Conheça Irmã Marluce, crossfiteira de 61 anos que treina de saia e incentiva evangélicos
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Ela começou a treinar aos 53 anos para reverter um diagnóstico de pré-diabetes e hoje faz sucesso participando de competições e mostrando sua rotina de exercícios nas redes sociais
Irmã Marluce, 61, é dona de casa e posta vídeos praticando crossfit nas redes sociais
SÃO PAULO
"5 Wods, 12 Deadlifts, 100 kg." Para quem não pratica CrossFit, a sequência de exercícios pode ser desafiadora. Mas para Marluce Santos, de 61 anos, mais conhecida como Irmã Marluce na internet, é moleza. Ela vem fazendo sucesso ao mostrar seus treinos diários nas redes sociais.
Não era assim há 8 anos, quando a dona de casa, mãe e avó dedicada começou a praticar atividades físicas para evitar uma piora na saúde. Evangélica, ela treina de saia e se denomina "irmã" por ser chamada assim na Igreja, onde é incentivada e também incentiva fiéis a aderirem à atividade física.
Moradora de Jaboatão dos Guararapes (município da região metropolitana do Recife), a influenciadora conta com 189 mil seguidores no Instagram e já faz conteúdos de publicidade para marcas de roupa e de suplementos alimentares. Participa de podcasts e entrevistas. Em conversa com o F5, ela contou que não imaginava nada disso, até uma amiga sugerir filmar seus treinos.
Quando começou a praticar exercícios, Marluce tinha 53 anos, pesava mais de 100 kg e estava com pré-diabetes e hipertensão. "Eu comecei a caminhar, caminhava meia hora indo, meia hora voltando e depois de alguns tempos assim, minha filha começou a me convidar para ir para uma academia funcional", contou ela.
Hoje apaixonada pelo esporte, ela conta que não teve facilidade em aceitar o convite da filha: "Eu tinha vergonha, eu já estava com 53 anos e eu pensava que a academia era só para moças e rapazes sarados", lembra. Mas, ao longo dos anos, entendeu que não era bem assim.
Irmã Marluce passou pelo treino funcional e se encontrou no CrossFit, sem deixar seu conforto e personalidade de lado, vestindo saias, como é de costume entre algumas denominações evangélicas. "É algo que me deixa confortável e não expõe o meu corpo, por eu ser evangélica", explica.
"Eu não sou tão novinha assim para estar com shortinho bem curtinho, com legging bem colada, entendeu? Então eu comecei a usar minha saia, o que já era moda entre os evangélicos", continua. "Agora ela está tendo mais evidência por causa de mim", arremata, orgulhosa.
A rotina dela, no entanto, não se resume aos treinos: Marluce contou que vive num "corre-corre bastante grande", já que toma conta de uma neta de 4 anos pela manhã. À tarde, divide o tempo entre a igreja, onde é líder de um grupo de idosos, e os treinos no box (como é chamado o centro de treinamento de CrossFit).
As redes sociais ficam a cargo de seu filho, que foi também quem escolheu o nome "bem evangélico" para a página da mãe. "Eu amo esse título, entendeu? É algo que faz parte de mim, da minha pessoa. Eu sou realmente Irmã Marluce aqui, no geral, no meu dia a dia. Irmã para lá, irmã para cá", conta ela.
Segundo ela, os irmãos da Igreja também a incentivam. "O povo sempre, sempre, sempre me apoiou", afirma a influenciadora. "Eles viram a Marluce de oito anos atrás e estão vendo hoje. O quanto eu mudei fisicamente, falando, na saúde, na disposição. Elas ficam: 'Eu vou também, vou seguir a Marluce'."
Com a nova rotina, Marluce conseguiu abaixar os índices de glicose no sangue e participou de sua primeira competição, instigada pelos colegas e familiares. "O único objetivo de frequentar um box de CrossFit era a minha saúde. Todo o resto veio de bônus", comemora. Fonte: https://f5.folha.uol.com.br
WhatsApp poderá ‘dedurar’ se você esteve online recentemente; saiba como desativar opção
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WhatsApp poderá ‘dedurar’ se você esteve online recentemente; saiba como desativar opção
Nova ferramenta está sendo testada e pode ser disponibilizada em breve pelo app
Por Bruna Arimathea e Henrique Sampaio
Uma nova ferramenta do WhatsApp pode deixar o aplicativo mais informativo para quem gosta de “stalkear” contatos. De acordo com o site especializado WaBetainfo, o mensageiro está testando uma tela para que os usuários possam visualizar quais contatos estiveram online recentemente e quais estão ativamente no app em tempo real.
O recurso, no teste, foi integrado no mesmo menu em que o usuário pode selecionar um novo contato para começar uma conversa. Abaixo da lista de seleção do chat (com opções de novo contato ou de criar um link para a conversa), a imagem obtida pelo site mostra um item identificado como “recentemente online”.
Nesse rol, devem aparecer aqueles contatos que estiveram há pouco tempo usando o mensageiro ou que estão online no momento - e te ajudar a saber se desculpa do seu amigo que diz que “não olha o WhatsApp” é real. O teste não afirmou o período de tempo que o app vai considerar como “recente” para esse menu.
A ferramenta pode vir em conjunto com uma outra novidade que o WhatsApp também está testando: a sugestão de contatos para conversas. Nessa mesma aba, abaixo dos nomes de quem esteve online recentemente, o mensageiro também pode começar a sugerir algumas pessoas para conversar, sejam contatos que você não fala há algum tempo ou pessoas que você costumava trocar mais mensagens com alguma frequência.
Todas as essas mudanças ainda são testes e o WhatsApp não confirmou se alguma delas deve fazer parte de alguma atualização do app ou quando elas ficarão disponíveis.
Como desativar o recurso
Apesar da possível atualização aumentar a exposição dos usuários no aplicativo, o WhatsApp já conta com opções de privacidade que deixam de indicar se você está ou esteve online. Veja como configurar:
1-Toque no ícone “três pontos”;
2-Acesse “Configurações”;
3-Em seguida, “Privacidade”;
4-Escolha “Visto por último e online”;
Em “Quem pode ver meu ‘visto por último’”, você pode escolher entre “todos”, “meus contatos” (ou seja, apenas pessoas adicionadas por você), “Meus contatos, exceto…” (para criar uma lista de exceção) e “Ninguém”. Marque sua opção desejada;
Em “Quem pode ver quando estou online”, escolha entre “Todos” ou “Mesmo que ‘visto por último’”. Se não quiser ser “dedurado” pelo app, marque a opção “Ninguém” na etapa 5. Fonte: www.estadao.com.br
Saiba quem é o casal que sumiu quando viajava para missa de 7º dia
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O casal foi flagrado por câmeras de monitoramento de um posto de gasolina no dia em que sumiu. A Polícia Civil investiga o caso.
Wander José de Jesus, de 45 anos e Fábia Cristina Santos, de 43 anos. — Foto: Arquivo pessoal / Reprodução
Por Rodrigo Melo, g1 Goiás
Fábia Cristina Santos, de 43 anos, e Wander José de Jesus, de 45 anos, estão desaparecidos desde o dia 9 de março, após uma viagem para a missa de sétimo dia do pai da mulher que foi realizada em Quirinópolis, na região sudoeste de Goiás. Contudo, segundo a família, eles não chegaram a ir à cerimônia e não se tem notícias deles desde o sumiço.
O casal está junto há 27 anos e têm dois filhos. Natural de Quirinópolis, os dois chegaram a morar por 10 anos em uma fazenda, mas se mudaram para Goianira, Região Metropolitana da capital. No entanto, segundo a advogada da família, Rosemere Oliveira, desde novembro do ano passado o casal estava separado e vivendo em casas diferentes, mas tentavam reatar o casamento.
Fábia Cristina trabalha como pedagoga em uma escola, em Goianira. Em uma foto ao lado de Wander, publicada no dia 26 de dezembro de 2023, Fábia descreveu a esperança da relação dar certo: “Juntos vamos enfrentar todas as dificuldades e viver cada segundo unidos, firmes...”.
Wander José nasceu em São Simão, no sudoeste goiano e atuava como caminhoneiro. Contra ele, corre um processo em sigilo pelo crime de agressão. O g1 não conseguiu localizar o advogado do caminhoneiro para que pudesse se posicionar sobre o processo.
Desaparecimento
O casal foi flagrado por câmeras de monitoramento de um posto de gasolina no Bairro Cidade Jardim, em Goiânia, quando estavam em viagem para a missa de sétimo dia do pai da mulher. O vídeo mostra quando os dois, que estavam num veículo Ford Fiesta preto, chegam ao estabelecimento e vão embora. As imagens mostram que o casal chega ao posto às 13h49 e sai de lá às 13h54.
Sete minutos após abastecerem, o veículo do casal foi multado no km 27 da GO-469, em Abadia de Goiás. De acordo com o boleto da multa, o carro passou pela fiscalização excedendo a velocidade máxima da pista em mais de 50%. Numa via em que a velocidade máxima é de 80 km/hora, uma multa com essa especificação indica que o veículo passou pelo radar a 120 km/hora, no mínimo.
Entretanto, a GO-469 não é caminho convencional para Quirinópolis para quem sai de Goiânia. A rodovia corta a GO-060 (que leva para Quirinópolis e possui pista dupla) e tem pista simples, embora seja duplicada no perímetro urbano de Abadia de Goiás.
Pedido de ajuda
Nove minutos depois de serem vistos no posto, às 14h17, Fábia Cristina Santos enviou uma mensagem para o filho dizendo “Me ajuda”. A família divulgou um print do bate-papo entre mãe e filho em que o rapaz responde “O que? Você me preocupa”.
“Tudo indica que ali na hora já tinha algo errado acontecendo, porque eles passam a uma velocidade superior à máxima de 50%”, afirmou a advogada.
A mulher chegou a enviar uma outra mensagem, mas o texto foi apagado antes que o filho pudesse visualizar. O homem continuou tentando contato com a mãe, mas ela não respondeu desde então.
O trajeto até o local onde seria realizada a missa de sétimo dia deveria durar cerca de três horas e meia. Mas, o casal não voltou a ser visto. As investigações seguem em andamento de modo sigiloso.
Investigações
Em nota ao g1, a Polícia Civil afirmou instaurou inquérito policial para investigar o desaparecimento e que as informações divulgadas recentemente pela imprensa, como a mensagem enviada pela mulher e também a multa recebida pelo carro, já estão sob conhecimento da Autoridade Policial.
Veja a nota completa abaixo:
A Polícia Civil de Goiás, através da Delegacia de Polícia de Goianira - 16ª DRP, informa que instaurou inquérito policial para investigar o desaparecimento do referido casal. As informações divulgadas recentemente pela imprensa, como a mensagem enviada pela mulher e também a multa recebida pelo carro, já estão sob conhecimento da Autoridade Policial responsável pela investigação desde o momento em que o desaparecimento foi comunicado. Diligências estão sendo realizadas para a escorreita apuração dos fatos. Em razão da própria natureza investigativa, o caso é mantido sob sigilo. Fonte: https://g1.globo.com
As mulheres que se rebelam contra venda de meninas para casamentos no México
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As mulheres que se rebelam contra venda de meninas para casamentos no México
A BBC News Mundo viajou para La Montaña de Guerrero, no sul do México, onde meninas de apenas 9 anos são vendidas pelos pais para se casarem por até R$ 91 mil
Soyla Ortiz, prestes a se casar aos 21 anos, aprendeu a tecer para ter uma renda própria - Marcos González - 13.abr.24/BBC
Marcos González Díaz
METLATÓNOC, MÉXICO
Inicialmente, Claudia* não havia pedido dinheiro em troca da filha adolescente quando a menina decidiu se casar. Mas ao vê-la tão magra e abatida logo após o casamento, ela pensou que "vendê-la" faria com que o marido e a família dele, com quem a filha mora, a "valorizassem mais".
Embora esta negociação geralmente seja feita antes do casamento —e não depois— Claudia conversou com os pais do genro e recebeu dele 100 mil pesos mexicanos (cerca de R$ 30 mil) pela filha.
"Se a tivéssemos 'dado' (de graça), eles a teriam expulsado de casa e dito que não vale nada por não terem pago por ela", diz esta mãe que, com 35 anos, já tem cinco filhos e cinco filhas.
Com o filho homem mais velho, ela vivenciou esta prática inversamente. Quando ele se casou, eles tiveram que pagar aos pais da noiva 180 mil pesos (quase R$ 56 mil).
"Do contrário, a família dela teria discriminado ele, e perguntado por que não pagava, se ele era pobre... Esse é o costume aqui", revela.
Pode-se pensar que a venda de meninas e adolescentes para casamentos são casos isolados —e só acontecem em países distantes. Mas o "aqui" a que Claudia se refere é La Montaña de Guerrero, uma região no sul do México, onde povos indígenas realizam há muitos anos esta prática, com base em seus hábitos e costumes.
La Montaña sobrevive como pode em meio à pobreza extrema e à falta de oportunidades sufocante. Claudia, na verdade, teve que pedir dinheiro emprestado e viajar com parte da família para o norte do México para trabalhar no campo durante vários meses para pagar a quantia que os sogros do filho pediram.
Estas vendas para casamento afetam principalmente jovens adolescentes, mas foram registrados casos, inclusive, de meninas de 9 e 10 anos. Em algumas comunidades, no entanto, a situação está começando a mudar, e as mulheres estão começando a poder decidir sobre o seu próprio futuro.
ATÉ R$ 91 MIL
Chegar a Itia Zuti, comunidade do município de Metlatónoc, onde Claudia mora, não é uma tarefa fácil. São cerca de sete horas de carro de Chilpancingo, capital de Guerrero, por uma estrada repleta de curvas que cortam as montanhas da região —e na qual você percorre dezenas de quilômetros sem ver uma viva alma.
Para um estrangeiro, entrar na comunidade também não é simples, sem antes consultar as autoridades locais. E muito menos para falar sobre um tema —a venda de meninas e adolescentes—, que é complexo e incômodo para muitos moradores, que se comunicam principalmente na língua mixteca.
Benito Mendoza sabe bem disso. Ele é facilitador das oficinas e palestras sobre os direitos das mulheres que a ONG Yo Quiero, Yo Puedo (eu quero, eu posso, em espanhol) realiza na região desde 2015, com o objetivo, entre outros, de erradicar esta prática e o casamento infantil forçado.
"Estávamos dando uma palestra em uma escola, e quando um adulto ouviu uma menina dizer que tinha o direito de escolher livremente com quem se casar, eles ficaram alvoroçados e 'nos convidaram a sair' da comunidade", ele recorda, destacando que muitos moradores chegam a estas oficinas sem ter consciência de que esta prática viola os direitos das mulheres.
Tradicionalmente, muitas meninas eram vendidas a homens mais velhos —às vezes, até estranhos—, para os quais acabavam realizando tarefas domésticas em troca de uma quantia para sua família, que podia variar entre R$ 6 mil e R$ 91 mil.
Quanto mais jovem for a menina, maior costuma ser o pagamento. E, quando são vendidas, elas geralmente vão parar em uma casa onde não vão ter qualquer independência econômica, por não poder estudar nem trabalhar.
—em muitos casos, por meio da internet fraca e cara que chega à comunidade—, e concordam em se casar, mas os pais continuam a negociar, em geral, um acordo financeiro.
"Com a chegada do crime organizado, até pessoas de fora da comunidade passaram a comprar meninas. Elas saem então do seu entorno, e você as perde de vista, o que pode fazer com que acabem sendo vítimas de outros fenômenos, como o tráfico de mulheres, a exploração infantil, a violência física e sexual..." alerta a psicóloga Karina Estrada, assistente social da Yo Quiero, Yo Puedo.
A venda é vista como salvação econômica para muitas famílias que vivem em situação de pobreza e sobrevivem do cultivo de milho, feijão ou banana para consumo próprio. Não são poucos os que optam por migrar para o norte do México e para os Estados Unidos devido à total ausência de oportunidades de trabalho na cidade.
O município de Metlatónoc foi, na verdade, durante anos o mais pobre do México. Hoje, 97,7% da sua população vive na pobreza (e 67,8% na pobreza extrema) no estado de Guerrero, que também é um dos mais pobres do país e que, durante décadas, foi uma das principais áreas de cultivo de papoula, utilizada para produzir heroína.
Nos últimos anos, no entanto, o preço desta flor despencou após a chegada do fentanil, um opioide sintético, ao mercado de drogas americano. As comunidades que sobreviviam do cultivo da papoula viram desaparecer sua principal —e praticamente única— fonte de renda.
Mas, além da falta de recursos econômicos, outro fator que perpetua esta prática na região é a questão dos estereótipos de gênero em relação às mulheres. "Não se concebe que as mulheres possam fazer algo além de reproduzir ou cuidar da casa. Quando se decide quem vai à escola, os pais mandam acima de tudo os filhos homens", explica Georgina García, psicóloga da ONG Yo Quiero, Yo Puedo.
Devido a estas crenças arraigadas, as próprias jovens chegam a normalizar sua venda, atribuindo seu valor à quantia que é paga por elas. Foram registrados, inclusive, casos de mulheres que deram seus filhos homens, pois não conseguem obter benefícios econômicos a partir da venda deles.
García lembra que uma mulher disse a ela que "se eliminassem a venda, tirariam o seu valor e tudo seria tirado dela, porque é a única razão pela qual existem na comunidade".
AS MULHERES DA MUDANÇA
Mas algumas mulheres da comunidade não pensam da mesma forma —e lideram um movimento de mudança, lenta mas constante, graças ao apoio imprescindível de suas famílias. Norma* faz parte da primeira geração de mulheres da sua família que não foi vendida.
"Quando me juntei com meu marido, meu pai disse que não me venderia, porque quando você faz isso, eles podem te maltratar ou prejudicar. Ele fez muito bem", ela explica com um sorriso.
Ela garante que o não pagamento facilitaria, se fosse necessário, abandonar o lar conjugal para voltar à casa da família sem maiores problemas. "Mas uma vez que eles pagam por você, você não consegue escapar do seu marido, e eles te forçam a ficar", diz ela.
As supostas vantagens e desvantagens desta prática são certamente contraditórias porque, ao mesmo tempo, Norma afirma que "o pressuposto é que os homens que pagam devem respeitar as esposas; mas quando não se paga, dizem que isso dá a eles o direito de sair com outras pessoas ou não dar atenção à esposa".
Dado o quão profundamente arraigada esta prática está, erradicá-la na comunidade não vai ser fácil. Na verdade, só de falar sobre isso já é complicado —e Norma pede para não ser fotografada. "Quem cobra pelas meninas pode retaliar", responde a mãe dela, presente na entrevista.
Soyla, uma jovem sorridente de 21 anos que acaba de anunciar que vai se casar com um rapaz que conheceu na comunidade, conta que está igualmente satisfeita por seus pais não cobrarem por ela.
"Estou feliz e orgulhosa porque pensaram em mim, que posso conseguir tudo o que quiser com o meu parceiro. Porque alguns casamentos pagos têm problemas, você não sabe como pode acabar, o homem começa a repreender (a mulher)... e então eles se divorciam", afirma.
Ela sabe que se casar na sua idade é uma raridade no povoado, mas reitera que foi sua decisão esperar. Assim como quando ela terminou o ensino médio aos 15 anos, e decidiu não continuar estudando, embora seus pais sempre terem dito que iriam apoiá-la.
No futuro, ela se vê se dedicando ao lar e à tecelagem artesanal, enquanto o marido trabalha no campo. Ela conta que quer ter filhos, e vai dar a eles a mesma oportunidade que seus pais deram a ela de escolher quando e com quem se casar.
A mãe dela, Cecilia, que acaba de preparar uma canja de galinha e umas tortilhas enormes, explica sua decisão. "Muitos vendem as filhas, mas as consequências são para elas. Alguns dizem: 'Levanta cedo, faz comida, lava minha roupa, foi para isso que te comprei'... Isso reforçou minha decisão de não vender Soyla."
Jaime, o pai da jovem, lembra que ela pediu a ele que a deixasse crescer —e não tivesse a responsabilidade de cuidar do lar conjugal tão nova.
"E fiz isso, também porque tinha a capacidade de continuar sustentando ela. Muitos não conseguem, e é aí que mandam (as filhas) em busca de marido", diz ele.
"Esse negócio de vender me parece errado, porque quando meus outros dois filhos homens se casarem, eles podem virar para mim e pedir dinheiro para as noivas. Mas pelo menos não vão jogar na minha cara que vendi minha filha por tanto, por que não quero pagar agora ou que estou pechinchando", enfatiza.
Algumas das consequências destas vendas e casamentos de menores de idade —o México é o oitavo país com a maior taxa de casamento infantil no mundo, segundo a ONU— são o abandono escolar por parte de muitas jovens, e as elevadas taxas de gravidez entre adolescentes.
"A educação sexual aqui é um tabu total. Há quem entenda a questão da gravidez na adolescência e, quando os filhos se casam, os trazem aqui para que planejem. Mas são uma minoria. Vemos muitos casos de gestação de meninas entre 14 e 16 anos", diz Celia Ortiz, enfermeira do pequeno centro de saúde comunitário, que não conta com um médico.
"São elas que geralmente planejam. Até que o sogro intervém, porque como elas são compradas, quem manda é a família dele", ela acrescenta, antes de continuar caminhando pelas ruas da comunidade sob um sol escaldante para vacinar os cães contra raiva em algumas moradias. "Tem que ser assim, as pessoas não vão ao centro médico."
OPINIÕES DIVIDIDAS
Embora em comunidades como esta se saiba que a venda de meninas é muito comum, é impossível quantificar o número de casos que acontecem no México.
Um dado a levar em consideração seria o do Censo Demográfico de 2020, que concluiu que 4% dos adolescentes entre 12 e 17 anos no México estavam ou estiveram em algum tipo de união conjugal, principalmente nos estados de Chiapas, Oaxaca, Guerrero e Yucatán.
No entanto, dado que o Código Civil do país proíbe desde 2019 o casamento entre menores de 18 anos, e prevê desde o ano passado penas entre oito e 15 anos de prisão como punição, as organizações consideram que as uniões informais de adolescentes aumentaram desde então, o que contribui para a subnotificação —e para que a realidade não seja refletida nas estatísticas.
Sentado na porta da delegacia municipal para enfrentar o calor sufocante, o comissário (líder comunitário) de Itia Zuti, Félix Hernández, olha para a quadra de esportes completamente vazia, bem em frente à igreja do povoado.
É um homem de 65 anos, embora pareça mais velho. Ele tem problemas de audição, não sabe ler nem escrever, e diz que não falar espanhol dificulta a negociação de melhorias para a cidade, como a instalação de um sistema de drenagem, reformar as estradas ou construir um mercado e um centro de saúde bem equipado.
Quando visitamos o povoado, a comunidade estava sem eletricidade há três dias. Ele reconhece que aceitou o cargo —pelo qual não ganha um peso sequer— porque os poucos moradores que têm escolaridade acabam saindo da comunidade.
Ele admite que a venda de meninas é uma questão "complicada", que divide opiniões. "Para mim é errado, mas quando você questiona as famílias das jovens, elas dizem que as sustentaram, e que só elas têm capacidade de decidir por suas filhas".
Reconhece também que se uma jovem recorresse a ele com um problema no contexto de um casamento forçado, o seu papel, junto ao resto das autoridades locais, seria o de aconselhar e, apenas no caso de não haver solução para o conflito do casal, defender que a menina volte para a casa da família —e que os pais devolvam o dinheiro da venda.
Na verdade, embora tenha sido assinado um acordo na sua comunidade para proibir a venda de meninas, um mês antes de ele assumir o cargo, o comissário admite que não sabia da existência deste documento.
"As leis existem, mas é importante fundamentá-las e harmonizá-las com a realidade das nossas comunidades. Sem levar em conta o contexto na hora de aplicar as regras, encheríamos as prisões de pessoas indígenas", pondera Martha Ramírez, chefe do Centro Coordenador do Instituto Nacional dos Povos Indígenas (INPI) da cidade de Tlapa de Comonfort, em Guerrero.
Além disso, ela destaca, é importante não responsabilizar apenas as comunidades por esta prática. "O Estado tem que garantir os direitos fundamentais das mulheres para terem uma vida livre e sem violência. Não se pode falar em erradicar o casamento forçado em um lugar onde as meninas não têm nem certidão de nascimento, nem educação..."
Enquanto as coisas vão mudando pouco a pouco, Claudia, a mulher que acabou vendendo a filha na esperança de que isso melhoria o relacionamento dela com o marido, reconhece que nada mudou —e que não descarta trazê-la de volta para casa, se os abusos contra a jovem, agora grávida de dois meses, continuarem.
"O que eu tenho é uma tristeza muito grande porque ela mora longe da nossa comunidade. E estou preocupada que a irmã dela, que está completando 15 anos, também possa ir embora, mas ela me disse que quer ir para os Estados Unidos trabalhar e construir uma casa para mim. Que não quer se casar por enquanto."
*Os nomes foram alterados a pedido das entrevistadas. Fonte: https://www1.folha.uol.com.br
Ônibus de turismo do Rio de Janeiro tomba em rodovia na Bahia e deixa 9 mortos e 23 feridos
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Acidente aconteceu na manhã desta quinta-feira (11), na BR-101, no trecho da cidade de Teixeira de Freitas. Veículo tinha Porto Seguro como destino.
Acidente aconteceu por volta das 4h30, em trecho de Teixeira de Freitas — Foto: Lenio Cidreira/ Liberdade News
Por g1 BA e TV Santa Cruz
Nove pessoas morreram e 23 ficaram feridas após um ônibus de turismo bater em um barranco e tombar na manhã desta quinta-feira (11), na BR-101, no trecho da cidade de Teixeira de Freitas, no extremo sul da Bahia. A informação foi confirmada pela Polícia Rodoviária Federal (PRF).
Segundo a PRF, o acidente aconteceu no km 885, por volta das 4h30, sentido o distrito de Posto da Mata, em Teixeira de Freitas. O veículo saiu do Rio de Janeiro e tinha Porto Seguro, município turístico que também fica no extremo sul baiano, como destino.
As vítimas feridas foram levadas por funcionários do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) para o Hospital Municipal de Teixeira de Freitas. Não há informações sobre o estado de saúde delas.
Informações iniciais passadas pela PRF apontam que 34 pessoas estavam no ônibus. Oito passageiros morreram no local e 24 ficaram feridos. Os dois motoristas não tiveram ferimentos.
Por volta das 9h30, a morte da nona vítima foi confirmada. Ela estava no Hospital Municipal de Teixeira de Freitas e não resistiu aos ferimentos após uma cirurgia.
O ônibus da empresa RM Viagens e Turismo saiu da Penha, às 13h de quarta-feira (10) e tinha previsão de chegar em Porto Seguro, às 9h desta quinta. O veículo deixaria a cidade do extremo sul da Bahia às 14h30 de segunda-feira (15), com previsão de chegada ao Rio de Janeiro, às 10h de terça (16).
Em nota, a RM Turismo informou que está empenhada em prestar todo o suporte necessário aos envolvidos e que se coloca à disposição para fornecer qualquer informação para auxiliar no que for preciso para amenizar os impactos do acidente.
"Expressamos nossos mais sinceros sentimentos aos envolvidos e reiteramos nosso compromisso com a segurança e o bem-estar de nossos clientes em todas as nossas viagens, é nossa prioridade. Que Deus abençoe e conforte a todos", disse a empresa. Fonte: https://g1.globo.com
Voa Brasil: Programa com passagens aéreas até R$ 200 começa em abril, diz ministro; veja como vai funcionar.
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‘Voa Brasil’ foi apresentado no ano passado e deve iniciar depois de ter lançamento adiado duas vezes
Programa Voa Brasil garantirá passagens aéreas por até R$ 200 — Foto: Yuri Murakami/Fotoarena
Por Bernardo Lima e Geralda Doca
— Brasília
O ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho anunciou nesta quarta-feira que o programa Voa Brasil, que garantirá passagens aéreas por até R$ 200, começará a operar neste mês.
A iniciativa foi anunciada ainda em março de 2023 pelo ex-ministro da pasta, Márcio França, atual titular do Ministério do Empreendedorismo. O lançamento estava previsto para janeiro de 2024, o que não aconteceu.
Silvio Costa anunciou o início do programa em evento de lançamento do programa, Asas para Todos, uma iniciativa da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e do Ministério de Portos e Aeroportos (MPor), que incentiva a diversidade, inclusão e a capacitação no setor aéreo.
Em entrevista ao Roda Viva, da TV Cultura, em março deste ano, o ministro destacou que o programa foi "redesenhado" pela sua gestão e já foi autorizado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Como vai funcionar o programa Voa Brasil?
O programa vai oferecer 5 milhões de passagens a R$ 200 para um público-alvo já definido: aposentados do INSS que recebem até dois salários mínimos e estudantes do Programa Universidade Para Todos (Prouni). Segundo o ministro, a previsão é que cerca de 2,5 milhões sejam beneficiados no primeiro momento.
Quem voou nos últimos 12 meses, no entanto, não poderá ter acesso ao programa, de acordo com Silvio Costa Filho.
A iniciativa não vai contar com verba da União. Conforme dito pelo ministro em janeiro, como contrapartida para as companhias, o governo já reduziu o valor do combustível de aviação em 19%.
Quando as passagens do Voa Brasil serão disponibilizadas?
As passagens do programa serão disponibilizadas ao longo do ano, mas principalmente durante a "baixa temporada". Enquanto isso, nos meses de alta temporada (férias escolares e de fim de ano) o número de passagens disponibilizadas dependerá de alguns fatores, já que nesses períodos há menos voos com vagas disponíveis.
Quem tem direito ao programa Voa Brasil?
Segundo o ministério, o programa ainda está em ajuste final, e por isso, ainda não existem regras definidas para participar do Voa Brasil, apenas os critérios que foram anunciados publicamente pelo ministro.
Golpes
O programa ainda não começou a operar, mas já tem seu nome usado para aplicar golpes contra consumidores. Um aviso no site do Ministério de Portos e Aeroportos traz alerta que o Governo Federal e ministério ainda não estão realizando cadastro ou solicitando valores para inclusão no programa.
“Caso o cidadão receba ligação, correspondência, mensagem de texto no celular ou via redes sociais solicitando depósito em dinheiro para ser incluído no Voa Brasil, sugerimos que denuncie essa prática por meio dos canais de atendimento ao usuário”. Fonte: https://oglobo.globo.com
Indígenas dividem rios com traficantes e invasores em viagem de ‘peque-peque’ por assistência
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Povos do Vale do Javari, na Amazônia, percorrem rotas cobiçadas pelo crime organizado para buscar benefícios sociais e atendimento médico; espera por serviços os deixa por meses vivendo dentro de canoas em condição de miséria
Por Vinícius Valfré
Por meses, indígenas do Vale do Javari vivem dentro de pequenas canoas com famílias inteiras à margem da cidade
No cais da pequena Atalaia do Norte (AM), vivem em condição de miséria, dependem de cestas básicas e ficam à mercê do alcoolismo e da violência
Para buscar atendimento médico ou acessar benefícios sociais, refazem o caminho no qual Bruno Pereira e Dom Phillips foram mortos. Dois anos depois, o crime continua à solta na região
A relação dos indígenas com a cidade é marcada pela violência desde a época da demarcação, em 2001
Aviagem pelas curvas dos rios Ituí, Itaquaí e Javari, na Amazônia, é cada vez mais perigosa para quem nasceu nestas margens. Traficantes de drogas e de armas, pescadores ilegais, caçadores e garimpeiros usam as mesmas calhas pelas quais indígenas descem com famílias inteiras dentro de peque-peques. A peregrinação nas pequenas canoas motorizadas chega a durar mais de quatro dias.
Foi exatamente por este caminho que o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips foram interceptados e assassinados em junho de 2022. Pereira tinha um histórico de serviços em defesa dos povos do Javari e a atuação dele passou a incomodar grupos criminosos que exploram a região.
Apesar da comoção geral, pouca coisa mudou de lá para cá. As ameaças continuam. Nesta semana, indígenas denunciaram a circulação de nauas dentro de um corredor na mata utilizado por grupos que vivem em isolamento. A área invadida é rica em canamã – os nutrientes que fazem dela um santuário para uma variedade de animais buscados por invasores e necessários à dieta de subsistência dos nativos.
O destino dos indígenas que partem das florestas do oeste do Amazonas por essa rota é o cais do município de Atalaia do Norte (AM), o primeiro centro urbano fora da terra indígena. Na margem da cidade, kanamaris, mayorunas e matises do Javari se aglomeram em condição de miséria dentro das canoas cobertas com lona ou sob barracões abandonados. Por ali permanecem por três, quatro ou cinco meses.
A migração, em tese, é provisória. Dura o tempo da espera pelo atendimento médico que não existe na aldeia, o de conseguir acessar benefícios sociais como o Bolsa Família ou o de receber por serviços prestados à Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas).
Enquanto se desvencilham da burocracia dos brancos depois da longa viagem de barco, viram dependentes de cestas básicas e ficam à mercê da violência e das seduções da cidade, como o álcool, e de comerciantes mafiosos que retêm cartões de benefícios sociais de indígenas. A situação rende um inquérito em tramitação no Ministério Público Federal.
Esse fluxo migratório permanente e os riscos enfrentados por comunidades vulneráveis sintetizam a deficiência da prestação de serviço a cidadãos que vivem nos extremos do País e a pressão do crime organizado em uma área de infinitas riquezas naturais. Com efeito, agravam problemas sociais na pequena cidade da Tríplice Fronteira do Brasil com a Colômbia e com o Peru.
A precariedade no atendimento escolar e sanitário força os deslocamentos precários. A polícia local não tem estrutura para enfrentar os pequenos e grandes traficantes de drogas, nacionais e estrangeiros, que atuam por dentro das matas e até na praça central de Atalaia. Do outro lado do rio que margeia a cidade, já território peruano, lavouras de coca podem ser encontradas em meia hora de viagem, contam policiais e agentes da Funai.
As consequências do descaso e da violência nesta parte remota do Brasil podem ter começado a aparecer na numeralha oficial. Dados do Censo 2022 apontam uma queda no número de habitantes do Vale do Javari. Agora são 5.598, contra 6.978 na medição de 2010.
É uma redução de 19,7%, significativa sobretudo por se tratar de uma das áreas ainda mais preservadas da Amazônia e onde está a maior concentração de povos isolados do mundo. Na cidade, os números também indicam um fenômeno em curso. Ao longo dos 12 últimos anos, Atalaia do Norte manteve os seus cerca de 15 mil habitantes, também um sinal de encolhimento populacional do município que é o primeiro porto fora da terra indígena, no lado brasileiro.
Desde o assassinato de Bruno e Dom, lideranças locais são unânimes em apontar que quase nada mudou em relação à estrutura oferecida na região para proteger os indígenas e para derrubar o crime organizado que se beneficia da ausência do Estado – e, cada vez mais, da ausência dos próprios indígenas.
Os números são vistos como indícios de um movimento migratório de esvaziamento, mas com exatidão questionada por gestores dos municípios afastados dos grandes centros. As dificuldades de acesso e a pouca estrutura dos recenseadores, na visão de prefeitos e secretários, não detectaram com precisão os fenômenos dentro de áreas como a do Javari, do tamanho de Portugal. Além disso, ainda existe um número indefinido de indígenas isolados na região sobre os quais ainda pouco se sabe.
A vida no ‘peque-peque’
Luiz e Sônia Kanamari, da aldeia Bananeira, atracaram a canoa que aloja 11 pessoas há três semanas. Entre os seis filhos, Aurora, recém-nascida. A maioria entende o português, mas nem todos conseguem se expressar na língua neolatina.
“Viemos pegar um dinheirinho, a pensão da mãe, os benefícios e comprar açúcar, sabão e sal. Depois, colocar gasolina e subir. A sobrinha adoeceu, está com anemia. Mas agora está bem, está gorda”, contou Luiz. A viagem de volta leva seis dias. A depender da aldeia, pode durar dez ou mais.
No período em que vivem em Atalaia, os indígenas de aldeias do Vale do Javari ficam em vulnerabilidade extrema. Não têm água limpa nem onde preparar alimentos de forma adequada. O tamanho e o conteúdo das panelas são incompatíveis com a quantidade de bocas. Doações de botijas de gás e insumos básicos, como pão e arroz, enganam a insegurança alimentar das famílias com pessoas de todas as idades, de idosos a crianças magras de barrigas salientes. É comum que crianças terminem com infecções graves ou mesmo padeçam.
Atalaia do Norte não tem uma agência da Caixa. Quem não possui o cartão que permite os saques na lotérica da cidade precisa ir ainda mais longe, até Tabatinga, principal cidade da região e uma das mais violentas do interior do Amazonas. A falta de tradutores no banco capazes de atender membros de todas as sete etnias conhecidas do Javari é um dificultador. A burocracia é mais complicada para quem não entende bem a papelada exigida nem pode ser atendido no idioma nativo.
Por outro lado, ter a documentação completa e o cartão do programa social não é garantia de facilidades. Alguns comerciantes locais travam os cartões de benefícios sociais de indígenas e viram os únicos vendedores, a preços inflacionados. O esquema do comércio foi citado pela primeira vez em relatório à polícia elaborado pelo indigenista Bruno Pereira.
Além de serem vítimas de uma variedade de violências, os indígenas ficam expostos ao assistencialismo. O poder público não leva os serviços administrativos até as aldeias e todos os anos centenas de indígenas precisam viver temporadas nas cidades. As doações da prefeitura são garantidas aos mesmos assistidos que se tornam eleitores nas disputas municipais.
O alcoolismo é outra face visível desse êxodo. A atração pelas igrejas evangélicas, mais uma. Sem autorização para entrar no Vale do Javari, pastores evangelizam índios que surgem na cidade para que estes levem a mensagem e regressem com outros convertidos. A catequização é vista com preocupação por lideranças locais.
O interesse é o de esvaziar as aldeias em nome da fé dos brancos. Os templos evangélicos existem às dezenas na pequena Atalaia do Norte, inclusive liderados por estrangeiros. Um casal de pastores norte-americanos é célebre na cidade, mas ambos se recusaram a dar entrevistas para explicar motivações, crenças e propósitos.
Há três anos na cidade, o indígena Burano Shabac Mayoruna, 24, tem na parede da casa de madeira onde vive um conjunto de passagens bíblicas e cumprimentos evangélicos que lhe foram ensinados. Tudo está em português, apesar de livros do Novo Testamento também já serem oferecidos em sua língua materna.
O idioma mayoruna
“Na aldeia tem escola até o Ensino Fundamental. Muitos jovens vêm porque não tem como terminar o Ensino Médio e ter profissão. A gente perde os anos, não dá pra terminar cedo”, diz o mayoruna.
O jovem tenta se capacitar como técnico em enfermagem por acreditar que o ofício será útil na floresta, para onde diz que pretende voltar um dia, depois de formado.
Enquanto providencia o diploma, trabalha durante a semana como tradutor do atendimento do Cadastro Único. Fluente no mayoruna, no matis e no português, Burano também entende a língua dos marubo e dos korubo. Cabe a ele receber e orientar outros nativos que chegam à cidade em busca de benefícios sociais. Aos finais de semana, ele faz bicos de marcenaria e dedica-se à igreja.
“Jesus nos dá fortaleza, força, conhecimento”, afirma. “Eu vim somente para aprender. Formado eu gostaria de voltar para a aldeia, não morar aqui. Como saí da aldeia, tenho que voltar para compartilhar conhecimento da cultura do branco”, frisa.
É comum que indígenas saiam das aldeias para estudar e não voltem mais, especialmente aqueles que cresceram com algum contato com brancos e que foram atraídos pelo mundo que lhes aparece pelo celular e pela televisão. A opção de viver as injustiças das cidades soa mais atraente do que a de lidar com a dureza das aldeias.
Aos 13 anos, Bushe Matis deixou pais e irmãos na aldeia Aurélio e seguiu para Atalaia do Norte com um tio, levado por uma ONG internacional para uma capacitação como agente de saúde. Aos 35, nunca mais voltou a viver como seus antepassados.
“Quando a gente já nasceu olhando as culturas dos brancos, tem que ter educação boa. Antes, o inídigena era nômade, tinha uma roça aqui e outra ali. Ia plantando e descia colhendo. Agora não é mais assim. Então precisa de uma estrutura pessoal, barcos, motores, precisa de uma camisa. Para ter isso é de que forma? Tem que correr atrás de alguma coisa, de um conhecimento. Já que estamos contactados, precisamos usar a tecnologia do branco, temos que buscar conhecimento, capacitação, formação, trabalho”, afirmou. Mas conseguir trabalho na região é um problema. Ouça:
“É difícil ter trabalho”
A mudança de Bushe para a cidade ocorreu nos idos de 2000, época da demarcação da terra indígena Vale do Javari, no governo de Fernando Henrique Cardoso. A medida gerou animosidades com ribeirinhos e moradores da cidade. Com a demarcação, o território estava formalmente “trancado” para a exploração dos brancos, que reclamaram de prejuízos e passaram a não ver com bons olhos os nativos na cidade.
“Eu nem andava na rua, senão era surrado. Depois de um tempo, Atalaia viu que demarcação foi boa, porque coibiu colombianos e peruanos que tinham mais dinheiro para explorar. A cidade aproveita o entorno da terra indígena. Então passaram a entender que tinha que tratar o índio melhor” Bushe Matis
liderança indígena do Vale do Javari
Na cidade, um pastor batista foi importante na adaptação de Bushe. O indígena conta que recebeu ensinamentos sobre a importância do trabalho e da família, e ainda sobre a importância de ir para longe do álcool. “Quando eu estava sem saída, a quem recorrer?” Depois, incomodou-se com a proliferação de diversas igrejas diferentes e concluiu que era melhor afastar-se de todas.
Em seguida, Bushe se aproximou de antropólogos e pesquisadores estrangeiros que decidiram bancá-lo em uma faculdade de Administração em Goiânia (GO). Formado, não conseguiu trabalho e voltou para Atalaia, onde cria os cinco filhos. Quatro homens e Maria Vitória, de 1 ano.
“Nessa região do interior do Amazonas é muito difícil. Não tem empresas legalizadas, com CNPJ, não tem algo que precise de uma mão de obra. As únicas coisas são os serviços, a prefeitura e a Funai”, explica.
Hoje, Bushe Matis trabalha como coordenador da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), entidade não governamental que atua na região e para a qual Bruno Pereira prestava serviços quando foi assassinado.
REPORTAGEM: VINÍCIUS VALFRÉ; EDITORA DE INFOGRAFIA: REGINA ELISABETH; EDITORES-ASSISTENTES DE INFOGRAFIA: ADRIANO ARAUJO E WILLIAM MARIOTTO; EDITOR-EXECUTIVO: MURILO RODRIGUES ALVES; DESIGNER MULTIMÍDIA: LUCAS ALMEIDA; INFOGRAFISTA MULTIMÍDIA: LUCAS THAYNAN. Fonte: https://www.estadao.com.br
Bombeiros buscam por jovem de 16 anos em Teresópolis; RJ tem 7 mortes pelas chuvas
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Frente fria chegou ao RJ no início da tarde desta sexta-feira (22).
Resumo
Cidades que o Governo do RJ considera que ainda têm risco hidrológico:
Magé;
Rio de Janeiro;
Petrópolis;
Teresópolis;
Nova Friburgo;
Campos dos Goytacazes;
Bom Jesus do Itabapoana
De acordo com o Centro Nacional de Monitoramento e Desastres Naturais (Cemaden), é alto o risco de deslizamentos nas seguintes cidades:
Maricá
Rio de Janeiro
Angra dos Reis
Magé
Nova Friburgo
Campos dos Goytacazes
Bom Jesus do Itabapoana
O maior volume de chuvas foi registrado entre o fim da manhã de sexta (22) e a madrugada deste sábado (23). Desde o início do dia a chuva perdeu intensidade sobre o Rio de Janeiro e apenas chuva fraca a moderada foi registrada.
Governador fala sobre chuva
O governador Cláudio Castro afirmou em entrevista coletiva no começo da tarde deste sábado (23) que recebeu ligações do presidente Lula e de José Múcio, ministro da Defesa. Ele afirmou que o Governo Federal se colocou à disposição do poder estadual no atendimento e resgate das vítimas.
“Estão 100% mobilizados para caso a gente precise. Estão de prontidão. Durante a madrugada, a chuva não causou mais tragédias”, disse o governador.
A EcoRioMinas liberou, no início da tarde deste sábado (23), o trecho de serra da BR-116/RJ, que liga o Rio de Janeiro a Teresópolis. A liberação, em ambos os sentidos, aconteceu após nova vistoria na região.
O trecho estava totalmente interditado desde as 21h de sexta-feira (22) por precaução devido às fortes chuvas que atingiram a região.
As equipes técnicas da concessionária avaliaram que diante da diminuição das chuvas e melhora na visibilidade foi possível a reabertura do tráfego. Não foram detectados novos pontos de atenção e as equipes já trabalham nos locais.
Estradas interditas com pistas alagadas em Cachoeiras de Macacu e Itaperuna
O Norte e o Noroeste do Rio de Janeiro sofrem com as chuvas que atingem a região desde a sexta-feira (22).
A RJ 122, está com o trânsito interrompido nos dois sentidos, na altura do Km 17, em Cachoeiras de Macacu. Equipes do Departamento de Estradas e Rodagem (DER) estão no local.
Já a BR-365, na altura de Itaperuna também está com o trânsito interrompido.
Em Teresópolis, duas casas foram atingidas por deslizamentos na comunidade da Corea durante esta madrugada. Um menino de 7 anos morreu, e um jovem de 16 anos é procurado. Não se sabe se eles pertencem à mesma família.
Confira abaixo os pontos de apoio da Prefeitura de Duque de Caxias:
-Saracuruna - Vila Urussaí Escola Municipal Jayme Fichman Endereço: Rua Uruguaiana, s/n
-Parque Paulista Escola CIEP Henrique de Souza Filho - Henfil Endereço: Avenida Trinta e um de Março, 88
-Vila Maria Helena / Chácara Arcampo Escola Municipal Interrcultural México - Nilcelina dos Santos Ferreira Endereço: Estrada do Serrado, s/n
-Vila do Sapê / Imbariê CIEP 226 Porto Estrela Endereço: Rodovia Rio-Magé, Km 7,5
Vítima internada em estado grave
Uma casa desabou durante a chuva e deixou três pessoas feridas em Nilópolis, na Baixada Fluminense. Uma vítima está internada em estado grave. O desabamento aconteceu na sexta-feira (22).
Davi da Silva, de 60 anos, está internado no Hospital Geral de Nova Iguaçu. Ele vivia em uma casa às margens do Rio Sarapuí, na Rua Marechal Castelo Branco.
Ele passou por uma cirurgia de emergência ortopédica no dedo direito e também para colocação de um dreno no tórax. Ele ainda apresenta outras fraturas na região da face, costelas, braço e coluna e, neste momento, não precisam de cirurgia. Davi está internado no CTI da unidade. Fonte: https://g1.globo.com
Rússia prende suspeitos de ataque que deixou 115 mortos; serviço secreto russo afirma que eles tinham 'contatos na Ucrânia'
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Rússia prende suspeitos de ataque que deixou 115 mortos; serviço secreto russo afirma que eles tinham 'contatos na Ucrânia'
Governo russo afirmou que 11 pessoas foram detidas, incluindo quatro supostos atiradores. Parlamentar russo disse que houve perseguição a cerca de 350 km do local do atentado.
A Rússia prendeu 11 pessoas, incluindo quatro supostos atiradores, suspeitos de envolvimento no ataque que deixou 115 mortos na região de Moscou. As informações foram divulgadas pelo governo russo neste sábado (23).
O atentado, reivindicado por um braço do grupo terrorista Estado Islâmico, aconteceu na casa de shows Crocus City Hall, na noite de sexta-feira (22), e é o pior dos últimos 20 anos na Rússia.
Segundo autoridades russas, ao menos cinco homens armados invadiram o local enquanto a banda Picnic se preparava para se apresentar.
De acordo com o Kremlin, o chefe do Serviço Federal de Segurança da Rússia (FSB, na sigla em inglês) informou ao presidente Vladimir Putin que "quatro terroristas" foram detidos e que os agentes estavam buscando por cúmplices.
Já o parlamentar russo Alexander Khinshtein afirmou que os responsáveis pelo ataque foram detidos após uma perseguição na região de Bryansk, a cerca de 350 km de onde o atentado aconteceu. Khinshtein disse que a perseguição começou após o motorista de um carro se recusar a obedecer a uma ordem de parada.
"Durante a perseguição, foram disparados tiros, e o carro capotou. Um terrorista foi detido no local, os demais fugiram para a floresta. Como resultado da busca, um segundo suspeito foi encontrado e detido", disse.
Segundo Khinshtein, buscas continuaram sendo feitas para localizar outros dois suspeitos que escaparam.
Dentro do veículo onde estavam os suspeitos, as autoridades encontraram armas e passaportes do Tadjiquistão.
O FSB informou que os suspeitos estavam indo em direção à fronteira com a Ucrânia e que tinham contatos no país vizinho.
Esse foi o pior atentado na Rússia desde a invasão de uma escola em 2004 em Beslan. O Estado Islâmico reivindicou a autoria do ataque em seu canal no Telegram... Fonte: https://g1.globo.com
WhatsApp não permite mais o ‘print’ de foto de perfil em celulares Android
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Medida pode dificultar a criação de perfis falsos para aplicação de golpes
Sem a capacidade de registrar fotos de perfis, golpistas podem ter dificuldade de criar perfis falsos. Foto: Nilton Fukuda/Estadão Foto: Nilton Fukuda/Estadão
Por Henrique Sampaio
O WhatsApp não permite mais a captura de tela da foto do perfil em celulares com sistema Android. O usuário que tentar realizar o print da tela com a foto do usuário em destaque recebe a mensagem “Não é possível capturar a tela devido à política de segurança”.
Também não é possível salvar a imagem por meio de recursos do sistema. No iOS, o aplicativo ainda permite a realização de print da foto do usuário.
A atualização dificulta a criação de perfis falsos no WhatsApp – ao menos, no sistema Android. O aplicativo enfrenta uma onda de golpes em que a vítima tem seu perfil clonado, que passa a pedir dinheiro a familiares e amigos. Muitas vezes, o criminoso inicia a conversa falando que trocou de telefone, para justificar o número estranho, mas mantendo a foto do perfil verdadeiro.
Como esconder a foto de perfil no WhatsApp
O aplicativo já possui um recurso de segurança para não mostrar a imagem de perfil para números que não estão salvos na agenda. Para ativar, basta acessar o ícone de “Três pontos” no canto superior direito da tela (no Android) ou no canto inferior direito (iOS). No menu, acessar a aba “Configurações”, tocar em “Conta” e, em seguida, “Privacidade”. Na opção “Foto de perfil”, você pode alterar quem pode ter acesso à imagem. Fonte: https://www.estadao.com.br
Criança e adolescente são baleados durante confronto na Baixada Fluminense.
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Testemunhas afirmam que milicianos e traficantes entraram em confronto em São de João de Meriti. Menino de 5 anos foi ferido de raspão. Já a adolescente foi baleada na cabeça. Os dois foram levados para unidades de saúde. Menina cantava na igreja.
Criança é baleada em São João de Meriti — Foto: Reprodução
Por Thaís Espírito Santo, Rafael Nascimento, Guilherme Santos, g1 Rio e TV Globo
Um menino de 5 anos e uma adolescente de 14 anos foram baleados, no final da manhã desta quarta-feira (13), durante um tiroteio entre milicianos e traficantes em São João de Meriti, na Baixada Fluminense.
O Corpo de Bombeiros foi acionado para a ocorrência, mas ao chegar ao local, as vítimas já tinham sido levadas por moradores para unidades de saúde.
Evelyn Benedito de Oliveira deu entrada na Unidade de Pronto Atendimento de Jardim Íris, mas, por conta da gravidade do caso, foi transferida para o Hospital Adão Pereira Nunes, em Duque de Caxias. Ela foi atingida por três tiros, incluindo um na cabeça.
A adolescente é estudante de uma escola no bairro Vilar dos Teles quando foi baleada. O colégio fica a 1,5 km do local onde ela foi ferida.
A menina estava na calçada e uniformizada com a roupa da rede escolar municipal, além da mochila nas costas.
A direção do Hospital Adão Pereira Nunes informou que a jovem deu entrada já intubada, com estado de saúde grave, e que estava sendo preparada para entrar no Centro Cirúrgico.
Já o menino foi baleado de raspão no nariz, atendido na UPA Jardim Íris e transferido para outra unidade.
Testemunhas afirmam que os criminosos entraram em confronto na Rua Cambuci com Euclides da Cunha. Dois carros ficaram com marcas de tiros. Os relatos dão conta que milicianos realizavam uma cobrança no comércio do bairro quando traficantes do Dique e da comunidade Faisão chegaram no local.
Em um dos veículos foi localizada uma pistola com numeração raspada, cinto de guarnição, 6 carregadores de pistola, 4 aparelhos celulares e uma granada. No segundo carro, apenas uma granada.
A Polícia Civil informou que o Esquadrão Antibombas foi acionado por conta da suspeita de artefato explosivo abandonado no local. O caso foi registrado na 64ª DP (São João de Meriti). A perícia foi solicitada para o local. Fonte: https://g1.globo.com
'Todo favelado tem um diálogo diário com a morte', diz Ronald Lincoln
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No livro "Disritmia", escritor e jornalista conta histórias de muita gente
O jornalista e escritor Ronald Lincoln segura seu livro, "Disritmia" - Arquivo pessoal
Entrei atrasada em uma conversa lotada da Flip, a tempo de ouvir Ronald Lincoln responder a perguntas que me irritaram em tempo recorde.
Quem aquela senhora achava que era pra julgar pessoas de forma tão altiva, como se o sucesso do jovem escritor demonstrasse que qualquer outro que também nasceu e viveu na favela, mas se desvirtuou do caminho da retidão moral e da licitude, teve escolha de ser diferente?
Mas quem sou eu para achar que podia entender a realidade que também nunca foi a minha e me sentir no direito de julgar os julgamentos alheios?
Sinto-me um pouco mais à vontade para fazer isso depois de ter lido Disritmia, o livro de estreia do jornalista Ronald Lincoln: um jovem negro, cria do Jacarezinho, no Rio de Janeiro.
"Disritmia" (ed. Malê) é um verdadeiro alterador de ritmo. Cada conto sobre histórias ficcionais ou não de sua vivência periférica pesa um absurdo e se entranha na gente como luto. Não é possível ser a mesma pessoa depois da sua leitura. Não é possível ver o mundo do mesmo jeito depois de vê-lo pelos olhos de Ronald.
Em 16 contos, o autor nos leva para dentro de casas, escolas, hospital, ônibus, campos de futebol, e faz pessoas que têm escolha o tempo todo entenderem que existe muita gente que realmente não tem. Na quarta capa do seu livro, Rodrigo Santos diz que se trata da "história dos meus, dos seus, contada por um dos nossos". Percebi a potência que isso tem lendo o livro de Ronald, porque, mesmo nas histórias que, de certa forma, já vi sendo contadas no jornal, faltava um sentimento de pertencimento que só entendi nas suas.
Queria ter tido contato com uma obra assim ainda na adolescência, antes de formar os preconceitos que minha classe social, minha cor, meus privilégios lapidaram em mim. Demorei anos a entender quanta bobagem eu pensava antes de entrar na faculdade. Tive que ir atrás de tudo aquilo que não chegaria a mim de outra forma e enfrentar a irritação da minha bolha quando passei a não concordar mais com ela.
Acredito que escrever move o mundo e, depois de ler "Disritmia", acredito mais.
Morte sem Tabu: Por que o título "Disritmia", que dá nome ao livro e a um dos contos?
O conto que dá nome ao livro foi inspirado na música famosa do Martinho da Vila, na ideia da mulher que tem o poder de hipnotizar, de tirar a disritmia e curar seu nego. Mas a palavra tem significado amplo e dialogou com a ideia da vida no limite, das mudanças bruscas de direção, das disritmias dos outros contos.
Eu quero me esconder debaixo dessa sua saia Pra fugir do mundo Pretendo também me embrenhar no emaranhado Desses seus cabelos Preciso transfundir seu sangue Pro meu coração, que é tão vagabundo. Martinho da Vila, na música "Disritmia"
Morte sem Tabu: Você já tinha publicado contos antes. Como surgiu a ideia do livro?
Foi um convite da Malê, do meu editor Vagner Amaro, depois que publicamos um dos contos na antologia "O Movimento Leve". Eu já tinha alguns outros contos e achei que pudesse fazer um mosaico de personagens favelados, transmitindo sentimentos através da literatura.
Morte sem Tabu: Eu costumo dizer que pensar sobre a morte é privilégio de quem não convive com ela o tempo todo. Seu livro é um livro sobre a morte rondando a vida?
Ronald Lincoln: Todo favelado tem um diálogo, uma negociação diária com a morte. Você sai de casa com risco de tiroteio, volta para casa e não está seguro. É uma morte que não é natural, ela vem do elemento social.
Quem mora na favela está diante da morte a todo tempo. Todo mundo tem uma história sobre uma situação em que achou que poderia morrer e escapou por um triz. Eu trago isso no "Teoria da Relatividade", quando o traficante diz que aceita a morte desde que seja de forma honrada; no "Jogador Caro", quando o protagonista reflete sobre quantas vezes imaginou as formas violentas pelas quais poderia morrer, mesmo sendo um prodígio no futebol, uma pessoa que ascendeu financeiramente e teoricamente estaria mais distante dessa realidade.
O primeiro conto do livro, "Intruso no Ciep", é uma reflexão sobre o que é certo e errado para defender a vida de alguém. Em outras histórias, reflito sobre o amor no limite da privação de liberdade, de quem está dentro e fora de uma penitenciária. Escolhi o conto "Rian enganou a morte" para fechar o livro, porque é uma metáfora de todas as personagens, sobre a luta para viver em plenitude. Se necessário, vai ter desenrolo com a morte. Mesmo os que partem, de alguma forma, subvertem a vida.
Umas das referências para esse último conto foi um curta da Pixar, em que um ciclista está numa corrida e se depara com a morte e dá um jeito de enganá-la. Também me pegou muito a morte, como personagem do livro Pulp, do Bukowski. Ela é sedutora e elegante e contrata o detetive, que é protagonista, para solucionar um caso.
Morte sem Tabu: "Tia, nem tive tempo de dizer meu nome, a senhora não deve lembrar, porque me chamou de menino direto. (...) A arma era de verdade não, só que precisava levar um dinheiro pra casa, dar um levante, as criança precisa comer". Esse é o recado deixado por um homem que assalta um ônibus no conto "Bilhete", um dos que mais me tocou, porque eu acreditei na genuinidade da justificativa daquele personagem. Você humanizou quem a gente só vê ser tratado como bandido.
Ronald Lincoln: Esse foi o primeiro conto que publiquei, no concurso para jovens escritores negros da Editora Malê, em 2017. Você pescou no livro a ideia da raiz desse conto. Eu cresci no morro do Jacarezinho, com pais que sempre trabalharam apesar de terem crescido em pobreza extrema. São exceção. Poderia ter dado tudo errado também, seria natural diante da condição de quem cresce em morro. Mas essa estrutura familiar me deu um degrau a mais de acesso. Minha família que ainda mora no morro fica muito feliz, meus amigos também me dão moral. Mas eu sei que sou exceção. Eu não consigo ver os amigos que cresceram comigo como pessoas diferentes na essência. Entendo que não tiveram as mesmas oportunidades, a estrutura. Essa falta motiva decisões abruptas na vida, como a do personagem principal.
E a dona Nilma [a "tia" para quem o bilhete é deixado] é uma mulher conservadora, fala em um tom religioso por diversas vezes, mas no fim ela faz uma oração pelo ladrão. É um tipo de olhar comum na favela, mais humano. Ela sabe o que é ter criança com fome.
Morte sem Tabu: O título "Quase da Família" diz muita coisa. Nesse conto, em que você se inspira na primeira morte por Covid no Brasil, a empregada doméstica Celina, contaminada pelos patrões, também morre? Ou ela pode ir pra Guapimirim realizar seu sonho de viver bem?
Ronald Lincoln: Para mim, ela morre. Até por respeito à história real da mulher que morreu no início da pandemia, uma das primeiras com covid, se não me engano. Mas deixei em aberto para o leitor decidir. Teve gente que me mandou mensagem indignada com o final. Mas eu costumo dizer que, de certa forma, a Celina se libertou daquela família, conseguiu olhar para si. Nesse sentido, ela venceu.
Guapimirim foi uma cidade que visitei quando estava escrevendo e me cativou muito. Ela fica relativamente próxima do Rio, mas é bucólica, cheia de cachoeiras, num outro ritmo. E fiquei refletindo que gostaria demais de morar num lugar como Guapi, criar meu filho com calma, perto das águas, do mato, mas na melhor das hipóteses acho que só seria possível numa aposentadoria. Algo meio Racionais MC's quando canta: "às vezes eu acho que todo preto como eu só quer um terreno no mato só seu". A Celina é muita gente.
Morte sem Tabu: O que é verdade ou não em Imperatriz Furiosa, o conto sobre uma passista que é assediada enquanto trabalha em um casamento, pelo próprio noivo que a contrata?
Ronald Lincoln: Esse conto surgiu de uma reportagem que escrevi para o UOL, em 2017, sobre passistas de escolas do Rio. Estava rolando uma polêmica sobre Globeleza, hiperssexualização. Daí eu fui ouvir um grupo de passistas que debatiam feminismo, assédio, racismo e direitos trabalhistas no meio do samba. Uma delas, contou que foi assediada por um noivo num casamento. Ela deu a negativa e seguiu o show com a bateria. Esse recorte me deu o impulso para explorar as nuances do trabalho da passista e sobre maternidade negra também.
Morte sem Tabu: "Nós é bom, mas não é bombom". Você que criou essa frase? O que ela significa?
Ronald Lincoln: Não criei, não. É uma expressão que o pessoal usa bastante no subúrbio. Ela é versátil. Tem o tom de brincadeira, mas também de aviso de que o personagem não é de levar desaforo. Fonte: https://www1.folha.uol.com.br
Nem só de pão vive o homem
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Erradicação da pobreza e da marginalização só se fará – como expressão do respeito à pessoa humana – com o exercício do direito social ao trabalho
Por Luiz Sergio Fernandes de Souza
Além de comer, o homem tem outras necessidades. Essa é a compreensão popular de Mateus 4,4 (“o ser humano não vive só de pão, mas de toda palavra que sai da boca de Deus”), na Bíblia, com outro significado, o do triunfo de Jesus sobre a tentação, sabedor de que a fome física a que fora submetido por 40 dias no deserto era a prova de que guardaria no coração os ensinamentos de Javé.
A precariedade do homem diante da fome está bem representada na oração que Jesus ensinou aos discípulos: “Pai, santificado seja teu nome; venha teu reino; o pão nosso de cada dia dá-nos hoje” (Lucas 11,2-3). O sofrimento imposto a quem tem fome surge nas frases “comer o pão que o diabo amassou” e “na casa em que falta pão, todos brigam e ninguém tem razão”; e a importância do trabalho para a subsistência, nas expressões “ganhar o pão” e “colocar o pão na mesa”, que remetem a Gênesis 3,19: “Você vai ter de comer o pão com o suor do rosto”.
“Fazer pão grande”, no linguajar dos antigos, é viver no ócio, o que se põe em desacordo com a proposta de Paulo na Carta aos Tessalonicenses, quando o apóstolo, após exaltar a tradição do trabalho, recomenda que todo irmão se afaste de quem vive sem fazer nada, pois nós não recebemos de graça o pão que comemos (2Ts 3,6-8). “Pão-duro”, por sua vez, é o indivíduo sovina, cabendo lembrar que a avareza é um dos sete pecados capitais, oposta à generosidade e à compaixão, mais que virtudes, deveres cristãos.
O versículo “quem doa ao pobre empresta a Javé, que lhe dará a recompensa” (Provérbios 19,17) traz para muitos, senão a expectativa da retribuição divina, certo alívio de consciência. Afinal, é difícil conviver com a miséria, que parece nos apontar o dedo, indicando uma espécie de responsabilidade coletiva. Importa – no dizer do padre Bruno-Marie Duffé, em entrevista ao jornal vaticano L’Osservatore Romano – “o olhar que oferecemos antes da ajuda material a quem precisa”, o que é diferente de “ter a consciência tranquila”, sentimento voltado para si mesmo, esclarece o padre.
Na perspectiva de promover a pessoa e a dignidade humanas, convém dizer que, embora meritória a filantropia – o trabalho realizado por ONGs, organizações sociais, associações e entidades de assistência, assim como a iniciativa individual e espontânea de quem dá trocado nas calçadas e semáforos –, fundamental é resgatar o ser humano, ao que não bastam a entrega de alimentos nem a contribuição feita em dinheiro, donativo que, embora seja um dever cristão, muitas pessoas têm certo pudor de reconhecer como “esmola”, talvez porque, no fundo, não vejam tanta dignidade nele.
Na Carta aos Tessalonicenses, Paulo aconselha reserva diante dos que vivem no ócio. “A essas pessoas recomendamos e pedimos, no Senhor Jesus Cristo, que trabalhem tranquilamente para ganhar o próprio pão.” Não devemos tratá-las como inimigas, mas corrigi-las como irmãos (2Ts 3,12-15). Dar alimento a quem está na rua é necessário, mas insuficiente. O Estado é laico, mas compartilha com o cristão a ideia de fraternidade (1 João 4,20-21 e Constituição federal, CF, preâmbulo). O valor social do trabalho, um dos fundamentos da República (art. 1.º, IV, da CF), não transige com políticas públicas que desconsiderem a inclusão da população marginalizada no mercado de trabalho, a exigir investimentos em saúde, formação profissional e geração de emprego.
A erradicação da pobreza e da marginalização, um dos objetivos essenciais da República (art. 3.º, III, da CF), só se fará – como expressão do respeito à pessoa humana (art. 1.º, III, da CF) – com o exercício do direito social ao trabalho (art. 6.º da CF). São grandes os desafios, pois quem vive em situação de rua tem elaborações muito particulares sobre si próprio e sua condição. Por isso, o poder público haverá de dialogar com os diversos setores da sociedade, e não procrastinar, com paliativos, o desfecho trágico desta crise humanitária. Muitos são os instrumentos de promoção da justiça social aptos a pôr em prática o dever de eficiência imposto à administração pública (art. 37 da CF), o que depende da ação política.
Segundo o Censo de 2022, há 589 mil imóveis vazios na cidade de São Paulo. O IBGE ainda não divulgou o número de pessoas que vivem nas ruas, apenas o somatório nas cidades do País, da ordem de 220 mil, situação incompatível com a função social da propriedade (art. 5.º, XXIII, da CF), o direito à moradia (6.º da CF) e a política urbana, cujas regras impõem o aproveitamento adequado dos espaços da cidade (art. 182 da CF). Como forma de desestimular o abuso do direito de propriedade, além da progressividade das alíquotas do IPTU e, sucessivamente, da desapropriação mediante pagamento em títulos da dívida pública (art. 182, § 4.º, II e III, da CF), a legislação prevê a arrecadação do imóvel abandonado, com perda da propriedade (artigos 1275, III, e 1276 do Código Civil).
Em resumo, de um lado estão as pessoas abandonadas, principalmente nas ruas do Centro de São Paulo, de outro, imóveis abandonados na região (33 mil, conforme o Censo do IBGE de 2010). Trata-se de afetar à destinação pública aquilo que é de ninguém e, ainda, democratizar e requalificar espaços hoje ocupados por lideranças dos movimentos de moradia popular, que somavam em 2021, apenas na região central, 48 prédios, consoante dados da imprensa, todos em precárias condições de uso e segurança. Ao mesmo tempo, é preciso dar o “pão do espírito”, ou seja, a instrução, preparando os moradores dessas novas unidades para a gestão de condomínio.
*PROFESSOR DE GRADUAÇÃO E PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO DA PUC/SP, MESTRE E DOUTOR EM DIREITO PELA USP, ESCRITOR, É DESEMBARGADOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO Fonte: https://www.estadao.com.br
A foto sem fato
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Somos a civilização da falsificação da imagem que interpretava os fatos. Um milhão de fotos vale mais que uma palavra de honra. E como vende. E como funciona
Por Eugênio Bucci
A credibilidade da fotografia entrou numa espécie de fadiga do material. Não há mais como não duvidar da autoridade daquela imagem realista que se abria diante dos nossos olhos como se fosse a prova definitiva de um acontecimento. Uma foto, muitas vezes, é um embuste.
Tempos atrás, quando as câmeras ainda se valiam de filmes para registrar um instante, o negativo era reverenciado como se fosse a verdade em pessoa. Acreditava-se que naquele pequeno rolo de triacetato de celulose estavam impressos fragmentos genuínos da História, um documento tão confiável quanto um caco de cerâmica de civilizações extintas, um manuscrito autêntico de um escritor célebre, um dente de dinossauro. Hoje, a conversa mudou. Estão aí as evidências escarradas de que as fotografias mentem.
Hoje, os processos químicos que “revelavam” o filme num ritual de alquimia sob luz vermelha deram lugar aos arquivos de computador que, em um segundo, oferecem visões de pura epifania escópica: um rosto de mulher com olhos de ressaca, os destroços de um hospital bombardeado em Gaza, uma galáxia distante que lembra um carro alegórico na Marquês de Sapucaí. São alumbramentos arrebatadores, mas muitas vezes são balela. O papa Francisco, um tanto garboso, desfila com um impermeável branco típico de um bilionário passeando nos Alpes: falso. Donald Trump algemado, de cara enfezada: fake.
Os vídeos também aprenderam a mentir. Desabridamente. Na semana passada, a OpenAI, empresa dedicada a sintetizar, promover e difundir ferramentas de Inteligência Artificial, anunciou seu novo brinquedo, chamado Sora. A partir de comandos de texto (os tais prompts), a máquina cria filmetes exatos, fortes, convincentes, em altíssima resolução – e fajutos. As produções visuais do Sora não refletem realidade nenhuma. Aliás, nem sequer prometem refletir – são apenas peças de ficção que podem ser confeccionadas sem o auxílio de seres humanos.
Alguém vai dizer, então, que vivemos um paradoxo: nunca antes na história deste país, e de todos os outros, tantas imagens circularam por tantos meios simultâneos para aplacar tanta avidez de tantas plateias de uma vez só; ao mesmo tempo, nunca esteve tão em xeque a confiabilidade da invenção popularizada por Louis Daguerre e seu daguerreótipo de placas de prata. Os nudes e reels enchem o ar de euforia consumista, mas a explosão das falsificações fotográficas deveria nos fazer pensar. O nosso problema é que pouca gente corre o risco de pensar.
Régis Debray escreveu certa vez que somos a primeira civilização autorizada a acreditar em seus olhos. Ocorre que a esperança dessa civilização depende de sua capacidade de duvidar das telas eletrônicas. Sim, é paradoxal. O conforto de crer cegamente nos próprios olhos equivale a uma sentença de morte da civilização. A tragédia política do nosso tempo tem que ver com isso: massas viciadas no gozo do olhar não pensam, não gostam de pensar, apenas adoram seus bezerros de ouro digitais e idolatram seus tiranos, ridículos tiranos.
O mais interessante de tudo é que, já no tempo em que tomávamos os retratos como a expressão legítima da verdade objetiva (a lente, afinal, sempre foi chamada de “objetiva”), as coisas não eram bem assim. Uma foto não era somente o decalque do real. Acima disso, era uma opinião sobre o real, na melhor das hipóteses.
A câmera – que hoje está embutida nos chips minúsculos de qualquer celular barato – descende de um dispositivo ótico que ajudava os pintores do século 17 a serem mais verossímeis em seus traços. Era a “câmara escura”, uma ferramenta a serviço de um ponto de vista. A “câmara escura” tinha a forma de caixote avantajado, no qual a luz só entrava por um pequeno orifício. O exíguo filete de luz projetava, na parede oposta, a cena que se passava do lado de fora. Sozinho dentro do caixote, o artista riscava sobre o que via projetado e, desse modo, reproduzia com precisão as linhas da natureza.
Com o tempo, esse caixote passou por adaptações diversas, diminuiu de tamanho e incorporou lentes. Quando finalmente a fotografia foi inventada, o pintor foi substituído por um mecanismo artificial feito de materiais fotossensíveis. Depois disso, a revolução digital substituiu o filme químico por chips. Então, no século 21, a Inteligência Artificial substituiu o fotógrafo pelos prompts e aposentou a cena externa, dispensou os fatos.
Mesmo assim, o poder sedutor da fotografia segue intacto. Quem liga para os fatos? Somos a civilização da falsificação da imagem que interpretava os fatos. Um milhão de fotos vale mais que uma palavra de honra. E como vende. E como funciona.
Platão dizia que o pensamento só é pensamento quando consegue ir além dos sentidos, como a visão ou a audição. Segundo ele, ninguém alcançaria a verdade pelos olhos, mas pela razão. Nisso consistia a passagem necessária da doxa (a mera impressão pessoal) para a episteme (o conhecimento). O velho filósofo não estava certo em tudo o que escreveu, mas, nesse ponto, merece sem lembrado – ainda que em vão.
*JORNALISTA, É PROFESSOR DA ECA-USP Fonte: https://www.estadao.com.br
Vidas jovens
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Urge investigar causas da alta de suicídios entre os brasileiros nesse estrato
Estudantes usam celular durante intervalo das aulas em colégio de Almirante Tamandaré (PR) - Mathilde Missioneiro/Folhapress
Levantamento de dados do SUS de 2011 a 2022, feito pela Fiocruz Bahia em parceria com a Universidade Harvard, confirma a tendência de aumento de suicídios e autolesões entre os jovens brasileiros.
A taxa de pessoas entre 10 e 25 que se tiraram a própria vida teve alta anual de 6% no período, e o ritmo foi de 29% ao ano nos casos daqueles que se mutilaram.
Ainda que possam refletir uma queda na provável subnotificação desses episódios, os percentuais se mostram alarmantes.
Na população em geral, o crescimento foi menor, de 3,7% e 21%, respectivamente. O índice de autolesões reportadas entre jovens de 10 a 24 anos é espantoso, com salto de 10,7 por 100 mil habitantes em 2011 para 158,5 em 2022.
O Ministério da Saúde também emitiu alerta em 2022. Entre 2016 e 2021, a taxa de suicídios no estrato de 10 a 14 anos subiu 45% e, no de 15 a 19 anos, 49,3% —ante alta de 17,8% na população brasileira.
Urge investigar as causas desse fenômeno, e fatores socioeconômicos estão naturalmente entre as hipóteses. Sabe-se que países de média e baixa renda concentram os casos de jovens que se matam.
Globalmente, há aumento de ocorrências de transtornos psicológicos nessa faixa etária, registrado em países como Reino Unido, Estados Unidos e França.
No Brasil, pesquisa do Datafolha de 2022 mostrou que 8 em cada 10 indivíduos entre 15 a 29 anos haviam apresentado recentemente algum problema de saúde mental, como depressão, ansiedade e dificuldade de concentração.
A ciência ainda não estabeleceu uma relação causal direta, mas suspeita-se que as novas tecnologias desempenhem papel relevante nesse panorama.
A prática do bullying, antes restrita ao ambiente escolar, prolonga-se na internet. A profusão de informações e a pressão por aprovação nas redes sociais alimentam a ansiedade e o vício nas plataformas.
O lado positivo do aumento de casos notificados de suicídios e autolesões entre jovens é o estímulo à conscientização e à prevenção por parte das famílias e do Estado.
O poder público deve direcionar atenção em saúde mental para esse estrato, assim como incrementar a educação midiática nas escolas, para que os alunos aprendam a lidar com as novas tecnologias. Fonte: https://www1.folha.uol.com.br
10 assuntos que você precisa falar com seu filho adolescente
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Por Carolina Delboni
Tem assunto que parece missão impossível, que você não tem ideia por onde começar. Tem assunto que dá pesadelo e outros que você quer passar longe, certo? Pois é, mas quando a gente não fala, a internet fala. Já pensou sobre isso?
Sabe aquela música da Pitty que diz: "Pane no sistema, alguém me desconfigurou"? É exatamente assim que muitos pais se sentem, quando precisam ter conversas difíceis com seus filhos. Assuntos como puberdade, sexo, gravidez na adolescência, pornografia e identidade de gênero são tópicos frequentemente evitados porque geram desconforto tanto para os pais quanto para os filhos.
Mas com tanta informação disponível nas redes sociais e nas conversas entre amigos, os adolescentes rapidamente encontram tudo e mais um pouco numa simples busca. Acabam se deparando não só com os temas que pesquisavam, como com muito - muito - conteúdo que não deveriam ter acesso.
Pensa que a internet é uma grande casa, cheia de quartos e cômodos todos sem portas. Entra quem quer, a hora que quer e vê o que os olhos são capazes de ver. Basicamente isso. E quando pais e responsáveis legais optam por não conversarem sobre os assuntos mais cabeludos, é lá que os adolescentes vão buscar informação - quer você queira ou não.
E a adolescência é um período cheio de curiosidades e descobertas, portanto, eles vão buscar informação - em algum lugar. Ficar sem resposta ou no vácuo, como dizem, não é uma alternativa. Claro que as conversas entre os colegas são super bem-vindas, mas muitas vezes os amigos têm o mesmo aprofundamento de informação do que seu filho e/ ou filha.
As fontes de pesquisa também costumam ser as mesmas: redes sociais e influenciadores. E veja, como o próprio nome diz são pessoas que falam e fazem coisas para influenciar outras, mesmo que não seja intencional. Estamos falando de uma geração que usa as redes para buscar informação. Eles não acessam jornais ou canais de mídias confiáveis. Eles buscam semelhantes.
Segundo estudo da TIC Kids Online, divulgado pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil em 2022, 71% dos jovens entrevistados buscam as redes para fazer pesquisa, inclusive para a escola. Outros 32% buscaram a internet para saber ou conversar sobre vivências ruins que passaram, pode ser um sentimento ou alguma situação mais traumática. Mas e aí, o que fazer ou como fazer? Competir com as redes sociais não é um caminho, mas andar ao lado dela sim. O que eu estou querendo dizer?
Converse com seu adolescente. "Ah, mas é impossível, ele nunca quer falar". Pode ser que ele não queira sentar e bater um papo cabeça com você, algo mais formal, mas procure trazer os temas de maneira mais solta, descontraída. Não, você não vai fazer piada sobre coisas sérias, mas vai puxar o assunto de forma mais suave, contando um caso, algo que você leu, viu nas redes sociais, enfim, usando mais a linguagem do adolescente do que a sua, que é adulta.
Conversar de maneira aberta e informativa pode fortalecer os laços familiares e preparar o terreno para mais diálogos difíceis no futuro. Mesmo que discutir sobre sexo possa ser desconfortável, é importante vencer os obstáculos culturais, religiosos e pessoais para começar essa conversa. Comece aos poucos. Por onde você dá conta.
1 e 2. Sexo e Gravidez na adolescência
Ensinar sobre sexualidade é fundamental para proteger nossos jovens. Isso inclui dar informações corretas e criar um ambiente onde eles possam falar sobre assuntos sensíveis sem medo e/ ou vergonha. A gravidez na adolescência, por exemplo, é outro assunto sério que continua sendo uma pauta urgente.
Dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) do IBGE, mostram que quase um terço dos jovens de 13 a 15 anos já iniciaram sua vida sexual e menos estão usando preservativos. Segundo a OMS, 30% das meninas adolescentes que engravidam dizem não ter tido informação alguma. Isso destaca a necessidade inadiável de conversar sobre sexo e como se prevenir de riscos, como as doenças sexualmente transmitidas.
Conforme pesquisa da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), o Brasil tem uma das maiores taxas de gravidez em adolescentes entre 14 a 19 anos. Isso mostra o quanto é importante ensinar sobre prevenção e incentivar visitas regulares ao médico para orientação especializada. E isso vale para os meninos também.
Meninos precisam entender sobre o próprio corpo e o corpo do outro. Precisam aprender sobre a camisinha antes de terem que usá-la, precisam fazer visitas regulares a um médico. Precisam saber sobre menstruação. Sobre coisas que acontecem no corpo das meninas para respeitá-las.
3. Pornografia na adolescência
Outro assunto espinhoso, mas que precisa ser abordado porque tem inúmeros riscos. Estudos mostram que os jovens têm contato cada vez mais cedo com a pornografia. Um levantamento com 9.250 pré-adolescentes, com idades entre 10 e 14 anos, revelou que 14,5% dos jovens entrevistados no Equador (a menor taxa) e 33% na Bélgica (a maior) já tiveram contato com pornografia nessa faixa etária.
O estudo, publicado no jornal científico Journal of Adolescent Health, em julho de 2021, concentrou-se especialmente em moradores de áreas mais pobres desses países. Uma das razões apontadas é a popularização dos celulares, que alavancou a quantidade e a variedade desse tipo de conteúdo - além de ter facilitado o acesso, não apenas por adolescentes, mas para crianças também. Preocupante? Muito. O que fazer?
A melhor maneira de lidar ainda é a conversa, mas aqui elas devem ser educativas e positivas, onde se explique a diferença entre a pornografia e a realidade, se fale sobre sexualidade, toque e afeto de maneira respeitosa e verdadeira como partes importantes da experiência sexual humana.
4. Identidade de gênero
Abordar temas como sexualidade e identidade de gênero com os filhos pode ser desafiador, mas também é uma oportunidade para refletir sobre as transformações sociais e culturais atuais. Conforme o artigo "Gênero vs Sexualidade", publicado pela Unicef Brasil, a identidade de gênero relaciona-se ao modo como o indivíduo se reconhece em relação ao seu corpo, não se limitando necessariamente ao sexo biológico.
Há pessoas que, embora nascidas biologicamente em um gênero específico, identificam-se com outro desde a infância. Por outro lado, a sexualidade diz respeito às atrações afetivas e sexuais, podendo ser direcionada as pessoas do mesmo sexo, do sexo oposto, ou de ambos, caracterizando, respectivamente, as orientações homossexual, heterossexual e bissexual.
A nova geração está à frente de um movimento pela aceitação da diversidade de gênero e expressões sexuais de forma inclusiva, desprovida de julgamentos e respeitosa. Os jovens estão redefinindo padrões sociais, valorizando a liberdade de ser e amar. Para os pais, este processo envolve aprender e dialogar de maneira aberta, buscando fortalecer a relação com os filhos e promover um ambiente de apoio, onde eles possam explorar sua identidade e sexualidade de maneira segura. Nesse contexto, profissionais da psicologia podem oferecer suporte essencial, auxiliando na criação de espaços seguros para essas conversas.
5. Cigarro eletrônico na adolescência
A questão do consumo de cigarros eletrônicos, ou vapes, também requer atenção. Apesar da proibição de venda no Brasil, a aquisição ilegal desses dispositivos persiste. Dados da pesquisa PeNSE de 2019 indicam que aproximadamente 16,8% dos adolescentes entre 13 e 17 anos já experimentaram cigarro eletrônico.
Os pais devem buscar informações sobre os riscos associados ao uso desses dispositivos, incluindo o potencial para dependência pela presença de nicotina, que pode prejudicar o desenvolvimento cerebral dos jovens. Recentemente, a Anvisa reforçou a proibição dos cigarros eletrônicos, incluindo restrições à publicidade e divulgação. Uma compreensão aprofundada sobre a popularidade dos vapes pode capacitar os pais a orientar seus filhos para tomadas de decisão mais seguras, incentivando alternativas saudáveis.
6.Bebidas alcoólicas na adolescência
O aumento no consumo de álcool entre adolescentes é outro tema. A pesquisa PeNSE mostrou um crescimento na taxa de consumo de 61,4% para 63,3% desde 2015, com quase um terço dos jovens iniciando o consumo antes dos 14 anos. A fiscalização da venda de bebidas alcoólicas para menores ainda enfrenta desafios, especialmente nas plataformas digitais pelos aplicativos de entrega que vendem bebida alcóolica para essa faixa etária sem nenhum recurso de segurança extra.
Na adolescência, a bebida alcóolica não só representa a transgressão como é um código da vida adulta e "crescer" é outro desejo desta faixa etária. Portanto, aqui os pais têm apenas uma alternativa: falar abertamente sobre o tema. A bebida é proibida para menores de 18 anos, isso é Lei e eles precisam saber. Mas e se beberem escondido, o que também precisam saber? É importante orientar sobre consequências do consumo excessivo, a vulnerabilidade que a pessoa se encontra neste estado físico, o que fazer, a quem pedir ajuda, enfim, aqui vale a transparência no assunto e não o moralismo.
7.Uso excessivo das telas
Quando a pandemia nos forçou a adaptar nossas rotinas, incluindo a escola em casa, as crianças e adolescentes acabaram passando mais tempo do que nunca em frente às telas. Pesquisas, incluindo uma da UFMG, apontaram que até mesmo as crianças chegaram a ficar até quatro horas diárias conectadas, enquanto muitos adolescentes excederam a orientação de duas horas de tela por dia.
O impacto potencial desse aumento no uso de telas vai desde o risco de dependência até questões de autoimagem, exacerbadas pelos filtros e padrões irreais propagados nas redes sociais. Uma pesquisa da Dove sobre Autoestima em 2021, revelou que 84% das meninas de 13 anos já tinham usado algum filtro nas fotos, antes de publicá-las. A pesquisa também informou que 78% delas já tinham tentado mudar ou esconder alguma parte indesejada do corpo antes de postar uma foto nas redes.
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Os pais podem promover em casa, uma "cidadania digital", incentivando um equilíbrio entre o mundo online e as experiências fora da tela, e discutindo de maneira educativa os impactos das redes sociais na autoestima.
8. Efeitos das redes sociais
Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Internet de Oxford, apresentou o impacto do uso excessivo das redes sociais na satisfação de vida dos adolescentes. Com uma amostra de cerca de 84 mil pessoas, constatou-se uma redução no contentamento entre os jovens, evidenciando o desafio de navegar nesse mar de aprovações virtuais durante um período importante de autoconhecimento. Além disso, uma pesquisa estadunidense sobre comportamento nas redes sociais, indica que o engajamento intenso em algumas plataformas digitais pode provocar tiques nervosos em crianças.
Diante dessas descobertas, é fundamental que os pais monitorem e incentivem um equilíbrio entre a vida online e as experiências fora da tela, mas destacando a importância de interações pessoais.
Atividades que dispensam a conexão à internet, como passeios ao ar livre, práticas esportivas ou o simples ato de assistir a um programa de TV em família, podem enriquecer a realidade dos jovens, mostrando que ela pode ser tão ou mais legal do que o universo digital.
9.Os transtornos mentais na adolescência
A última década registrou um aumento nos casos de ansiedade, depressão, automutilação e tentativas de suicídio entre os jovens, ressaltando a importância da atenção à saúde mental nesta faixa etária. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o Brasil tem uma das maiores prevalências de depressão entre adolescentes na América Latina. Tanto que iniciativas como a campanha Setembro Amarelo reforçam a necessidade de cuidado com o bem-estar emocional, em um período já marcado por intensas transformações hormonais e sociais.
Um estudo feito pelo Unicef em 2022 apontou que metade dos adolescentes já sentiu necessidade de buscar ajuda para questões de saúde mental, evidenciando uma lacuna no acesso a recursos de apoio. Paralelamente, o Brasil também ocupa a segunda posição mundial em casos de burnout entre adultos, o que pode comprometer a capacidade desses de oferecer o suporte necessário aos jovens em casa.
Esta crescente prevalência de transtornos mentais tanto em adultos quanto em jovens e crianças chama atenção para a importância de promover hábitos saudáveis e um espaço emocional equilibrado. Não é uma tarefa fácil. É uma prática diária. Até porque a presença de uma rede de apoio familiar, que propicie diálogo aberto e acolhimento, se faz cada vez mais necessária para que se enfrente estes desafios.
Encorajar conversas sobre saúde mental, estimular a resiliência e apoiar a busca por recursos internos são passos importantes para superar adversidades com mais leveza e bem-estar.
10. Saúde Mental
Promover a saúde mental dos filhos adolescentes envolve também compreender os desafios únicos enfrentados por esta geração imersa em um mundo onde bullying, cyberbullying, depressão, ansiedade, esgotamento e crises existenciais são prevalentes.
A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), conduzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2019, revelou que um terço dos estudantes de 13 a 17 anos frequentemente se sentem tristes, e mais de 20% questionam o valor da vida.
A importância de escutar ativamente e validar as emoções dos jovens não pode ser subestimada. E mais uma vez, batendo na tecla, é preciso que os pais cultivem a resiliência e o bem-estar emocional dentro de casa, para prevenir o agravamento de questões de saúde mental porque lá fora eles vão ter de enfrentar problemas, cedo ou mais tarde.
Incentive seus filhos a falarem sobre o que estão sentindo, mas garanta que eles terão o seu suporte. Vale lembrar que não precisamos ter todas as respostas. Mas abrir espaços para um diálogo possível é um jeito sábio de guiar e manter uma relação de confiança. A postura encoraja os filhos a compartilharem suas dúvidas e experiências, sabendo que serão recebidos com carinho e sem julgamentos. Fonte: https://www.estadao.com.br
O apocalipse de carnaval
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Visão de Baby do Brasil, estritamente religiosa, é na verdade um instrumento para analisar o mundo
Ivete Sangalo e Baby do Brasil protagonizaram diálogo inusitado no carnaval — Foto: Reprodução
Fernando Gabeira
Jornalista e escritor
Baby do Brasil pautou o debate de carnaval. Atenção, todos: estamos em Apocalipse, o arrebatamento tem tudo para acontecer entre cinco e dez anos, procurem o Senhor! Houve contestação imediata de Ivete Sangalo, mas essas palavras — apocalipse e arrebatamento — têm força até para invadir um alegre carnaval.
Ambas são expressões religiosas. Arrebatamento é o resgate dos fiéis antes de tudo acabar. Gosto também de Armagedom, a batalha decisiva entre as forças do bem e do mal. Quem sabe não aparece num trio elétrico do próximo carnaval? Apocalipse, arrebatamento, Armagedom e talvez Megido, o lugar onde as tropas se concentram para a batalha?
Dá música, e o apocalipse pode ser cantado de ponta a ponta no Brasil. Estamos em apocalipse, Valdemar, a PF fechou o cerco contra Bolsonaro. Estamos em apocalipse, anunciam as lojas para divulgar suas liquidações de verão.
Estamos em apocalipse, dirão alguns ecologistas, avaliando os dados das mudanças climáticas. Em apocalipse estão também os moradores de Maceió, com a cidade afundando pela exploração de sal-gema e, ao mesmo tempo, investindo R$ 8 milhões no carnaval do Rio para promover o prefeito e Arthur Lira.
Já tivemos uma visão mais branda de apocalipse no livro de Umberto Eco “Apocalípticos e integrados”. Ali se discutia a posição sobre a cultura de massa. Apocalípticos viam nela uma decadência, como a Escola de Frankfurt. Otimistas, como Marshall McLuhan, viam novas possibilidades graças à integração que criaria uma aldeia global.
Depois disso, veio a internet. O apocalipse agora é diferente. Fake news, ataque a reputações, golpes na democracia. No princípio, havia muita esperança: não se tratava mais de um espectador passivo, mas de alguém que interage com as notícias. O mundo avançaria.
Creio que Baby tocou num ponto interessante, sem perceber que sua visão, estritamente religiosa, é na verdade um instrumento para analisar o mundo. Vejo apocalípticos entre a torcida do Flamengo; a do Corinthians no momento está cheia deles; eles estão por toda parte.
Se falo sobre a profecia de Baby com certa leveza, é porque ela nos dá entre cinco e dez anos para o arrebatamento. Isso coincide mais ou menos com minha expectativa de vida. De certa forma, em termos pessoais, o apocalipse é inevitável: está dentro do prazo.
A orientação dela é procurar o Senhor, garantir a vida depois da morte. Tenho minhas dúvidas quanto a isso. Possivelmente, o apocalipse virá, e restarão na face do planeta apenas máquinas remoendo incessantemente os antigos pensamentos humanos, reelaborando ao infinito nossas loucuras, produzindo artificialmente novos apocalipses, arrebatamentos, armagedons e, se possível, novos carnavais.
De qualquer forma, apesar das críticas que sofreu, Baby merece agradecimentos. O que teríamos para falar de pessoas pulando e cantando num calor infernal? Alegorias, comissão de frente, harmonia e samba-enredo?
Além do mais, de cinco a dez anos é um tempo razoável. Imaginem se muitos tivessem apenas esse horizonte de vida? Os punks eram meio sombrios porque não viam futuro. O grito de Baby nos abre caminho pelo menos para viver o presente, sabendo que estamos simplesmente driblando suas profecias, talvez macetando o apocalipse, como defendeu Ivete Sangalo.
Minha única participação no carnaval foi documentar o desfile do bloco Loucura Suburbana. O samba-enredo é uma defesa da loucura. Se alguém gritasse ali no Engenho de Dentro que estamos em apocalipse, procurem o Senhor, seria possível perguntar “mas qual senhor?”, se há tantos sambando entre nós. Estamos em apocalipse? Mas isso já foi há tanto tempo, Baby. Estamos cantando precisamente para esquecer. Fonte: https://oglobo.globo.com
golpes financeiros que podem estragar a festa
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Em meio à aglomeração e música alta, golpistas apostam em diferentes estratégias para conseguir dinheiro
O carnaval é uma das festas mais populares do Brasil e reúne multidões nas ruas de todo o País durante dias. Contudo, apesar de o feriado remeter a um momento de alegria, descontração e comemoração, é comum a ocorrência de fraudes e de golpes financeiros.
É na aglomeração, em meio a música alta e muito movimento, que golpistas furtam celulares e apostam em outras estratégias para conseguir dinheiro durante um momento de distração. Confira quais são os mais comuns e fique atento para curtir as festas em segurança.
Troca de cartões de crédito ou débito
Esta é uma das práticas mais comuns durante o Carnaval. Ao realizar a compra de algum produto, o golpista entrega a maquininha para a vítima digitar a senha do cartão de crédito ou débito. Em um momento de distração do cliente, ele se aproveita para olhar e memorizar a senha que está sendo digitada.
Ao finalizar a compra, o cartão é trocado pelo golpista por outro similar, e isso pode passar despercebido pelo consumidor.
“É preciso prestar muita atenção ao realizar os pagamentos, principalmente na rua. Essa é a principal forma de evitar ser vítima desse golpe. Confira também se houve alguma cobrança extra pelo aplicativo da sua instituição financeira”, comenta Dárcio Dias, gerente de Prevenção a Fraudes do Sicoob.
Golpe da maquininha
Não aceite realizar pagamentos se o visor da maquininha estiver danificado. Quando o aparelho se encontra nesse estado, você corre o risco de passar um valor superior ao combinado sem perceber, como R$ 100,00 ou R$ 1000,00 em vez de R$ 10,00.
Para maior segurança, peça o comprovante ou habilite seu banco a enviar notificações dos gastos.
Cuidado com a exposição do cartão
Ao deixar o cartão solto no bolso ou na bolsa, ele se torna mais exposto, o que facilita que o golpista se aproxime com alguma maquininha, por exemplo, e, de forma discreta, faça uma cobrança sem que a vítima perceba.
Neste caso, é recomendável desabilitar a função de pagamento por aproximação e guardar o cartão com maior segurança, como dentro da carteira ou de uma pochete.
Falsa segunda tentativa de pagamento
O golpista pode fingir que a transação foi interrompida e solicitar uma segunda operação. Nesse caso, corre-se o risco de que ele digite um valor diferente sem que o cliente perceba e realize um segundo pagamento ou digite um preço superior ao combinado.
Falsas promoções
Diversas empresas promovem ofertas durante o Carnaval e golpistas aproveitam para se passar por elas e roubar dinheiro e dados de clientes. Alguns bancos, por exemplo, emitiram alertas sobre possíveis mensagens falsas.
“Pix De Carnaval” do Nubank
Em janeiro, o Nubank (ROXO24) informou sobre a disseminação do chamado “Pix de Carnaval”, uma fraude sendo realizada através do aplicativo de mensagens Whatsapp.
“A mensagem pede que os usuários entrem em um link, respondam um questionário e encaminhem esse link para seus contatos no Whatsapp em troca de um Pix de até R$ 500,00”, disse o banco em nota disponível no site oficial da instituição.
Este é um caso clássico de phishing, a prática de “pescar” um usuário de internet para que ele clique em um link e assim roubar dados e até induzi-lo a realizar pagamentos.
Para evitar essa fraude, é importante não confiar em mensagens de procedência duvidosa e sempre verificar a autenticidade do remetente. Fonte: https://einvestidor.estadao.com.br
Jornalismo, renovar e recuperar
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Existe uma crescente demanda de jornalismo puro, de conteúdos editados com rigor, critério e qualidade técnica e ética. Há uma nostalgia de reportagem
Por Carlos Alberto Di Franco
O jornalismo profissional tem sido muito criticado. Trata-se de algo que está relacionado com dois fenômenos de grande atualidade: a disrupção digital e a polarização da sociedade. O jornalismo precisa recuperar a capacidade de reportar o factual e renovar seu diálogo com os consumidores da informação.
A força da mídia social é indiscutível. Transmite aos seus usuários uma sensação de protagonismo extremamente sedutora. Mas reforça a polarização na medida em que gera bolhas impermeáveis ao diálogo.
Creio que o jornalismo profissional, plenamente inserido no espaço digital, é indispensável. Precisa, por óbvio, fazer autocrítica, recuperar alguns valores e investir em renovação. Mas sua importância é imensa. Não existe um único assunto relevante que não tenha nascido numa pauta do jornalismo profissional. Os temas das nossas conversas são, frequentemente, determinados pelo noticiário e pela opinião dos jornais.
O verdadeiro jornalismo não deve ser antinada. Mas também não pode ser neutro. É um espaço de contraponto. Seu compromisso não está vinculado aos ventos passageiros da política e dos partidarismos. Sua agenda é, ou deveria ser, determinada por valores perenes: liberdade, dignidade humana, respeito às minorias, promoção da livre-iniciativa, abertura ao contraditório. Por isso os jornais são fustigados pelos que, à esquerda e à direita, desenham projetos autoritários de poder. Basta ver o crescente desconforto do atual governo.
O jornalismo sustenta a democracia não com engajamentos espúrios, mas com a força informativa da reportagem e com o farol de uma opinião firme, mas equilibrada e magnânima. A reportagem é, sem dúvida, o coração da mídia.
As redes sociais e o jornalismo cidadão têm contribuído de forma singular para o processo comunicativo e propiciado novas formas de participação, de construção da esfera pública, de mobilização do cidadão. Suscitam debates, geram polêmicas, algumas com forte radicalização, exercem pressão. Mas as notícias que realmente importam, isto é, aquelas que são capazes de alterar os rumos de um país, são fruto não de boatos ou meias-verdades disseminadas de forma irresponsável ou ingênua, mas resultam de um trabalho investigativo feito dentro de rígidos padrões de qualidade, algo que está na essência dos bons jornais.
O combate à corrupção e o enquadramento de históricos caciques da política nacional, embora momentaneamente comprometidos por graves e surpreendentes equívocos do Judiciário, só são possíveis graças à força do binômio que sustenta a democracia: imprensa livre e opinião pública informada.
Poucas coisas podem ter o mesmo impacto que o jornal tem sobre os funcionários públicos corruptos, sobre os políticos que se ligam ao crime, que abusam do seu poder, que traem os valores e os princípios democráticos. Políticos e governantes com desvios de conduta odeiam os jornais. Mas eles são, de longe, os grandes parceiros da sociedade, a alma da democracia.
Navega-se freneticamente no espaço virtual. Uma enxurrada de estímulos dispersa a inteligência. Fica-se refém da superficialidade e do vazio. Perdem-se contexto e sensibilidade crítica. A fragmentação dos conteúdos pode transmitir certa sensação de liberdade. Não dependemos, aparentemente, de ninguém. Somos os editores do nosso diário personalizado. Será?
Não creio, sinceramente. Penso que existe uma crescente demanda de jornalismo puro, de conteúdos editados com rigor, critério e qualidade técnica e ética. Há uma nostalgia de reportagem. É preciso recuperar, num contexto muito mais transparente e interativo, as competências e o fascínio do jornalismo de sempre.
Jornalismo sem brilho e sem alma é uma perigosa doença que pode contaminar redações. O leitor não sente o pulsar da vida. As reportagens não têm cheiro do asfalto. As empresas precisam repensar os seus modelos e investir poderosamente no coração. É preciso dar novo vigor à reportagem e ao conteúdo bem editado, sério, preciso, ético.
É preciso contar boas histórias. E apurar com verdadeiro empenho de isenção. A apuração de mentira representa uma das mais graves agressões à ética e à qualidade informativa. Matérias previamente decididas em guetos sectários buscam a cumplicidade da imparcialidade aparente. A decisão de ouvir o outro lado não é honesta, não se apoia na busca da verdade, mas num artifício que transmite um simulacro de isenção, uma ficção de imparcialidade. O assalto à verdade culmina com uma estratégia exemplar: repercussão seletiva. O pluralismo de fachada convoca pretensos especialistas para declarar o que o repórter quer ouvir. Mata-se a notícia. Cria-se a versão.
A precipitação e a falta de rigor são outros vírus que ameaçam a qualidade. A incompetência foge dos bancos de dados. Na falta de pergunta inteligente, a ditadura das aspas ocupa o lugar da informação. O jornalismo de registro, burocrático e insosso, é o resultado acabado de uma perversa patologia: a falta de planejamento e a obsessão de editores com o fechamento.
Análise, interpretação e um bom texto, em qualquer plataforma, sempre vão ter interessados. O segredo é a qualidade.
*JORNALISTA. E-MAIL: Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.. Fonte: https://www.estadao.com.br
Por que o padre Júlio Lancellotti é cancelado e amado nas ruas de SP
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Vizinhos, amigo, oposição e especialistas opinam sobre o personagem central na questão da população de rua na capital paulista
SÃO PAULO
Sempre tem alguém disposto a uma conversa descontraída nas portas de botecos, mercadinhos e sobrados das ruas com trânsito calmo entre a Mooca e o Belenzinho, na zona leste de São Paulo. Mas o ar fica pesado quando a pergunta é sobre o vizinho Júlio Lancellotti, 75.
Xingamentos são frequentes nos diálogos sobre o padre responsável pela paróquia São Miguel Arcanjo, onde concentra o seu trabalho de assistência à população de rua.
"Eu falo desse desgraçado, que passa aqui na frente, não vale bosta! [Ele] encheu isso aqui de morador de rua", diz Robert Freire Friedrich, 56. O comerciante conta que sua lanchonete foi invadida e saqueada há dois meses. Ele viu tudo da janela do andar de cima, onde mora com a família.
Em duas visitas às ruas nos arredores da paróquia, a Folha conversou com moradores, trabalhadores, empreendedores locais e pessoas assistidas pelo padre.
Assim como Friedrich, a maior parte da vizinhança atribui ao pároco responsabilidade pela presença de dependentes químicos, furtos, sujeira e desvalorização de imóveis comuns às cenas abertas de uso de crack, as ditas cracolândias.
Argumentos parecidos com os do vereador Rubinho Nunes (União), autor de um pedido de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que mira organizações de assistência à população de rua.
O vereador negou à reportagem que o padre seja o alvo da medida, mas atribuiu ao pároco responsabilidade pelo problema devido a uma atuação que, segundo ele, é indisciplinada e contribui para a permanência dos assistidos em condição degradante.
Questionamentos à conduta moral do pároco também costumam municiar opositores. Há duas semanas a Arquidiocese de São Paulo arquivou denúncia do presidente da Câmara Municipal, Milton Leite (União), que tinha como base um vídeo que retrata um homem se masturbando.
É a segunda vez que o material, sem autenticidade comprovada, é utilizado. Em 2020, o então candidato à prefeitura Arthur do Val, o Mamãe Falei, fez denúncia idêntica à Igreja Católica, que não encontrou indícios de crime. Nunes e Mamãe Falei foram do MBL, criado em 2014 para defender o impeachment de Dilma Rousseff.
Nas duas conversas que teve com a reportagem sobre o que seu detratores dizem, Lancellotti resumiu seu sentimento em uma frase. "Eu me sinto um padre cancelado."
Eu me sinto um padre cancelado
Júlio Lancellotti
padre responsável pela paróquia São Miguel Arcanjo
Laura Muller Machado, coordenadora do Núcleo População em Situação de Rua do Insper, defende a estratégia de Lancellotti. Ela diz que a aproximação feita por ele, com base no afeto, é o único meio de resgatar quem está à margem.
Afirma que não é o padre o responsável pela explosão da população de rua, fenômeno crescente no mundo que ela vê como uma epidemia de rupturas nos relacionamentos. "Antes [da pobreza e da dependência química], há um trauma muito forte na relação dessa pessoa com a família", diz.
Faltam, porém, políticas públicas que integrem o trabalho das diversas organizações que atuam nesse segmento, além de estudos para medir a efetividade desse trabalho, diz Machado. Lacunas que aumentam a insatisfação popular. "O trabalho do padre Júlio é importante, mas é uma gota no oceano."
Vivendo nas calçadas desde 2016, o ajudante de pedreiro Rodrigo Ribeiro, 40, exemplifica esse relato. Saiu de casa para dar fim às brigas com a família. Da maconha ao crack, usou todo tipo de droga. "Hoje eu estou limpo", conta.
O café da manhã oferecido na paróquia e o almoço em um centro de acolhimento da prefeitura o "fortalecem" nos dias em que procura algum bico. Emprego, porém, só com endereço fixo. "Eu precisava de vaga num albergue, tomar banho, trocar de roupa e guardar minhas ferramentas", diz, apontando para a mochila.
Admiradores também estão presentes na vizinhança, apesar de em menor número.
Bárbara Santos, 28, inaugurou há poucos meses um sofisticado salão de beleza onde atende a clientela de alta renda do entorno. Convive diariamente com pessoas que dormem na porta.
"Eu trabalho e moro muito perto [da paróquia] e não atrapalha em nada a minha vida", diz a empresária. "Alguns clientes ficam com medo, mas se eu tivesse de escolher, eu não gostaria que esse trabalho parasse porque é importante para as pessoas que precisam de ajuda."
Apesar de conviver com o problema, a jovem empresária não está no grupo que, segundo o psicanalista Christian Dunker, encontrou nas manifestações de ódio uma fuga para os três estágios de sofrimento psicológico que acometem quem se depara com a miséria e a degradação nas ruas: angústia, culpa e medo.
Dunker considera que a postura de herói de tragédia grega de Lancellotti, consciente de que está condenado ao fracasso, e seu discurso de combate à aporofobia –a aversão aos pobres– fazem dele um personagem que confronta valores contemporâneos, como o desejo de sucesso pessoal.
"É como se algumas pessoas se perguntassem: como assim os desejos dele não estão ligados ao sucesso? Isso é um dilema", diz Dunker. "[As denúncias contra o padre] querem mostrar que sua verdadeira intenção é opaca, que os desejos mais nobres procedem da nossa humanidade."
Diretor de Programas do Instituto de Estudos da Religião, o teólogo e pastor Ronilso Pacheco classifica o desconforto gerado por Lancellotti como coerente com uma sociedade de indivíduos que moldam a religião aos valores mais radicalizados do capitalismo, em especial a meritocracia.
"Essa parcela não acha justo que pessoas que vivem sem trabalho e regras tenham acesso aos direitos humanos", comenta o teólogo.
Política é elemento central para entender a rejeição a Lancellotti. O padre está assumidamente no campo progressista, contrariando a inclinação majoritária da vizinhança conservadora.
Na seção eleitoral da Mooca, dos 120 mil votos válidos, quase 70 mil (58,5%) foram para o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que perdeu a eleição nacional para Lula (PT) em 2022.
Professor de gestão de políticas públicas da USP, Pablo Ortellado estuda a polarização no Brasil. Ele diz que o padre é uma típica figura capturada pelos dois espectros. Enquanto a esquerda o associa à sua visão de mundo e o admira por isso, a direita o vê com desconfiança.
"A questão da cracolândia é incômoda e uma CPI é uma forma de dizer que este é um problema criado pela esquerda", avalia Ortellado.
Ressentimentos com a política levam a outra crítica frequente ao padre: a de que a função da igreja tem sido desvirtuada pela sua militância.
É comum que atribuam às ligações políticas do padre poderes superiores aos dos seus pares.
José Carlos, 65, nasceu no bairro e, na infância, foi coroinha na São Miguel Arcanjo. Acusa o pároco de ter afastado a comunidade da igreja, eliminando tradições e fazendo da paróquia um palanque político.
"O que incomoda é a política", reclama o morador. "Eu gostaria de saber o porquê dessa diferença em relação a outros padres."
O que incomoda é a política. Eu gostaria de saber o porquê dessa diferença em relação a outros padres
José Carlos
Morador da região
Lancellotti tem, de fato, autoridade comparável à de poucos, mas isso em nada tem a ver com sua fama, segundo a Arquidiocese de SP. São suas funções na estrutura da Igreja Católica que conferem a ele certa autonomia.
Além de responsável pelo seu território paroquial, Lancellotti é vigário episcopal para a Pastoral do Povo da Rua. O cargo faz dele a pessoa de confiança do arcebispo Dom Odilo Scherer para coordenar as ações voltadas aos fiéis em situação de rua em toda a área da Arquidiocese, que compreende aproximadamente o centro expandido da capital.
Na tarefa confiada a ele, portanto, o vigário faz as vezes do bispo.
Especialista na hagiografia, ramo da história da igreja que descreve a vida dos santos, Lancellotti é um padre mais tradicional do que pensam seus críticos, afirma o coordenador do secretariado de pastoral da Arquidiocese, padre Tarcísio Marques Mesquita.
Embora seja mais frequentemente visto nas reuniões diárias com moradores de rua para distribuição de doações no pátio com bancos de madeira e imagem de bronze da Irmã Dulce, Lancellotti celebra missas nas quais faz questão de manter ritos litúrgicos antigos, como a queima do incenso.
Mesquita, 64, é confidente do colega de batina há 43 anos. Vez ou outra, sai da sua paróquia no Tatuapé para buscar o amigo no Belenzinho —Lancellotti não dirige– para um café com bolo.
Às vezes, a viagem é esticada até o centro, para distribuição de doações. "Esse é o tipo de passeio que o Júlio pede para fazer."
Mesquita enxerga o amigo como incompreendido por grande parte dos fiéis e isolado até mesmo entre o clero devido às falas duras, que refletem sua angústia e indignação.
"Ele trabalha há anos com um problema que, em vez de melhorar, recrudesce", diz. "Acho que é preciso melhorar o diálogo, mas é difícil dialogar com gente que abre a janela do carro, grita 'padre veado', e vai embora." Fonte: https://www1.folha.uol.com.br
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