra-se, assim, periclitante. Os candidatos a prefeito, via de regra, são incapazes, inclusive, de apresentar programas e ideias viáveis para suas respectivas cidades. Agora, dizer que Marçal vai contra a boa política, seja lá o que isso signifique, apenas reforça a ausência de compreensão do que essa mesma política se tornou.
Um candidato foi fisicamente agredido em uma cena propriamente ridícula. O agressor, aliás, é candidato do PSDB, partido que até poucos anos atrás foi o mais importante, com um histórico impressionante de realizações. Seus políticos, especialmente em São Paulo, eram um exemplo para todo o País. Ora, é esse mesmo partido, em processo de franca decadência, que escolheu um personagem para prefeito buscado às pressas no mundo televisivo, como se fosse uma nova promessa de soerguimento partidário. Aliás, os outros candidatos não apresentaram nenhuma solidariedade com o agredido, tendo suas falas, hipocritamente, condenado a agressão para logo aduzirem o uso do “mas”, em argumentos que apenas justificavam o ataque.
Marçal rompe com a política tradicional tal como vinha sendo feita nas últimas décadas. Baseia-se essa em um tripé: coligações partidárias, financiamento eleitoral e partidário e tempo de rádio e televisão. Ora, o candidato contestador ameaça chegar ao segundo turno e, mesmo, ser prefeito de São Paulo, sem preencher nenhuma dessas condições. É candidato de um partido que nem representação parlamentar tem, não tendo se aliado a nenhum outro partido. Não usufrui tampouco de financiamento público, tendo de se virar com doações privadas ou uso de recursos próprios. O seu tempo de rádio e televisão é nulo, sendo ele o expoente de um novo meio de comunicação, as redes sociais, as quais sabe usar admiravelmente. Causa espanto que os outros candidatos não tenham se apercebido a tempo da importância desse novo meio de comunicação, contentando-se com os meios tradicionais.
O grande ativo de Pablo Marçal consiste no uso das mídias sociais. Excelente comunicador, exímio nos cortes das gravações, volta-se exclusivamente para isso, talvez em excesso, o que não deixa de produzir efeitos deletérios, como quando, um pouco apressadamente, colocou-se como vítima. É como se tivesse sofrido uma grande fratura. Não colou! A sua imagem de homem forte perdeu aderência. Entretanto, o que deve ser ressaltado é que, com ele, mais do que com Jair Bolsonaro, o uso das redes sociais tornou-se um instrumento imprescindível de qualquer campanha eleitoral, presentes e futuras. Os políticos que não compreenderem isso estarão fadados ao fracasso.
Há outro aspecto essencial que deve ser ressaltado em sua candidatura: a sua mensagem. Analistas têm frisado primordialmente seu perfil negativo, baseado na lacração, no ataque e em inúmeras agressões verbais. Em segundo plano tem ficado a enorme adesão que suas falas, melhor dito, ensinamentos têm produzido em seus seguidores e eleitores. Ele representa, melhor do que ninguém, um Brasil que quer crescer, onde as pessoas melhorarão seu nível de vida, preocupando-se principalmente com seu bem-estar social. As pessoas almejam melhores condições de vida, livres das amarras do Estado, podendo progredir por si mesmas. Não necessitam da bengala do Estado, não querem bolsas-esmola, mas espaço para sua livre iniciativa. São pessoas empreendedoras, que desejam melhores condições econômicas e sociais.
Não mais se contentam com políticas de esquerda, de assistencialismo à pobreza, que só tornam os cidadãos uma massa de manobra para esses partidos políticos. Entendeu esse novo público que o discurso para os pobres é miserável por si mesmo, tendo como objetivo meramente criar uma clientela partidária fiel, mesmo que revistam a sua narrativa de uma aparência humanitária. Almeja ele crescer por suas próprias mãos, sendo livre e independente para empreender. Essas pessoas não visam a pertencerem a um sindicato, atrelando-se a seus dirigentes, que, por sua vez, só perseguem seus próprios privilégios. Estão imbuídas do espírito capitalista da prosperidade. E elas se reconhecem em Marçal. Fonte: www.estadao.com.br
*É PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS. E-MAIL: DENISROSENFIELD@TERRA.COM.BR
Trump se torna o centro da eleição
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Trump se torna o centro da eleição
Em debate, Kamala Harris consegue transformar a disputa num referendo sobre o ex-presidente, e não sobre o atual, e ainda se livrou de ter de explicar seus planos, de resto desconhecidos
Na acirrada disputa pela presidência dos Estados Unidos, o contraste entre o primeiro e o segundo debates entre os candidatos não poderia ser maior. Há 50 dias, o presidente Joe Biden, postulante à reeleição pelo Partido Democrata, teve um desempenho tão desastroso que se viu obrigado a desistir da disputa. A nova candidata democrata, a vice-presidente Kamala Harris, já havia recolhido com sucesso, na convenção do partido, todos os votos democratas deixados pelo caminho. Foi em meio a uma disputa cabeça a cabeça que ela entrou no debate com Donald Trump – e venceu. Não por nocaute, mas com uma margem confortável de pontos.
O debate expôs as estratégias das campanhas. A dos republicanos é implicar Harris com o governo impopular de Biden e assustar os moderados com seu histórico de apoio a políticas radicais das elites esquerdistas, ou forçá-la a negá-las, e então denunciar sua inconsistência. Sobretudo, o maior temor dos estrategistas era que Trump não perdesse a calma. O principal desafio de Harris era mostrar aos eleitores um caráter sólido, apto a governar o país, depois, evitar comprometer-se com políticas que pudessem soar radicais e, por fim, expor a personalidade volátil e temerária de Trump.
Essa personalidade já foi naturalizada na opinião pública. Como candidato bem conhecido, Trump era o que tinha menos a perder, mas, o pouco que tinha, perdeu. Como candidata menos conhecida, Harris era quem tinha mais a ganhar, e ganhou. Considerando as duas estratégias, Harris conseguiu expor a vaidade de Trump. Trump fracassou em expor a vacuidade de Harris. Ele não conseguiu forçá-la a defender suas políticas. Ela o induziu a cair na provocação.
Como notaram os analistas do New York Times L. Lerer e R.J. Epstein: “Harris explorou habilmente a maior das fraquezas de seu oponente. Não o seu histórico. Não suas políticas divisivas. Não sua história de declarações inflamatórias. Ao invés disso, alvejou uma parte muito mais primitiva dele: seu ego”. Seja declarando que líderes mundiais dizem que ele é uma “vergonha”, seja sugerindo que sua fortuna não era a de um “self-made man”, mas de um herdeiro mimado, ela conseguiu a um tempo se esquivar de questões temerárias e forçar o adversário a submergir seus questionamentos mais pertinentes em surtos de fúria, hipérboles e digressões.
O maior exemplo foi num tema que deveria ser um prato cheio para Trump, quando os mediadores questionaram Harris por que só agora a gestão de Biden decidiu agir contra a imigração ilegal. Harris disse algo sobre seu histórico como promotora, e rapidamente virou o holofote para Trump, acusando-o de sabotar um projeto de lei anti-imigração. Mas o golpe de mestre foi questionar o tamanho de seus comícios “entediantes”. Trump queimou sua réplica fulminando sobre como seus comícios eram os mais “incríveis na história da política”.
A fala mais efetiva de Trump – “se você tem todas essas grandes ideias, por que não as pôs em prática nos três anos e meio de governo?” – deveria ter sido dita no começo, corroborada com dados, e repetida insistentemente ao longo do debate. Mas foi dita só no fim, sem contundência. Na defensiva, era como se ele fosse o incumbente e ela, a desafiante. Repetidas vezes Harris falou em “virar a página”: ela tem “planos” (embora nunca bem esclarecidos), ela é a “novidade”, o “futuro” – ele é só um velho rancoroso.
Esse foi não só o primeiro debate entre ambos, mas o primeiro encontro – e possivelmente será o último. Os candidatos voltaram aos seus casulos, e as estratégias estão traçadas. Trump manterá sua militância inflamada. Harris se esquivará de confrontos em entrevistas e se oferecerá como uma candidata normal contra um candidato caótico, transformando a eleição num referendo sobre Trump.
Fazendo as contas do debate, Trump certamente não ganhou eleitores. Provavelmente também não perdeu. A questão é se Harris ganhou ou não o favor dos indecisos. Eis outro grande contraste com o debate anterior: aquele mudou tudo, este possivelmente mudará pouca coisa. Mas, numa eleição tão apertada, esse pouco pode ser o que Harris precisa para levar o grande prêmio. Fonte: https://www.estadao.com.br
A Independência deve iluminar o futuro
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O 7 de Setembro será uma data como outra qualquer se não servir para profunda reflexão sobre o bom uso da liberdade da Nação como única via para um país mais auspicioso para todos
O Brasil celebra hoje 202 anos como país soberano. A Independência do então Reino de Portugal marcou a ruptura com o passado colonial e a afirmação de um povo que almejava traçar o próprio destino. É de um anseio por liberdade e progresso que se trata. O 7 de Setembro, portanto, será apenas uma data qualquer no calendário se não servir para que os cidadãos reflitam sobre as experiências coletivas acumuladas nestes mais de dois séculos e, principalmente, decidam que passos hão de ser dados pela Nação brasileira em direção a um futuro mais auspicioso para todos.
Esse salto verdadeiramente libertador jamais poderá ser dado em sua plenitude enquanto os cidadãos não enxergarem uns nos outros os traços de união que os fazem brasileiros acima de tudo. Nos últimos anos, como tristemente se constata, os atributos que os separam têm sido os mais realçados. O estímulo à cizânia foi covardemente instrumentalizado como um ativo político-eleitoral. Soluções de consenso para problemas graves que ainda mantêm o País aferrado ao atraso não raro sofrem sérias interdições em decorrência de animosidades fabricadas por quem, ao contrário, deveria pregar a união nacional em prol do bem comum.
Todo dia é dia de pensar no significado de ser independente, mas hoje particularmente. Ser independente não se restringe a uma mera declaração de autonomia, como aquela de 1822. É um exercício contínuo, diário, muitas vezes árduo e frustrante. Escolhas coletivas exigem da sociedade – de qualquer sociedade, não só a brasileira – maturidade política, social e econômica. A Independência que hoje se celebra significa, antes de tudo, a capacidade do povo de se autodeterminar com responsabilidade, vale dizer, com respeito às leis e à Constituição pactuadas em conjunto e, sobretudo, com respeito aos seus concidadãos.
Não se constrói um país genuinamente livre sem respeito às liberdades individuais e aos direitos e garantias fundamentais assegurados a todos pela Lei Maior. Isso se materializa em instituições sólidas e confiáveis, comprometidas com o Estado Democrático de Direito, e numa sociedade civil engajada na defesa dos valores republicanos. Contudo, o que se vê com frequência maior do que seria suportável são autoridades que se julgam acima das instituições que representam e uma sociedade cindida, incapaz de concertar consensos mínimos para o desenvolvimento do Brasil por nem sequer compreender que a miséria de uns é a falência de todos como nação.
É inescapável constatar que esse estado de coisas está instalado no País por força dos estímulos que as desavenças entre os cidadãos, inclusive entre familiares, têm recebido para que projetos políticos individuais – mesquinhos, portanto – se sobreponham aos grandes projetos nacionais. O nome de cada um desses patriotas de fancaria é sobejamente conhecido, de modo que para este jornal, nesta data nacional, interessa mais apelar à consciência cívica dos cidadãos para que examinem como suas ações públicas se coadunam com as necessidades de uma sociedade que precisa urgentemente se reconciliar – o que não significa, em absoluto, calar as eventuais dissonâncias que caracterizam qualquer sociedade democrática e vibrante.
A união nacional não se confunde com homogeneidade de pensamento. Ao contrário. Foi na construção de acordos em torno da pluralidade de ideias e da diversidade de pensamentos e visões que o Brasil encontrou forças para realizar conquistas coletivas inimagináveis. Aí estão a redemocratização do País, a volta das eleições diretas, o Plano Real, a criação do Sistema Único de Saúde, entre tantas outras. A sociedade já foi capaz de mostrar que suas divisões não são insuperáveis, ao contrário do que pregam e estimulam os arautos do caos.
Tendo a Constituição como norte incontornável, cabe a todos os cidadãos, hoje e sempre, desarmar os espíritos e reconhecer que adversários políticos não são inimigos a serem eliminados. O Brasil são muitos. Só a partir dessa compreensão que há de triunfar o verdadeiro espírito da Independência. Fonte: https://www.estadao.com.br
Eleições
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Dom Leomar Brustolin
Arcebispo de Santa Maria (RS)
Uma forma de celebrarmos o dia da Pátria, que se aproxima, é nos comprometermos cada vez mais com uma sociedade justa e fraterna para que o nosso Brasil se torne uma nação mais humana e solidária. Para garantir esses ideais, a atenção ao processo eletivo de nossos governantes é um imperativo para um povo que visa a ética na sociedade.
Nesse contexto, o Regional Sul 3 da CNBB, por meio do Conselho Regional de Pastoral que reúne os Bispos, Coordenadores de Pastoral e Coordenadores das Comissões de Pastoral das 18 dioceses do Rio Grande do Sul, orienta os fiéis católicos e demais homens e mulheres de boa vontade para participar de forma ativa e consciente do pleito municipal de 2024. Com o Papa Francisco compreendemos que é “necessária a política melhor, a política colocada ao serviço do verdadeiro bem comum” (Fratelli Tutti, n. 154).
A Igreja Católica é apartidária, ou seja, não tem partido. Empenhada com a missão de anunciar o Evangelho, ela não renuncia ao seu compromisso político, que é o caminho concreto para a construção de uma sociedade mais justa e fraterna, na qual todos possam viver com dignidade.
A gravidade dos desafios surgidos no Estado do Rio Grande do Sul com as enchentes e inundações exige um intenso trabalho para reunir forças, superar divisões e fortalecer a esperança. É tempo de cuidar e recuperar o sentido de pertencimento a esse pampa querido. É tempo de investir em projetos comuns e oferecer respostas que vão ao encontro da nova realidade que se nos impõe.
Diante disso, elencamos alguns critérios indispensáveis que iluminam a escolha de prefeitos e vereadores, para um voto participativo e consciente:
1-Compromisso com a promoção, a defesa e a proteção da vida de todas as pessoas, desde a concepção até a morte natural;
2-Promoção da família, com posicionamentos que priorizem e defendam os seus valores;
valorização do Diálogo e da Paz, com discurso conciliador, capaz de escutar e defender as propostas, sem ofender os outros;
3-Empenho pelo bem comum, propondo projetos e ações que visem, particularmente, os mais necessitados, sem excluir ninguém;
4-Postura ética, correta e justa, sem histórico de envolvimento em casos de corrupção;
preocupação e cuidado com Ecologia Integral, colocando a emergência climática como prioridade.
Ao eleitor exortamos não “vender” seu voto. O voto direto, secreto, livre, consciente e soberano é um direito de todo cidadão (Constituição, artigo 14, caput).
Pedimos às comunidades cristãs que acolham a todos, sem promover um ou outro candidato. A propaganda eleitoral, em templos de qualquer culto, é proibida. Além disso, é vedado qualquer pedido de votos, implícito ou explícito, no ambiente das igrejas, capelas, instituições religiosas e similares.
A nossa participação na política ultrapassa o voto, pois é preciso também acompanhar e cobrar daqueles que forem eleitos.
Urge criar um clima coletivo de liberdade para construirmos a paz entre nós. Em toda a sociedade dinâmica e criativa, as tensões são normais, mas não podem se converter em pressões e ameaças que afetem desastrosamente o processo democrático e a amizade social.
Que a Virgem Maria, profetisa da Esperança, renove nosso empenho por uma sociedade onde “justiça e paz se abraçarão” (Sl 85,11).
Conforme decidimos em Assembleia do Clero de Santa Maria, neste segundo final de semana de setembro, esta carta será lida ao final de todas as celebrações eucarísticas. Fonte: https://www.cnbb.org.br
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