OLHAR CARMELITANO: A FORMAÇÃO CARMELITANA
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Frei Joseph Chalmers, O.Carm.
Ex- Prior Geral
O ano do Jubileu está sendo apresentado como uma oportunidade para a renovação da Igreja inteira. Consequentemente pode ser também uma oportunidade de renovação para nossa Ordem. Nós só poderemos esperar uma renovação da Igreja, da Ordem, da nossa Província e da nossa comunidade se estivermos dispostos a nos renovar também. Esta renovação em si mesma é uma parte importante do trabalho de formação, que é essencial para a vitalidade e a missão da Ordem. Está claro que o processo de formação dura toda a vida. Assim formação não deve ser apenas um assunto para as Províncias que têm uma abundância de estudantes no momento. Mas cabe a cada um de nós porque é o processo no qual cada um está envolvido. Se isto não estiver claro na mente de cada confrade, está claríssimo em nossas Constituições e na Ratio.
"A formação carmelita é um processo específico, através do qual a pessoa se indentifica com o projeto de vida carmelitana, que consiste em ser uma fraternidade contemplativa no meio do povo.
Assim, o Carmelita torna-se cada vez mais um discípulo autêntico de Jesus Cristo, participa da oferta que Ele fez de si mesmo ao Pai e partilha plenamente a Sua missão para o bem da humanidade, segundo o carisma específico do Carmelo." ( Const. 117).
Por isso pelo processo de formação, nós aprendemos a nos identificar completamente com o ideal Carmelita. Isto absolutamente não significa saber algumas orações de Nossa Senhora ou até mesmo poder recitar partes da Regra em latim. Identificar-se complemente com o ideal Carmelita significa fazer com que os valores fundamentais carmelitas se tornem os nossos valores. Acredito piamente que a vocação não é algo imposto de fora em nós, mas é um chamado de Deus para crescermos e para nos tornar o que Deus sabe que nós podemos ser. Se nossa vocação como carmelitas é autêntica, isto significa que nosso caminho para a maturidade humana e cristã é o caminho carmelita. Seremos então fiéis a Jesus Cristo e ao Evangelho quando o formos ao chamado que ele nos fez.
As nossas Constituições dizem que os Carmelitas são chamados à maturidade em Jesus Cristo e que por isso devem empenhar-se num processo ininterrupto de conversão do coração e de transformação espiritual (Const. 118). É muito difícil, se não impossível, definir o que seja a maturidade humana e espiritual. Mas acredito que tem algo a ver com o processo por meio do qual os valores exteriores são interiorizados e passam a fazer parte de nós. Por isso gostaria de questionar: os valores carmelitas fazem parte da nossa vida? Temos interiorizado estes valores? Eles realmente são os nossos valores?
É evidente que se não estiver claro para nós quais são os valores carmelitas fundamentais, que unem homens e mulheres em muitos países e culturas diferentes na chamada Família Carmelita, será muito difícil vivê-los verdadeiramente. Em primeiro lugar, respondendo ao chamado divino, devemos nos empenhar em viver submissos a Jesus Cristo e abraçar o Evangelho como a norma suprema de nossas vidas. Isto significa que Jesus Cristo deve ser a pessoa mais importante em nossas vidas e que busquemos cada dia conhecê-lo melhor para podermos viver a sua mensagem de uma maneira mais profunda. Não é suficiente só conhecer algumas coisas de Jesus Cristo, é necessário também deixar um espaço para ele em nossas vidas e nos "vestir com a mente de Cristo". Deixar espaço para uma outra pessoa em nossa vida significa abrir possibilidade de mudança, porque damos um certo poder para ela. Mas é freqüente pessoas optarem por permanecerem em relações muito superficiais, de forma que a mudança não acontece. Isto também é possível na relação com Cristo. Nossa relação com Jesus Cristo é superficial ou profunda?
O seguimento a Cristo como religiosos envolve "a plena aceitação das condições que Cristo pede àqueles que querem segui-Lo neste gênero de vida", ou seja, a obediência, a pobreza e a castidade (Const. 4). Tentamos conformar nossas vidas à sua e é bom sempre recordar que ele veio para servir e não ser servido. Buscamos servir aos outros de acordo com a vontade de Deus ou fazemos aquilo que gostamos?
De acordo com a Regra que professamos, devemos ser homens da Palavra e dia e noite meditar na lei do Senhor. A nossa tradição nos apresenta dois grandes modelos de inspiração: Nossa Senhora e o Profeta Elias, que deram as boas-vindas à Palavra de Deus nas suas vidas e por quem Deus operou maravilhas. Os Carmelitas são conhecidos por sua devoção mariana. Expressões desta devoção são os hinos e as orações a Nossa Senhora, novenas, estátuas bonitas e quadros. Estas expressões variam de acordo com a cultura, mas nada disto é a própria devoção. São sinais externos de uma devoção profunda, mas podem até mesmo não ter qualquer significado, se não representam o que está acontecendo de fato nas vidas das pessoas. Uma verdadeira devoção a Nossa Senhora pelo menos deve incluir a tentativa de imitar as suas virtudes. Isto está claro na Oração depois da Comunhão do dia 16 de julho, Solenidade de Nossa Senhora do Carmo, que diz: "Deus nosso Pai, a comunhão do precioso Corpo e Sangue do vosso Filho, dom do vosso amor, nos fortifique e nos torne imitadores da Bem-aventurada Virgem Maria, a nós que somos consagrados ao seu serviço”. Orgulhosamente usamos o escapulário que é um símbolo de nosso compromisso de estar a seu serviço e sob sua proteção materna. Quem se veste com o escapulário, deve também se revestir com as virtudes de Maria. As expressões externas de nossa devoção mariana são importantes, mas muito mais importante é o coração da própria devoção. Como é a nossa devoção a Nossa Senhora?
E nossa relação com o Profeta Elias? Temos orgulho de nossa herança espiritual, mas o que quer dizer na verdade o Profeta Elias para nós hoje? Ele é inspiração para nós também no episódio da caminhada até Monte Horeb, quando debaixo do junípero não tinha vontade de continuar, mas não obstante continuou até a montanha santa onde ele se encontrou com Deus no murmúrio da brisa leve? A sua atividade profética continua nos inspirando hoje? Ele condenou o Rei Acab por causa da sua violenta injustiça contra Nabot. Qual é a nossa reação diante das injustiças que estão presentes em todos os países e culturas? Elias é uma figura histórica interessante e cativante. Mas pergunto: ele é somente alguém que preenche a lacuna da falta de um fundador ou é realmente uma inspiração viva para nós hoje?
Inspirados por Nossa Senhora, nossa Patrona, nossa Mãe e nossa Irmã, e pelo Profeta Elias, vivemos nossa vida “de obséquio a Cristo, empenhando-nos na busca do rosto do Deus vivo (dimensão contemplativa da vida), na fraternidade e no serviço (diakonia) no meio do povo” (Const. 14). A dinâmica do deserto é um elemento vital em nossa espiritualidade e isto envolve um abertura total para Deus e um esvaziamento progressivo de si mesmo (Cf. Const. 15). Qualquer tentativa séria para viver a vida Cristã ou viver estes valores Carmelitas nos conduzirá ao deserto. É verdade que é um lugar muito incômodo, mas também é o lugar propício para nossa salvação, porque é ali que somos libertados de tudo aquilo que não é Deus e onde Deus fala aos nossos corações.
A caminhada no e pelo deserto é contemplação. É comum ver que se aceita o ideal Carmelita de contemplação somente na teoria, mas não de fato na vida e no coração, porque não se pensa que realmente tenha qualquer coisa a ver com a vida, uma vez que se associa à contemplação idéias enganosas. Ninguém quer ser mergulhado na noite escura de São João da Cruz ou sofrer como Santa Teresinha, mesmo que admire estes dois santos. Assim nós deixamos a contemplação para as monjas enquanto nos dedicamos ao serviço do Povo de Deus em nossas paróquias, escolas, movimentos, obras sociais, etc. A contemplação não é uma recompensa por se passar longas horas em oração; é o caminho do egoísmo ao puro amor, de uma superficial para uma íntima relação com Deus. A contemplação não é para uma elite mas para todos nós. Para algumas pessoas o caminho da contemplação é dramático, no entanto para a maioria de nós, acontece nos eventos normais da vida diária. Não podemos evitar todo sofrimento nesta caminhada, porque a casca dura do nosso egoísmo deve ser demolida de forma que nós possamos ser libertados para amar como Deus nos amou. A cruz particular que nós precisamos levar é justamente a adaptada para os nossos ombros. A noite escura pela qual nós temos que passar é a adequada exatamente para nós.
Deus usa todos os elementos de nossa vida para realizar o seu plano em nós. Fomos criados para uma vida de intimidade com Deus; antes de alcançar este ponto, devemos ser purificados de tudo aquilo que não é Deus; nosso egoísmo natural deve ser transformado em puro amor. Ser Carmelita é para nós a forma para viver fielmente os valores de nossa vocação, assim nos tornamos o que Deus quer que nós sejamos. Então a tentativa séria de viver a fraternidade e o serviço no meio do povo é no modo pelo qual Deus desafia as nossas tendências egoísticas. É uma tentação constante evitar estes desafios. Camuflamos o desafio de um encontro com o Deus Vivo, quando transformamos a oração num evento ocasional, no qual fixamos o programa e falamos o tempo todo. Assim não temos que ouvir o que Deus quer nos dizer. A vida humana está direcionada para o encontro final com o Deus da Vida. Não temos como evitar este encontro.
Assim o principal trabalho de formação em nossas vidas é consentir-nos estar na presença amorosa de Deus e deixar-nos conduzir pela ação divina. É através destes valores Carmelitas que Deus nos transformará. Este é o maior serviço que nós podemos oferecer para a Igreja. Um coração humano que aprendeu como amar verdadeiramente pode anular o ódio de milhões. Santa Teresa de Ávila nos conta que as moradas do conhecimento de si são as primeiras que se atravessa quando a pessoa entra no Castelo Interior e o conhecimento de si é um companheiro essencial para todo de nossa caminhada. (Castelo Interior 1,2,9). Mas o conhecimento de si é muito difícil porque somos tão sutis; podemos nos enganar e racionalizar nossas ações para justificar o que queremos fazer, em lugar de tentar fazer o que Deus quer que nós façamos.
Viver o valor da fraternidade não é nada fácil, porque as outras pessoas desafiarão nossas idéias e nos pedirão virtudes que não possuímos em abundância. Viver com os outros é muito formativo. Alguém certa vez disse: "eu amo todo o mundo; mas não gosto das pessoas concretas!" Assim podemos recusar viver o valor da fraternidade pelas mais variadas razões, que podem parecer ser perfeitamente boas para nós. "Não se pode viver com o Frei X "; "o povo daquela paróquia não está com nada, por isso ... "; "a Província não se preocupa comigo, assim eu não tenho nada que ver com ela", etc. Sejamos honestos! Muitas coisas que fazemos, nós fazemos porque queremos. Claro que é possível que o que queremos fazer possa ser de fato o que Deus quer que nós façamos, mas o oposto também é possível.
Somos chamados a servir. Servir envolve um trabalho, mas nem sempre podemos equiparar nosso trabalho com o serviço que Deus quer de nós. Antes do começo do seu ministério público, Jesus enfrentou uma série de tentações. Ele foi tentado a não enfrentar o desafio da própria vocação e a reivindicar para si privilégios especiais. Ele foi tentado a se vender aos poderes deste mundo e a aceitar aclamação ganhada facilmente. Ele foi tentado para evitar a cruz. No meio destas tentações, Jesus fez as escolhas fundamentais que moldaram a sua vida inteira. A estas opções ele permaneceu fiel até a morte. Quais são as nossas opções fundamentais? Elas estão em sintonia com os valores Carmelitas fundamentais aos quais nos comprometemos viver pela nossa profissão religiosa? Nós estamos tentando ser fiéis a eles?
Há certas coisas que estão disponíveis e nos ajudam a continuar fiéis ao que prometemos. Uma delas é o encontro diário com Deus no horário dedicado à oração pessoal. Em geral não temos mais as estruturas do passado que nos ajudavam diariamente fazer a meditação em comum. Como homens maduros não precisamos destas estruturas, mas precisamos dedicar um tempo adequado cada dia para falar com Deus e escutá-lo. Isto é fundamental para qualquer vida espiritual. Santa Teresa de Ávila disse que oração não é nada mais do que um compartilhar íntimo entre amigos; significa dar tempo para estar a sós com Ele, que nós sabemos que nos ama (Vida 8,5). Se não dedicamos tempo para estar com nossos amigos, a relação permanece muito superficial. Talvez perdemos o hábito de simplesmente passar tempo a sós com Deus. Eu encorajo a todos insistentemente para que retomem este hábito, se o abandonaram. No tempo de noviciado e de formação normalmente se dedica mais tempo para a meditação e oração pessoal. Isto não é só para ser praticado durante este período, mas durante a vida toda. Talvez vocês esqueceram o que fazer. Há muitos livros que podem nos ajudar a rezar, mas o melhor de todos é o livro dos Evangelhos. Talvez vocês não são muito atraídos a oração pessoal porque é muito enfadonha. "Muitas vezes, alguns anos, eu me entretinha mais em desejar que acabasse logo a hora que eu tinha determinado para estar em oração e mais ansiosa ainda por escutar o toque do relógio…" (Vida 8,7). Estas são as palavras de Santa Teresa, assim nós estamos em boa companhia em nossas dificuldades!
Outra coisa muito boa e útil para a caminhada espiritual é o retiro anual. Há Províncias que já não organizam mais estes encontros. Dão a desculpa de que cada um individualmente pode escolher o tempo e o lugar onde queira fazer seu retiro anual. Devo dizer com certa tristeza que muitos parecem ter perdido este hábito ou não dão qualquer valor para este tipo de exercício espiritual. Novamente eu encorajo insistentemente a todos para utilizar este meio eficaz e eficiente de formação permanente. É uma oportunidade para se renovar e para estar a sós com Deus. A finalidade de nossas vidas é conhecer, amar e servir a Deus. Não estamos esquecendo algo essencial se nunca passamos algum tempo a sós com Deus? Se estamos muito ocupados no serviço de Deus, mas não dedicamos nenhum tempo para a oração pessoal e um retiro anual, então nós estamos ocupados com muitas coisas, porém não com o essencial.
Outra parte importante de nossa formação permanente é rezar comunitariamente e tentar fazer com que isto seja um momento significativo do dia. Rezar com os outros será um apoio para nós e de outro lado os outros se sentirão apoiados por nós. Há muitos modos para rezar em comunidade. A Igreja propõe, e nossa Regra enfatiza, a celebração diária da Eucaristia e da Liturgia das Horas. A Igreja, ao nos propor isto, está utilizando sua grande experiência e sabedoria.
O processo de formação dura a vida toda. Todos estamos a caminho; nenhum de nós ainda chegou lá. Nenhum de nós é perfeito. Todos nós falhamos, pelo menos de vez em quando. Eu não penso que o fracasso seja tão importante. Nosso Deus eleva o humilde. O importante é estar a caminho, é estar tentando viver nossa vocação e permitindo que os valores, que nós aceitamos como fundamentos de nossas vidas, nos modelem continuamente. Estes valores devem desafiar nosso modo de viver, o que fazemos e como reagimos às situações que a vida nos apresenta. Estes elementos mencionados podem nos ajudar muito em nossa caminhada.
Há um momento em toda vida quando nós nos sentimos como o Profeta Elias, quando se sentou debaixo de um arbusto e não quis continuar a caminhada. Por que deveríamos continuar? Eu estou cansado! No momento de crise temos muitas possibilidades de como enfrentá-la. Podemos nos recusar a nos movermos e ficar exatamente onde estamos, aceitando a mediocridade. Podemos abrir nossos olhos e ver o mensageiro de Deus que se aproxima sob muitos e diferentes disfarces. Podemos aceitar o alimento que ele ou ela nos oferece e continuar nosso caminho para a montanha de Deus.
Todos nós estamos em formação. Alguns têm a tarefa sagrada de trabalhar na área da formação inicial. Não devemos deixá-los sozinhos neste trabalho. Todos nós devemos ajudá-los oferecendo nosso apoio, porém acima de tudo devemos tentar ser fiéis à nossa vocação Carmelita e "personificar o que a Ordem exige e o carisma vivente de nossa tradição…" (Const. 120). Os formandos precisam ver verdadeiramente exemplos de vida carmelitana. Eles podem aprender algo nos livros. Contudo somos nós, que temos votos solenes, que devemos ser exemplos do que significa a vida carmelitana. Nós somos?
OLHAR CARMELITANO: UMA COMUNIDADE CONTEMPLATIVA NO MEIO DO POVO
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Frei Joseph Chalmers, O. Carm.
Ex-Prior Geral
Somos os irmãos da Virgem Maria do Monte Carmelo. Nossa Ordem começou porque os eremitas latinos no Monte Carmelo quiseram reunir-se como uma comunidade de irmãos. Estes viveram e experimentaram por algum tempo um novo estilo de vida. Depois o apresentaram a Santo Alberto, Patriarca de Jerusalém, para que ele pudesse dar-lhes a aprovação eclesiástica. Quando a “formula vitae” de Alberto foi formalmente aceita e aprovada como uma Regra pelo Papa Inocêncio IV em 1247, os eremitas foram inseridos no novo movimento dos mendicantes, muito forte na Europa daquele tempo. Os eremitas carmelitas se tornaram frades, chamados ao serviço do povo. Uma das características dos mendicantes era que eles viviam no meio do povo e não em grandes mosteiros como os monges.
Apesar de que a Ordem é claramente chamada ao apostolado ativo, a contemplação continua sendo um elemento fundamental de nossa vocação. Nós nos entendemos como comunidades contemplativas a serviço do povo de Deus no meio do qual vivemos. Graças a Deus já passamos o tempo em que buscávamos nossa identidade. Podemos dizer que a nossa identidade está clara e definida nas Constituições! Agora é só viver coerentemente o nosso carisma no dia-a-dia.
Como carmelitas devemos viver em obediência a Jesus Cristo e servir-lhe fielmente com um coração puro e reta consciência. Isto deve ser feito através do compromisso de buscar o rosto do Deus vivo (a dimensão contemplativa da vida), em fraternidade e no serviço (diakonia) no meio do povo (Const, 14). Estes três elementos estão estreitamente ligados entre si pela experiência do deserto, que é a experiência da ação purificadora de Deus em nossas vidas. A contemplação determina a qualidade da nossa vida fraterna e do nosso serviço no meio do povo de Deus (Const, 18). A meta da contemplação é a de sermos transformados em Deus, ou seja passar a ver a realidade com os olhos de Deus e amar com o seu coração (Cf. Const, 15).
Uma atitude contemplativa nos permite descobrir a presença de Deus nos outros e apreciar o mistério daqueles com quem partilhamos nossas vidas (Const, 19). Somos chamados a viver em comunidade, para partilhar nossas vidas com os outros, mas sobretudo com nossos irmãos e é isto em si mesmo um testemunho para outros, que Deus está presente em nosso meio e através deste testemunho Deus tocará os corações de muitas pessoas.
Pode-se discorrer de uma maneira muito bela e romântica sobre a comunidade e sobre o seu significado teológico, mas todos sabemos que a realidade de uma comunidade religiosa é algo muito diferente. Nossas comunidades refletem a realidade da Igreja e do mundo em que vivemos. Somos pecadores redimidos e tentamos fazer a vontade de Deus. Não somos perfeitos como indivíduos e por conseguinte ainda não podemos ter comunidades perfeitas.
No mundo de hoje há uma sede de se viver em comunidade, porém contraditoriamente o individualismo está crescendo. Esta contradição está presente em nossas próprias vidas, porque somos diretamente afetados pelo mundo em que vivemos. Somos atraídos pela comunidade, mas ao mesmo tempo somos tentados a colocar nossas próprias necessidades e desejos sobre todas as coisas, a julgar tudo pelo modo como somos afetados. Viver em comunidade não é fácil e ainda que estejamos comprometidos a viver em comunidade, é crucial reconhecer a tendência que existe em todos nós de iludir suas demandas e encerrar-nos em nossos próprios egoísmos. Esta é a realidade de pecado em nossas vidas, mas somos redimidos. Claramente a redenção alcançada por Cristo para nós não nos fez santos ainda; estamos a caminho. Cristo nos oferece uma maneira de crescer além de nossas limitações, devemos, porém, aceitar a salvação que ele oferece. A primeira fase é reconhecer que nem tudo está bem.
Como está a experiência de vida em nossas comunidades carmelitas? “A multidão dos que creram tinha um só coração e um só alma e nenhum tinha por própria coisa alguma, mas tinham tudo em comum.” (Atos 4,32). Se esta é experiência de vida na comunidade de vocês, vocês são verdadeiramente felizes, mas suponho que esta não seja experiência real aqui e em qualquer outra comunidade da Ordem. Eu diria que o melhor que se pode dizer é que a comunidade é bastante agradável e que vocês chegaram entre si a uma aceitação mútua de uns aos outros. Na pior das hipóteses... pode ser muito difícil e uma realidade muito diferente da que buscamos e que escapa em cada oportunidade. Por que nossa comunidade não é perfeita? Podemos jogar a culpa no Provincial e seu Conselho ou culpar ao irmão X de nossa comunidade. Podemos culpar os nossos irmãos com quem é impossível formar uma verdadeira comunidade apesar de nosso desejo. Poderíamos também tentar culpar até mesmo a Deus, mas se só culpamos aos outros e nos excluímos de qualquer culpa, devemos começar a pensar sobre a possibilidade de que, pelo menos em parte, talvez os causadores de problemas sejamos nós mesmos. É possível também que os outros nos achem pessoas difíceis de convivência e que em seus corações nos culpem pela falta de comunidade real.
Nós vivemos juntos, mas temos experiências muito diferentes. Entramos na comunidade com nossa própria e particular experiência de vida que nos marcou para bem ou para mal. Chegamos na comunidade com nossa própria carga e comumente com expectativas muito diferentes. Podemos usar a mesma palavra “comunidade”, mas podemos querer dizer coisas muito diferentes. Eu creio que o primeiro passo para melhorar nossa vida de comunidade é aceitar que nós somos diferentes e que buscamos coisas diferentes. Necessitamos aceitar-nos em toda nossa diversidade e tentar ver nesta realidade humana algo da riqueza de Deus. Cada indivíduo é na verdade um mistério. Precisamos aceitar o fato de que alguns indivíduos estão tão profundamente marcados pelo vaivém da vida que não podem viver uma vida normal. Quando sua conduta causa danos à vida da comunidade, alguém deve falar-lhe honesta e diretamente sobre sua conduta. Os responsáveis devem oferecer a estes indivíduos a possibilidade de encontrar uma ajuda para viver uma vida mais equilibrada. Sei que isto não é fácil, mas o resultado de não desafiar o indivíduo “difícil” sobre sua conduta imprópria será que ele continuará a infernizar a vida comunitária. Pessoas como estas são uma minoria, mas todos nós precisamos, de vez em quando ser desafiados para permanecermos fiéis à vocação a que fomos chamados. Este desafio pode vir constantemente a nós através da vida diária com os outros. Pregamos o Evangelho, mas a comprovação de nossas palavras estão em nossos atos. É muito fácil amar a um vizinho, se não temos vizinhos. A forma como realmente vivemos em comunidade, nos dirá se realmente somos homens de oração e manifestará a verdade aos demais. A autenticidade de nossa oração será óbvia através de nosso contato diário com nossos irmãos.
Ainda que viver a realidade da comunidade não é tarefa fácil, é a maneira que Deus escolheu para nós. Se a vocação não é algo imposto em nós desde o exterior e sim parte de nossa realidade interior, que descobrimos pouco a pouco, então o desejo ardente da comunidade e a habilidade de vivê-lo está escrito no profundo de nosso ser. Por causa da nossa natureza decaída, temos coisas fora de equilíbrio mas os elementos da vida de comunidade podem ajudar-nos a crescer, se desejamos seguir a Cristo no deserto.
Não há ganho sem dor. Crescer é doloroso, mas a dor nos torna homens maduros. Há um sério perigo na vida religiosa de se permanecer imaturo por toda a vida. Recebemos o que necessitamos da comunidade e tanto faz se trabalhamos ou não. Se somos pessoas difíceis, os outros nos darão tudo o que for possível para nos acalmar e para que possam ter alguma paz. Então seremos como crianças mimadas, mas não carmelitas. Seguir Cristo leva inevitavelmente à cruz de uma forma ou de outra. Isto não é um castigo, mas é a maneira pela qual Deus nos ajuda a tornar-nos o que Ele sabe que podemos ser. Através de nossa experiência de vida, Deus nos purificará e aparará nossas arestas. Não vamos gostar no momento, mas o resultado final vale a pena. Uma parte desta purificação acontecerá na nossa vida em comunidade. Queremos permitir a ação de Deus em nossas vidas ou queremos rechaçá-la e seguir a nossa vontade? Esta é a diferença entre trabalhar para Deus e fazer o trabalho de Deus. Trabalhar por Deus significa fazer o que queremos e assumir que isto é o que Deus quer. Fazer o trabalho de Deus pode ser muito diferente - fazer o que Deus realmente está buscando de nós, requer um discernimento cuidadoso e um escutar silencioso da voz sutil e doce de Deus que nos fala através das pessoas mais inesperadas.
As Constituições assinalam os principais elementos de nossa vida que podem ajudar-nos a crescer como indivíduos e como irmãos (31). O primeiro está “na participação comum na Eucaristia, através da qual nos tornamos um só corpo, e que é fonte e cume da nossa vida e, dessa forma, sacramento da fraternidade.” Celebramos a Eucaristia em comum em nossas comunidades? Isto está prescrito em nossa Regra e era um exigência muito rara para os eremitas. Estou propondo uma Eucaristia comum não porque é parte de nossa Regra e sim porque é a maior ajuda que nós temos para construir nossas comunidades. Eu estou bem consciente de que se pode alegar todos os tipos de razões pelas quais a Eucaristia comum não é conveniente, mas onde há a vontade, encontra-se uma forma. Às vezes pode-se usar as necessidades do apostolado como uma desculpa para não se participar de atividades comunitárias. Neste caso necessitamos olhar nossas vidas com grande honestidade e perguntar-se: Que estou buscando? Que quero fazer com minha vida e que Deus quer de mim? Como se adapta meu estilo de vida com minha vocação Carmelita?
O segundo elemento mencionado nas Constituições é similar ao primeiro, é a celebração comum da Liturgia das Horas. Pode ser que alguns de nós todavia estamos padecendo da experiência do passado onde em alguns casos, a comunidade reunida dizia muitas orações mas os membros individuais não se entendiam uns com os outros. Podemos utilizar a oração para “massagear” nosso próprio ego em lugar de ser uma abertura para a purificação e para a ação curativa de Deus, mas esse perigo não é uma razão para deixar a oração como indivíduos ou como comunidades. Santa Teresa de Ávila disse que com respeito à oração necessitamos ter uma determinação muito grande para seguir fazendo-a e nunca render-se. Se queremos louvar a Deus juntos como irmãos, a Igreja nos tem dado uma oportunidade preciosa por meio da Liturgia das Horas com a qual nos unimos com a Igreja inteira para oferecer a Deus o sacrifício de louvor. É por conseguinte possível reavivar nossas celebrações litúrgicas para que não se tornem rotineiras.
O terceiro elemento mencionado nas Constituições para a edificação da comunidade é a escuta orante da Palavra. Esta é portanto parte da celebração da Eucaristia e da Liturgia das Horas, mas também se recomenda por meio da Lectio Divina, onde juntos lemos e refletimos a Palavra de Deus, damos nossa resposta a esta Palavra em nossas próprias palavras e em silêncio, onde permitimos à Palavra formar nossos corações e unificar-nos. Não podemos ter comunidades orantes se nós não somos indivíduos orantes. Cada um de nós é responsável pela saúde da comunidade. Ser piedoso não significa necessariamente dizer muitas orações, mas permitir que nossa oração transforme a nós e o modo como nós nos relacionamos com os outros.
As Constituições reconhecem que necessitamos discutir preocupações comuns e por isto a reunião comunitária é um elemento importante na vida da comunidade. Se não discutimos as dificuldades que nos envolvem, elas se tornarão problemas que podem destruir a harmonia de qualquer comunidade. Na reunião comunitária tem que se tratar das coisas de cada dia, mas também os aspectos espirituais da vida da comunidade. Certas habilidades básicas são importantes para uma reunião da comunidade. Se vocês sabem que não as têm, ou desconfiam disto, por que um dos outros irmãos não pode organizar a reunião?
Também as Constituições nos animam a partilhar a mesa e recreação em comum. Se nunca estamos juntos, nunca cresceremos em unidade. Se estamos juntos, por certo há um risco de conflito, mas se existe boa vontade para dialogar, estes problemas podem ser superados e podem ser de fato um elo de unidade entre nós. Cada um de nós deve examinar a própria consciência. Eu estou pronto a dialogar de verdade com meus irmãos? Tenho sempre razão e os outros nunca? É possível que algumas de suas críticas tenham algo de verdade? Neste caso que faço?
Finalmente as Constituições nos animam a trabalhar juntos e partilhar nossas alegrias, nossas ansiedades e amizades. É importante celebrar as datas ordinárias juntos, como por exemplo: aniversários de nascimento, votos, ordenação, etc. Também é importante estar ali quando temos problemas. Sempre salvaguardando o direito da comunidade a ter sua vida privada, é muito bom partilhar os nossos próprios amigos pessoais com a comunidade.
A comunidade religiosa é uma realidade humana e por conseguinte não é perfeita, mas é o ambiente em que somos chamados para responder ao amor gratuito de Deus para conosco. É o lugar privilegiado onde podemos crescer como seres humanos, como cristãos e como religiosos. Aceitemo-nos com todas nossas faltas, esforcemo-nos para amar-nos como Cristo nos amou e a valorizar os demais como irmãos e co-herdeiros do Reino de Deus. De vez em quando, por certo, não manteremos nossos ideais altos, mas essa não é uma razão para deixar estes ideais e conformar-nos com a mediocridade. Cristo prometeu estar conosco e podemos confiar nessa promessa. Se o permitimos, ele amará a nossos irmãos através de nós. Se nossa experiência de comunidade não tem sido boa, por que não tentamos seguir o princípio de nosso irmão, São João da Cruz que disse, “Onde não há amor, coloque amor e encontrará amor?” Se há amor dentro de uma comunidade, todos os obstáculos podem ser superados. A vida comunitária não será perfeita, mas saberemos que somos aceitos pelo que somos, o qual nos dará a confiança para ir ao encontro dos outros e partilhar esse amor com eles. Nossa vida comunitária levará o testemunho da verdade do Evangelho que Cristo rompeu as barreiras que separavam as pessoas entre si e que seu amor pode curar.
Se desejamos correr o risco de amar a nossos irmãos, cumprimos o artigo de nossas Constituições que diz “A fraternidade, segundo o exemplo da comunidade de Jerusalém, é uma encarnação do amor gratuito de Deus e interiorizado através de um processo permanente de esvaziamento do ego centrismo – também possível em comum – para uma centralização autêntica em Deus. Assim, podemos manifestar a natureza carismática e profética da vida consagrada do Carmelo e podemos inserir harmonicamente nela o uso dos carismas pessoais de cada um a serviço da Igreja e do mundo.” (30).
UM OLHAR PARA A IGREJA: Angelo Scola: "Isolado após o Conclave. Eu não desisti do meu estilo"
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É redutivo começar a ler a autobiografia de um dos homens europeus mais importantes da Igreja pela pergunta sobre o Conclave. Mas é inevitável. "Ao contrário de 2005, onde rapidamente emergiu um nome, precisamente aquele de Ratzinger, que depois seria eleito, o conclave de 2013 começou sem um candidato", diz Scola. Que, antes de deixar Milão, havia falado aos seus colaboradores: "A renúncia de Bento XVI é um fato sem precedentes na história da Igreja nos últimos séculos e preanuncia um novo Papa igualmente sem precedentes. Tenham certeza de que não serei eu”. E agora acrescenta: "Nunca acreditei na possibilidade de me tornar Papa. E assim não sofri por esse motivo. Devo admitir, no entanto, que, com base no que os jornais escreveram, sofri certa marginalização. Depois do conclave fui considerado o adversário que perdeu o desafio contra Bergoglio, o cardeal nostálgico dos Papas anteriores, o homem do passado. E isso, obviamente, não me agradou". A reportagem é de Aldo Cazzullo, publicada por Corriere della Sera, 19-08-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
É um livro muito rico, essa longa entrevista com Scola ao enviado de 'Avvenire' Luigi Geninazzi, Ho scommesso sulla libertà, publicado pela editora Solferino. A começar pelos retratos dos três Papas que o ex-patriarca de Veneza e ex-arcebispo de Milão conheceu de perto.
Bergoglio já o conhecia. Ele o havia encontrado na Argentina e depois no Sínodo dos Bispos: "Lembro-me da delicadeza de suas intervenções e da seriedade de sua atitude. Durante os intervalos das reuniões quase sempre permanecia sentado em seu lugar, silencioso e curvado sobre suas anotações, sinal de uma personalidade muito reservada. Inclusive por isso fiquei muito impressionado pelo caráter aberto, jovial e irônico que manifestou quando se tornou Papa. Vejo nisso a confirmação da especial ‘graça de estado’ que investe o eleito para o trono de Pedro".
Scola afirma que "o aparecimento de um Papa como Francisco foi um golpe salutar no estômago que o Espírito Santo aplicou para nos acordar." Mas identifica "uma coisa que une muitos críticos e até mesmo muitos admiradores do Papa Francisco: o desequilíbrio do juízo. Os primeiros ficam com raiva porque Francisco não diz o que eles pensam. Os segundos se consideram satisfeitos porque Francisco diria o que eles sempre têm dito e pensado nos últimos cinquenta anos, que teriam visto a traição do Concílio Vaticano II, somente agora, finalmente e plenamente aplicado. As coisas não são assim". Os falsos amigos de Francisco veem na sua pregação um retorno ao puro Evangelho; como se ocupar-se dos novos direitos, das neurociências, da inteligência artificial e do aborto significasse se distrair "da autêntica mensagem de misericórdia de Cristo". Scola, ao contrário, está convencido que a Igreja deva trazer a sua proposta de boa vida no debate público, e até mesmo nos lugares onde as decisões são tomadas, da Rede ao Parlamento. Quanto ao estilo, "eu não estou entre aqueles que mudaram a cruz peitoral substituindo-a com uma lata para imitar o Papa. Eu mantive a que eu tinha. E continuei a presidir as cerimônias solenes vestindo casulas preciosas conservadas no Museu do Duomo, como a tradição pede"; incluindo o anel "com um belíssimo camafeu que pertencia ao Cardeal Schuster". "Eu me sentiria ridículo se tivesse que adotar um estilo, no sentido de comportamento exterior, que não é meu". Mas, como bispo de Grosseto, "ia visitar pacientes de AIDS, quando ainda a doença era sinônimo de terrível sofrimento e morte certa. O mesmo fiz com as mulheres da prisão feminina em Veneza. E nas periferias de Milão”.
Há uma parte da história da Itália e da Igreja, nas memórias de "Dom Angelo". A ocupação alemã, e as tentativas desesperadas para interceptar o pai motorista de caminhão que não sabia que havia mudado a senha necessária para entrar no edifício tomado pelos nazistas, onde a família Scola morava em uma casa de 35 metros quadrados. A chegada dos norte-americanos e a descoberta do chocolate, roubado às escondidas da mãe. A fé "transmitida com leite e ternura". O compartilhamento das ideias políticas do pai socialista. A descoberta do "gênio educador" do Padre Giussani: "Com ele você nunca brincava e todos estavam sempre felizes", mesmo durante as discussões à beira do confronto. A viagem a Paris no verão de 1968 e as manifestações no Quartier Latin. A doença que o deixou em coma, a um passo da morte. O encontro com o jovem empreendedor da Edilnord, Silvio Berlusconi. A experiência com a psicanálise. As noites passadas com Wojtyla em oração no chão de braços abertos, como se estivesse na cruz. O aviso pelo então Cardeal Ratzinger: "Padre Angelo, não dê conselhos a quem não os pediu." A amizade com o grande teólogo Hans Urs von Balthasar, que conversava à noite com a mística Adrienne von Speyr, morta há anos. O "duplo pecado original" que sentia em si mesmo por causa da formação em CL(Comunhão e Libertação). A carta de Carrón a Bento XVI, que esperava a chegada de Scola a Milão e criticava seus antecessores Martini e Tettamanzi "com expressões sucintas e um tanto desajeitadas”. O veto de Bertone à nomeação de Scola como presidente da Conferência Episcopal. Os juízos lisonjeiros sobre Ruini e Bagnasco. A relação com o Islã. Os anos de Veneza e Milão, o seu retiro em suas amadas montanhas acima de Lecco, e as reflexões sobre o futuro de um homem que ainda tem muito a dizer. A começar por uma ideia forte: Jesus não é um falecido, mas um contemporâneo; e o cristianismo nada mais é que o encontro com Ele. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br
VOCAÇÃO E FAMÍLIA: Frei Petrônio
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Sacerdote assassinado na Nigéria
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Pe. Michael Akawu é o 10° sacerdote assassinado no continente africano em 2018.
Cidade do Vaticano
“Pe. Michael Akawu foi morto durante um assalto", confirmou à Agência Fides padre Patrick Tor Alumuku, diretor do Escritório de Comunicações Sociais da Arquidiocese de Abuja, capital federal da Nigéria
O sacerdote foi morto no sábado, 18 de agosto, durante um assalto no supermercado onde fazia algumas compras. Os criminosos também atingiram e mataram outras pessoas durante a ação, acrescentou padre Alumuku.
Primeiro sacerdote católico originalmente de Abuja
Padre Akawu era vice-pároco na paróquia de Nossa Senhora da Imaculada Conceição de Dobi-Gwagwalada, uma cidade satélite no Território da Capital Federal de Abuja e o primeiro sacerdote católico de Abuja. Ele havia sido ordenado em 4 de fevereiro pelo cardeal John Onayeikan, arcebispo de Abuja.
Desde o início de 2018, ao menos 22 sacerdotes foram assassinados em todo o mundo. Quase metade deles 10 - somente no continente africano. Fonte: www.vaticannews.va
Abusos na Igreja da Pensilvânia: a carta do Papa aos fiéis.
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CARTA DO PAPA FRANCISCO AO POVO DE DEUS
«Um membro sofre? Todos os outros membros sofrem com ele» (1 Co 12, 26). Estas palavras de São Paulo ressoam com força no meu coração ao constatar mais uma vez o sofrimento vivido por muitos menores por causa de abusos sexuais, de poder e de consciência cometidos por um número notável de clérigos e pessoas consagradas. Um crime que gera profundas feridas de dor e impotência, em primeiro lugar nas vítimas, mas também em suas famílias e na inteira comunidade, tanto entre os crentes como entre os não-crentes. Olhando para o passado, nunca será suficiente o que se faça para pedir perdão e procurar reparar o dano causado. Olhando para o futuro, nunca será pouco tudo o que for feito para gerar uma cultura capaz de evitar que essas situações não só não aconteçam, mas que não encontrem espaços para serem ocultadas e perpetuadas. A dor das vítimas e das suas famílias é também a nossa dor, por isso é preciso reafirmar mais uma vez o nosso compromisso em garantir a protecção de menores e de adultos em situações de vulnerabilidade.
1-Um membro sofre?
Nestes últimos dias, um relatório foi divulgado detalhando aquilo que vivenciaram pelo menos 1.000 sobreviventes, vítimas de abuso sexual, de poder e de consciência, nas mãos de sacerdotes por aproximadamente setenta anos. Embora seja possível dizer que a maioria dos casos corresponde ao passado, contudo, ao longo do tempo, conhecemos a dor de muitas das vítimas e constamos que as feridas nunca desaparecem e nos obrigam a condenar veementemente essas atrocidades, bem como unir esforços para erradicar essa cultura da morte; as feridas “nunca prescrevem”. A dor dessas vítimas é um gemido que clama ao céu, que alcança a alma e que, por muito tempo, foi ignorado, emudecido ou silenciado. Mas seu grito foi mais forte do que todas as medidas que tentaram silenciá-lo ou, inclusive, que procuraram resolvê-lo com decisões que aumentaram a gravidade caindo na cumplicidade. Clamor que o Senhor ouviu, demonstrando, mais uma vez, de que lado Ele quer estar. O cântico de Maria não se equivoca e continua a se sussurrar ao longo da história, porque o Senhor se lembra da promessa que fez a nossos pais: «dispersou os soberbos. Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes. Aos famintos encheu de bens e aos ricos despediu de mãos vazias» (Lc 1, 51-53), e sentimos vergonha quando percebemos que o nosso estilo de vida contradisse e contradiz aquilo que proclamamos com a nossa voz.
Com vergonha e arrependimento, como comunidade eclesial, assumimos que não soubemos estar onde deveríamos estar, que não agimos a tempo para reconhecer a dimensão e a gravidade do dano que estava sendo causado em tantas vidas. Nós negligenciamos e abandonamos os pequenos. Faço minhas as palavras do então Cardeal Ratzinger quando, na Via Sacra escrita para a Sexta-feira Santa de 2005, uniu-se ao grito de dor de tantas vítimas, afirmando com força: «Quanta sujeira há na Igreja, e precisamente entre aqueles que, no sacerdócio, deveriam pertencer completamente a Ele! Quanta soberba, quanta autossuficiência!... A traição dos discípulos, a recepção indigna do seu Corpo e do seu Sangue é certamente o maior sofrimento do Redentor, o que Lhe trespassa o coração. Nada mais podemos fazer que dirigir-Lhe, do mais fundo da alma, este grito: Kyrie, eleison – Senhor, salvai-nos (cf. Mt 8, 25)» (Nona Estação).
2-Todos os outros membros sofrem com ele.
A dimensão e a gravidade dos acontecimentos obrigam a assumir esse facto de maneira global e comunitária. Embora seja importante e necessário em qualquer caminho de conversão tomar conhecimento do que aconteceu, isso, em si, não basta. Hoje, como Povo de Deus, somos desafiados a assumir a dor de nossos irmãos feridos na sua carne e no seu espírito. Se no passado a omissão pôde tornar-se uma forma de resposta, hoje queremos que seja a solidariedade, entendida no seu sentido mais profundo e desafiador, a tornar-se o nosso modo de fazer a história do presente e do futuro, num âmbito onde os conflitos, tensões e, especialmente, as vítimas de todo o tipo de abuso possam encontrar uma mão estendida que as proteja e resgate da sua dor (cf. Exort. ap. Evangelii gaudium, 228). Essa solidariedade exige que, por nossa vez, denunciemos tudo o que possa comprometer a integridade de qualquer pessoa. Uma solidariedade que exige a luta contra todas as formas de corrupção, especialmente a espiritual «porque trata-se duma cegueira cómoda e autossuficiente, em que tudo acaba por parecer lícito: o engano, a calúnia, o egoísmo e muitas formas subtis de autorreferencialidade, já que “também Satanás se disfarça em anjo de luz” (2 Cor 11, 14)» (Exort. ap. Gaudete et exultate, 165). O chamado de Paulo para sofrer com quem sofre é o melhor antídoto contra qualquer tentativa de continuar reproduzindo entre nós as palavras de Caim: «Sou, porventura, o guardião do meu irmão?» (Gn 4, 9).
Reconheço o esforço e o trabalho que são feitos em diferentes partes do mundo para garantir e gerar as mediações necessárias que proporcionem segurança e protejam à integridade de crianças e de adultos em situação de vulnerabilidade, bem como a implementação da “tolerância zero” e de modos de prestar contas por parte de todos aqueles que realizem ou acobertem esses crimes. Tardamos em aplicar essas medidas e sanções tão necessárias, mas confio que elas ajudarão a garantir uma maior cultura do cuidado no presente e no futuro.
Juntamente com esses esforços, é necessário que cada batizado se sinta envolvido na transformação eclesial e social de que tanto necessitamos. Tal transformação exige conversão pessoal e comunitária, e nos leva dirigir os olhos na mesma direção do olhar do Senhor. São João Paulo II assim o dizia: «se verdadeiramente partimos da contemplação de Cristo, devemos saber vê-Lo sobretudo no rosto daqueles com quem Ele mesmo Se quis identificar» (Carta ap. Novo millennio ineunte, 49). Aprender a olhar para onde o Senhor olha, estar onde o Senhor quer que estejamos, converter o coração na Sua presença. Para isso nos ajudarão a oração e a penitência. Convido todo o Povo Santo fiel de Deus ao exercício penitencial da oração e do jejum, seguindo o mandato do Senhor[1], que desperte a nossa consciência, a nossa solidariedade e o compromisso com uma cultura do cuidado e o “nunca mais” a qualquer tipo e forma de abuso.
É impossível imaginar uma conversão do agir eclesial sem a participação activa de todos os membros do Povo de Deus. Além disso, toda vez que tentamos suplantar, silenciar, ignorar, reduzir em pequenas elites o povo de Deus, construímos comunidades, planos, ênfases teológicas, espiritualidades e estruturas sem raízes, sem memória, sem rostos, sem corpos, enfim, sem vidas[2]. Isto se manifesta claramente num modo anômalo de entender a autoridade na Igreja - tão comum em muitas comunidades onde ocorreram as condutas de abuso sexual, de poder e de consciência - como é o clericalismo, aquela «atitude que não só anula a personalidade dos cristãos, mas tende também a diminuir e a subestimar a graça batismal que o Espírito Santo pôs no coração do nosso povo»[3]. O clericalismo, favorecido tanto pelos próprios sacerdotes como pelos leigos, gera uma ruptura no corpo eclesial que beneficia e ajuda a perpetuar muitos dos males que denunciamos hoje. Dizer não ao abuso, é dizer energicamente não a qualquer forma de clericalismo.
É sempre bom lembrar que o Senhor, «na história da salvação, salvou um povo. Não há identidade plena, sem pertença a um povo. Por isso, ninguém se salva sozinho, como indivíduo isolado, mas Deus atrai-nos tendo em conta a complexa rede de relações interpessoais que se estabelecem na comunidade humana: Deus quis entrar numa dinâmica popular, na dinâmica dum povo» (Exort. ap. Gaudete et exultate, 6). Portanto, a única maneira de respondermos a esse mal que prejudicou tantas vidas é vivê-lo como uma tarefa que nos envolve e corresponde a todos como Povo de Deus. Essa consciência de nos sentirmos parte de um povo e de uma história comum nos permitirá reconhecer nossos pecados e erros do passado com uma abertura penitencial capaz de se deixar renovar a partir de dentro. Tudo o que for feito para erradicar a cultura do abuso em nossas comunidades, sem a participação activa de todos os membros da Igreja, não será capaz de gerar as dinâmicas necessárias para uma transformação saudável e realista. A dimensão penitencial do jejum e da oração ajudar-nos-á, como Povo de Deus, a nos colocar diante do Senhor e de nossos irmãos feridos, como pecadores que imploram o perdão e a graça da vergonha e da conversão e, assim, podermos elaborar acções que criem dinâmicas em sintonia com o Evangelho. Porque «sempre que procuramos voltar à fonte e recuperar o frescor original do Evangelho, despontam novas estradas, métodos criativos, outras formas de expressão, sinais mais eloquentes, palavras cheias de renovado significado para o mundo actual» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 11).
É imperativo que nós, como Igreja, possamos reconhecer e condenar, com dor e vergonha, as atrocidades cometidas por pessoas consagradas, clérigos, e inclusive por todos aqueles que tinham a missão de assistir e cuidar dos mais vulneráveis. Peçamos perdão pelos pecados, nossos e dos outros. A consciência do pecado nos ajuda a reconhecer os erros, delitos e feridas geradas no passado e permite nos abrir e nos comprometer mais com o presente num caminho de conversão renovada.
Da mesma forma, a penitência e a oração nos ajudarão a sensibilizar os nossos olhos e os nossos corações para o sofrimento alheio e a superar o afã de domínio e controle que muitas vezes se torna a raiz desses males. Que o jejum e a oração despertem os nossos ouvidos para a dor silenciada em crianças, jovens e pessoas com necessidades especiais. Jejum que nos dá fome e sede de justiça e nos encoraja a caminhar na verdade, dando apoio a todas as medidas judiciais que sejam necessárias. Um jejum que nos sacuda e nos leve ao compromisso com a verdade e na caridade com todos os homens de boa vontade e com a sociedade em geral, para lutar contra qualquer tipo de abuso de poder, sexual e de consciência.
Desta forma, poderemos tornar transparente a vocação para a qual fomos chamados a ser «um sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano» (Conc. Ecum. Vat. II, Lumen gentium, 1).
«Um membro sofre? Todos os outros membros sofrem com ele», disse-nos São Paulo. Através da atitude de oração e penitência, poderemos entrar em sintonia pessoal e comunitária com essa exortação, para que cresça em nós o dom da compaixão, justiça, prevenção e reparação. Maria soube estar ao pé da cruz de seu Filho. Não o fez de uma maneira qualquer, mas permaneceu firme de pé e ao seu lado. Com essa postura, Ela manifesta o seu modo de estar na vida. Quando experimentamos a desolação que nos produz essas chagas eclesiais, com Maria nos fará bem «insistir mais na oração» (cf. S. Inácio de Loiola, Exercícios Espirituais, 319), procurando crescer mais no amor e na fidelidade à Igreja. Ela, a primeira discípula, nos ensina a todos os discípulos como somos convidados a enfrentar o sofrimento do inocente, sem evasões ou pusilanimidade. Olhar para Maria é aprender a descobrir onde e como o discípulo de Cristo deve estar.
Que o Espírito Santo nos dê a graça da conversão e da unção interior para poder expressar, diante desses crimes de abuso, a nossa compunção e a nossa decisão de lutar com coragem.
Francisco
Cidade do Vaticano, 20 de Agosto de 2018.
[1] «Esta espécie de demónios não se expulsa senão à força de oração e de jejum» Mt 17, 21.
[2] Cf. Carta do Santo Padre Francisco ao Povo de Deus que peregrina no Chile, 31 de Maio de 2018.
[3] Carta do Papa Francisco ao Cardeal Marc Ouellet, Presidente da Pontifícia Comissão para a América Latina, 19 de Março de 2018.
Fonte: http://w2.vatican.va
Abusos na Igreja: a carta do Papa aos fiéis
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Francisco escreveu uma carta a todo o Povo de Deus para falar da "vergonha" provocada pelos casos de abusos cometidos na Pensilvânia e pede oração e jejum, além de uma atuação firme das autoridades competentes.
Cidade do Vaticano
«Um membro sofre? Todos os outros membros sofrem com ele» (1 Co 12, 26). O Papa Francisco se inspirou nas palavras do Apóstolo Paulo para divulgar esta segunda-feira (20/08) uma carta a todo o Povo de Deus a respeito de denúncias de abusos cometidos por parte de clérigos e pessoas consagradas.
Este crime, afirma o Pontífice, “gera profundas feridas de dor e impotência” nas vítimas, em suas famílias e na inteira comunidade de fiéis ou não.
“ A dor das vítimas e das suas famílias é também a nossa dor, por isso é preciso reafirmar mais uma vez o nosso compromisso em garantir a proteção de menores e de adultos em situações de vulnerabilidade. ”
Pensilvânia
Francisco cita de modo especial o relatório divulgado nos dias passados sobre os casos cometidos no Estado da Pensilvânia, nos Estados Unidos.
"Sentimos vergonha quando percebemos que o nosso estilo de vida contradisse e contradiz aquilo que proclamamos com a nossa voz”, escreve o Papa. Ele fala ainda de negligência, abandono e arrependimento e cita as palavras do então Cardeal Ratzinger quando, na Via-Sacra de 2005, denunciou a “sujeira” que há na Igreja.
Para o Pontífice, a dimensão e a gravidade dos acontecimentos obrigam a assumir esse fato de maneira global e comunitária.
Solidariedade
Não é suficiente tomar conhecimento do que aconteceu, mas como Povo de Deus, “somos desafiados a assumir a dor de nossos irmãos feridos na sua carne e no seu espírito. Se no passado a omissão pôde tornar-se uma forma de resposta, hoje queremos que seja a solidariedade”.
O Papa explica o que entende por solidariedade: proteger e resgatar as vítimas da sua dor; denunciar tudo o que possa comprometer a integridade de qualquer pessoa; lutar contra todas as formas de corrupção, especialmente a espiritual.
“O chamado de Paulo para sofrer com quem sofre é o melhor antídoto contra qualquer tentativa de continuar reproduzindo entre nós as palavras de Caim: «Sou, porventura, o guardião do meu irmão?» (Gn 4, 9).”
Reconhecimento aos esforços
Francisco reconhece “o esforço e o trabalho que são feitos em diferentes partes do mundo para garantir e gerar as mediações necessárias que proporcionem segurança e protejam a integridade de crianças e de adultos em situação de vulnerabilidade, bem como a implementação da ‘tolerância zero’ e de modos de prestar contas por parte de todos aqueles que realizem ou acobertem esses crimes”.
O Papa reconhece ainda o atraso em aplicar essas medidas e sanções tão necessárias, mas está confiante de que elas ajudarão a garantir uma maior cultura do cuidado no presente e no futuro.
Oração e penitência
O Pontífice faz também um convite a todos os fiéis: oração e penitência.
“ Convido todo o Povo Santo fiel de Deus ao exercício penitencial da oração e do jejum, seguindo o mandato do Senhor, que desperte a nossa consciência, a nossa solidariedade e o compromisso com uma cultura do cuidado e o ‘nunca mais’ a qualquer tipo e forma de abuso. ”
Na raiz desses problemas, Francisco observa um modo anômalo de entender a autoridade na Igreja: clericalismo.
Favorecido tanto pelos próprios sacerdotes como pelos leigos, o clericalismo “gera uma ruptura no corpo eclesial que beneficia e ajuda a perpetuar muitos dos males que denunciamos hoje. Dizer não ao abuso, é dizer energicamente não a qualquer forma de clericalismo”.
Além da oração e do jejum, o Papa chama em causa o sentimento de pertença: “Essa consciência de nos sentirmos parte de um povo e de uma história comum nos permitirá reconhecer nossos pecados e erros do passado com uma abertura penitencial capaz de se deixar renovar a partir de dentro”.
Atrocidades
Por fim, Francisco usa a palavra “atrocidade”.
“ É imperativo que nós, como Igreja, possamos reconhecer e condenar, com dor e vergonha, as atrocidades cometidas por pessoas consagradas, clérigos, e inclusive por todos aqueles que tinham a missão de assistir e cuidar dos mais vulneráveis. Peçamos perdão pelos pecados, nossos e dos outros. ”
E através da atitude de oração e penitência, fazer crescer em nós o dom da compaixão, da justiça, da prevenção e da reparação. Fonte: https://www.vaticannews.va
“Tirava o colarinho clerical. Então podia fazer o que queria”
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Vítimas contam ao EL PAÍS a crueza e a impunidade dos crimes sexuais de sacerdotes contra menores na Pensilvânia durante 70 anos. O horror vestia batina.
Mary McHale, aos 17 anos, morria de amores por uma colega de classe. Gostava dela horrores, horrores quase em sentido literal, porque aquilo, em plenos anos oitenta, naquele instituto católico de Reading (Pensilvânia) em que estudava, transformou-a em uma pilha de nervos. E quando a garota em questão correspondeu e começaram a se encontrar às escondidas, já se imaginava a caminho do inferno. Se alguém poderia escutá-la, esse alguém era o padre James Gaffney, seu professor e mentor. Um dia, no confessionário, contou a ele seu segredo. E foi assim que a história da primeira namorada de Mary, que 30 anos depois se lembra perfeitamente, nunca foi a história dessa primeira namorada, mas a história do padre James, hoje totalmente atual, atual também em sentido literal.
“Ele começou a usar meu segredo na hora, me disse que tínhamos de nos encontrar com frequência para trabalhar nisso”, relata McHale, hoje com 46 anos. “Então começamos a nos encontrar, primeiro no colégio e depois em sua paróquia. Costumava me falar de sexo, tocar-me sem motivo, tirava o colarinho clerical e dizia que, quando não o usava, podia fazer o que quisesse. O caso mais grave aconteceu na casa paroquial da igreja de St. Catherine. Quando a secretária saiu, fechou a porta com ferrolho. Tinha me falado que havia um programa que queria trabalhar comigo.”
O “programa” do padre James estava em um envelope grande que guardava outros três menores. “O primeiro envelope pedia que contássemos nossas experiências sexuais, ele foi contando como se masturbava e outras coisas inapropriadas e eu contei as minhas. O segundo dizia: aponte partes do corpo do outro e dê um nome. E fizemos isso. Já era tarde e disse a ele que tinha de ir, mas respondeu que não podíamos, que tínhamos prometido... O terceiro envelope dizia que tínhamos de tirar a roupa e avaliar o corpo do outro. Tentei resistir mas fiz isso. Fiquei de roupa de baixo, me pediu que fosse adiante, me neguei e ele me deixou”.
O relatório publicado esta semana depois de dois anos de investigação sobre abusos sexuais a pelo menos 1.000 crianças ao longo de 70 anos na Igreja da Pensilvânia revelou o colaboracionismo mudo de bispos, cardeais e pessoas dos altos escalões eclesiásticos. De Pittsburgh até Roma, de Reading até o Vaticano. Mas, para Mary, o silêncio machucou de formas mais complexas.
McHale acredita que o sacerdote que assedia e agride sabe o que faz, que procura pessoas com vulnerabilidades e as usa. Na noite do exercício dos envelopes, voltou para casa e não disse nada aos pais. O padre, que tinha trinta e poucos anos, começou a chamá-la constantemente, em sua casa e no trabalho, mas ela resistia. A insistência fez seu pai desconfiar, e acabou contando a ele dos abusos, mas a família não informou a ninguém, nem à paróquia nem à polícia. A própria Mary lhes implorou silêncio porque “tinha medo que revelasse o que tinha lhe confessado, morria de medo que soubessem que eu era gay”.
Logo se mudou para cursar a universidade e Gaffney desapareceu, mas seu abuso a perseguiu como uma sombra. Nos piores momentos, diz, caiu no alcoolismo, mas em 2004 se recuperou. E no mesmo ano, em um dia de trabalho, deparou-se no jornal com a notícia de uma garota que tinha denunciado o padre, então ligou para o jornal e se ofereceu para ajudá-la a depor. O hoje ex-sacerdote —tirou o famoso colarinho clerical para sempre em 2015— figura no relatório que o procurador geral da Pensilvânia apresentou na terça-feira. Outras três jovens também o acusam. É impossível calcular quantas mais pode haver; quantas, como Mary, se calaram durante décadas. Ela continua morando em Reading, com sua esposa. E vive tudo que está acontecendo atualmente, conta, como um desabrochar, como um poder.
Para Phil Saviano, uma das vítimas dos abusos na igreja de Boston, chamou a atenção esses dias a presença feminina no foco da história. “Fiquei feliz de ver que as mulheres agredidas estavam bem representadas na mídia, porque ainda escuto pessoas que acreditam que todo esse assunto é um problema de padres homossexuais que assediam meninos adolescentes, acho que a Igreja tenta distrair a atenção do verdadeiro problema”, explicava esta semana Saviano, a pessoa que um dia se apresentou na redação do Boston Globe com uma caixa cheia de papéis chamando os jornalistas a investigar e a partir daí estourou o grande escândalo, o que o torna um dos principais personagens do filme Spotlight.
“Um predador de crianças”
Se fosse feito um filme do caso da Pensilvânia, o papel de Saviano seria representado por Shaun Dougherty, origem do relatório que o grande júri elaborou durante dois anos e que deu a volta ao mundo esta semana. Há seis anos levou à promotora do distrito de Cambia sua acusação contra George Koharchik. Conheceu o sacerdote em 1980, na paróquia de Saint Clement, em Johnstown, quando tinha 10 anos. Ele era o segundo de uma família de nove filhos e Koharchik seu padre, professor de religião e treinador de basquete. As agressões ocorreram até que fez 13 anos.
“Minha primeira ereção foi com o padre Koharchik. Suas mãos através da roupa, no carro, enquanto dirigia. Estou convencido de que queria saber o dia exato em que me tornei sexualmente maduro”, conta por telefone Dougherthy, de 46 anos. “Usava o esporte para abusar de mim e de outros meninos. Depois de jogar, você sabia que ia abusar de você no chuveiro. Ou no carro. Nos levava aos treinos e costumava me sentar em seu colo para me deixar dirigir. E tocava meu pênis. Se olhasse atravessado, dizia ‘preste atenção na rua’, e você tinha 10 anos, e estava dirigindo enquanto ele o tocava...”. Com o passar do tempo, o padre acabou masturbando-o. Uma vez, no chuveiro, quando já tinha 13 anos, penetrou-o com um dedo. Shaun o olhou com severidade e Koharchik deve ter visto algo diferente no menino porque não voltou a agredi-lo.
Não contou a ninguém até depois dos 20 anos. Quando lhe perguntam por que, explica como algo evidente: “Fui criado como um católico irlandês estrito. Era nosso padre, nosso professor, você é ensinado a obedecê-los. Dizem: ‘Façam o que fizerem, são homens de Deus”. Quando este e outros casos chegaram ao procurador geral, Shaun foi depor e o grande júri começou a investigar. Em agosto de 2015, a polícia revistou a sede da diocese de Johnstown e encontrou mais de 100.000 documentos arquivados cheios de denúncias. A história de Dougherthy não faz parte do relatório publicado esta semana, mas de outro levado a público em 2016, correspondente a esta diocese. Nele Koharchik é definido como um “predador de crianças”.
O sacerdote continua na cidade e Dougherthy, proprietário de um restaurante em Long Island, vive entre Nova York e a Pensilvânia. Quando lhe perguntam como conseguiu seguir em frente, nega. “Esta é uma luta da vida inteira. Um dia você está bem, no outro, mal. Um dia muito bem, no outro dia, muito mal”.
A luta que une muitas vítimas é a de uma mudança legislativa que acabe com a limitação temporal na hora de levar um agressor sexual aos tribunais. O congressista democrata do Estado, Mark Rozzi, vítima ele mesmo de abusos por parte de um clérigo, está liderando a iniciativa. Mary McHale e Shaun Dougherthy não podem denunciar os seus. Na Pensilvânia, as pessoas que sofreram abusos quando crianças podem entrar com uma ação civil até 12 anos depois da maioridade, ou seja, até fazerem 30 anos, enquanto que a via penal está aberta até fazerem 50. Assim, muitos afetados não podem recorrer aos tribunais por esta causa, mas servirá para que não façam novas vítimas.
Como aconteceu a Mary McHale, Jim Vansickle leu o nome de seu agressor, David Paulson, muitos anos depois em uma notícia no jornal. Foi este ano, porque tinham voltado a acusá-lo. “Revivi durante uma semana esses 37 anos de silêncio e frustração e decidi que tinha de ajudar esses meninos, é o que fiz de mais difícil na vida, em março saí e contei minha história.”
Foto de adolescente de Jim Vansickle junto ao anuário e o relatório do grande júri. A. M.
Em sua casa em Coraopolis, a meia hora de Pittsburgh, guarda seu anuário, de 1981, e uma fotografia de um adolescente com muito cabelo que sorri inocente. Apesar dessa expressão, a foto corresponde a uma época difícil. “Minha avó tinha morrido, meu pai estava nos primeiros estágios do lúpus e, como não podia trabalhar, começamos a ter problemas financeiros. Eu era um cachorro perdido e procurava alguém que me guiasse e conheci Paulson, tinha acabado de sair do seminário, era meu professor de inglês e me tornou capitão da equipe de xadrez”, relata.
Então o sacerdote se tornou seu mentor, seu amigo, seu guia, a pessoa mais próxima de sua vida, a quem confiava tudo e a quem consultava sobre tudo. Começaram então os toques desnecessários, o álcool, os abraços inoportunos. Durou três anos. Uma vez o levou para a excursão a um santuário de Fátima em Ohio e reservou quarto em um hotel. No quarto, depois de brincar de luta livre com ele sobre a cama, Paulson tentou estuprá-lo, mas Jim acabou se liberando. “Então rompi a relação com ele e foi devastador, fiquei sozinho e foi um conflito, porque estava feliz que desaparecesse, mas ao mesmo tempo gostava dele por tudo que tinha feito por mim”. Logo Jim foi para a universidade e o padre David foi muitas vezes visitá-lo, oferecendo-lhe dinheiro, sabendo de suas dificuldades. Um dia, lhe deu um carro de presente. No outro, se apresentou com um novo jovem e acabou desaparecendo de sua vida.
Paulson mora na Pensilvânia e no outono o julgamento o espera. Vansikcle trabalha como tutor de jovens em sua passagem da escola para a universidade. Dedica-se a assessorá-los e guiá-los. Mas tem uma norma: “Nunca fico com a criança, sempre com um familiar adulto em casa. Não quero ficar sozinho com eles. Faço isso para protegê-los e para me proteger.”
UMA INVESTIGAÇÃO DE UM MILHÃO DE DOCUMENTOS
A Pensilvânia não representa o marco zero dos abusos sexuais a menores de idade no seio da igreja. Mas é o Estado que fez a maior investigação do sistema e publicou os resultados em vários relatórios. O desta semana cobre os fatos de seis das oito dioceses (Allentown, Erie, Greensburg, Harrisburg, Pittsburgh e Scranton), já que as investigações das da Filadélfia e Johnstown tinham sido divulgadas antes. Assim, o número de 300 sacerdotes envolvidos em abusos contra pelo menos mil crianças é sem dúvida baixo.
O grande júri passou dois anos investigando, repassando em torno de meio milhão de documentos, e ouvindo o relato de dezenas e dezenas de vítimas, como John Vansickle e Shaun Dougherthy. O mecanismo de acobertamento não consistia apenas em calar sobre as denúncias, mas em persuadir as vítimas de que não recorressem às autoridades e em pressionar a polícia e a justiça para que também esquecessem o assunto. Segundo publicou o jornal Pittsburgh Post-Gazette, as dioceses de Greensburg e Harrisburg tentaram impedir a investigação do grande júri, mas o juiz os enfrentou. Na terça-feira, tudo se tornou público. O bispo de Pittsburgh, David Zubik, pediu perdão. O Vaticano chamou os agressores de criminosos. As vítimas querem vê-los na prisão. Fonte: https://brasil.elpais.com
Homossexuais no Clero e o alerta do Papa
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"As declarações do papa podem gerar uma imagem de homofobia e intolerância. Porém, é preciso entendê-las". O comentário é de Luís Corrêa Lima, sacerdote jesuíta e professor do Departamento de Teologia da PUC-Rio, que trabalha com pesquisa sobre diversidade sexual e de gênero, e no acompanhamento espiritual de pessoas LGBT.
Eis o artigo.
Há poucos meses, o Papa Francisco esteve reunido com os bispos da Itália, tratando da crise de vocações sacerdotais e religiosas, da transparência e sobriedade na gestão de bens, e da fusão de dioceses. Após uma alocução estimulante, câmeras foram tiradas do recinto, jornalistas saíram, portas se fecharam e teve início uma conversa franca entre o Papa e o episcopado italiano. Então, ele teria convidado os bispos a um atento discernimento sobre candidatos homossexuais ao sacerdócio, pois os que têm estas tendências "profundamente enraizadas" e a prática de "atos homossexuais" podem comprometer a vida do seminário, a do próprio jovem, seu futuro sacerdócio e gerar escândalos. E teria alertado: "Se vocês tiverem a menor dúvida, é melhor não os deixar entrar".
Estas prováveis declarações do papa podem gerar uma imagem de homofobia e intolerância. Porém, é preciso entendê-las à luz do ensinamento da Igreja a este respeito, que tem sutilezas importantes. Nesta questão, o pontificado de Francisco tem reiterado as posições de uma Instrução de seu antecessor Bento XVI, de 2005: a Igreja não deve admitir ao seminário e à ordenação aqueles que “praticam a homossexualidade, apresentam tendências homossexuais profundamente radicadas ou apoiam a chamada cultura gay”. Estas pessoas encontram-se numa situação de grave obstáculo a um correto relacionamento com homens e mulheres.
Segundo a mesma Instrução, compete à Igreja definir os requisitos necessários para a ordenação e chamar os que ela julgar qualificados. No rito latino se supõe o compromisso do celibato; nos ritos orientais, ou o celibato ou um matrimônio (heterossexual) bem consolidado. O candidato ao sacerdócio deve atingir a maturidade afetiva que o torne capaz de estabelecer uma correta relação com homens e mulheres. E com esta maturidade, deve desenvolver uma paternidade espiritual em relação à comunidade que lhe será confiada. Cabe ao bispo ou ao superior religioso chamar à ordenação, depois de ouvir os encarregados da formação (1).
Como a questão remete aos bispos locais e aos superiores religiosos, alguns deles fizeram na época importantes pronunciamentos, permitindo compreensões mais matizadas e flexíveis da questão. O então presidente da Conferência Episcopal Alemã, cardeal Karl Lehmann, afirmou que se deve entender por tendências homossexuais profundamente radicadas não quaisquer tendências pelo mesmo sexo, mas aquelas que são um grave obstáculo a uma correta relação com homens e mulheres. Seguindo esta interpretação, também as tendências heterossexuais profundamente enraizadas são um grave obstáculo.
O ex-superior geral dos dominicanos, Timothy Radcliffe, trabalhou em todo o mundo com bispos e padres, diocesanos e religiosos. Ele afirmou não ter dúvidas de que Deus chama homossexuais ao sacerdócio. E afirma que eles estão entre os sacerdotes mais dedicados e impressionantes que encontrou. Por isso, nenhum sacerdote que esteja convencido de sua vocação deve se sentir classificado pelo documento como incapaz. E pode-se presumir que Deus continuará chamando ao sacerdócio tanto homossexuais como heterossexuais, porque necessita dos dons de ambos.
Quanto à “cultura gay”, Radcliffe diz que seminaristas e sacerdotes não devem frequentar bares gays e que seminaristas não devem desenvolver uma subcultura gay. Qualquer subcultura sexual, gay ou hétero, é incompatível com o celibato. Mas apoiar a cultura gay significa apenas isto? Interroga-se ele. A Instrução afirma que a Igreja deve se opor à discriminação injusta contra os homossexuais, assim como ela se opõe à discriminação racial. Isto significa, então, que todos os sacerdotes devem estar preparados para se colocarem ao lado dos gays caso eles sofram opressão. E serem vistos do lado deles. A sociedade, diz ele, tem obsessão por sexo, e a Igreja deveria oferecer um modelo de sã e não compulsiva aceitação da sexualidade. O Catecismo do Concilio de Trento ensina que o sacerdote deve tratar de sexo “de preferência com moderação do que com excesso”. Deveria haver mais atenção a quem os seminaristas podem odiar do que a quem eles amam. Racismo, misoginia e homofobia deveriam indicar que alguém pode não ser modelo de Cristo (2).
A Conferência dos Bispos Suíços também se pronunciou sobre a orientação sexual e a admissão ao sacerdócio:
“Nós somos profundamente gratos a todos os padres que vivem sua vocação com grande fidelidade. Nós temos consciência de que em nosso colégio presbiteral e nos nossos seminários vivem coirmãos com orientação heterossexual e outros com orientação homossexual. Nós respeitamos cada um como homem e coirmão. Nós decidimos viver a castidade independentemente de nossa orientação sexual. Por isso, no âmago de nossas reflexões sobre o acesso ao sacerdócio, não há questão de orientação sexual, mas a disponibilidade de seguir Cristo de maneira coerente” (3).
Portanto, a recepção da Instrução romana estimulou uma fidelidade criativa em alguns segmentos da Igreja. A reflexão se aprofundou, os conceitos foram matizados e se abriram caminhos, com um apreço maior pela pessoa homossexual.
Em 2007, a Cúria Romana publicou Orientações sobre o uso da psicologia na admissão e na formação de candidatos ao sacerdócio. A formação para o sacerdócio é compreendida como uma configuração a Cristo, o bom pastor. Nesta formação, deseja-se cultivar motivações espirituais e buscar um equilíbrio humano e afetivo, para que haja liberdade interior na relação com os fiéis. O uso da psicologia através de testes e de psicoterapia é recomendado em certas circunstancias, mas não é obrigatório. O caminho formativo deve ser interrompido no caso de o candidato, apesar do seu empenho e do apoio psicológico, ser incapaz de “enfrentar de modo realista” suas graves imaturidades. Entre estas, são mencionadas: forte dependência afetiva, notável falta de liberdade nas relações, excessiva rigidez de caráter, falta de lealdade, identidade sexual incerta e tendências homossexuais fortemente enraizadas. O mesmo vale no caso de excessiva dificuldade com o celibato, “vivido como uma obrigação tão penosa a ponto de comprometer o equilíbrio afetivo e relacional” (4).
Note-se que a tendência homossexual, ainda que classificada como grave imaturidade, não é causa de impedimento ao sacerdócio, mas a incapacidade de se lidar com isto de maneira adequada. A restrição da Instrução de 2005 foi amenizada. E, seja quem for o candidato, ele não deve viver a castidade no celibato a qualquer preço, sacrificando seu equilíbrio emocional. Esta norma é sabia e muito oportuna também para religiosos e fiéis leigos. Mas, em meio a tais notícias e controvérsias, a autoestima de candidatos, seminaristas, sacerdotes e religiosos com orientação homossexual pode ser bastante golpeada.
Na alocução aos bispos italianos, o Papa Francisco afirmou que a Igreja deve ser mãe e fez esta oração: “que Maria, nossa Mãe, nos ajude a fim de que a Igreja seja mãe” (5). É preciso ajudar a Igreja nesta missão tão nobre e amorosa. Seus filhos têm um inegável potencial a ser oferecido, que jamais deve ser desperdiçado. Mas também podem ter feridas e exigir cuidados que não devem ser negligenciados. Só assim a missão materna da Igreja pode ter êxito. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br
VOCAÇÃO E PACIÊNCIA: Frei Petrônio
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*DOMINGO 19: 20º Domingo do Tempo Comum – Ano B
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Tema
A liturgia do 20º Domingo do Tempo Comum repete o tema dos últimos domingos: Deus quer oferecer aos homens, em todos os momentos da sua caminhada pela terra, o “pão” da vida plena e definitiva. Naturalmente, os homens têm de fazer a sua escolha e de acolher esse dom.
No Evangelho, Jesus reafirma que o objetivo final da sua missão é dar aos homens o “pão da vida”. Para receber essa vida, os discípulos são convidados a “comer a carne” e a “beber o sangue” de Jesus – isto é, a aderir à sua pessoa, a assimilar o seu projeto, a interiorizar a sua proposta. A Eucaristia cristã (o “comer a carne” e “beber o sangue” de Jesus) é um momento privilegiado de encontro com essa vida que Jesus veio oferecer.
EVANGELHO – JO 6,51-58. ATUALIZAÇÃO
Nas semanas anteriores, a liturgia disse-nos, repetidamente, que Jesus era o “pão descido do céu para dar vida ao mundo”… O Evangelho deste domingo liga esta afirmação com a Eucaristia: uma das formas privilegiadas de Jesus continuar presente, no tempo, a “dar vida” ao mundo é através do “pão” que Ele distribui à mesa da Eucaristia. A Eucaristia que as comunidades cristãs celebram cada domingo (ou mesmo cada dia) não é um rito tradicional a que “assistimos” por obrigação, para acalmar a consciência ou para cumprir as regras do “religiosamente correto”; mas é um encontro com esse Cristo que Se faz “dom” e que vem ao nosso encontro para nos oferecer a vida plena e definitiva. Como é que eu “sinto” a Eucaristia? Que importância é que ela assume na minha vida e na minha existência cristã?
Participar no encontro eucarístico, “comer a carne” e “beber o sangue” de Jesus é encontrar-se, hoje, com esse Cristo que veio ao encontro dos homens e que tornou presente na sua “carne” (na sua pessoa física) uma vida feita amor, partilha, entrega, até ao dom total de si mesmo na cruz (“sangue”). Participar no encontro eucarístico, “comer a carne” e “beber o sangue” de Jesus, é acolher, assimilar e interiorizar essa proposta de vida, aceitar que ela é um caminho para a felicidade, para a realização plena do homem, para a vida definitiva.
Sentar-se à mesa da Eucaristia é também identificar-se com Jesus, viver em união com Ele. Na Eucaristia, o alimento servido é o próprio Cristo. Por isso, é a própria vida de Cristo que passa a circular nas veias dos crentes. Quem acolhe essa vida que Jesus oferece torna-se, portanto, um com Ele. Comer cada domingo (ou cada dia) à mesa com Jesus desse alimento que Ele próprio dá e que é a sua pessoa, leva os crentes a uma comunhão total de vida com Jesus e a fazer parte da família do próprio Jesus. Convém termos consciência desta realidade: celebrar a Eucaristia é aprofundarmos os laços familiares que nos unem a Jesus, identificarmo-nos com Ele, deixarmos que a sua vida circule em nós. Este crente, identificado com Cristo, torna-se uma pessoa nova, à imagem de Cristo.
Na concepção judaica, a partilha do mesmo alimento à volta da mesa gera entre os convivas familiaridade e comunhão. Assim, os crentes que participam da Eucaristia passam a ser irmãos: em todos circula a mesma vida, a vida do Cristo do amor total. Dessa forma, a participação na Eucaristia tem de resultar no reforço da comunhão dos irmãos. Uma comunidade que celebra a Eucaristia e que vive depois na divisão, no ciúme, no conflito, no orgulho, na autossuficiência, na indiferença para com as dores e as necessidades dos irmãos, é uma comunidade que não está a ser coerente com aquilo que celebra; e, nesse caso, a celebração eucarística é uma incoerência e uma mentira.
Finalmente, o “comer a carne” e “beber o sangue” de Jesus implica um compromisso com esse mesmo projeto que Jesus procurou concretizar em toda a sua vida, em todos os seus gestos, em todas as suas palavras.
Como Jesus, o crente que celebra a Eucaristia tem de levar ao mundo e aos homens essa vida que aí recebe… Tem de lutar, como Jesus, contra a injustiça, o egoísmo, a opressão, o pecado; tem de esforçar-se, como Jesus, por eliminar tudo o que desfeia o mundo e causa sofrimento e morte; tem de construir, como Jesus, um mundo de liberdade, de amor e de paz; tem de testemunhar, como Jesus, que a vida verdadeira é aquela que se faz amor, serviço, partilha, doação até às últimas consequências. Se a Eucaristia for, de facto, uma experiência profunda e sentida de adesão a Cristo e ao seu projeto, dela resultará o imperativo de uma entrega semelhante à de Cristo em favor dos nossos irmãos e da construção de um mundo novo.
*LEIA A REFLEXÃO NA ÍNTEGRA, CLIQUE AO LADO NO LINK- EVANGELHO DO DIA.
VOCAÇÃO E MEDO: Frei Petrônio
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VOCAÇÃO E MISSÃO: Frei Petrônio
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Para sempre ou enquanto durar
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Que a Igreja e seu povo estejam em caminho no espaço e no tempo, em direção a novas fronteiras de cooperação entre consagrados e laicos, homens e mulheres, de acordo com a psicóloga e psicoterapeuta Chiara D'Urbano, é inegável, também por causa da redução do número de sacerdotes e religiosos que favoreceu o movimento de abertura, por parte de muitas realidades carismáticas, da suas próprias casas. O comentário é de Giacomo Galeazzi, jornalista, publicado por Vatican Insider, 04-08-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
As histórias de vocações ficaram sobrecarregadas por um longo tempo, na opinião de Chiara D'Urbano, por uma linguagem e um estilo de acompanhamento que as distanciou dos dinamismos humanos e, especialmente, do bem-estar da pessoa, como se a "chamada" de Deus estivesse em competição com seus desejos mais profundos.
Se Deus e o homem desejam a mesma coisa é possível considerar uma vocação como um processo espiritual e psicológico juntos, que exige pressupostos de um e do outro "lado". As duas dimensões, de fato, embora sejam autônomas, têm correspondências entre si e não há realização de fé onde faltam os pressupostos psicológicos para a vida que está começando a ser realizada.
A intuição espiritual deve ser sustentada, adverte Chiara D'Urbano, por uma estrutura psicológica adequada e uma não pode existir sem a outra.
A análise dos processos psicológicos que sustentam uma escolha sacerdotal ou de vida em comum - como nasce, como se desenvolve, como amadurece ou como trava - tem vários objetivos: reduzir os mitos que cercam a vocação, refletir sobre a vida em comum no terceiro milênio (ainda faz sentido?) e finalmente reunir vocação e felicidade.
Os argumentos que Chiara D'Urbano selecionou no livro "Per sempre o finchè dura(Para sempre ou enquanto dura)", são o resultado, explica Antonio Panfili no prefácio da obra, "de uma sólida experiência, adquirida através de seus estudos na Pontifícia Universidade Gregoriana, da considerável experiência adquirida ao longo do tempo, através do ensino e de encontros de formação em vários seminários e congregações religiosas, e principalmente da extensa atividade clínica que transparece na forma intensa com que enfrenta as diversas temáticas."
Panfili compartilha a "perspectiva calma e encorajadora com que Chiara D'Urbanoescreve sobre o caminho que, como ela esboçou, não reduz a vocação apenas a dinâmicas psicológicas ou apresentação de pessoas sem defeitos; ao contrário, o ser humano é visto como uma unidade, por isso pensar que seja possível cuidar apenas do aspecto mais específico da fé, como se o resto viesse como consequência, significaria não olhar forma completa e realista o ser humano”.
A autora há muitos anos aproxima na formação e no acompanhamento psicoterapêutico, os percursos individuais daqueles que escolhem dedicar-se a Deus pelo ministério, pastoral, vida comunitária, o compromisso com o apostolado ou com a missão, e aqueles de sua realidade de pertencimento.
Chiara D'Urbano é perita dos Tribunais do Vicariato de Roma, colabora na pesquisa e no ensino com o instituto de ensino superior sobre a mulher da Universidade Pontifícia Regina Apostolorum. Para o site da editora Città Nuovaassina uma coluna on-line sobre a vida em comum e cuida de um blog sobre a vida consagrada. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br
14 DE AGOSTO: São Maximiliano Maria Kolbe- O Santo do Dia.
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SOLENE RITO DE CANONIZAÇÃO DE SÃO MAXIMILIANO MARIA KOLBE
HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II
Praça de São Pedro
Domingo, 10 de Outubro de 1982
"Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos" (Jo15, 13).
A partir de hoje a Igreja deseja chamar "Santo" um homem a quem foi concedido realizar de maneira absolutamente literal as referidas palavras do Redentor.
De facto, no final de Julho de 1941, quando por ordem do chefe do campo foram colocados em fila os prisioneiros destinados a morrer de fome, este homem, Maximiliano Maria Kolbe, apresentou-se espontaneamente, declarando-se pronto a morrer em substituição a um deles. Esta disponibilidade foi acolhida, e ao Padre Maximiliano, após mais de duas semanas de tormentos por causa da fome, foi enfim tirada a vida com uma injecção mortal, a 14 de Agosto de 1941.
Tudo isto ocorreu no campo de concentração de Auschwitz, onde foram levadas à morte durante a última guerra cerca de quatro milhões de pessoas, entre as quais também a Serva de Deus Edite Stein (a carmelitana Irmã Teresa Benedita da Cruz), cuja causa de Beatificação está em andamento junto da competente Congregação. A desobediência a Deus, Criador da vida, que disse "não matarás", causou nesse lugar o imenso morticínio de tantos inocentes Contemporaneamente, então, a nossa época permaneceu assinalada de maneira tão horrível pelo extermínio do homem inocente.
- Padre Maximiliano Kolbe, sendo também ele um prisioneiro do campo de concentração, reivindicou, em lugar da morte, o direito à vida de um homem inocente, um dos quatro milhões. Este homem (Franciszek Gajowniczek) vive ainda e está presente entre nós. Padre Kolbe reivindicou em favor dele o direito à vida, ao declarar a disponibilidade de morrer em lugar dele, porque era um pai de família e a sua vida era necessária aos seus entes queridos. Padre Maximiliano Maria Kolbe reafirmou assim o direito exclusivo do Criador à vida do homem inocente e deu testemunho a Cristo e ao amor. Escreve de facto o apóstolo João: "Nisto conhecemos a caridade: Ele (Jesus) deu a Sua vida por nós, e nós devemos dar a vida pelos nossos irmãos" (1Jo3, 16).
Dando a sua vida por um irmão, Padre Maximiliano, que a Igreja já desde 1971 venera como "beato", de modo particular tornou-se semelhante a Cristo.
- Nós, portanto, que hoje, domingo 10 de Outubro, nos reunimos diante da basílica de São Pedro em Roma, desejamos exprimir o especial valor que aos olhos de Deus tem a morte por martírio do Padre Maximiliano Kolbe:
"É preciosa aos olhos do Senhor a morte dos Seus fiéis" (Sl 115/116 15), assim repetimos no salmo responsorial. Verdadeiramente é preciosa e inestimável! Mediante a morte que Cristo sofreu na Cruz completou-se a redenção do mundo pois esta morte tem o valor do amor supremo. Mediante a morte, sofrida pelo Padre Maximiliano Kolbe, um límpido sinal deste amor foi renovado no nosso século, que em grau tão elevado e de múltiplos modos é ameaçado pelo pecado e pela morte.
Eis que, nesta solene liturgia da canonização, parece apresentar-se entre nós aquele "mártir do amor" de Oswiecim (como o chamou Paulo VI) e dizer: "eu sou Vosso servo, Senhor, sou Vosso servo nascido da Vossa serva, a quem quebrastes as cadeiras" (Sl 115/116, 16).
E, quase recolhendo num só o sacrifício de toda a sua vida, ele, sacerdote e filho espiritual de São Francisco, parece dizer: "Que darei eu ao Senhor por todos os Seus benefícios?
Elevarei o cálice da salvação invocando o nome do Senhor" (Sl 115/116, 12 s.). São, estas, palavras de gratidão. A morte sofrida por amor, em lugar do irmão, é um ato heróico do homem mediante o qual, juntamente com o novo Santo, glorificamos a Deus. D'Ele de facto provém a Graça de tal heroísmo, deste martírio.
- Glorificamos portanto, hoje, a grande obra de Deus no homem. Diante de todos nós, aqui reunidos, Padre Maximiliano Kolbe eleva o seu "cálice da salvação", no qual está contido o sacrifício de toda a sua vida, ratificada com a morte de mártir "por um irmão".
Para este definitivo sacrifício, Maximiliano preparou-se seguindo a Cristo desde os primeiros anos da sua vida na Polónia. Daqueles anos provém o misterioso sonho de duas cordas: uma branca e outra vermelha, entre as quais o nosso santo não escolhe, mas aceita as duas. Desde os anos da juventude, de facto, permeava-o um grande amor por Cristo e o desejo do martírio.
Este amor e este martírio acompanharam-no na vocação franciscana e sacerdotal, para a qual se preparava tanto na Polónia como em Roma. Este amor e este desejo seguiram-no através de todos os lugares do serviço sacerdotal e franciscano na Polónia, e também do serviço missionário no Japão.
- A inspiração de toda a sua vida foi a Imaculada, à qual confiava o seu amor por Cristo e o seu desejo de martírio. No mistério da Imaculada Conceição manifestava-se diante dos olhos da sua alma aquele mundo maravilhoso e sobrenatural da Graça de Deus oferecida ao homem. A fé e as obras de toda a vida do Padre Maximiliano indicam que ele entendia a sua colaboração com a Graça divina como uma milícia sob o sinal da Imaculada Conceição. A característica marianaé particularmente expressiva na vida e na santidade do Padre Kolbe. Com esta característica foi marcado também todo o seu apostolado, tanto na Pátria como nas missões. Na Polônia e no Japão foram centro deste apostolado as especiais cidades da Imaculada ("Niepokalanow" polaco, "Mugenzai no Sono" japonês).
- Que aconteceu no Bunker da fome no campo de concentração em Oswiecim (Auschwitz), a 14 de Agosto de 1941?
A isto responde a presente liturgia: "Deus provou" Maximiliano Maria "e achou-o digno de Si" (cf. Sab 3, 5). Provou-o "como ouro na fornalha e aceitou-o como holocausto" (cf. Sab 3, 6).
Embora "aos olhos dos homens tenha sido atormentado", todavia "a sua esperança está cheia de imortalidade", pois "as almas dos justos estão na mão de Deus e nenhum tormento as tocará". E quando, humanamente falando, lhes chegam o tormento e a morte, quando "aparentemente estão mortos aos olhos dos insensatos...", quando "a sua saída deste mundo é considerada uma desgraça...", "eles estão em paz": eles experimentam a vida e a glória "na mão de Deus" (cf. Sab 3, 1-4).
Tal vida é fruto da morte à semelhança da morte de Cristo. A glória é a participação na Sua ressurreição.
Que aconteceu, então, no Bunker da fome, no dia 14 de Agosto de 1941?
Cumpriram-se as palavras dirigidas por Cristo aos Apóstolos para que "fossem e dessem fruto e o seu fruto permanecesse" (cf. Jo15, 16).
De modo admirável perdura na Igreja e no mundo o fruto da morte heróica de Maximiliano Kolbe!
- Para quanto ocorreu no campo de "Auschwitz" olhavam os homens. E embora aos olhos deles devesse parecer que "tivesse morrido" um companheiro de tormento, e de maneira humana pudessem considerar "a sua saída" como "uma desgraça", todavia na consciência deles esta não era simplesmente "a morte".
Maximiliano não morreu, mas "deu a vida... pelo irmão".
Manifestava-se nesta morte, terrível sob o ponto de vista humano, toda a definitiva grandeza do acto humano e da escolha humana: ele, por amor, ofereceu-se espontaneamente à morte.
E nesta sua morte humana manifestava-se o transparente testemunho dado a Cristo: o testemunho dado em Cristo à dignidade do homem, à santidade da sua vida e à força salvífica da morte, na qual se manifesta o poder do amor.
Precisamente por isto a morte de Maximiliano Kolbe se tornou um sinal de vitória. Foi esta a vitória alcançada sobre o inteiro sistema do desprezo e do ódio para com o homem e o que é divino no homem, vitória semelhante àquela obtida por Nosso Senhor Jesus Cristo no Calvário.
"Vós sereis Meus amigos se fizerdes o que Eu vos mando" (Jo 15,14).
- A Igreja aceita este sinal de vitória, obtida mediante a força da Redenção de Cristo, com veneração e gratidão. Procura decifrar a sua eloquência com toda a humildade e amor.
Como sempre, quando proclama a santidade dos seus filhos e das suas filhas, assim também neste caso, ela procura agir com toda a precisão e a responsabilidade devidas, penetrando em todos os aspectos da vida e da morte do Servo de Deus.
Todavia a Igreja deve, ao mesmo tempo, estar atenta, entendendo o sinal da santidade dado por Deus no seu Servo terreno, para não deixar perderem-se a sua plena eloquência e o seu significado definitivo.
E por isso, ao julgar a causa do Beato Maximiliano Kolbe tiveram de ser tomadas em consideração — já depois da beatificação — as inúmeras vozes do Povo de Deus, e sobretudo dos nossos Irmãos no episcopado, tanto da Polônia como também da Alemanha, que pediam fosse Maximiliano Kolbe proclamado santo como mártir.
Diante da eloquência da vida e da morte do Beato Maximiliano, não se pode não reconhecer o que parece constituir o principal e essencial conteúdo do sinal dado por Deus à Igreja e ao mundo na sua morte.
Não constitui esta morte enfrentada espontaneamente, por amor ao homem, um particular cumprimento das palavras de Cristo?
Não torna ela Maximiliano particularmente semelhante a Cristo, Modelo de todos os Mártires, que na Cruz dá a própria vida pelos irmãos?
Não possui precisamente tal morte uma especial e penetrante eloquência para a nossa época?
Não constitui ela um testemunho particularmente autêntico da Igreja no mundo contemporâneo?
- E por isso, em virtude da minha autoridade apostólica decretei que Maximiliano Maria Kolbe, venerado que era como Confessor a partir da Beatificação, fosse de agora em diante venerado também como Mártir!
"É preciosa aos olhos do Senhor a morte dos Seus fiéis!". Amém.
Fonte: https://w2.vatican.va
Dioceses vacantes no Brasil aguardam nomeação de novo bispo
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Desde agosto do ano passado, doze novos bispos foram nomeados para a Igreja no Brasil, além de transferências de prelados para outras dioceses. Mesmo assim, ainda há 14 Igrejas Particulares vacantes, num universo de 277 circunscrições eclesiásticas. A diocese de Carolina (MA) é a que aguarda há mais tempo, desde julho do ano passado.
Renúncia, transferência, falecimento ou perda de ofício são alguns dos motivos que podem tornar uma sede vacante, expressão oriunda do latim que significa trono vazio e que é usada pela Igreja para dizer que uma Sede Episcopal está sem o seu ocupante no governo pastoral. Neste período, a Igreja Particular fica aos cuidados de um administrador diocesano, eleito pelo Colégio de Consultores, que pode desempenhar algumas funções limitadas pelo Código de Direito Canônico; ou por um administrador apostólico, um bispo nomeado pelo papa.
A eleição dos bispos
Padre Djalma Lopes de Siqueira, da diocese de São José dos Campos, explica que a escolha de um novo bispo se dá através de um longo e criterioso processo que se inicia na Nunciatura Apostólica de cada país. Na sequência, é encaminhado para a Congregação para os Bispos, no Vaticano, até chegar ao papa, a quem compete a nomeação dos bispos.
“Neste processo se busca obter através de consultas, sob segredo pontifício, a opinião de muitas pessoas para se chegar ao máximo de informações pertinentes acerca dos candidatos. Isto demonstra o quanto a Igreja tem consciência da importância da nomeação dos bispos. Muitas pessoas investem muitos anos de suas vidas e ministérios na dedicação a este serviço eclesial”, conta.
Período de Oração
Neste tempo de espera, muitos aproveitam para intensificar as orações para a escolha de um novo pastor para guiar aquela porção do povo de Deus.
Confira as 14 dioceses vacantes até esta data na Igreja no Brasil:
1-Apucarana (PR), vacante desde 13 de dezembro de 2017, quando dom Celso Antônio Marchiori foi nomeado bispo de São José dos Pinhais (PR).
2-Bagé (RS), vacante desde a acolhida do pedido de renúncia de dom Gílio Felício, em 6 de junho de 2018.
3-Bonfim (BA), vacante desde o dia 3 de janeiro de 2018, quando dom Francisco Canindé Palhano foi nomeado o novo bispo da diocese de Petrolina (PE)
4-Cachoeira do Sul (RS), vacante desde o falecimento de dom Remídio Bohn, em 6 de janeiro de 2018.
5-Campinas (SP), vacante desde a nomeação de dom Airton José dos Santos para a arquidiocese de Mariana (MG), em 25 de abril de 2018.
6-Carolina (MA), vacante desde que o Papa Francisco aceitou a renúncia de dom José Soares Filho, em 5 de julho de 2017.
7-Guanhães (MG), vacante desde a acolhida do pedido de renúncia apresentado por dom Jeremias Antônio de Jesus, em 4 de junho. A diocese está sob os cuidados de um administrador apostólico: o arcebispo metropolitano de Diamantina, dom Darci José Nicioli, desde 4 de julho.
8-Ipameri (GO), vacante desde 7 de fevereiro de 2018, quando dom Guilherme Antônio Werlang foi nomeado para a diocese de Lages (SC).
9-Eparquia de Nossa Senhora do Paraíso em São Paulo dos Greco-Melquitas, vacante desde fevereiro, quando o Papa Francisco autorizou a transferência de dom Joseph Gébara para a arquieparquia de Petra e Filadélfia (Jordânia) dos Greco-Melquitas.
10-Palmeira dos Índios (AL), vacante desde a nomeação de dom Dulcênio Fontes de Matos para a diocese de Campina Grande (PB), em 11 de outubro de 2017.
11-São João del Rei (MG), vacante desde o dia 19 de janeiro deste ano, quando faleceu o bispo dom Célio de Oliveira Goulart, aos 73 anos.
12-Teófilo Otoni (MG), ficou vacante em 20 de setembro de 2017, quando Aloísio Jorge Pena Vitral foi nomeado bispo de Sete Lagoas (MG).
13-União da Vitória (PR), vacante desde 8 de fevereiro, quando dom Agenor Girardi faleceu vítima de um quadro infeccioso grave que evoluiu para a falência múltipla de órgãos.
14-Viana (MA), vacante após a transferência de dom Sebastião Lima Duarte para a diocese de Caxias do Maranhão, no mesmo estado, em 20 de dezembro de 2017. Fonte: http://www.cnbb.org.br
Nosso Deus é misericordioso ou é um juiz canônico?
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"A misericórdia do Deus-Trindade não exige méritos e nem duríssimas provas, pois é libertadora. Porém, exige uma abertura integral de coração – ardente pelo amor revelado por Cristo Jesus. Será que estamos abertos à misericórdia?", questiona Orlando Polidoro Junior, teólogo, pastoralista e bacharel em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR.
Eis o artigo.
Como parte integrante da fé dos cristãos, muitos reconhecem e proclamam com certa frequência e “sem nenhuma dúvida” que Deus é puro amor e que Sua Essência é Amor – acreditando ser este o ‘modo único’ de manifestar-se a tudo que criou, especialmente às suas criaturas.
A partir desta compreensão, qualquer modelo de pensamento que descreva um deus sem compaixão, que julga; pune e até condena seus filhos, por mais que as Escrituras Sagradas apresentem dezenas de passagens suficientes para as duas considerações teológicas, este não pode ser referenciado como o mesmo Deus bíblico anunciado por Jesus em seu Evangelho. Mas como o Deus de Jesus sempre provê, usufruindo da graça do livre-arbítrio o fiel pode optar pela ‘confiança absoluta’ em Sua Superabundante Misericórdia – fonte de libertação total para uma vida digna diante do Reino presente e futuro. Tomar posse desta graça é uma decisão exclusiva de cada cristão.
Vamos refletir um pouco sobre a misericórdia do Deus-Trindade, com um início bem simples e tradicional ao entendimento bíblico de todos os cristãos: Ele nos amou primeiro e nos criou à Sua Imagem e Semelhança. Tudo por Ele criado, e Seu Amorincondicional por cada ser humano [destinatários da sua misericórdia], é a glória exuberante do Seu Reino. “Porque é Deus, porque Ele é misericórdia, e porque a misericórdia é o primeiro atributo de Deus. É o nome de Deus” (FRANCISCO, p.122).
Mas o que é misericórdia? “Etimologicamente, significa abrir o coração ao miserável” (FRANCISCO, p. 37). No Primeiro Testamento já aparecem termos/palavras que expressam a misericórdia de Javé, fazendo com que por alguns séculos o povo Hebreu vivesse com essa consciência. Apesar de inúmeras referências nas Escrituras, a sabedoria do Salmo 102 (103) traduz com muito zelo essa manifestação do Senhor.
No Segundo Testamento o conceito de misericórdia vem do grego, com base no substantivo eleos, e no verbo eleao, as duas palavras expressam o sentimento vivenciado pelos infortúnios que afligem o próximo. E do Latim a palavra é formada pela junção de miserere, que é ter compaixão, com cordis, que é coração. Para Deus a compaixão de coração é a Sua capacidade de sentir o que seus filhos sentem, é ser solidário com suas misérias. “A misericórdia está profundamente ligada à fidelidade de Deus” (FRANCISCO, p. 38).
Jesus, O Deus encarnado (cf. Jo 1,1.14), ‘sempre movido pela misericórdia’, perdoa, reconcilia e regenera todos os que d’Ele se aproximam. O Deus magnificente em misericórdia (cf. Lc 15,20), sem nenhum tipo de julgamento – age com piedade, compaixão, fidelidade, ajuda compassiva, bondade, restaura a dignidade, senta à mesa com os pecadores, perdoa todos os erros. Caminha junto, participa, compartilha as dores e os anseios de todos por onde passa.
Conforme Marcos 6,34, Sua misericórdia concebe e aceita cada um do jeito que é, na condição que o Pai o (a) criou. Mas Jesus transcende – suscita – instrui à Verdade para que o homem se converta. Mas converter-se ao quê? Ao Amor ressaltado em Mateus 22,37-39: Adorarás a Santíssima Trindade “de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu espírito”. “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. É simples, resume-se ao amor (cf. Lv 19,18; Rm 13,8.10; Gl 5,14). “Ama e faze o que quiseres” (Santo Agostinho) ou “Quem ama cumpriu toda a Lei”.
Quando esta conversão atinge seu júbilo, a alma/coração passam a fulgurar o Bem Maior de Deus, fazendo com que o cristão reconheça seus erros, [conforme Francisco, p. 65, reconhecê-los é uma graça], e não saia julgando e nem condenando os erros de conduta do próximo. E para completar a obra, recebe as “chaves” que dão acesso à plenitude da vida [...].
Sutilmente citamos os temas da conversão, do pecado e da salvação, que são três grandes ‘mistérios’ – efetivamente – alguns dos maiores imbróglios teológicos dentro do cristianismo. Como é possível não acreditar na Misericórdia Divina da Santíssima Trindade, se é por ela a graça da conversão, da remissão dos pecados e da ‘condução’ para a vida eterna. Se o cristão não crê nisto, é porque não dá ouvidos ao anúncio da Boa-Nova, pois caminhando pela via da fé subjetiva não consegue discernir. Mas “o pior” é excluir essa Verdade de sua vida. Recusando-a, o fiel perde a dignidade que gera confiança na misericórdia, ou seja, desacredita na essência do Deus-Trino.
Os verdadeiramente convertidos, os “supostos”, incluindo também os santos da Igreja Católica, todos têm e tinham seus “pecados”. Se alguém se acha puro e perfeito, isto sim é um grande erro. Convertido(a) pela graça ou não, temos consciência do que é certo e o que é errado. Os que caminham no ‘processo de conversão’ tentam evitar os desvios de conduta, mas não estão isentos de pequenos deslizes na vida, que mesmo sendo contrários aos ensinamentos da igreja, fazem parte da natureza humana. “Ouve-se de vez em quando dizerem, mesmo no seio da Igreja: é misericórdia demais! A Igreja tem é que condenar o pecado...” (FRANCISCO, p. 84).
“Misericórdia: é o ato último e supremo pelo qual Deus vem ao nosso encontro” (MV n.2). Partindo desta iluminada e louvável reflexão, mesmo sem conversão, entre erros e acertos, “indigno de salvação”, o cristão (â) que confia mesmo, ardente no Amor-Trinoe na fé, sempre está nos braços do Senhor, sempre!
“Nenhum pecado humano, por mais grave que seja, pode prevalecer sobre a misericórdia, ou limitá-la” (FRANCISCO, p. 85). Como sempre, com certeza, os fundamentalistas ultraconservadores respondem exclamando que não é bem assim, e assim merecem a resposta de Mateus 5,7 que são palavras do próprio Jesus para nós: “Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia”. Por mais que Jesus não precise alcançá-la, pois É a Própria Misericórdia, será que é possível nos pedir algo que nem Ele seja capaz? Ou será que humanamente Ele não é um Bem-Aventurado?
Conforme Romanos 6,14-15, Por Cristo, não vivemos mais sob os rigorismos da lei e da punição severa por causa do pecado. Em Cristo, vivemos sim sob a misericórdia divina. E em Cristo, “E daí? Pecamos, porque não estamos mais debaixo da Lei, mas sob a graça? De modo algum!”. “A misericórdia será sempre maior do que qualquer pecado, ninguém pode impor um limite ao amor de Deus que perdoa” (FRANCISCO, p. 123).
A misericórdia do Deus-Trindade não exige méritos e nem duríssimas provas, pois é libertadora. Porém, exige uma abertura integral de coração – ardente pelo amor revelado por Cristo Jesus. Será que estamos abertos à misericórdia?
Referências:
Bíblia de Jerusalém
O nome de Deus é misericórdia, Papa Francisco
Por Cristo, com Cristo, e em Cristo.
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br
VOCAÇÃO E ESPERANÇA: Frei Petrônio
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O Frei Petrônio de Miranda, Padre Carmelita e Jornalista/RJ- passando em Cruzeiro/SP- fala sobre vocação a partir da ótica da Esperança. E-mail do Frei Petrônio para contato- críticas ou sugestões de temas. Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar. FACE: www.facebook.com/freipetros SITE: www.olharjornalistico.com.br TWITTER: www.twitter.com/freipetronio Convento do Carmo da Lapa, Rio de Janeiro. 14 de agosto-2018.
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