A BELEZA DO CARMELO: O SANTO PROFETA ELIAS-03
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A Tríplice Base da Vida de Oração de Elias
Quando Elias, num carro de fogo, foi levado deste mundo, o discípulo Eliseu implorou-lhe o seu duplo espírito. No manto, que apanhou e com que se cobriu, Eliseu recebeu a herança implorada. O manto do profeta significou para ele segurança, e, pelos milagres com ele realizados, os discípulos entenderam que o espírito de Elias se encontrava nele. Andou Eliseu no espírito e na força de Elias; os seus discípulos também o imitaram. Este mesmo espirito tem-no a Ordem do Carmo procurado constantemente conservar nos seus membros, recordando-lhes sempre o ideal do duplo espírito e a promessa da dupla coroa.
Vida na Presença de Deus
A discussão sobre o grau de contemplação a que Elias foi elevado no monte Horeb não passa duma questão acadêmica. Alguns afirmam que ele viu o Senhor face a face como nós esperamos contemplá-lo no Céu. Todos os escritores espirituais incluem Elias entre os visionários místicos mais favorecidos por Deus. A sua experiência no monte Horeb foi um reflexo antecipado daquilo que havia de testemunhar no Tabor quando o Salvador se transfigurou; Moisés e Elias apareceram como participantes da Sua deslumbrante glória. A Sagrada Escritura narra que a face de Moisés, ao descer do monte Sinai logo após o colóquio com Deus, irradiava tal esplendor e brilho de luz divina, que os judeus não ousavam erguer os olhos para ver-lhe o rosto. De Elias não se diz isto. Vêmo-lo, porém, voltar aos Judeus como vindo dum outro mundo, do próprio Céu, e ouvimo-lo dizer: Vivit Deus in cujus conspectu sto - Vive Deus em cuja presença estou. Eis a base da vida de oração.
A sua vida na presença de Deus, a consciência de estar diante da face do Senhor, é uma grande característica que os filhos do Carmelo herdaram do insigne Profeta: Conversatio nostra in calis est _ A nossa conversação está nos Céus. Elias, ainda não levado para o Céu, vivia no Céu cá na terra, conservando-se devoto diante do trono de Deus: "Deus vive, estou diante da Sua face". As palavras do Arcanjo Rafael a Tobias são uma reminiscência das palavras de Elias. Acompanhou o jovem Tobias sob o nome de Azarias e, depois de havê-lo trazido são e salvo acabada a viagem, revelou-se como um Anjo de Deus: "Um dos sete que assistimos diante do Senhor". "Parecia-vos que eu comia e bebia convosco, mas o meu alimento é um manjar invisível, e a minha bebida não pode ser vista pelos homens". Esta vida na presença de Deus é de máxima importância na vida religiosa.
Não é preciso explicar que o exercício da presença de Deus não pertence exclusivamente a Ordem do Carmo. Está na raiz de toda a vida espiritual e, embora haja vários métodos, todos os escritores espirituais o consideram como elemento essencial para o desenvolvimento da vida religiosa. No Carmo, porém, assume posição especial. É significativo que uma das obras mais conhecidas sobre a prática da presença de Deus seja da autoria de um simples Irmão leigo do Carmo de Paris. Frei Lourenço da Ressurreição nasceu em 1666 e morreu aos 25 anos. O livro não passa de um pequenito opúsculo, mas contém quatro diálogos e dezesseis cartas de suma importância. Publicado um ano após a morte do Irmão, foi traduzido pouco depois para o inglês. Desde então tem sido editado em quase todas as línguas, inclusive o esperanto.
Na nossa época temos um grande exemplo deste exercício em Santa Teresa do Menino Jesus e da Santa Face. A sua devoção à Santa Face é a manifestação desta prática. Também a Santa Madre Teresa de Ávila se distinguiu por esta devoção. Em muitas igrejas antigas nossas encontramos vestígios da devoção carmelitana à Santa Face, cuja reprodução pode ver-se no grande fecho da abóbada da capela-mor das nossas antigas igrejas de Mogúncia e Francfort-sobre-o-Meno. Lá do alto contempla as cadeiras corais, e, rodeada de textos apropriados, lembra aos frades e oração que os olhos de Deus sempre estão sobre eles e que eles devem erguê-los para a Santa Face.
Amor da Solidão
Elias não é somente o arquétipo dos contemplativos, colocado bem no centro e coração da Lei Antiga, mas é também um grande asceta. Nisto encontramos uma segunda base para a sua vida de oração: o amor à solidão a que continuamente volta; é o próprio Deus que para aí o dirige. Antes, porém, de orná-lo com os seus dons abundantes, Deus exigiu-lhe profundas renúncias. "O grande eremita, assevera S. Jerônimo, o amante da solidão, éconduzido para o deserto pelo espírito de Deus". É lá que entende as palavras do Salmista: Sedebit sollitarius et tacebit et levabit se supra se - O solitário sentar-se-a e no silêncio elevar-se-a acima de si mesmo.
No seu desprendimento do mundo achamos uma terceira base para a sua vida de oração. Eleva-se a Deus por meio do sacrifício. "O Senhor chamou-o da sua terra natal e do seu povo". E, como mais tarde Nosso Senhor, prova a amargura do mundo solitário.
Deus provou o Seu servo de várias e penosas e acima de tudo exigiu-lhe fé incondicional, confiança absoluta na Providência Divina.
Podemos em verdade afirmar que a vida de alta contemplação do Profeta não se baseia apenas na prática de todas as virtudes, mas que esta prática e exercício da oração e da virtude heróica __ acompanham e seguem as suas visões e graças místicas. Estas graças místicas são dom gratuito de Deus, e Deus só as concede exigindo, como disposição e preparação humanas, sólidas e heróicas virtudes.
A BELEZA DO CARMELO: O SANTO PROFETA ELIAS
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Capítulo- I
NO ESPÍRITO E NA FORÇA DE ELIAS
O Monte Carmelo, Refúgio da Vida Contemplativa, Caracterizada por Elias
É de suma importância, tanto na vida espiritual como na vida comum de cada dia, termos um modelo em que inspirar-nos, um exemplo que possamos imitar. A espiritualidade Carmelita possui tal modelo.
A Ordem do Carmo recebe o seu nome do monte sagrado em que teve origem. Na Terra Santa, onde cada montanha possui as suas grandes tradições e memórias, o Monte Carmelo pode gabar-se de algumas das mais santas e veneráveis. O Carmo ou o Carmelo é um nome afamado e conhecido, em todo o mundo cristão. A sua formosura natural rivaliza com a beleza das recordações que evoca. O seu perfil harmonioso eleva-se das águas do mediterrâneo, e do seu cume avista-se a ampla planície de Esdrelon a estender-se até ao longínquo horizonte, onde a alma contemplativa se debruça amorosamente sobre o mistério de Nazaré.
O Carmelo é o sítio natural dos contemplativos. Não admira que nas suas vertentes se erga o Mosteiro do Carmo, o berço da Ordem. Sobranceiro ao redemoinho da vida e ao mar tempestuoso do mundo, a sua solidão está fora do alcance da inconstância da vida febricitante. Envolve-o a paz de Deus. Gostamos de identificar esta paz com o Carmelo, mas há outras recordações mais excitantes e mais turbulentas. A memória da tremenda luta espiritual de Elias contínua estreitamente vinculada ao monte santo. Foi aqui que o Profeta reuniu todo o povo de Israel para dirigir-lhe o seu mordaz desafio: "Até quando claudicareis com os dois pés? Se o Senhor é Deus, segui-O!" No Carmelo, Israel ouviu o seu repto na tocha flamejante de suas palavras de fogo. Elias, porém, foi mais do que o Profeta da espada, foi também aqui neste monte o primeiro da longa estirpe dos que adoram a Deus em espírito e em verdade. Reuniu à sua volta discípulos que dele aprenderam os profundos segredos da oração e da união com Deus. O seu duplo espírito passou para Eliseu, e deste para a escola dos Profetas, e pelos séculos afora a vida de Elias encontrou continuadores e renovadores nos ermitões que se deixaram inspirar por este seu grande modelo.
Quando a Europa foi sacudida pelo grito de guerra dos Cruzados: "Deus o quer!", e estes partiram para reconquistar os lugares santos, um dos primeiros pontos a ser ocupado foi o Monte Carmelo. Lá se encontraram as ruínas dos antigos santuários. Dizem que alguns ficaram na montanha para aí restaurar a vida antanho. Pela narrativa do monge grego João Focas (1177) sabemos que um dos Cruzados, São Bertoldo, foi exortado pelo Santo Profeta Elias a congregar os que no Monte Carmelo praticavam a vida eremítica, unindo-os numa comunidade religiosa. Isto talvez tenha acontecido em 1155. O Profeta, portanto, está no limiar da Ordem. Para prová-lo, apoiamo-nos não tanto em investigações históricas, mas sim nas marcas profundas que a sua memória e a sua vida deixaram na vida da Ordem. Elias foi sempre o grande modelo da Ordem. De fato, a sua influência tem sido tão constante que São Jerônimo o chama "pai de todos os eremitas e monges". Na sua carta a Paulino (Ep. 58 Ed. Migne, P. L. t. 22. pág. 583), refere-se a Elias, Noster princeps Elias, nostri duces filli Prophetarum (Elias, o nosso chefe: os filhos dos profetas, os nossos guias). Do mesmo modo, Cassiano, que nas sua Conferências, o aponta como o grande exemplo de todos os monges. O testemunho de Focas, já citado, confirma-se pelo de Tiago de Vittry, então Bispo de São João de Acre, que conhecia bem os eremitas. Escreveu-o em 1221, afirmando que muitos Cruzados permaneceram por devoção na Terra Santa, consagrando-se a Deus nos lugares santificados pela vida de Jesus Cristo. Alguns deles, continua o mesmo escritor, seguindo o exemplo de Elias, viviam nas grutas do Monte Carmelo ao pé da fonte do Profeta e do santuário de Santa Margarida. Não é providencial que os primeiros monges da Ordem do Carmo, como que para simbolizar a imitação de Elias, tenham bebido a água da fonte que dele recebeu o nome?
Podemos mencionar também um velho manuscrito, "Institutio primorum Monachorum" (Vida dos primeiros Monges), que contém as mais antigas tradições da Ordem. Provavelmente foi composto no fim do século XIII ou no inicio do século XIV, depois da dispersão dos monges no Ocidente, mas em tempos passados era considerado de origem muito mais remota. Repositório de tradições consideravelmente mais antigas do que o próprio manuscrito, quer servir de guia seguro e permanente aos monges. Neste livro lemos que a direção dada a Elias pelo Espírito Santo e as promessas feitas aos Profetas hão-de ser os elementos normativos dos eremitas do Carmelo. A vida monástica deve seguir as linhas traçadas pela vida e experiência de Elias e refletir o seu duplo espírito, a saber, o apostolado e a prática da virtude na atividade individual ou social. Este duplo espirito tem uma tríplice significação.
SAGRADA FAMÍLIA: Outro Olhar
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SAGRADA FAMÍLIA: Outro Olhar, Por Frei Petrônio de Miranda, O. Carm. Direto da Comunidade Capim, Lagoa da Canoa/AL- Paróquia São Maximiliano Maria Kolbe- Dicese de Penedo. Domingo, 27 de dezembro-2020.
NATAL... Santa Teresinha e o Menino Jesus
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SANTA TERESINHA E O MENINO JESUS... Um Olhar Carmelitano para a Espiritualidade do Natal. Por Frei Petrônio de Miranda, O. Carm. Direto da Comunidade Capim, Lagoa da Canoa/AL- Paróquia São Maximiliano Maria Kolbe- Diocese de Penedo. Sábado, 26 de dezembro-2020.
*Espiritualidade Carmelitana: A Oração Silenciosa
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A Ratio nos diz que a oração é essencialmente um relacionamento pessoal, um diálogo entre Deus e o ser humano. Somos convidados a cultivá-la e a encontrar tempo e espaço para estarmos com o Senhor. A amizade só pode crescer através “da freqüente compatibilidade com Aquele que nos ama” (Santa Teresa d’Ávila – Livro da Vida 8,5) (Ratio 31). A Ratio continua dizendo que além de todas as questões da forma da oração, o importante é cultivar um relacionamento profundo com Cristo. Ela cita Santa Teresa mais uma vez dizendo que a oração perfeita “não consiste em muito pensar, e sim em muito amar” (Fundações 5,2; Castelo Interior 4, 1, 7) (Ratio). As Constituições nos lembram que: “A oração em silêncio é de grande ajuda no desenvolvimento de um espírito de contemplação. Portanto, devemos praticá-la diariamente por um período de tempo apropriado” (Art. 80).
Então o que é a oração em silêncio e o que é um período de tempo apropriado? Nossas vidas são muito agitadas, mas precisamos estabelecer prioridades. A oração é absolutamente essencial. O período de tempo depende do relacionamento da pessoa com Deus e, até certo ponto, depende da criatividade em encontrar espaço e tempo.
Todo relacionamento tem seu próprio ritmo. Geralmente, após um período de tempo, um relacionamento tende a ser menos complicado quando as duas pessoas se acostumam com o jeito uma da outra. Quando você não conhece bem uma pessoa, é difícil sentar em silêncio com ela. Temos a tendência de conversar. Ao conhecermos melhor a pessoa, o relacionamento torna-se mais fácil e sentar-se no silêncio amistoso torna-se normal e agradável. Quando entramos em harmonia com o outro podemos começar a ler seu silêncio. Trata-se de um relacionamento íntimo. O silêncio pode ser mais eloqüente do que muitas palavras.
É muito normal que no decorrer do tempo nossa oração se torne mais e mais simples. Pode ser que já tenhamos uma palavra que resuma tudo que queremos dizer a Deus. Dizer essa palavra significa milhares de coisas. Jesus abriu seu coração a seus discípulos e partilhou conosco o nome especial que tinha para Deus. Esse nome é “Abba”. Essa palavra contém todo relacionamento de Jesus com o Pai. É muito útil trabalhar nossa própria estenografia com Deus para que possamos lembrar durante o dia da presença constante de Deus conosco ao repetirmos uma simples palavra ou frase.
Cada relacionamento com o Senhor é diferente. Se você aproveita o máximo em sentar-se e conversar com o Senhor, ou de meditar sobre um tema, ou de ler e pensar sobre uma passagem da Escritura, ou de refletir sobre um livro espiritual, isso é bom. Por favor, continue a fazer isso. No entanto, podem existir momentos numa jornada de oração quando a pessoa se torna um pouco confusa e procura para onde ir. Também é comum ser levado ao silêncio durante a oração e, a princípio, isso pode parecer estranho e assustador. Não sabemos o que fazer e temos a sensação de estarmos perdendo tempo. A grande tentação é deixar de lado a oração porque não podemos mais encontrar o consolo que tivemos e ceder à sensação de perda de tempo. Como Santa Teresa d’Ávila, insisto que você não ceda a essa tentação e tenha uma “determinação muito determinada” de agarrar-se à oração especialmente quando ela não está de acordo com os seus planos.
É uma experiência muito comum passar por períodos prolongados de aridez na oração. Mais uma vez sentimos como se estivéssemos desistindo ou chateados. Sentimos que Deus foi embora não deixando endereço. Se, de alguma forma, mesmo no meio da confusão e da aridez, estamos convencidos do valor da oração, devemos apenas nos sentar na poeira e esperar por Deus. Em ocasiões muito estranhas em que um pensamento santo flutua sobre o rio de nossa consciência, temos a tendência de nos precipitarmos sobre ele e sufocá-lo, exaurindo-o por estarmos ressecados. No entanto, existe outra forma de lidar com esses pensamentos santos ocasionais. Não importa o quanto possam parecer santos, eles são nossos pensamentos, por isso subtende-se que deixamos que eles venham ou não. Se esses pensamentos forem verdadeiramente de Deus, retornarão em outro momento.
Existem muitos métodos de esperar por Deus no silêncio. Gostaria de propor um método de oração que pode fazer com que o silêncio seja muito produtivo e que pode nos ajudar a esperar por Deus no silêncio. Trata-se de um método de oração cristão baseado na rica tradição contemplativa e, especialmente, num livro clássico dessa tradição, “A Nuvem do Não-Saber”, um escrito anônimo do século XIV. Não estou sugerindo que devemos deixar de lado outras formas pessoais de oração, mas esse método pode aprofundar esses outros métodos e torná-los mais produtivos. O mais importante para esse tipo de oração é estar convencido de que Deus não está longe, mas muito perto. Deus faz sua morada em nós (cf. Jo 14,23).
Esse método de oração pode ser chamado de oração do silêncio ou de oração do desejo porque, no silêncio, nos voltamos para Deus com nosso desejo. Ele também foi chamado de oração em segredo, seguindo o conselho de Jesus para entramos em nosso quarto e rezarmos ao Pai ocultamente (M 6,6). A primeira fase dessa oração é encontrar um local adequado onde as interrupções sejam reduzidas ao mínimo. Depois se coloque numa posição confortável que você possa manter durante todo tempo da oração. Recomenda-se um mínimo de 20 minutos. Pode-se começar essa oração com uma pequena leitura da Bíblia. Não é hora de pensar no significado das palavras. Esse tipo de meditação fica para outra hora. Agora é hora de simplesmente estar na presença de Deus e de consentir na ação divina com nossa intenção. Então, com os olhos fechados, introduza gentilmente uma palavra sagrada em seu coração. Uma palavra sagrada é aquela que tem um grande significado para você em seu relacionamento contínuo com Deus. A palavra sagrada deve ser sagrada para você. De acordo com o ensinamento de “A Nuvem do Não Saber”, é melhor que essa palavra seja breve, de uma sílaba se possível. Sugiro algumas palavras: “Deus, Senhor, Amor, Jesus, Espírito, Pai, Maria, Sim”. Escolha uma palavra significativa para você. Talvez você pense em uma, se pedir a ajuda de Deus.
Quando peço que você introduza uma palavra sagrada no seu coração, não estou sugerindo que você a pronuncie com seus lábios, ou mesmo mentalmente, mas acolha-a dentro de você sem pensar em seu significado. Não é necessário forçar a palavra sagrada. Ela deve ser muito gentil. A palavra sagrada não é um mantra a ser repetido constantemente. A palavra concentra nosso desejo e sempre a usamos do mesmo modo simplesmente voltando nosso coração para o Senhor assim que percebemos que estamos distraídos. Essa é uma oração de intenção e não de atenção. Nossa intenção é estar na presença de Deus e consentir na ação divina em nossas vidas. A palavra sagrada expressa essa intenção e, assim, quanto tomamos consciência de que estamos pensando em algo diferente, podemos decidir se continuamos com a distração por ser mais interessante, ou se voltamos nossa intenção para a presença de Deus e consentimos com aquilo que Deus quer realizar em nós. Voltamos nosso coração para Deus pelo uso da palavra sagrada. Ela é um símbolo de nossa intenção. Não é necessário repeti-la freqüentemente, apenas quando desejamos voltar nosso coração para Deus.
Durante essa oração, não é hora de conversar com Deus usando belas palavras ou mesmo de ter pensamentos santos, mesmo se pensamos que são inspirações de Deus. É melhor deixar essas coisas para outro momento. Nosso silêncio e nosso desejo valem mais do que palavras.
Através da palavra que escolhemos, expressamos nosso desejo e nossa intenção de permanecer na presença de Deus e de consentir com a ação divina purificante e transformadora. Voltamos para a palavra sagrada, que é o símbolo de nossa intenção e de nosso desejo, apenas quando tomamos consciência de estarmos envolvidos em algo diferente.
A oração consiste simplesmente em estar na presença de Deus sem pensar em nada em especial. Se você compreende como estar em silêncio com outra pessoa sem pensar ou fazer algo em especial, então você será capaz de compreender do que trata a oração. Nem todas as pessoas se adaptam a esse método de oração. Se você sentir um chamado interior para um silêncio maior, ele pode ajudá-lo.
No final do período que você decidiu dedicar à oração, talvez você possa dizer um Pai Nosso ou outra oração lentamente. É bom permanecer em silêncio por alguns momentos para se preparar para levar o fruto de sua oração para sua vida pessoal.
(Convido você a rezar agora e usar brevemente esse método de oração em segredo. Fique à vontade e entre na sala secreta de seu coração onde Deus mora. Para marcar o final do tempo de oração recitarei lentamente uma oração comum. Esse é o momento de reajustar-se ao momento presente).
* ASSEMBLÉIA DA PROVÍNCIA DO RIO DE JANEIRO – JANEIRO 2007
*Espiritualidade Carmelitana: A Prática da Presença de Deus
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Foi o carmelita descalço de Lourenço da Ressurreição quem primeiro viveu e tornou famosa a Prática da presença de Deus. Essa prática é muito simples e, ao mesmo tempo, muito difícil. A Regra nos lembra: “que tudo seja feito na Palavra do Senhor” (Regra 19). Isso é um eco da carta aos Colossenses: “E tudo o que vocês fizerem através de palavras ou ações, o façam em nome do Senhor Jesus” (Cl 3,17). A prática da presença de Deus é um método de oração simples porque não requer qualquer regra complicada. Significa simplesmente viver na verdade.
Deus está presente em cada momento de nossas vidas, mantendo-nos vivos. Essa prática envolve partilhar com Deus tudo que acontece com você. Não é necessário conversar com Deus apenas sobre coisas sagradas. Podemos falar com Deus sobre o que nos interessa e partilhar com Deus o que acontece conosco. Lourenço da Ressurreição conversou com Deus sobre todos os detalhes práticos de seu trabalho como cozinheiro e tesoureiro comunitário. Santa Teresa d’Ávila nos lembra que Deus caminha entre os utensílios da cozinha. Deus está no meio da realidade que nos rodeia, seja ela qual for. Nós não trazemos Cristo para as circunstâncias em que vivemos. Ele está lá antes de nós.
A prática da presença de Deus é um modo de continuar o diálogo com Deus durante todo o dia. O Concílio Vaticano Segundo enfatizou o perigo da divisão entre fé e vida. Elas são e devem ser uma. Partilhar os eventos do dia é um modo de permitir que a Palavra de Deus influencie tudo que fazemos, pensamos ou dizemos. Se não temos vergonha de fazer ou dizer alguma coisa na presença de Deus, estamos vivendo uma ilusão ou nossas ações e palavras estão realmente de acordo com a vontade de Deus. Nosso falso eu levantará todos os tipos de razões para nos assegurar de que estamos certos e que não precisamos de mudança. Para vivermos na presença de Deus e trilharmos o caminho espiritual, a honestidade é uma virtude algumas vezes dolorosa, mas essencial.
* ASSEMBLÉIA DA PROVÍNCIA DO RIO DE JANEIRO – JANEIRO 2007
Festa de Nossa Senhora da Conceição: 8 de dezembro.
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Frei Jorge Van Kampen, Carmelita. In Memoriam. (*17/04/1932 + 08/08/2013
Na festa de Nossa Senhora da Conceição o Evangelho de Lucas chama Maria com um novo nome: “Alegre-te, jovem amada e favorecida por Deus. O Senhor está contigo”. No Antigo Testamento, às vezes, um profeta poderia ser chamado: amado e favorecido por Deus, mas nunca foi chamado assim como se fosse um nome próprio. Aqui vemos, que Maria é chamada assim por ela ser um Templo da presença de Deus. E isto só poderia ser porque, como disse o anjo: A sombra do Espírito de Deus estará sobre ti”.
Liturgia da Palavra:
Deus quer a vida para as suas criaturas e não a morte violenta (Gen. 3,9-20) e criou o homem e a mulher para uma vida feliz (Ef. 1,3 -12). Por isso Deus veio restaurar o sentido da vida pelo exemplo de Maria (Luc. 1,26-38).
Reflexão.
A grandeza de Maria está na sua simplicidade e modéstia. Talvez seja exatamente a modéstia, que fez Maria tão grande para nós. Quem lê a Bíblia com fé, encontra em Maria um modelo. Maria foi sempre uma mulher impressionante. “Feliz porque acreditou, o que vai acontecer o que Deus falou”, diz Lucas.
Sabemos pouco sobre Maria, mas o pouco que sabemos, é suficiente. É uma mulher, que estava pronta para tudo. Ela sentia, a onde ela devia estar. Já grávida, fez uma caminhada difícil para atender sua parente Izabel, que estava prestes a dar à luz. Não era uma visita obrigatória ou de cortesia, mas ela está simplesmente a disposição, para atender a pessoa que necessita da sua ajuda. “Eis a serva do Senhor, faça-se em mim conforme a palavra de Deus”. Quando nós dizemos, que ela está cheia de graça, dizemos ainda pouco. Encontrar-se com Maria é uma benção. O diálogo do anjo com Maria é uma riqueza de modéstia e, ao mesmo tempo, de sublimidade.
Resposta à Palavra de Deus.
Convertidos e consagrados a Deus podemos contar com Maria: O senhor fez em mim maravilhas; santo é o seu nome.
Contemplação
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Frei Joseph Chalmers, O. Carm. Ex- Prior Geral (Ex-Frade Carmelita)
A Ordem sempre afirmou que a contemplação está no coração de nossa vocação. O Institutio Primorum Monachorum, que desde o século 14 foi o documento para a formação de todos os jovens carmelitas, diz: “O objetivo dessa vida tem duplo sentido: Uma parte alcançamos através de nosso próprio esforço e do exercício das virtudes, com a ajuda da graça divina. Isso significa oferecer a Deus um coração que é sagrado e puro da verdadeira mancha do pecado. Alcançamos este objetivo quando somos perfeitos e ‘in Carith’, isto é, escondido naquela caridade que o Homem Sábio diz: ‘O amor cobre todas as ofensas’ (Pr 10,12). ... O outro objetivo desta vida nos é concedido como um dom gratuito de Deus; ou seja, saborear algo no coração e experimentar na mente o poder da presença divina e da doçura da glória celestial não apenas após a morte mas também nesta vida mortal (Livro 1, cap. 2). Santa Teresa e São João da Cruz foram formados na tradição carmelitana e conduziram a Ordem de volta à sua inspiração inicial, assim como todas as outras reformas através da história da Ordem. Santa Teresa e São João da Cruz são modelos de gênios espirituais e, para aqueles que desejam compreender mais o desenvolvimento da contemplação dentro da pessoa, é essencial estudar estes santos.
Nesta apresentação do carisma carmelitano, a Ordem declara nas Constituições dos frades: “Os carmelitas buscam viver em fidelidade a Jesus Cristo através do compromisso de buscar a face do Deus vivo (a dimensão contemplativa da vida), através da fraternidade e do serviço no meio do povo” (Const. 14). Outro artigo nas Constituições diz: “A tradição da Ordem tem interpretado a Regra e o carisma inicial como expressões da dimensão contemplativa da vida e os grandes mestres espirituais da Família Carmelitana sempre se voltaram para esta vocação contemplativa” (Const. 17). De acordo com as Constituições, a contemplação “é uma experiência transformadora do amor esmagador de Deus. Esse amor nos esvazia de nossa maneira humana de pensar, amar e agir, limitada e imperfeita, divinizando-a” (Const. 17). Nas Constituições das Congregações afiliadas e na recentemente aprovada Regra da Ordem Terceira, aparece a mesma insistência na contemplação.
A Ratio Institutionis Vitae Carmelitana e (o documento da formação ao qual nos referiremos como Ratio) dos frades, esclarece o papel da contemplação no carisma da Ordem: “A dimensão contemplativa não é meramente um dos elementos de nosso carisma (oração, fraternidade e serviço): ela é o elemento dinâmico que os une.
Na oração nos abrimos para Deus que, por sua ação, nos transforma gradualmente através de todos os grandes e pequenos eventos de nossas vidas. Esse processo de transformação nos possibilita iniciar e manter relacionamentos fraternos autênticos. Ele nos faz desejosos de servir, capazes de compaixão e de solidariedade, e nos permite colocar diante do Pai as aspirações, angústias, esperanças e súplicas do povo.
A fraternidade é o teste básico da autenticidade da transformação que está acontecendo dentro de nós” (Ratio 23). A Ratio continua dizendo: “Através dessa transformação gradual e contínua em Cristo, que é realizada dentro de nós pelo Espírito, Deus nos chama em sua direção numa jornada interior que nos leva das margens dispersivas da vida ao âmago de nosso ser, onde Deus mora e nos une a ele.
O processo interior que leva ao desenvolvimento da dimensão contemplativa nos ajuda a adquirir uma atitude de abertura à presença de Deus em nossa vida, nos ensina a ver o mundo com os olhos de Deus e nos inspira a buscar, reconhecer, amar e servir a Deus naqueles que estão à nossa volta” (Ratio 24).
O objetivo da jornada contemplativa é nos tornarmos amigos amadurecidos de Jesus Cristo a tal ponto que seus valores se tornem nossos valores e comecemos a ver com os olhos de Deus e a amar com o coração de Deus. A contemplação autêntica deve encontrar expressão num compromisso de serviço, quer seja realizado através de um apostolado ativo, quer dentro de um mosteiro. Quando contempla o mundo, Deus vê para além do exterior. Deus vê a motivação do coração humano. A autêntica experiência de Deus de uma comunidade contemplativa nos leva a tornar nossa “a missão de Jesus, que foi enviado para proclamar a Boa Nova do Reino de Deus e a realizar a libertação total da humanidade de todo pecado e opressão” (Ratio, 38)
Uma Noite Escura
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Joseph Chalmers, O. Carm. Ex- Prior Geral (Ex-Frade Carmelita)
Em nossa jornada de fé, existem momentos em que somos levados ao deserto. Algumas vezes caminhamos pelo deserto seguindo o chamado de Deus ou apenas nos encontramos lá por força das circunstâncias. O deserto é árido e pode ser um lugar assustador. O que significa tudo isso? Podemos ser tentados a não seguir adiante na jornada porque sentimos que ela não vale toda a dificuldade. Então Deus nos envia um mensageiro (cf. 1Rs 19,4-7). Este mensageiro pode vir de todas as formas e tamanhos. Ele, ou ela, nos encoraja a comer e beber, pois a jornada é longa. Somos encorajados a comer o pão da vida e a beber da fonte do Carmelo, que é a tradição carmelitana, que deu vida a muitas gerações antes de nós. Mas talvez estejamos muito deprimidos para nos darmos conta disso. Então o mensageiro de Deus nos cutuca novamente e nos encoraja a comer e beber. É um grande desafio reconhecer o que Deus está nos dizendo através de nossa vida diária bem como reconhecer a voz de Deus na voz, ou através da voz, de algumas pessoas insignificantes.
Nossa fé, esperança e amor, estas três virtudes cristãs essenciais, estão no princípio de nossa jornada, sustentadas no que aprendemos com os outros. Ao continuarmos na jornada, nossas razões humanas para acreditar, para esperar em Deus e para amar como Cristo mandou, começam a esgotar-se. Elas não são mais suficientes. Podemos jogar tudo para o alto, porque a jornada é bem precária e o fim é incerto ou também podemos rejeitar o mensageiro e ficar exatamente onde estamos. Ou podemos continuar a jornada dentro da noite (1Rs 19,4-7). Um elemento essencial em nossa jornada em direção à transformação é a noite escura. Esta noite nunca teve a intenção de ser algo sombrio ou impossível, mas um convite para que nos libertemos de nosso modo humano e limitado de pensar, amar e agir para que possamos pensar, amar e agir de acordo com os desígnios de Deus (cf. Constituições dos Frades, 17).
João da Cruz nos dá descrições magistrais dos diversos elementos que se seguem para compor a noite, mas não é uniforme para todos. A noite é experimentada pelas pessoas de modos diferentes e é realizada precisamente para ajudar a purificação de cada indivíduo em particular. A noite escura não é uma punição pelo pecado ou pela infidelidade, mas é um sinal da proximidade de Deus. A noite escura é o trabalho de Deus e leva à completa libertação da pessoa humana. Por isso, ela deve ser acolhida apesar da dor e da confusão envolvida. A noite escura pode ser experimentada não apenas por indivíduos mas também por grupos e sociedades (cf. Lm 3,1-24).
A jornada de transformação geralmente dura muito tempo porque a purificação e a mudança que acontecem no ser humano são profundas. Não se trata apenas de uma mudança de ideia ou de opinião. Trata-se de uma completa transformação nos nossos relacionamentos com o mundo ao nosso redor, com as outras pessoas e com Deus. Os índios americanos têm um ditado lembrando que temos de caminhar uma milha no caminho de outra pessoa antes de compreendê-la. Jesus advertiu seu seguidores para não julgarem (Lc 6,37; Rm 14,3-4) e a razão é muito simples: não podemos ver as coisas a partir do ponto de vista de outra pessoa e, portanto, não conhecemos os motivos por trás de suas ações. Contudo, o processo da transformação cristã leva o ser humano em direção a uma profunda mudança de perspectiva, de seu próprio modo de ver as coisas para o modo de Deus vê-las. Isso envolve uma profunda purificação e esvaziamento de tudo que nos prende para que possamos ser preenchidos por Deus.
Essa jornada contemplativa, tanto no nível pessoal quando no comunitário, purifica nossos corações de modo que possamos ter espaço para os outros e possamos ouvir o clamor dos pobres sem traduzi-lo pelo filtro de nossas próprias necessidades. Então seremos capazes de realizar o desafio formulado pelo papa João Paulo II:
“Homens e mulheres consagrados são enviados a proclamar, através do testemunho de suas vidas, o valor da fraternidade cristã e o poder transformador da Boa Nova, que torna possível ver todas as pessoas como filhos e filhas de Deus e inspira um amor auto-doador para todos, especialmente os menores de nossos irmãos e irmãs” (VC 51).
Domingo 22 de novembro: Festa do Cristo Rei
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Frei Jorge Van Kampen, Carmelita. In Memoriam. (*17/04/1932 + 08/08/2013)
Jesus pregava que Seu Reino seria um Reino de amor. O amor é algo que menos se pode impor. É um sentimento tão livre, que ninguém o pode conquistar à força. Pode-se impor com violência o poder, ou por obediência, mas ninguém pode mandar, que nos amem.
Jesus fez do amor o primeiro mandamento, e foi mais longe. Quis que amamos todas as pessoas. Como isto é difícil! O esforço exige, às vezes o amor da sua esposa, ou vice-versa, e não se encontra o amor.
Nem sempre conquistamos o amor de um irmão ou de um filho. Jesus não contenta com um ano de dedicação. A prática de amor é para sempre, sem nenhum arrependimento. Também Cristo quer ser amado.
Um homem que como ele, que foi abandonado em vida pelos seus próprios amigos; que morreu desprezado como criminoso e expirou numa cruz no meio de insultos, não seria muita pretensão de querer ser amado? Milhões de pessoas o amam, com amor sincero, um amor que se traduz em sacrifícios; quantos mártires deram sua vida por ele.
Os fariseus chamam Jesus de sedutor. De fato ele seduz, mas no verdadeiro sentido da palavra.
Liturgia da Palavra de Deus.
Ezequiel insiste muito em reconhecer Deus como Supremo Pastor (Ez. 34, 11-17). Paulo mostra, que a ressurreição de Cristo comprova a nossa ressurreição (1 Cor. 15, 20-28). Cristo veio colocar um ponto final a desordem existente (Mat. 25, 31-46).
Reflexão.
Senhor Deus, outro dia vi um eucalipto muito alto e retinho. Parecia até que queria usar as nuvens como chapéu. Vi também outra árvore baixinha, raquítica e toda retorcida. Pensei comigo: “As pessoas são como árvores. Umas se levantam mais gigantes e outras se arrastam pelo chão como serpentes venenosas”.
Há pessoas que se elevam em nobrezas e dedicação, muito acima do esperado e exigido; e há outras que se rebaixam em covardia e maldade. Aquelas que vivem animados por um ideal bonito, e enxergam o rosto do Senhor na figura do próximo a outros que servem de inspiração para ninguém.
Elas podem até cumular bens e tornar-se ricas em poder, mas continuam levianas e sem a preocupação de imprimir profundamente a vida. Para nos chamar a responsabilidade pela pessoa que sofre, houve um santo chamado Basílio, que disse: “O pão que em vossa casa fica como sobra inútil, é o pão daquele que passa fome; a camisa que fica guardada só em vosso guarda-roupa, é a camisa daquele que está nu. Vós cometeis tantas injustiças, quantas são as obras de beneficência, que deixais de praticar”.
O senhor adivinha, o que eu quero dizer? É isto mesmo: gostaria de ser gente muito boa, como Jesus de Nazaré. Vou deixar-me contaminar por ele. É ele que deve “reinar” reinar sobre mim. Hoje um pouco, amanhã mais. Quero ser gente boa e assim poderei levar alguém comigo no bem. Amém.
Resposta a Palavra de Deus.
Jesus se solidarizou totalmente com os necessitados. Ele não desejou nada para si. Só quer servir através dos irmãos. Ele deixou bem claro que seguir a ele, ultrapassa todos os rótulos e títulos.
A utopia da santidade
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Por: Patricia Fachin
Santa Teresinha do Menino Jesus e da Sagrada Face, carmelita francesa que viveu durante 24 anos e é a doutora mais jovem da Igreja, apesar da pouca idade, nos convida a refletir sobre nossas misérias e a buscar a santidade vivida pelos santos. Parece uma utopia, mas nós gostamos, buscamos e, acima de tudo, precisamos da utopia. O comentário é de Patricia Fachin, jornalista, graduada e mestre em Filosofia pela Unisinos.
Eis o texto.
Nos últimos anos, especialmente em períodos eleitorais como este que estamos vivendo, tomamos consciência do ódio que sentimos pelo outro. Famílias e amizades são destruídas porque, embora todos preguemos a fraternidade e a misericórdia ao próximo, nos deixamos dominar pelo ódio que habita em cada um. Abrir mão desse tipo de sentimento, não somente da boca para fora em nossos discursos sobre como a vida deve ser vivida e não como a vivemos, requer um esforço diário que pode ser iniciado com o exame de consciência.
Santa Teresinha do Menino Jesus e da Sagrada Face, carmelita francesa que viveu durante 24 anos e é a doutora mais jovem da Igreja, apesar da pouca idade, nos convida a refletir sobre nossas misérias e a buscar a santidade vivida pelos santos. Parece uma utopia, mas nós gostamos, buscamos e, acima de tudo, precisamos da utopia.
Em "História de uma Alma", livro publicado pelas irmãs do Carmelo de Lisieux em 1898, depois de sua morte, Santa Teresinha nos mostra como podemos viver em direção à santidade. Ela é a prova viva de que não é difícil, não é uma utopia; é uma escolha, uma mudança de vida, uma conversão integral que nos move na direção dos dois mandamentos de Cristo, quando questionado pelos fariseus sobre qual é a lei fundamental que devemos seguir, entre as inúmeras que regem a nossa vida: Amar a Deus sobre todas as coisas e amar ao próximo como a si mesmo. É realmente transformador. É a revolução que tantos buscam em tantos caminhos e descaminhos. Que possamos aprender com esta que é considerada por alguns "a maior entre os santos modernos". Fonte: http://www.ihu.unisinos.br
O Diário do Diário: As crônicas da vida-2
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Frei Petrônio de Miranda, O. Carm
Convento do Convento do Carmo de Angra dos Reis/RJ. Segunda-feira, 26 de outubro-2020.
A infidelidade de cada
Bom dia, boa tarde e boa noite meu amigo diário. Como você foi sempre fiel aos seus objetivos e focos, quero neste dia te parabenizar. Não sei onde você encontra forças para seguir com esta vida certinha e fiel às 24 horas!
Sim, louvo por esta tua coragem e foco nos teus projetos e relações. Ah! Eu sei que não é fácil caminhar sem desviar e adentrar nas encruzilhadas da vida, afinal, vivemos na sociedade descartável onde tudo pode e tudo muda no piscar de olhos. De fato, você é um exemplo para o meu trilhar nesta vida recheada de traições, falsidades e devaneios.
Você disse fidelidade? Você disse foco e objetivo? Quem dera, quem dera! Na verdade, não sou aquilo que aparento ser, procuro rebuscar ou aprimorar as minhas infidelidades diárias. Digo, quando caiu, olho no espelho da vida e sei que o importante é levantar-me logo em seguida, quando desvio o olhar dos meus objetivos traçados, sei que os meus olhos precisam mudar de direção, quando perco o rumo do caminho, lembro-me que estou perdido nas trilhas traiçoeiras onde só tem espinhos e estrupícios que ficam torcendo pelo meu fracasso e queda. Este, amigo diário, é o meu segredo de sucesso.
Tudo bem meu fiel anjo diário. Mas vem cá, é possível levantar-se sem se ferir depois da queda? É possível continuar no caminho depois dos desvios? É possível amar depois das traições? É possível olhar no olho depois das eternas mentiras? É possível recomeçar depois das fraquezas de cada dia?...
Sim, sim, tudo é possível, quando nos reconhecemos quebrados, limitados e necessitados de concerto, afinal, o que seria de Maria Madalena sem o perdão de Jesus? O que seria de Pedro após ter negado o Filho de Deus por três vezes, se não fosse a amorosidade de Jesus? O que seria da nossa cidade, se Deus tivesse olhado com os mesmos olhos que olhou e condenou Sodoma e Gomorra?
Ah! Tá, quer dizer que podemos ser infiéis e depois voltar atrás das sujeiras cometidas e tudo bem? Não, não amigo diário! Não é que a infidelidade seja o nosso brinquedo, mas as nossas escolhas fazem tais opções e, contando com a misericórdia de Deus, buscaremos forças para nos levantar e recomeçar tudo de novo. E tenho dito!
Frei Carlos Mesters, 89 anos de vida doada ao povo em caminhada de libertação. Por Frei Gilvander.
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Por Gilvander Moreira[1]
Que beleza e que responsabilidade integrar a Província Carmelitana de Santo Elias, da qual faz parte Frei Carlos Mesters! Que maravilha termos a companhia de Frei Carlos Mesters, que dia 20 de outubro de 2020, celebra 89 anos de idade e a maior parte da sua vida dedicada ao Carmelo, à Leitura Popular da Bíblia e aos pobres nas lutas por libertação.
A primeira vez que vi Frei Carlos Mesters foi em maio de 1984, quando eu estava no noviciado, no agreste do Pernambuco. Estávamos arrancando feijão na roça. Frei Carlos Mesters chegou, cumprimentou todos os vinte noviços, se abaixou e começou a arrancar feijão ao nosso lado. Colhemos 25 sacos de feijão naquela safra. Fiquei surpreso e pensava: “Um doutor em Bíblia arrancando feijão conosco?!” Ali eu já percebi em Frei Carlos a humildade, a mãe de todas as outras virtudes. Depois veio uma semana de estudo dos Salmos, muitos pequenos encontros de formação bíblica, sete anos de INTERCAB (Encontro Intercarmelitano dos/as Carmelitas no Brasil), sete anos de CARMELO BÍBLIA, a celebração dos 60 anos de Frei Carlos dia 20 de outubro de 1991, em São Paulo, momento em que tive a alegria de gravar e depois transcrever os inúmeros depoimentos das pessoas que em uma grande fila queriam falar sobre a atuação de Frei Carlos. No meio da celebração, Dom Pedro Casaldáliga, de surpresa, chegou na celebração dos 60 anos de Frei Carlos Mesters. Chegou carregando um grande pote e, retirando de dentro do pote uma Bíblia da edição Pastoral, dizia: “Frei Carlos Mesters é presença do Deus da vida no nosso meio que retira do baú, do pote, coisas velhas que são coisas da vida e da caminhada. Carlos Mesters democratiza o acesso aos textos bíblicos ao nos ensinar a fazer leitura bíblica de forma comunitária, ecumênica, transformadora e militante. Quem não leu ainda deve ler todos os livrinhos do frei Carlos Mesters. Seus textos, frei Carlos, nos ajudam na caminhada de enfrentamento ao latifúndio, na Opção pelos Pobres, na luta pela terra e pelos direitos dos povos indígenas.” Publicamos os depoimentos em um número especial de uma Revista Carmelitana.
Após ouvir atentamente todas/os, Frei Carlos, com humildade que lhe é característica e sabedoria ímpar, agradeceu a todas/os e disse: “Esse “poeirão” – tudo que vocês dizem que tenho feito – que vocês estão vendo não sou eu que estou fazendo. Sou apenas uma formiguinha em cima do camelo, que belisca o camelo e o faz andar. Quem causa o “poeirão” que vocês estão vendo são as patas do camelo: Deus Javé e Jesus Cristo, nosso irmão, que sempre fazem opção pelos pobres, abraçam suas causas e caminham junto conosco e em nós”.
Naquele dia, Frei Carlos recebeu um telefonema da África do Sul com mensagem de Frei Alberto Nolan que dizia: “Traduzimos vários livrinhos do Frei Carlos Mesters aqui na África do Sul e constatamos depois que a leitura dos textos de Frei Carlos Mesters foram imprescindíveis para a superação do apartheid racial e social, que era sustentado em uma leitura racista e fundamentalista da Bíblia.”
O 1º livro de Frei Carlos que li foi “Maria, mãe de Jesus”, depois “Missão do Povo que sofre”, “Seis dias nos porões da humanidade”, “Flor sem defesa”, “Por trás das palavras”, “Jeremias, boca de Deus e boca do povo”, “Apocalipse, esperança de um povo” etc e etc. Ah! Inesquecível também: Frei Carlos foi meu orientador em um trem chamado monografia de conclusão do curso de Teologia que virou o livrinho “Compaixão-Misericórdia, uma espiritualidade que humaniza” (Paulinas, 1996). Inesquecível também! Durante dois anos, Frei Carlos, nosso querido e saudoso ex-frei Argemiro, e eu nos reunimos inúmeras vezes e construímos o roteiro que virou o filme Pedra em flor sobre a Leitura Popular da Bíblia.
Celebrar mais um ano de vida de Frei Carlos Mesters: que beleza espiritual-humana! Tempo de kairós para recordarmos os inúmeros momentos inesquecíveis e marcantes vivenciados ao lado do Paulo Freire da Bíblia: Frei Carlos Mesters. Gratidão eterna, Frei Carlos Mesters. Abraço terno. Frei Gilvander
[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente da CPT, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH e de Teologia bíblica no SAB, em Belo Horizonte, MG. E-mail: Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar. – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br – www.twitter.com/gilvanderluis – Facebook: Gilvander Moreira III
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Saúde do Frei Carlos Mesters: Boletim de Domingo
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O confrade foi internado no último dia 15, para realizar um procedimento cirúrgico na próstata em Brasília/DF e continua na UTI. Rezemos! Convento do Carmo de Angra dos Reis/RJ. Domingo, 18 de outubro-2020.
Saúde do Frei Carlos Mesters: Uma Prece (Sexta-feira, dia 16)
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UMA PRECE PELA SAÚDE DO FREI CARLOS MESTERS, CARMELITA. O confrade foi internado ontem dia 15, para realizar um procedimento cirúrgico em Brasília/DF e continua internado. Rezemos! Convento do Carmo de Angra dos Reis/RJ. 16 de outubro-2020.
Frei Carlos Mesters, O. Carm, é submetido a procedimento cirúrgico em Brasília
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O Frei Carlos Mesters, O. Carm, atualmente residindo em Unaí/MG, foi internado nesta quinta-feira dia 15, para realizar um procedimento cirúrgico em Brasília/DF. Segundo as últimas informações, ele já fez a cirurgia e passa bem. O médico disse que amanhã deve deixar a UTI e ser levado para o quarto. Rezemos!
Olhar do dia: Frei Gabriel deixa hospital
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Caríssimos confrades,
Boa tarde!
No dia em que celebramos os Santos Anjos da Guarda, trago uma notícia muito boa. Nosso confrade Frei Gabriel Haamberg deixa o hospital Ipiranga, depois de 20 dias de UTI e 12 no quarto de isolamento, e retorna ao convento. A comunidade do noviciado e a paróquia de Mogi se sentem felizes pelo retorno do nosso irmão.
Juntos louvemos ao Senhor pela graça recebida.
Obrigado a todos pelas orações.
Um abraço fraterno!
Mogi das Cruzes/SP, 02/10/2020
Santa Teresinha: Outro Olhar, por Frei Petrônio-04
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O Frei Petrônio de Miranda, O. Carm- Padre Carmelita e Jornalista- fala sobre a verdadeira devoção a Santa Teresinha do Menino Jesus, Carmelita. Convento do Carmo de Angra dos Reis/RJ. 2 de Outubro-2020.
Ser Mãe das Almas
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Dom Milton Kenan Júnior, Bispo diocesano de Barretos/SP.
Concluindo seu “discurso” sobre a caridade, Teresa serve-se da “parábola” do pincel, para introduzir suas considerações sobre a sublime tarefa que Madre Inês de Jesus lhe confiou de acompanhar as noviças, auxiliando Madre Maria de Gonzaga, Mestra de Noviças:
“Se uma tela pintada por um artista pudesse pensar e falar, certamente ela não se queixaria de ser cessar tocada e retocada por um pincel e tampouco invejaria a sorte desse instrumento, pois ela saberia que não é ao pincel mas ao artista que o dirige que ela deve a beleza da qual está revestida. O pincel por sua vez não poderia glorificar-se da obra-prima feita por ele, ele sabe que os artistas não se embaraçam, que eles se divertem com as dificuldades, agradam-se em escolher às vezes os instrumentos fracos e defeituosos...” (C, 20r).
Em fevereiro de 1893 – Teresa havia somente vinte anos – Madre Inês de Jesus foi eleita Priora; a Mestra de Noviças Madre Maria dos Anjos, tornou-se Sub Priora, e Madre Maria de Gonzaga, foi nomeada ecônoma e mestra de noviças.
Madre Inês pediu à jovem irmã Teresa de ajudar a Madre Mestra na sua tarefa. Isso significava confiar-lhe uma missão delicada. Seria necessário muito tato e prudência, considerando o caráter tenebroso e suscetível de Madre Maria do Gonzaga. Além do mais, não havia nada de oficial nesta nomeação. Teresa tinha no Noviciado somente o título de “Anjo” de duas Irmãs conversas: Ir. Marta de Jesus, que entrara no Carmelo aos 23 de dezembro de 1887 (anterior à própria Teresa), e Ir. Maria Madalena do Santíssimo Sacramento, que entrara aos 22 de julho de 1892.
É importante notar que Teresa durante todo o seu tempo no Carmelo ficara instalada no Noviciado, convivendo com as Noviças; pelo fato das Constituições não permitirem a mais de três irmãs de sangue participar do Capítulo Conventual. Por essa razão, Teresa que era a terceira das irmãs Martin a entrar no Carmelo de Lisieux, não tem permissão de participar do Capitulo da comunidade e, durante toda a sua vida permanece no Noviciado, permitindo assim ocupar-se com frequência das noviças.
A função que lhe fora confiada não é nada fácil. Teresa tem que conviver com o humor inconstante de Madre Maria de Gonzaga que não permitia a Teresa fazer planos de grande alcance. Não havia, portanto, nenhuma estabilidade na nova função. A todas estas dificuldades se acrescentava a juventude de Teresa que devia aconselhar, encorajar e, quando era necessário, repreender as noviças mais velhas do que ela. Nestas condições humanamente desfavoráveis Teresa tem que exercitar a sua função, até a morte.
Teresa, logo de início se dá conta de que a tarefa que lhe fora confiada ultrapassa suas forças. Ela reconhece não ter outro recurso senão recorrer a Jesus: “Quando me foi dado penetrar no santuário das almas, vi imediatamente que a tarefa estava acima das minhas forças, então me coloquei nos braços de Deus como uma criancinha ...”( C, 22r); “Madre, desde que compreendi que me era impossível fazer algo por mim mesma, a tarefa que vós me impusestes não me pareceu mais difícil, senti que a única coisa necessária era unir-me cada vez mais a Jesus e que ‘O resto me seria dado por acréscimo’. Com efeito nunca minha esperança foi enganada. Deus dignou-se de encher minha mãozinha todas as vezes que foi necessário que eu alimentasse a alma de minhas irmãs... Confesso-vos, Madre bem-amada, que se me tivesse apoiado o mínimo que fosse em minhas próprias forças, ter-vos-ia bem cedo entre as armas....” (C 22v).
Teresa em contato direto com aquelas almas que deve formar para a vida religiosa e penetrar no espírito mais íntimo do Carmelo, compreende que não se trata de iluminar as inteligências, mas estimular a vontade; uma doutrina não bastaria, é uma vida que é preciso comunicar: trabalho que exige paciência na qual o tempo colabora com Deus, onde cada detalhe conserva a sua importância, porque cada instante pode traduzir ou trair o Amor.
O que Teresa transmite às suas companheiras é o próprio Jesus, que se torna transparente por meio dela. Assim, Teresa torna-se para as suas irmãs, graças à sua união com Deus, um exemplo vivo. As noviças sentem que, tão próxima de Deus, Teresa por isso está tão próxima delas.
Enganamo-nos se pensamos que a tarefa de Teresa fosse uma tarefa pouco exigente (pelo fato de não ocupar o título, e apenas estar incumbida de uma tarefa). Teresa abraça o ofício que lhe foi confiado com todas as suas forças: “De longe parece tudo rosa fazer o bem às almas, fazê-las amar mais a Deus, enfim modelá-las segundo suas visões e seus pensamentos pessoais. De perto é exatamente o contrário, o rosa desapareceu...sente-se que fazer o bem é coisa tão impossível sem o socorro de Deus como fazer brilhar o sol na noite....”
A experiência dos anos já vividos no Carmelo, e o contato com as almas foram suficientes para faze-la compreender que “é preciso absolutamente esquecer seus gostos, suas concepções pessoais e guiar as almas pelo caminho que Jesus lhes traçou, sem tentar fazê-las andar por seu próprio caminho. Mas isso não é ainda o mais difícil, o que me custa acima de tudo, é observar as faltas, as mais leves imperfeições e travar contra elas uma guerra mortal...” (C 22v-23r).
Comparando-se ao “vigia que observa o inimigo da mais alta torrinha da fortaleza”, Teresa combate movida pelo amor que não busca o próprio bem mas o bem daquelas que lhe foram confiadas: “Os cordeirinhos podem dizer tudo o que quiserem; no fundo sentem que os amo com verdadeiro amor, que nunca imitarei O mercenário que vendo vir o lobo deixa o rebanho e foge.[Jo 10,10-15] Estou pronta a dar a minha vida por eles, mas minha afeição é tão pura que não desejo que a conheçam. Nunca com a graça de Jesus, tentei atrair para mim os seus corações, compreendi que minha missão era conduzi-los a Deus e fazê-los compreender que aqui em baixo, vós éreis, Madre, o Jesus visível que devem amar e respeitar” (C 23r-23v).
Acompanhando suas noviças, Teresa vai fazendo grandes descobertas, alcançando intuições luminosas: “Disse-vos, Madre querida, que ao instruir as outras tinha aprendido muito. Vi primeiro que todas as almas têm mais ou menos os mesmos combates, mas que são tão diferentes por outro lado que não tenho dificuldade de compreender o que dizia o Padre Pichon: “Há bem mais diferença entre as almas que há entre os rostos”. Por isso é impossível agir com todas da mesma maneira” (C 23v).
Teresa compreende que no diz respeito à condução das almas não é possível nenhum trabalho em série, não há uma receita única que se aplique a todas; por isso, considera como primeira condição de eficácia a renúncia a todo sistema, e a variedade, a adaptabilidade dos meios de formação (ver S. João da Cruz, Chama n.3):
“Sente-se que é preciso absolutamente esquecer seus gostos, suas concepções pessoais e guiar as almas pelo caminho que Jesus lhe traçou, sem tentar faze-las andar pelo próprio caminho” (C 22v-23r).
Sem dispor das riquezas da psicologia moderna, Teresa compreendeu a profunda diversidade dos temperamentos e dos caráteres, a necessidade de adaptar-se a cada uma e de fazer-se verdadeira e eficazmente toda para todas.
Já no início do primeiro Manuscrito, escrevendo da variedade das almas que embelezam o jardim de Jesus, Teresa escrevera: “ Jesus...pôs diante de meus olhos o livro da natureza e compreendi que todas as flores que Ele criou são belas, que o brilho da rosa e a brancura do Lírio não tiram o perfume da pequena violeta ou a simplicidade arrebatadora da margarida do campo....Compreendi que se todas as florinhas quisessem ser rosas, a natureza perderia seu adorno primaveril, os campos não seriam mais esmaltados de florzinhas..... Assim é no mundo das almas que é o jardim de Jesus. Ele quis criar os grandes santos, que podem ser comparados ao Lírio e às rosas, mas criou também os menores e os que devem contentar-se em ser margaridas ou violetas destinadas a alegrar os olhares de Deus quando os abaixa aos seus pés. A perfeição consiste em fazer a sua vontade, em ser o que Ele quer que sejamos....” ( A 2v).
Teresa deixa-se conduzir pelo Espírito. Por isso mantém sempre um caráter vivo e espontâneo. Teresa improvisa; como o próprio Deus, para cada alma, ela cria. Não ama a rigidez dos planos, as “contas”, as “práticas”, não se limita senão pela caridade, e não teme dizer a Celina: “Sou obrigada a ter um tercinho para os sacrifícios. Eu o fiz por caridade para com uma de minhas irmãs. Deixei-me prender pelas redes que não me agradam em nada.”
Esforça-se, portanto, em adaptar-se a todas as noviças, pelo fato de que cada uma é para ela uma alma insubstituível, objeto de um amor particular da parte de Jesus.
Teresa tem consciência do fim para o qual guia as almas, mas sabe também como agir com cada uma para conduzi-la até este ponto. Leva as noviças a interrogar, escutar, e seguir praticamente o Espírito Santo. Quer ensinar-lhes a perceber os desejos de Deus no momento presente para ser-lhes fiéis, e a sua direção torna-se assim concreta, pratica e precisa.
Não admite singularidades, complicações, nem delicadezas, ou seja, nada de vago. A simplicidade, a verdade: eis a atitude profunda que quer para todas, também se traduzirá de modo diverso para cada uma.
Entre muitos recursos que poderia dispor-se para desempenhar a missão que lhe fora confiada, Teresa confessa: “Ah! É a oração, é o sacrifício que fazem a minha força, serão as armas invencíveis que Jesus me deu, podem bem mais que as palavras tocar as almas, fiz muitas vezes a experiência disso” (C 24v).
Retornando ao que foi dito no início, Teresa “aventura-se” na missão que lhe foi confiada, apoiada no Senhor; apoiada na oração. Ela faz a experiência da força da oração: “Como é pois grande o poder da Oração! dir-se-ia uma rainha que tem a cada instante livre acesso junto do rei e pode obter tudo o que pode. Não é necessário para ser atendida ler num livro uma bela fórmula composta para a circunstância; se fosse assim....ai de mim! como haveria de lamentar!...faço como as crianças que não sabem ler, digo simplesmente a Deus o que quero lhe dizer, sem fazer belas frases, e sempre ele me compreende......Para mim a oração é um impulso do coração, é um simples olhar lançado para o Céu, é um grito de gratidão e de amor no seio da provação como no seio da alegria; enfim é alguma coisa de grande, de sobre natural, que me dilata a alma e me une a Jesus” (C 25r).
Teresa é uma orante por excelência. Ela vive da oração. Fiel discípula de Santa Teresa de Ávila e de São João da Cruz, os Pais e Doutores do Carmelo, Teresa apoia-se sempre na oração. Oração de criança, feita na simplicidade:
“Ás vezes quando meu espírito está numa tão grande secura que me é impossível tirar daí um pensamento para unir-me a Deus, recito muito lentamente um “Pai nosso” e depois a saudação angélica; então essas orações me arrebatam, elas alimentam minha alma bem mais que se as tivesse recitado precipitadamente uma centena de vezes....” (C 25v).
Uma oração prática que revela a Deus os seus dramas e inquietações, suas necessidades e anseios. Falando da sua intimidade com a Santíssima Virgem, ela declara: “Quantas vezes ao falar às noviças, aconteceu-me de invoca-la e sentir os benefícios de sua maternal proteção!....” (C 26r).
Confidência, fortaleza e alegria: três disposições que Teresa julga necessárias para a formação das almas. Três elementos psicológicos que parece não tenham entre eles senão um laço sutil, mas observando-os seriamente aparecem complementares. Todos os três contribuem para criar um idêntico e único clima de abertura. Uma alma confidente é um alma que se abre para uma outra e se oferece à sua influência sobrenatural. Uma alma viril ao invés de dobrar-se sobre si mesma, esquece-se e se entrega ao amor. A alegria é o sinal e o meio de tal desapego. Nasce do ser no mesmo momento que não pensa mais em si, é a felicidade de um coração invadido pelo amor.
Na penumbra da fé
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Dom Milton Kenan Júnior, Bispo diocesano de Barretos/SP.
Algumas vezes Teresa declara o quanto as pessoas se equivocam a seu respeito: a começar sobre as relações de Madre Maria do Gonzaga com ela: “Muitas irmãs pensam que vós me mimastes, que desde minha entrada na arca sagrada, de vós só recebi carícias e cumprimentos, no entanto não é assim; vereis, Madre, no caderno que contém minhas lembranças da infância, o que penso da educação forte e materna que recebi de vós.” (C, 1v). Falando da sua provação de fé, ela também afirma: “Madre bem-amada, eu talvez pareça exagerar minha provação, de fato se julgardes segundo os sentimentos que exprimo nas pequenas poesias que compus neste ano, devo parecer-vos uma alma cheia de consolações e para a qual o véu da fé está quase rasgado, e no entanto........não é mais um véu para mim, é um muro que se eleva até os céus e cobre o firmamento estrelado...” (C, 7v).
Teresa não vive de aparências, por isso, não teme em descrever a provação da fé que sofre desde a Páscoa do último ano (1896). Se até então gozava “de uma fé tão viva, tão clara, que o pensamento do Céu era toda a minha felicidade, eu não podia acreditar que houvesse ímpios que não tivessem a fé” (C, 5v).
Nesta mesma página Teresa fala declara que o pensamento do Céu tornou-se para ela um “assunto de combate e tormento.....”; diz que não se trata de uma realidade passageira: “Essa provação não devia durar alguns dias, algumas semanas, devia estender-se até a hora marcada por Deus e... essa hora ainda não chegou.....” e, diz ainda que se trata de algo que infelizmente ela não pode exprimir o que de fato ela sente.
Como teóloga, Teresa serve-se da parábola da pátria luminosa, para interpretar a sua saga dolorosa (C 5v-6r); e do desejo de permanecer na escuridão até o fim, desde que aqueles que “não são iluminados pela chama luminosa da Fé o vejam luzir enfim...”.
A provação da fé é dolorosa, a ponto de Teresa dizer que “de repente os nevoeiros que me circundam se tornam mais espessos, penetram na minha alma e a envolvem de tal maneira que não me é mais possível encontrar nela a imagem tão doce da minha Pátria, tudo desapareceu! (C, 6v).
O relato de Teresa assemelha-se aos textos dos filósofos da negação de Deus, os profetas da dúvida, do final dos séculos XIX e XX: “Quando quero repousar meu coração fatigado das trevas que me ceram pela lembrança do país luminoso pelo qual aspiro, meu tormento dobra, parece-me que as trevas emprestando a voz os pecadores me dizem zombando de mim: - “Sonhas a luz, uma pátria embalsamada pelos mais suaves perfumes, sonhas a posse eterna do Criador de todas essas maravilhas, crês sair um dia no nevoeiro que te cerca, avança, alegra-te com a morte que te dará, não o que esperas, mas uma noite mais profunda ainda, a noite do nada” (C, 6v).
Há uma primeira anotação que não pode passar despercebida. Teresa referindo-se à sua vida diz: “Gozava então de uma fé tão viva, tão clara, que o pensamento do Céu era toda a minha felicidade, eu não podia acreditar que houvesse ímpios, que não tivessem a fé. Eu acreditava que falavam contra seu pensamento ao negar a existência do Céu, o belo Céu onde Deus mesmo quereria ser a sua recompensa”. (C, 5v)
Teresa é uma mulher de fé, que vive da fé. Ainda pequena, deliciava-se refletindo sobre o poder de Deus, com o pensamento do céu, com a prática dos pequenos sacrifícios. Suas orações, suas visitas ao Santíssimo Sacramento e a luta que enfrentou para entrar no Carmelo atestam o quanto a fé lhe inundava a alma. Vivia cada momento num profundo espírito de fé.
A fé de Teresa é uma fé forte e determinada (que desabrocha em esperança e confiança para o futuro próprio e dos demais, não é uma fé apenas nocional, intelectual, nas verdades, no conteúdo, como tinha insistido o Concílio Vaticano I contemporáneo dela= 1870 ao enfrentar-se com os ateísmo e racionalismo da época). Comprovam o caso de Pranzini e a batalha que enfrentou para entrar ao Carmelo com os seus poucos quinze anos. Referindo-se à Pranzini, ela diz que “creria, mesmo se ele não se confessasse e não desse nenhum sinal de arrependimento” (A, 46r). E, diante das recusas repetidas ao seu desejo de poder ultrapassar os umbrais do Carmelo, Teresa diz que nada “abalava a minha fé” (A, 67v).
Grande parte de sua vida, Teresa saboreia a felicidade que dá a fé. Houve momentos em que sentia que havia tocado a felicidade do céu, onde não há mais nem esperança, nem fé (cf. A, 48r).
Pe. Maria Eugênio, na sua obra “Teu Amor cresceu comigo”, interpreta a noite de fé de Teresa como resposta à sua Oferta ao Amor Misericordioso: “Tal provação contém os transbordamentos sensíveis do amor, mas tem como efeito principal o de fazê-la participar no drama do Amor divino na terra, em sua luta dolorosa contra o pecado. É o drama interior do Getsêmani e do Calvário, uma espécie de corpo a corpo entre o amor e o ódio-pecado. Compreendemos que o olhar de Teresa se tenha fixado na face de Cristo Jesus na sua paixão, que esta Santa Face seja sua “única Pátria (seu) Reino de amor, o astro que dirige (seus) passos”. Teresa está feliz por comer o pão da dor em favor dos pecadores com Jesus sofredor que de agora em diante não quer mais deixar até partilhar de sua morte nas trevas do Calvário. Tal identificação com Jesus crucificado será normalmente seguida da participação no triunfo de sua ressurreição. Este triunfo já começou. A Cruz é um trono. Na hora em que a prova começa, como vimos, o corpo da doutrina está constituído, sua missão se confirma.” (Pe. M. Eugenio, Teu amor cresceu comigo, p. 100)
No entardecer da sua existência, Teresa avança na penumbra da fé. A alegria e a felicidade sensível da fé desapareceram. Ela caminha no túnel escuro da fé. Neste período, ela escreve que “creio ter feito mais atos de fé desde um ano que durante toda a minha vida.” Quanto mais era tentada, mais ela professava a sua fé” C, 7r; CA 6.8.1).
Aconselhada pelo Pe. Domin, ela escreve o Credo com o seu próprio sangue e leva consigo dia e noite a profissão da fé da Igreja.
A fé de Teresa é pura, límpida, desinteressada. Como seu amor, ela crê, porque deve crer, porque quer crer (“je chante ce que je veux croire”), porque o amor a leva à fé, como a fé a levou ao amor.
Mesmo sem nenhum sentimento de fé, Teresa insiste em professar a fé, usa da fé em todas as circunstâncias. Para ela, a fé é remédio, é força e luz. Para vencer as agruras da doença ela serve-se do alento da fé: “Como é fácil se desencorajar, quando se está doente! Oh! Como sinto que me desencorajaria se não tivesse fé!” (CA 4.8.4).
Diante das maiores tentações, como o suicídio, a fé é, sem duvida, o grande remédio e a grande força (CA 22.9.6).
Refletindo nas palavras de Teresa, poderíamos dizer que três elementos se destacam; e, por sua vez, podem servir de ajuda para nossa caminhada de fé:
Um primeiro elemento é a descoberta e a importância que ela dá às obras que nascem da fé: “Ah! Que jesus me perdoe se O afligi, mas Ele sabe que embora não tenha nenhum gozo da Fé, pelo menos procuro fazer as obras.” – Teresa não fica ensimesmada, não se fecha na sua dor; ao contrário, serve-se de um recurso para vencer a si mesma e poder perseverar no seu caminho de confiança e abandono. E o recurso que se serve é o das obras da fé. Se lhe falta o sentimento, não lhe faltam as obras da fé. Mais adiante, será incrível ler o que ela escreve a respeito da caridade, das manifestações do amor verdadeiro às suas irmãs, justamente quando lhe faltava por completo o sentimento da fé (a caridade não passa pela noite, pois permanece e é a maior cf. 1 Cor 13, não tem as imperfeições da fé: conhecimento parcial, sem a visão, ou da esperança, que é não posse, a caridade já une com Deus, é a mesma na terra como no céu e pode crescer até o infinito cf Summa de santo Tomás IIaIIae q 23 sq ).
Teresa é uma mulher prática, que não se detém nos detalhes, não perde de vista o que é essencial na vida do cristão: o sentimento ou as obras? Teresa diz que o mais importante são as obras. Pratica-las sem o sentimento da fé, permite que se alcance mais méritos aos olhos de Deus; tornando assim a fé mais valiosa.
São Pedro na sua Carta referindo-se à provação da fé, diz: “Pela fé, o poder de Deus vos guarda para uma salvação disposta a revelar-se no ultimo dia. Por isso estais alegres, embora por pouco tempo tenhais de suportar diversas provas. Se o ouro, que perece, é aquilatado no fogo, vossa fé, que é mais preciosa, será aquilatada para receber louvor, honra e glória, quando Jesus Cristo se revelar. Não o vistes, e o amais; sem vê-lo, credes nele e vos alegrais com alegria indizível e gloriosa, pois recebereis como termo de vossa fé, a salvação pessoal.” (1Pd 1, 5-9)
A fé de Teresa aquilatada, como o ouro no cadinho, mostra o seu valor pelas suas obras. Deixando-se purificar por Deus, Teresa manifesta o valor da sua fé, pela sua perseverança na prática das boas obras. Embora para ela o céu tenha se tornado uma quimera, e Jesus uma presença aparentemente distante, ela O ama, crê nele, mesmo sem vê-lo e aguarda o premio da sua perseverança, ou seja, a salvação pessoal.
Um segundo elemento que se destaca dos escritos de Teresa são os “atos de fé”: “Creio ter feito mais atos de fé desde um ano que durante toda a minha vida.” Teresa sabe que o fogo se mantém com os gravetos que lançamos nele. Pequenas súplicas, invocações breves e espontâneas, são capazes de alimentar o amor e a fé. Neste período vive disso, de pequenas orações, que brotam do seu coração perseverante. Teresa sabe que aparentemente possam parecer poucas coisas, mas são estes pequenos nadas que não permitem que a fé se esfrie de vez.
Há uma carta de Teresa à Celina, no período que era postulante, que pode nos ajudar a compreender como é valioso recorrer a pequenos recursos, quando se sente fraco e impotente: “Que graça quando de manhã nos sentimos sem nenhuma coragem, sem nenhuma força para praticar a virtude; e, este, então, o momento de pôr o machado à raiz da árvore. Ao invés de perder o próprio tempo recolhendo palhinhas, extraímos diamantes. Que lucro no final do dia” É verdade que, algumas vezes, nos descuidamos por alguns momentos de ajuntar nossos tesouros. É o momento difícil; sente-se a tentação de largar tudo, mas num ato de amor mesmo não sentido, tudo fica reparado e mais que reparado. Jesus sorri, ajuda-nos sem o dar a perceber, e as lágrimas que os maus lhe fazem chorar são enxugadas pelo nosso pobre e fraco amor. O amor pode tudo, as coisas mais impossíveis não lhe parecem difíceis, Jesus não olha tanto para a grandeza das ações, nem mesmo para a dificuldade delas, como para o amor com que estes atos são feitos.” (CT 65)
Já bem próxima dos anos da provação da fé, numa outra carta dirigida ainda à Celina, Teresa serve-se, então, da imagem da palha capaz de alimentar o fogo do amor [o que perfeitamente pode se aplicar á fé]: “Santa Teresa diz que é preciso alimentar o amor. A lenha não se encontra ao nosso alcance quando nos encontramos nas trevas, na secura, mas não estaremos obrigadas a jogar aí ao menos umas palhinhas? Jesus é por demais poderoso para conservar sozinho o fogo, no entanto, fica contente por nos ver colocar aí um pouco de alimento. É uma delicadeza que o deixa feliz. E então, ele lança no fogo muita lenha. Nós não o vemos, mas sentimos a força e o calor do amor. Tenho feito a experiência quando não sinto nada, quando sou INCAPAZ de rezar, de praticar a virtude...É então o momento de procurar as pequenas ocasiões, os nadas que causam prazer, mais prazer a Jesus do que o império do mundo ou o martírio generosamente sofrido. Por exemplo: um sorriso, uma palavra amável quando eu teria vontade de não dizer nada ou de me mostrar aborrecida etc. etc. [...] Não é para fazer minha coroa, para adquirir méritos; é a fim de dar prazer a Jesus! Quando não tenho ocasiões, quero ao menos dizer-lhe muitas vezes que o amo. Isto não é difícil e conserva o fogo. Mesmo quando este fogo de amor me parecesse apagado, gostaria de jogar nele alguma coisa, e Jesus saberia, então muito bem reacende-lo. Celina, tenho medo de não ter dito o que era necessário. Talvez irás pensar que eu sempre faço aquilo que digo...Oh!!!Não! Não sou sempre fiel, mas nunca desanimo. Abandono-me nos braços de Jesus. A gotinha de orvalho afunda mais para dentro do cálice da Flor dos campos e aí encontra tudo o que perdeu e ainda muito mais.” (CT 143)
Há, enfim, um terceiro elemento que se destaca das palavras de Teresa: “A cada nova ocasião de combate, quando meus inimigos vêm provocar-me, comporto-me bravamente; sabendo que é covardia bater-se em duelo, viro as costas aos meus adversários sem me dignar de olhá-los na cara, mas corro para meu Jesus, digo-lhe estar pronta a derramar até a ultima gota de meu sangue, para confessar que há um Céu. Eu lhe digo que estou feliz por não gozar desse belo Céu na terra a fim de que Ele o abra pela eternidade aos pobres incrédulos. Por isso apesar dessa provação que me tira todo gozo, posso no entanto clamar: - “Senhor, vós me cumulais de Alegria por Tudo o que fazeis. (Sl. XCI). Pois há alegria maior que a de sofrer por vosso amor?...” (C, 7r).
A intrépida Teresa manifesta, enfim, o segredo que transforma todo o seu tormento e motivo de alegria e de paz. Teresa na provação da fé, “corre para o meu Jesus”.
Na Carta aos Hebreus encontramos onde o autor fala da vida cristã utilizando-se de uma metáfora esportiva, onde é preciso despojar-se de cargas e desfazer-se de impedimentos para “correr a corrida”, é preciso armar-se de “constância” para chegar à meta, como fez Jesus: “Nós, portanto...corramos com constância a corrida que nos espera, com os olhos fixo naquele que iniciou e realizou a fé, em Jesus, o qual, pela alegria que lhe foi proposta, sofreu a cruz, desprezou a humilhação e sentou-se à direita do trono de Deus. Refleti sobre aquele que suportou tal oposição dos pecadores, e não sucumbireis ao desânimo. Ainda não resististes até o sangue em vossa luta contra o pecado” (Hb 12, 1b-4).
Teresa na sua corrida, não perde de vista Jesus! É Nele que ela tem o seu olhar, é Ele que atrai a sua atenção e fortalece o seu ímpeto; é Ele que lhe sustenta em meios as mais dolorosas provações. E, como Ele, ela está disposta, a “derramar até a ultima gota de meu sangue, para confessar que há um Céu”; dizendo que está “feliz por não gozar desse belo Céu na terra a fim de que Ele o abra pela eternidade aos pobres incrédulos”.
Na maturidade da fé, Teresa não pensa em si, mas ao contrário, mas mantem vivo o ideal do martírio para provar que o Céu não é uma ilusão. Aceita a privação de todo sentimento esperando que Ele abra o céu para os pobres incrédulos.
Teresa é a mulher que não reserva nada para si, ao contrário, entrega-se por inteiro, mesmo na mais profunda escuridão da fé.
Numa célebre carta dirigida ainda a Celina, Teresa serve-se da imagem dos acionistas para falar da sua ânsia de amar, e de dar-se inteiramente: “O mérito não consiste nem em fazer, nem em dar muito, mas antes em receber, em amar muito...Diz-se que é maior felicidade dar do que receber, e é verdade. Mas, quando Jesus quer reservar para si a doçura de dar, não seria delicado recusar. Deixemo-lo tomar e dar tudo o que quiser; a perfeição consiste em fazer a sua vontade, e a alma que se entrega inteiramente a ele é chamada pelo próprio Jesus de “sua mãe, sua irmã” e toda a sua família. E em outro lugar: “Se alguém me ama, guardará minha palavra (isto é fará minha vontade) e meu Pai o amará, e viremos a ele e nele faremos nossa morada”. Oh, Celina! Como é fácil agradar a Jesus, arrebatar-lhe o coração! Basta amar sem olhar para si, sem examinar por demais os próprios defeitos... Tua Teresa, neste momento, não se encontra nas alturas, mas Jesus lhe ensina a ‘tirar proveito de tudo, do bem e do mal que encontra em si”. Ensina-lhe a jogar no banco do amor, ou melhor, ele joga por ela sem lhe dizer como se faz, pois isso é assunto dele e não de Teresa. O que lhe cabe fazer é abandonar-se, entregar-se sem nada reservar para si, nem sequer a alegria de saber quanto lhe rende o banco. Mas, afinal, ela não é o filho prodigo. Não vale a pena que Jesus lhe faça um festim, “visto que está sempre com ele”. “ (CT 142)
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