*ORDEM TERCEIRA DO CARMO: Vida de oração-02
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Os Terceiros reservem cada dia um tempo conveniente para a oração individual (que é uma relação de íntima amizade, um constante entreter-se a sós com Aquele que sabemos nos amar[1]) e, segundo a tradição constante do Carmelo, cultivem no máximo grau a oração nas suas várias formas: a oração mental, a oração de aspiração, além das eventuais práticas tradicionais[2]. Recomenda-se, de modo particular, a "lectio divina". Mas, sobretudo, aprendam na sua vida ordinária, a engrandecer com a Virgem ao Senhor e a exultar em Deus, seu Salvador[3].
Na verdade, Maria, enquanto vivia na terra uma vida igual à de todos, cheia de solicitude pela família e dedicada ao trabalho, estava sempre unida ao seu Filho e de maneira especial cooperava com a obra do Salvador[4].
Os nossos Terceiros terão o Escapulário em grande estima, como símbolo do amor maternal de Maria, pelo qual, Ela, tomando a iniciativa, guarda dentro do seu coração os seus irmãos e irmãs carmelitas, e assim provoca neles a imitação das suas virtudes preclaras: uma caridade universal, o amor à oração, a humildade, a pureza, a modéstia[5]. A Ela eles se dirigirão também com um culto particular, praticando com amor os exercícios de piedade recomendados pela Igreja no decorrer dos séculos, especialmente a recitação do Rosário[6].
A cooperação de Maria continua de modo especial na celebração da liturgia, que pretende tornar atual para todas as gerações a obra salvífica de Jesus. Como a Virgem participou ativamente na obra da Redenção, unida a Cristo, seu Filho, assim Ela continua a mesma obra através da Liturgia, como nosso modelo, impelindo-nos a celebrar os mistérios de Jesus, imitando as suas disposições e atitudes; a pôr em prática a Palavra de Deus e meditá-la com amor; a louvar a Deus com exultação e agradecer-Lhe com alegria; a servir a Deus e aos próprios irmãos com generosidade, dando até a própria vida por eles; a rezar ao Senhor confiantemente e com perseverança; a vigiar, aguardando a Vinda do Senhor[7].
Na família, no ambiente de trabalho e de profissão, nas responsabilidades sociais, que desempenham, nas ações de cada dia, nos relacionamentos com os outros, os leigos (os terceiros) procurem os vestígios escondidos dos passos de Deus (nos caminhos da história), reconheçam-nos e façam germinar a semente da salvação segundo o espírito das Bem-Aventuranças por meio do humilde e constante exercício daquelas virtudes de probidade, espírito de justiça, sinceridade, cortesia, fortaleza de ânimo, sem as quais não pode haver verdadeira vida humana e cristã. "A sua comunhão com Deus e com os outros em fraternidade dá origem à missão, e a missão se cumpre na comunhão"[8].
*Da Regra da Venerável Ordem Terceira do Carmo.
[1]. Santa Teresa de Jesus Vida 8,5
[5]. Carta Apostólica de Pio XII "Neminem profecto"
*ORDEM TERCEIRA DO CARMO: Vida de oração-01
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Os leigos carmelitas, impregnados pelo espírito da Ordem, que é "vacare Deo" (ter tempo para Deus), pretendem viver o carisma na escuta silenciosa da Palavra, na oração constante na sua vida, deixando-se entusiasmar pelo Espírito Santo em favor das obras grandiosas, que Deus realiza e para as quais Deus pede o seu empenho e eficaz contribuição. Para o carmelita a oração, numa intensidade crescente, torna-se uma atitude mais do que um exercício; comporta um reconhecimento cada vez mais agudo da presença da mão de Deus [em toda a obra da criação e na sua própria criação; no seu modo contemplativo de agir, a oração é muitas vezes modelada pela prática da presença de Deus numa grande variedade de formas. No Carmelo a oração é sobretudo um deixar-se amar por Deus]; a procura (de torná-la) não somente habitual, mas atual, de acolher o [tão grande] amor gratuito de Deus; [um tomar] a consciência sempre mais profunda da ação de Deus, que pervade toda a existência pessoal, como Santa Teresa de Lisieux tão fortemente testemunhou.
- a) Os sacramentos, especialmente a Eucaristia, são a vida de Jesus a se difundir nos fiéis, que por meio deles podem unir-se a Ele[1]. A participação, possivelmente diária, no sacrifício do altar[2], será assim a sua seiva vital.
- b) A Liturgia das Horas[3], ao menos a das Laudes matutinas, Vésperas e Completas (Oração da Noite), seja a expressão eclesial do encontro do Terceiro com Deus. Os lugares e as di-versas circunstâncias poderão indicar outras formas eventuais de oração litúrgica.
A vida espiritual não se esgota só com a Liturgia. Mesmo que esteja convocado para a oração em comum, o cristão sempre é obrigado a entrar no seu quarto para orar ao Pai no segredo[4]. Mais, segundo o ensinamento de Jesus[5], reforçado também pelo Apóstolo[6], o cristão é obrigado a rezar sem cessar[7].
*Da Regra da Venerável Ordem Terceira do Carmo.
[1]. LG 7
OLHAR CARMELITANO: O desafio do Carmelo hoje
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*Frei Emanuele Boaga, O.Carm e irmã Augusta de Castro Cotta, Cdp
Ao Carmelita vocacionado por Deus para viver neste novo século é lançado um desafio: a atualização da verdadeira identidade do Carmelo, revitalizando o seu carisma e sua espiritualidade. É um desafio urgente. A incapacidade ou negligência no oferecimento de uma resposta adequada e autêntica traria consigo, inevitavelmente a perda do rico patrimônio espiritual do Carmelo, privando desta bela herança os irmãos, a Igreja e o mundo. Faz-se necessária a releitura do carisma com abertura ao futuro e na fidelidade dinâmica aos valores das origens que permitiram, ao longo de tantas gerações, criar sãs e frutuosas tradições.
A este desafio pode-se responder com atitudes composta pelos trinômios:
conhecer - conservar -transmitir ou conhecer - viver - desenvolver
Urna releitura vitalizadora e atualizada do carisma, obviamente exclui a primeira destas atitudes que é própria à conservação material de um acervo em arquivo morto. É na segunda postura, que se realiza na fidelidade dinâmica às origens e Patrimônio do Carmelo, que podemos encontrar resposta satisfatória.
Tal tipo de releitura efetua-se em três níveis profundamente permeados entre si:
Nível Cultural
- Identificação na experiência histórica passada da Ordem dos valores vivos, inspirativos e permanentes; purificando-os de pressupostos ou preconceitos teológicos, espirituais, psicológicos, condicionantes. Libertar os mesmos das superestruturas culturais nas quais se encarnaram e se expressaram, no decurso do tempo. Ao mesmo tempo, evitar nesta busca, a projeção da problemática atual, dos esquemas e exigências completamente desconhecidas pela mentalidade e época distintas da nossa.
- Confrontar tais valores com as categorias culturais de nossos tempos para descobrir como podem ser encarnados nelas a fim de se tornarem significativos e inspirantes.
-Tomar consciência das conquistas atuais que possam enriquecer e tornar viva a identidade do Carmelo, em seu carisma e espiritualidade.
Nível Experiencial
A teoria vale pouco, se não for traduzida concretamente na vida de cada um e nas comunidades. Na caminhada faz-se indispensável evitar a incoerência entre a palavra e a vida.
Nível Missionário
Ao qual o Carmelita é chamado na Igreja e deve responder com o serviço generoso do seu carisma, dom de Deus para a Igreja e para os Irmãos, a fim de criar a comunhão.
É possível desenvolver este tipo de releitura? Certamente, pois as tendências apontadas oferecem ampla possibilidade. Mas a resposta definitiva e positiva só se encontra na profundidade e sinceridade da conversão de cada vocacionado ao Carmelo, como indivíduo e como comunidade, deixando-se guiar pelo profeta Elias, dando a Deus todo os espaço que lhe compete na própria existência, e dizendo com Maria o humilde e generoso SIM para, sob seu doce e materno olhar, viver em obséquio de Jesus Cristo, como propõe a Regra Carmelitana e viveram tantos irmãos, purificando-se dos ídolos existentes na Igreja e no mundo.
*Do Livro; Como Pedras Vivas.
Carmelitas Descalços ou Teresianos
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*Frei Emanuele Boaga, O.Carm e irmã Augusta de Castro Cotta, Cdp
Como no antigo ramo da Ordem, também os Descalços ou Teresianos desenvolveram a sua própria volta ás fontes para a renovação pós-conciliar. A revisão dos seus textos constitucionais, iniciada no Capítulo Especial de 1967-68 e continuada, com diuturno estudo e diligente reflexão e colaboração de todos na Ordem, produziu dois códigos: Constituições e Normas relativas, adotadas ad experimentum em 1976 e, definitivamente aprovados no Capitulo Geral de 1979, e depois, por ordem do mesmo Capitulo pelo definitório extraordinário de 1980. A Congregação dos Religiosos indicou a necessidade de algumas modificações e, uma vez feitas, as aprovou e confirmou em 7 de Julho de 1981. Em 1985, o Capitulo Geral dos mesmos Descalços adequaram tais Constituições ao novo Código de Direito Canônico e a aprovação das modificações é dada pela Santa Sé, em 5 de março de 1986.
. Sobre a releitura do carisma carmelitano feito pelos Teresianos pode-se, brevemente, fazer es seguintes observações:
- Com o estimulo de alguns estudiosos difunde-se, especialmente após o Concilio Vaticano II, o uso de ver Santa Teresa de Jesus, não apenas corno mestra, madre e reformadora, mas também (e, em alguns casos, exclusivamente) como fundadora. Trata-se de uma questão de natureza teológica, intimamente unida ao reconhecimento do carisma teresiano, decorrente da atualização feita após o Vaticano II, oferecendo uma visão original do sentido fundacional dos Descalços: une realmente á inspiração carmelitana a vivência e a novidade teresiana. Em 1981, o Capitulo Geral dos Teresianos de 1980, não sem tensões, aprovou este título de fundadora; porém, além das elementares novidades introduzidas por S. Teresa, as raízes teresianas nascem no ramo antigo do Carmelo e são explicitamente afirmadas nas Constituições atuais dos Descalços (1983, n.9).
- Assim, no contexto da volta ás origens do pós-concilio, coloca-se forte acentuação na releitura para os dias atuais de Santa Teresa e de seu conceito sobre e vida religiosa, com ênfase na atualidade de seu ensino. Não parece que a reflexão sobre a Regra Carmelitana (texto albertino ou texto inocenciano) no inicio teve uma vasta repercussão, com exceção de alguns casos particulares. Depois, com o passar do tempo, vários setores de Teresianos vão colocando mais atenção e Regra e isto se reflete nas Constituições definitivas..
- Estas novas Constituições definitivas contemplam o carisma segundo o espirito teresiano, a Regra de S. Alberto e a primitiva tradição descalça, definindo assim claramente o caráter do Carmelo Teresiano, sua finalidade e seus meios com adaptações sugeridas pelas condições novas do tempo.
- Com referência, sobretudo ao ensino de Santa Teresa, desenvolveram-se as temáticas de dimensão contemplativa, da relação contemplação-ação, da espiritualidade teresiana para hoje, (com especial referência à oração teresiana). Não faltam porém propostas e instâncias comunitárias..
- A atenção á dimensão contemplativa leva e favorecer iniciativas para o estudo e difusão da espiritualidade, a promover centros espirituais de oração e de retiros como contribuição do Carmelo Teresiano á igreja.
- A consideração eliana, no inicio, centralize-se maiormente na inspiração contemplativa e não se apresenta tão vasta corno acontece no ramo antigo.
- A consideração do caráter mariano do carisma carmelitano parece desenvolver-se mais ou menos, segundo linhas semelhantes às desenvolvidas no ramo antigo. Para e devoção ao Escapulário tem-se uma retomada de interesse que vem desde anos atrás, e na maneira mais ampla que entre o ramo antigo
Relativamente às Monjas Descalces e à renovação dos textos legislativos, no período pós-conciliar, fez florescer um longo trabalho de aprofundamento do pensamento de S. Teresa sobre o ideal das Descalças, tal como se encontra, em seus escritos e na primeira tradição das Carmelitas Descalças. Assim se afirma que o carisma teresiano é a contemplação das realidades divinas, em comunidade fraterna, fundada sobre e solidão, a oração e a mais rigorosa pobreza, com finalidade eclesial-apostólica. No período de 1977 até 1991 esteve em tramitação a aprovação do corpo legislativo das Descalças, enfrentando o problema de renovação não sem dificuldades e tensões,. Devido à ressonância que a questão teve não somente nos jornais e em outros órgãos informativos, mas sobretudo para a mesma vida contemplativa e para as religiosas em geral, recordamos a seguir os detalhes as várias oscilações que tiveram de ser superadas até a aprovação definitiva pela Santa Sé, de dois textos legislativos para os dois grupos em que se dividiram as Monjas Descalças.
.A renovação após o Vaticano II foi realizada sobre a base de numerosas consultas aos mosteiros. Em 1971 foi oferecida uma Lei fundamental, ulteriormente examinada pelas Monjas. Empreende-se enfim, a elaboração de um corpo de texto legislativo, aprovado pela Santa Sé ad experimentum, em 12 de março de 1977. Tal corpo apresenta os seguintes textos:
- Regra do Carmo, como princípio inspirador da vida das Descalças:
- Constituições Primitivas de Santa Teresa que oferece as prescrições típicas do tempo, refletindo a graça do carisma das origens;- Declarações que iluminam e completam os textos precedentes: a norma do Vaticano II e os documentos pós-conciliares, oferecendo uma visão da vida religiosa na linha da vocação especificamente contemplativo-eclesial e uma série de prescrições e ordenamentos.
A escolha das Constituições de 1567, em lugar daquelas do Capítulo de Alcalá de 1581, e as Declarações foram contestadas por parte dos assim chamados de Carmelos reunidos, uma espécie de união de Mosteiros ligados por um vínculo moral e promovido pela Madre Maravilhas de Jesus (Carmelo de Aldabuela, Madrid). Nasce então o contrates entre os chamados Mosteiros dos Carmelos Unidos e os demais Mosteiros Descalços em todo o mundo. Em 15 de outubro de 1984 a Santa Sé avocava a si a questão. Tal medida gerou reações negativas em cada lugar e foi objeto de séria discussão também no âmbito interno da Família Teresiana. A partir de 1986 o trabalho da comissão encarregada de reformar o corpo legislativo segundo as indicações da Carta (de 15 de Outubro de 1984) do Cardeal Casaroli, Secretario de Estado, escrita em nome do Papa, e de haver descartado um primeiro projeto da competente Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, vem aprovado um novo projeto, apresentado ao Papa em final de Junho de 1990. Com surpresa geral a mesma Congregação não emanava a relativa aprovação do texto assim elaborado e revisto, mas ao invés, promulgava em 8 de Dezembro de 1990 um Decreto que tornava normativo para os Mosteiros que houvessem desejado as Constituições de 1581, porém conforme o
Direito Canônico vigente.
Este decreto incluiu ainda as particularidades destas questões relativas aos mosteiros diretamente sob a autoridade papal (e sob a dos Bispos Diocesanos as referentes à norma do Cân. 615). A situação criada colocou em dificuldade a unidade e a fidelidade das Monjas Descalças. Em 17 de Setembro de 1991 um outro decreto da referida Congregação aprova e promulga um outro Código Constitucional para as Descalças e convida aos mosteiros que em tempo conveniente declararem qual dos dois textos em vigor desejava seguir. Sobre a aprovação dos dois códigos fundamentais para as Descalças, João Paulo II enviou uma carta em 1 de Outubro do mesmo ano, afirmando fortemente a unidade da Ordem das Descalças e o serviço a elas feito pelo Prepósito Geral, e novamente estabelecendo a escolha de uma das duas formas de Constituição que deveria ser feita até 25 de dezembro de 1992.
Para a Ordem Terceira Secular Teresiana atualmente denominada de Ordem Carmelitana Secular, a atualização e renovação pós-conciliar da sua Regra foi conduzida mais ou menos com os mesmos critérios inspirados na teologia do laicato presente na obra de renovação e já recordadas para TOC no antigo ramo do Carmelo. Como metodologia, foram feitas sondagens entre os terceiros, em todo o mundo, realizados congressos e encontros de estudos. Embasados nesta documentação recolhida, foi feita uma primeira redação da Regra, sucessivamente revista por uma comissão de peritos (frades e leigos) e aprovada ad experimentum em 1970. A Santa Sé, em 10 de Maio de 1979 aprovou definitivamente o texto da Regra de Vida da Ordem Secular dos Descalços. Esta Regra de Vida propõe ajudar os terciários carmelitas a viverem conforme a própria índole secular, na família, na profissão, no empenho social, buscando o ideal de comunhão orante com Deus, que é o coração do carisma teresiano, a força, a luz e a graça necessárias para viver fielmente a consagração batismal
*Do Livro; Como Pedras Vivas.
AQUI NASCEU A ORDEM DO CARMO
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Fonte: Facebook (Frei Miguel Bacigalupo, O. Carm). Câmera: Frei Raul Maravi, O. Carm. Divulgação: www.olharjornalistico.com.br
(NOTA: A Ordem do Carmo (ou Ordem dos Carmelitas), originalmente chamada Ordem dos Irmãos da Bem-Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo, é uma ordem religiosa católica que surgiu no final do século XI, na região do Monte Carmelo (uma cadeia de colinas, próxima à actual cidade de Haifa, antiga Porfíria, no atual Estado de Israel), onde está instalada no Mosteiro de Nossa Senhora do Monte Carmelo.
A palavra "carmelo" significa jardim. Conta a tradição que o profeta Elias se estabeleceu numa gruta, em pleno Monte Carmelo, seguindo uma vida eremítica de oração e silêncio. Nele, e no seu modo de vida, se inspiraram os primeiros religiosos da Ordem. Mais tarde, uma Regra para a Ordem do Carmo foi sistematizada e proposta por Santo Alberto, Patriarca de Jerusalém, e aprovada pelo papa Honório III em 1226. No século XIII os religiosos acabaram por migrar para os países do Ocidente, fugindo das invasões sarracenas. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ordem_do_Carmo) Convento do Carmo da Lapa, Rio de Janeiro. 16 de novembro-2017.
Ordem Terceira do Carmo Secular
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*Frei Emanuele Boaga, O.Carm e irmã Augusta de Castro Cotta, Cdp
A atualização e renovação do Ordem Terceira Secular (TOC) tem inicio já no ano de 1957 quando se percebe a necessidade de renovar, em parte, a sua legislação a fim de que pudesse se desenvolver melhor corno movimento laical, inserido na perspectiva da teologia do laicato. Neste contexto assumem importância es diretivas da Congregação trienal da Ordem, celebrada em Fátima, no mesmo ano de 1957, e a criação do Centro internacional da OTC (= CITOC), com sede em Fátima e, posteriormente, no ano de 1967, em Roma. Em 1968 ocorre a extinção deste Centro que se transforma apenas em agência de comunicação de noticias da Ordem.
Em 1965, com a execução de um decreto do Capítulo Geral daquele ano, foi composta uma Fórmula de vida para os terciários. Nos anos seguintes esta Fórmula foi objeto de estudo e favoreceu experiências por parte dos mesmos terciários. Com o Capitulo Geral de 1968, em cada Província ou nação cuidou-se da tradução da mesma, fazendo-se adequação à própria realidade. Os leigos foram fortemente envolvidos neste trabalho.
Nos anos 1972-73 foram recolhidos os resultados das várias experiências e sugestões feitas em diversas partes do mundo. Com este material e com a contribuição de alguns peritos foi preparado um primeiro projeto para a nova Regra do TOC. Foi notório o envolvimento da parte dos grupos da língua inglesa e todos os sodalícios da TOC italiana, cujos dirigentes, para avaliação das experiências celebraram numerosos congressos em nível provincial e nacional. levando em conta este trabalho e com a colaboração de alguns leigos, um Padre dirigente dos problemas da TOC elabora um primeiro projeto em vista da esperada Regra. Entretanto, não foi julgado satisfatório este trabalho. Assim, nos anos 1974-76 o mesmo foi reelaborado por dois expertos, também com a colaboração dos leigos, até chegar ao texto definitivo, aprovado pela Santa Sé, em 1977.
A nova Regra do TOC consta de três partes: espiritualidade, formação e estrutura. Relativamente à natureza do leigo na Igreja, propõe aos terciários individualmente ou como grupo, um programa de vida que evita transformá-los em pessoas beatas ou em mini-frades ou mini-monjas. Tal programa, ao contrário, nutrido por uma forte teologia do laicato, sublinha e traduz os valores mais profundos do carisma carmelitano, em sua própria condição laical e secular. Sobre esta a Santa Sé, transmite o Cardeal Pironio e o Pontifício Conselho dos Leigos, expressa a própria satisfação, afirmando que a nova Regra da TOC está entre as melhores apresentadas pelas varias Ordens Terceiras seculares, como conclusão do processo de renovação legislativa pós-conciliar.
Em particular - sublinhando es atitudes profundes e básicas da vivência do carisma carmelitano (escuta da Palavra de Deus, vida em sua presença e oração na vida e da própria vida - esta Regra orienta ao terciário para a vivência de uma espiritualidade encarnada na sua própria realidade secular. A busca de intimidade com Deus leva o terciário a ser sempre mais fermento evangélico no mundo com a contribuição específica do carisma carmelitano; e tudo isto conduz à inserção na realidade das estruturas temporais. A Regre da TOC, apontando esta meta, exorta a olhar es figures inspirativas de Virgem Maria e de Elias profeta, a fim de que cada um á sua maneira viva profundamente animado pele fé da presença de Deus entre nós, testemunhando como uma pessoa se torna verdadeiramente humane quando mais espaço dá a Deus em sua vida.
A inspiração mariana conduz o terciário - segundo a Regra da TOC - a olhar a humildade e a pobreza de Maria como base para viver a própria situação de ser criado, em sua relação com Deus Criador e Salvador; e também a sue adesão à vontade divina traduzida em fidelidade e obras; a sinceridade e espirito de serviço para colaboração efetiva com a obra de salvação.
A inspiração eliana - sempre segundo a Regra da TOC - conduz o terciário a olhar em Elias o compromisso profético e comunitário para o testemunho da intima e vital ligação com Deus na vida quotidiana do povo, num mundo em transformação; a promoção da verdadeira religião para lutar contra os falsos ídolos, a conseqüente aceitação da sua vida sustentada pela fé nas duras e decisivas provas para abrir-se à Providência; e a experiência da intimidade divina no Horeb, para buscar em Deus a fonte de força e doçura.
Relativamente às Regras precedentes para a TOC, a atual oferece aos terciários um discurso muito novo e estimula fortemente o testemunho de maneira viva e autêntica do Absoluto de Deus no mundo de hoje, com rompimento de cada falsa religiosidade e com libertação de cada forma de escravidão ao dinheiro, ao poder e ao prazer, como de cada outra forma de opressão do homem.
Após a aprovação da nova Regra atividades significativas relativas à TOC ocorreram na Itália para os assistentes espirituais dos sodalícios e para seus membros com estudos e comentários sobre a Regra, sendo difundidos através de publicações proprias (1982). Um primeiro encontro internacional da Família Carmelitana foi realizado de 31 de março a 5 de abril de 1991, dedicado à TOC , aos leigos e movimentos que se inspiram no Carmelo. Entre as propostas feitas, encontra-se aquela que pede de ser adotado pela TOC a Regra de S. Alberto. Trata-se de uma proposta que, antes de ser concretizada, deveria ser oportunamente avaliada.
No contexto da renovação da TOC pode-se recordar que o Delegado Geral pro tempore nos anos 1974-83, participou ativamente da União das Ordens Terceiras Seculares e desenvolveu junto aos delegados gerais da Ordem Secular Franciscana - isto é da Ordem Terceira Secular dependentes dos Menores e dos Capuchinhos -, uma vasta ação com reflexos na renovação das Terceiras Ordens dos outros Mendicantes e o estudo que orientou a introdução do Cânon 303 do atual Código de Direito Canônico.
*Do Livro; Como Pedras Vivas.
A Ordem Terceira Secular: Origem da Ordem Terceira Secular
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Frei Emanuel Boaga, O.Carm. In Memoriam
Depois da Bula Cum nulla de Nicolau V e da transformação das pinzocheras professas solenes em monjas de clausura, na Itália e na Espanha as pinzocheras continuaram a vida florescente de professas solenes isoladas, ou que, refutando a clausura, viviam por vezes em comum (por exemplo já em 1498, as pinzocheras de Santa Maria da Esperança em Veneza,).
Não vivendo em clausura, ocuparam o terceiro lugar na escala dos grupos que formavam então a Ordem (religiosos, monjas, irmãs pinzocheras). Em diversas partes da Itália adotaram o nome de Terceiras, termo que se liga à divisão tripartida da Família espiritual.
Surge uma duvida a respeito da vocação das pinzocheras isoladas ou monjas-bizzoche di casa, fenômeno que dura geralmente até o século XVII-XVIII, ainda que pudesse haver nelas fortes motivações devocionais. Pensa-se que, no contexto da época, o celibato feminino podia ser incentivado ou até mesmo imposto pelos próprios pais das jovens, para as outras exigências não estritamente ligadas a uma genuína vocação ou devoção. Pode-se dizer que ha um paralelo entre esta vocação e a dos rapazes que eram encaminhados pela família para os estudos sacros em vista de um patrimônio eclesiástico ou de uma boa posição social . Aquelas que permaneciam na família recebiam uma certa quantidade de dinheiro (não propriamente com o valor de um dote ou parte devida da herança, mas chamado de legítima - por ser concedido a filha legitima). Ao invés, o Padre assegurava à família os proventos da sua atividade e do patrimônio eclesiástico de que usufruía. A monja isolada, renunciando ao matrimônio não constituía problema para o dote e herança, assumindo um papel de criada, submissa ao pai e aos irmãos.
Existem casos de monjas bizzoche di casa, que não sendo mais necessárias às famílias, por não terem descendência , após a morte dos irmãos achavam-se isentas dos votos e contraiam matrimônio . Muitas vezes, na documentação da época, a vida deste tipo de mulher é descrita como sendo uma luz ambígua: andam por toda a parte e até se pode sentir muito mal cheiro por onde andam pois vivem falando de tudo e de todos, fazendo mexerico aqui e ali. Em vista disto, no decorrer do tempo, o termos bizzoca, pinzochera e bigotta assumem um sentido irônico, irrisório, negativo e de desprezo.
O nome Terciária ou Terceira gerava confusão: não se podia considera-las como seculares, pois não o eram, como no caso de terceiras de outras Ordens Mendicantes. Eram verdadeiras religiosas de profissão solene, agregadas aos conventos dos frades, e observantes da Regra e das Constituições dos frades.
Tal confusão, no clima geral do tempo, crescia também em ambientes não carmelitanos. Por conseguinte, depois do Concilio de Trento, houve uma série de decretos de Pio V que esclareceram com rigorosa interpretação o pensamento de Trento sobre a vida religiosa destas Terceiras: não se reconhecia mais como solenes os votos das pinzocheras ou Terceiras que não vivessem em clausura e, por isso, estas não eram verdadeiras religiosas, mas seculares. Em seus confrontos os bispos se mostravam reservados ou cheios de suspeitas: o Arcebispo de Trani, Scipione della Tolfa, com base nas intervenções de Pio V e Sixto V ameaçou com gravíssimas penas de suspensão a divinis e de exílio a todos os regulares de qualquer Ordem que tratassem em qualquer modo com as bizzocare, que por sua vez também seriam despojadas do próprio hábito de forma ignominiosa.
Aos Decretos de Pio V e de Sixto V a Ordem não reagiu de modo uniforme. Nos documentos da época que se referem às Pinzocheras ou Terceiras que usavam o hábito carmelitano, nem sempre é claro até que ponto estas gozavam dos privilégios e imunidades eclesiásticas concedidas pela Ordem a suas beatas. Com base na referida documentação, pode-se dizer que a Ordem mesmo segue duas direções:
-A manutenção dos três votos, a serem emitidos não mais segundo a Regra da Ordem (coisa a ser feita só pelas monjas de clausura) mas segundo um regulamento e estatuto proprio;
-Eliminou-se o voto de pobreza, tornando-se o de castidade segundo o próprio estado celibatário ou matrimonial (e, portanto, permanecia a possibilidade de contrair matrimônio).
Tal distinção dá origem a dois grupos de terceiras:
-As terceiras celibatárias com voto expresso de castidade (impedidas neste caso de contraírem matrimônio), e que observavam regulamentos próprios. Têm pleno gozo dos privilégios da Ordem Terceira, da qual acabam monopolizando o título;
-As mulheres não obrigadas ao celibato (as casadas), que eram consideradas como classe inferior às primeiras e que foram praticamente, com o tempo, assimiladas ás co-irmãs da Ordem (ou seja, agregadas á confraria da Ordem).
Estas co-irmãs da Ordem não emitiam a profissão e, portanto, eram seculares. Contudo, participavam da fraternidade da Ordem, aceitando compromissos de vida espiritual não diferentes daqueles aceitos pelos terceiros Dominicanos e Franciscanos. As co-irmãs são a variante feminina dos confrades da capa branca, que tinham sua própria regra, e que na Espanha foram chamados de terceiros. Em 1476, Xisto IV tinha permitido aos Carmelitas de organizá-los como e segundo o modelo da Ordem Terceira de penitência dos outros Mendicantes.
Nos fins do século XVI estamos portanto diante de quatro grupos:
-Religiosos,
-Monjas, mulheres com voto expresso de castidade e impropriamente chamadas de terceiras que viviam isoladas ou em grupos;
-Co-irmãs e confrades de Hábito da Ordem, aos quais com maior exatidão deveria corresponder o nome de Terceiros ou Terciários.
Deste último grupo se aproxima e se assemelha, ainda que em forma confusa, uma outra espécie de agregados: os membros das Confrarias do Escapulário.
OLHAR CARMELITANO: A celebração litúrgica do beato Tito Brandsma
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*Frei Emanuele Boaga, O.Carm e irmã Augusta de Castro Cotta, Cdp
Missa
A oração louva a Deus que comunicou ao Beato Tito a força de seu Espírito para que superasse, na caridade e na fortaleza, os vários meses de tortura no campo de concentração hitleriano.
Esta caridade levou-o a doar a própria vida em testemunho e defesa da liberdade da Igreja, através de seu apostolado de jornalista defendendo a dignidade do homem, opondo-se, decisivamente às falsas doutrinas nazistas. Ele é assim modelo para a pregação do Evangelho e anúncio profético do Reino de Cristo no mundo atual..
Liturgia das horas
Como segunda leitura do Ofício das leituras foi aprovado um texto do próprio Beato, escrito como Prefácio ao livro Divinus reditus dolor de A. Tanquerey, como também um outro, em alternativa, dos pensamentos do beato sobre a heroicidade e as virtudes dos santos Villibrordo e Bonifácio. Tal leitura reflete sua visão espiritual e a caridade de seu coração.
*Curso de Formação Carmelitana em módulos- Módulo VI - Testemunhas da Vivência Carmelitana.
MEMÓRIA DO CARMO: Curta a nossa página no face
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MEMÓRIA DO CARMO: Foto: Dom Gabriel Paulino Bueno Couto, Carmelita (Curta a nossa nova página do olhar em homenagem aqueles e aquelas que marcaram a história do Carmo no Brasil e fizeram história). Clique aqui: https://www.facebook.com/MEMORIA16CARMELITAS/
CARMELITAS TERCEIROS ILUSTRES NA HISTÓRIA PÁTRIA-01
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Frei Pedro Caxito, O. Carm. In Memoriam (* 31/12/1926 + 02/09/2009)
O Visconde de Cairu (José da Silva Lisboa)
Nasceu na Bahia no dia 16 de julho de 1756 e faleceu no Rio de Janeiro no dia 20 de agosto de 1835. Jurisconsulto, jurista e político. Com oito anos de idade já estudava música e piano, filosofia e moral no Convento dos Carmelitas da Bahia. Devido à precocidade da sua inteligência foi mandado a Portugal e estudou retórica, direito canônico, medicina, filosofia, latim, grego e hebraico em Coimbra. O pai exigiu que se fizesse padre, mas ele resistiu por não ser a sua vocação, e quando o pai lhe cortou a mesada, foi, graças aos seus talentos, nomeado substituto do catedrático das matérias, que dominava.
De volta ao Brasil ocupou a cátedra de Filosofia Moral e Grego. Voltou a Lisboa e foi jubilado como Professor Régio. O Príncipe Regente, Dom João VI, nomeou-o deputado e secretário da Mesa de Inspecção da Bahia e assim José da Silva já pôde demonstrar o seu grande interesse pela agricultura e pelo comércio como fonte dupla do progresso da sua terra. Quando Dom João VI fugia de Napoleão e passava pela Bahia, Cairu conseguiu, por intermédio do Marquês de Aguiar, convencer o Príncipe a abrir os portos do Brasil para as nações amigas a 28 de janeiro de 1808. E, por isso, o Visconde de Cairu é o Patrono do Comércio, cujo dia é celebrado no festa de Nossa Senhora do Carmo, data do seu nascimento.
Acompanhou o Príncipe ao Rio de Janeiro e, mestre de Política Econômica, foi para D.João VI como um "Ministro sem Pasta". Nomeado catedrático de Economia Política no Rio de Janeiro, não lhe permitiram lecionar, por ser considerado muito avançado em idéias econômicas.
Foi um dos mais ativos promotores da Independência e já velhinho mandava imprimir folhetos em favor da emancipação do Brasil e os lançava pelas janelas no meio da rua.
Deixou mais de 90 trabalhos (livros, estudos, opúsculos, folhetos, pareceres, discursos etc.) Foi correspondente do Instituto de França e vários outros Institutos estrangeiros: da Baviera, dos Estados Unidos e do Reino de Nápoles.
Publicou "Princípios de Direito Mercantil", "Princípios de Economia Política", "Observações sobre o Comércio Franco do Brasil", "Reclamações", "Bem Comum", "O Conciliador do Reino Unido" e ainda, a pedido de Dom Pedro I, "História dos principais recursos políticos do Império do Brasil" (1826-1830). O mesmo Dom Pedro I o nomeou Barão de Cairu em 1825 e, no ano seguinte, o elevou a Marquês. Na sala do Convento do Carmo de Bahia, onde em 30 de abril de 1625 os holandeses assinaram a capitulação, ele presidiu à primeira reunião da Assembléia Legislativa de Bahia no dia 1º de dezembro de 1828[1].
Foi fiel Carmelita Terceiro e ainda escreveu muito sobre moral cristã e religião. Já quase setuagenário defendeu os princípios da Igreja contra sacerdotes iluministas ou liberalistas como Diogo Feijó. Todos admiravam o seu desprendimento, pois nunca se deixou cegar pelas riquezas, apesar de ser tão bom economista político. Diz Tristão de Ataíde:"(...) o nosso grande Cairu, no seu tratado de 1819, mencionando embora a ação de cada um destes dois elementos (a terra e o trabalho), dá sobre eles a preeminência a outro fator, que só modernamente, depois da luta entre o socialismo e o liberalismo de todo o século XIX, é que viria a ser destacado - a Inteligência. (...) Cairu é o precursor de Ford, de Taylor, de Stakhanoff, a um século de distância".
No seu Compêndio da História da Igreja, diz Frei Dagoberto Romag OFM (3º vol. p. 271 - 1941): "Todavia (quer dizer, apesar dos clérigos galicanistas), a Constituição jurada aos 25 de março de 1824 proclamou o catolicismo religião do Estado(Leis 1824, I 7), devendo-se esta vitória aos enérgicos protestos do venerável ancião e grande brasileiro José Maria da Silva Lisboa, futuro Visconde de Cairu (m.1835), verdadeiro pioneiro da causa católica. Foi provavelmente também ele quem inspirou ao Imperador a idéia de organizar a Igreja do Império". Diz o Eclesiástico (44,1): "Louvemos então os homens piedosos, nossos antepassados, ao longo das gerações".
[1]. Fr.André Prat em O Convento do Carmo da Bahia Mensageiro do Carmelo Ano XXVII p.306
Em memória de Frei Caneca
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Pedro Pomar - 1974
A 13 de janeiro de 1825 - faz exatamente 150 anos - morria fuzilado em Recife, por ordem terminante de Pedro I, Frei Joaquim do Amor Divino Caneca, grande herói da luta do povo brasileiro pela independência do jugo colonial português, eminente figura de nossa intelectualidade revolucionária, nacionalista. As classes dominantes relegaram-no ao esquecimento. Chegaram mesmo a escarnecê-lo como fez o ditador Médici, em 1972, ao mandar passear pelas ruas das capitais dos Estados os ossos de Pedro I. Nossos pseudo-liberais temem falar sobre ele. Em contraste, o proletariado revolucionário exalta a sua memória como um dos mais admiráveis exemplos de combatente da causa da libertação nacional e da soberania popular. São raras as pessoas que, como ele, revelaram tal grau de rebeldia militante contra os opressores do país e do povo, tanta intransigência em face dos inimigos, tamanho destemor perante a morte. As lições de sua vida e de sua luta são fontes perenes de inspiração para todos os patriotas e democratas, conservam bastante atualidade.
Frei Caneca nasceu na capital pernambucana, em 1774, quando no mundo feudal surgiam e se desenvolviam as idéias burguesas de emancipação política, os conceitos de pátria e de nação e, quando em terras brasileiras, sob o domínio de Portugal, brotavam os fermentos da autonomia. Era de origem humilde. O apelido que o honrava adveio do fato de, na infância, ter ajudado o pai, um tanoeiro, vendendo canecas. Certamente, por vocação religiosa e pelo desejo de estudar, ingressou na Ordem dos Carmelitas. Naquele tempo, e durante dezenas de anos depois, a Igreja Católica monopolizava a cultura na Colônia. Para instruir-se e ascender socialmente, os moços das camadas mais pobres da oprimida e acanhada sociedade colonial deviam ordenar-se frades ou padres. Outro recurso era ir estudar em Coimbra, o que só os filhos dos grandes proprietários e senhores de escravos podiam fazer. No entanto, não foi a confissão religiosa que converteu, desde os albores do século XIX, o jovem Frei Caneca num ardoroso partidário da independência do Brasil e dos direitos do povo. Ao contrário, a Igreja, como instituição reacionária, além de possuir muitas propriedades e riquezas, sempre esteve umbilicalmente ligada às classes dominantes, sustentou-as por todos os meios. A verdade histórica é que, nas jornadas de 1817 e 1824 - as primeiras gloriosas tentativas de nossa revolução nacional e democrática - Frei Caneca e a brilhante falange de seus companheiros, a maioria de procedência igualmente humilde, não representavam na revolução, de maneira alguma, o clero, e sim as forças radicais da sociedade brasileira. Pertenciam à intelectualidade revolucionária, camada mais avançada da luta libertadora. Eles sentiram, como ninguém, o quanto era intolerável o domínio da metrópole portuguesa, o quanto pioravam as condições de vida do povo. Simultaneamente, recebiam a influência das novas idéias revolucionárias e tomavam conhecimento da vitória da Revolução Francesa de 1789, dos movimentos emancipadores dos Estados Unidos, da América espanhola, do Haiti. Daí a decisão de empunhar com valentia a bandeira da autonomia nacional e das reivindicações liberais burguesas. De modo coerente, passaram a integrar a ala radical do "Partido Brasileiro", da união das correntes patrióticas favoráveis à independência, ala que pregava a liquidação da dinastia dos Bragança, sem regateios nem conciliações prejudiciais à nação.
Em 1822, depois do famoso grito do Ipiranga e do acordo que permitiu a Pedro I aparecer à frente do novo Estado Nacional, a linha da intelectualidade nacionalista, oriunda do clero pobre, chocava-se com a da Igreja oficial. Enquanto esta, já aderida à situação criada, acusava Frei Caneca de indisciplina e sustentava que a autoridade de Pedro I tinha origem divina, ele respondia, denunciando as manobras traidoras do régulo, seu absolutismo e proclamando que a única e verdadeira fonte do poder é o povo. Não apenas como pensador, mas também por suas qualidades políticas e organizativas, Frei Caneca destacou-se dentre todos os seus companheiros e contemporâneos. Junto com os padres João Ribeiro, Roma, Miguelinho, Mororó e dezenas de outros, foi um dos dirigentes da Revolução de 1817, quando pela primeira vez esteve em mãos de patriotas brasileiros o poder no país. Ao sobrevir a derrota, se bem que não tivesse sido enforcado ou arcabuzado, como alguns daqueles dirigentes, padeceu inomináveis torturas e ficou encarcerado na Bahia até 1821, sob a acusação de ter conclamado o povo à guerra revolucionária e organizado guerrilhas. Efetivamente, assim procedeu, expressando opiniões como as que seguem: "Quando a pátria está em perigo, todo cidadão é soldado, todos devem se adestrar nas armas para rebater o agressor. Não é bastante, que na ocasião do aperto maior, saiam de suas casas com algumas pistolas ou facas, ou outras quaisquer armas, sem disciplina, sem ordem, sem chefe hábil nos negócios da guerra; tal estado de coisas só pode causar a confusão e a desordem. O tempo é de atropelo, devem vosmecês atropelar também a economia de suas ações?" Não sem motivo, tornou-se conhecido, desde então, como o "frade guerrilheiro". As posições combativas, revolucionárias, nortearam toda a sua vida. Libertado, voltou logo a Pernambuco para participar da deposição das autoridades coloniais e da instauração de um governo provisório provincial até que, no plano nacional, a Assembléia Constituinte, já convocada, indicasse os verdadeiros rumos do novo Estado e da nação. Ao saber que Pedro de Bragança se entronizava como Imperador do Brasil, condicionou seu apoio a esse governante à exigência de que prevalecesse, na Constituição que se elaborava, a vontade soberana do povo. Com tal objetivo, fundou, em fins de 1823, o jornal Tifnis Pernambucano. Defendia a instituição de um regime constitucional, representativo, capaz, segundo ele, de assegurar a independência recém-conquistada. Afirmava que a unidade nacional devia ser baseada na autonomia das províncias, de acordo com as tradições brasileiras e como demonstrava a experiência positiva dos Estados Unidos da América do Norte. Considerava indispensável que o Brasil se constituísse numa federação, unida pelos interesses e pelos sentimentos do povo de todo o país. Percebia que a nação, apesar de jovem, já possuía fortes laços de solidariedade e condições para sobreviver e progredir, percepção que, ainda hoje, certos elementos ditos progressistas não alcançaram. Embora jamais tivesse acreditado no liberalismo de Pedro I, mostrou-se disposto a aceitar o regime monárquico, contanto que a autonomia das províncias fosse preservada, assim como respeitada a soberania popular. Por isso, a dissolução pela força da Assembléia Constituinte encontrou de sua parte firme repulsa. E ao ser informado da imposição da Carta Constitucional, elaborada nos corrilhos palacianos, conferindo todos os poderes a Pedro I, escreveu, indignado, a um amigo: "Não admitimos mais imposturas, conhecemos o despotismo, vamos decepá-lo".
A Confederação do Equador, de 2 de julho de 1824, teve em Frei Caneca seu principal cérebro, seu autêntico fundador. A República sonhada englobaria as províncias do Norte, as quais ficariam unidas por uma Constituição, cujas bases ele publicara em seu jornal, na véspera da Revolução. Nesse projeto de Lei Magna, propôs enfaticamente a liberdade política, a igualdade civil, todos os direitos inalienáveis do homem. Estabeleceu itens relativos à liberdade de imprensa e de opinião. Destacou, especialmente, a abolição da escravatura nos seguintes termos: "Todo homem pode entrar a serviço de outro pelo tempo que quiser, porém não pode vender-se, nem ser vendido". O conteúdo de seu ideário era nitidamente burguês, democrático. Não obstante, pareceu muito radical, bastante avançado para aquele período. Mas a Confederação do Equador só conseguiu o apoio das províncias da Paraíba e do Rio Grande do Norte. Sem a adesão das demais, sobretudo da Bahia, cujo movimento popular revelara pujança e combatividade na luta contra as tropas do general português Madeira, a nova República duraria pouquíssimos meses. De seu lado, o governo imperial tomara incontinenti medidas para debelar a revolução a ferro e fogo. Cercado por terra e por mar, o governo confederado não pôde manter-se. A derrota deveu-se, fundamentalmente, a certas condições internas adversas da época, ao profundo atraso do país. Diferentemente dos Estados Unidos, onde vencera a Revolução da Independência com sentido democrático, no Brasil existia ainda um forte sistema feudal-escravista, que não deixou surgir nem florescer um núcleo numeroso de colonos livres. Os centros urbanos brasileiros eram então bastante débeis, distantes e dispersos. Além disso, a revolução não interessou direta e profundamente ao grosso da massa de escravos. Posto que condenasse formalmente a escravidão, não pretendia aboli-la imediata e radicalmente, mas sim de modo gradual. Em suma, por não terem compreendido a importância da participação da grande maioria da população escrava na luta pela independência, os líderes do movimento emancipador de 1817 e 1824 fatalmente seriam esmagados pela reação feudal e escravocrata. Frei Caneca não cedeu facilmente. Julgou encontrar no interior de Pernambuco condições políticas e topográficas propícias à continuação da luta. Como não podia deixar de ser, enveredou pelo caminho da resistência armada, recorrendo ao método da guerra de guerrilhas. Mas quase tudo lhe foi hostil. Até uma tremenda seca contribuiu para obstar-lhe os planos. Suas colunas rarearam cada vez mais diante das dificuldades. Havia defecções dos que não tinham igual confiança na vitória. Mesmo sem recursos, passando fome, rompeu diversos cercos, travou alguns combates com vantagens e penetrou no sertão do Ceará, em busca de apoio. Só a 29 de novembro, em decorrência da situação insustentável em que se achava, aceitou a proposta de rendição formulada pelo comandante das tropas imperiais, em troca do respeito pela vida dos guerrilheiros e do compromisso de que o governo não faria vinditas. Dessa forma, veio a cair nas mãos de Pedro I o mais intrépido defensor da causa emancipadora e democrática, o patriota que a reação mais temia e odiava. A Justiça Militar, nomeada a propósito pelo Imperador, empreendeu de imediato seu julgamento sumário. Frei Caneca não procurou justificar-se, pessoalmente; sustentou com bravura suas idéias, seu direito à promover a revolução; não claudicou nem se prestou a qualquer compromisso com os inimigos da pátria e do povo. Compreendia que Pedro I queria vê-lo rápida e severamente castigado para exemplo dos que se atrevessem a levantar-se contra a tirania. Seu comportamento altivo e digno, contribuiu para desmascarar o não cumprimento da promessa de que os prisioneiros teriam suas vidas poupadas. O desassombrado lutador deveria morrer na forca - tal a decisão dos juízes militares, antecipadamente tomada. Longe de ficar abatido, Frei Caneca, em virtude de sua fibra moral e de suas profundas convicções, revelou-se mais animoso do que nunca. O desprezo pela morte, a consciência de cumprir em qualquer circunstância seu dever de patriota, de sacrificar a vida pelo bem comum, forjaram nele um dos mais belos e íntegros caracteres de homens públicos populares que registra a história brasileira. Cantou tais sentimentos em versos como estes:
"O Patriota não morre: Vive além da eternidade; Sua glória, sem renome. São troféus da humanidade." Pouco antes de ser fuzilado, ainda compôs outro poema que diz: "Tem fim a vida daquele Que a pátria não soube amar; A vida do patriota Não pode o tempo acabar"
O episódio final do seu suplício mostra até que ponto ia a sanha da repressão. A agonia arrastou-se praticamente por três dias, nos quais sua figura se agigantou pela coragem, ao passo que a dos seus verdugos se amesquinhou pela crueldade. Desde o dia 10 de janeiro se haviam iniciado os preparativos para o enforcamento. Mas, nesse instante, a Igreja resolveu interceder junto a Pedro I em favor da vida do condenado, solicitando que a pena capital fosse comutada em prisão. O Imperador, além de recusar, ameaçou. A Igreja desistiu. Dia 13, pela manhã, já no patíbulo, ele foi submetido à degradação canônica, isto é, despido de seus hábitos religiosos e da condição de frade. Entretanto, o preso comum destinado a colocar-lhe o laço no pescoço, negou-se a fazê-lo. Ali mesmo foi pisoteado, surrado. Outros dois presos comuns convocados para a mesma bárbara função, também não a aceitaram. Diante disso, o representante de Pedro I, brigadeiro (como então se chamava ao general) Lima e Silva, optou pelo fuzilamento. Entrementes, Frei Caneca, que fora despertado do sono em que estava mergulhado para subir ao patíbulo, continuava sereno, procurando falar ao povo e auxiliar os carrascos a terminarem com a execução. Até que o ato infame se consumou.
Há 150 anos do holocausto do grande herói popular, cumpre às forças revolucionárias não apenas homenageá-lo como compreender o sentido de suas idéias e de sua luta, assim como continuá-la nas novas condições históricas. Nesse período, ocorreram enormes transformações no mundo e em nosso país. O socialismo venceu em alguns países e avança vitorioso, enquanto o capitalismo está apodrecendo. As contradições sociais e políticas se aguçaram. No Brasil, as forças que se opõem ao progresso, à democracia e à independência nacional já não são senhores de terras e escravistas junto com o colonialismo português, mas sim os latifundiários e a grande burguesia associada ao imperialismo, sobretudo ao norte-americano. Por outro lado, as forças interessadas na revolução são outras, muito mais poderosas. O papel que representam é também diverso do daquele tempo. Agora, apenas uma parte da burguesia, a não-ligada aos interesses estrangeiros e à reação, pode participar da revolução, mas não encabeçá-la. Tampouco a intelectualidade progressista, inclusive a provinda do clero, tem condições de ser a vanguarda revolucionária. A direção da revolução cabe ao proletariado, através de seu Partido marxista-leninista. Nessas circunstâncias, o caráter nacional e democrático da revolução, embora permaneça formalmente o mesmo, ganhou um novo conteúdo. Sob a liderança da classe operária e na base da aliança operário-camponesa, ela será inevitavelmente vitoriosa e abrirá caminho para o socialismo. Todavia, muitas das idéias e das medidas expostas e propugnadas por Frei Caneca têm atualidade, estão na ordem-do-dia. Igualmente, o caminho revolucionário, a luta armada, e a intransigência que preconizou e revelou são fundamentalmente os mesmos que hoje devemos trilhar e praticar no combate para pôr abaixo a ditadura militar e varrer com a dominação do imperialismo estadunidense. Honra e glória eternas ao grande precursor da luta do povo brasileiro pela independência e pela democracia!
(Artigo de Pedro Pomar publicado no jornal A Classe Operária, 1974.)
MEMÓRIA DO CARMO: Eles fizeram história... Eles marcaram a história.
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CARMO DE MINAS: Ordem Terceira-02
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ORDEM TERCEIRA DE CARMO DE MINAS/MG: Encontro de Formação.
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ORDEM TERCEIRA DE CARMO DE MINAS/MG
Encontro sobre a Espiritualidade Carmelitana.
Dias 9 e 10 de novembro-2017.
Com Frei Petrônio de Miranda, O.Carm.
Delegado Provincial para Ordem Terceira do Carmo.
(E-mail do Frei: missaodomgabriel@bol.com.br)
Tema: O Voto de Pobreza.
*Frei Quinn R. Conners, O. Carm.
Os Votos
Os três votos professados pelos irmãos e irmãs d Ordem Terceira do Carmo estão enraizados nas Escrituras. Eles são uma expressão dos valores do Evangelho. Contudo, eles se encarnam num determinado momento histórico, refletindo assim as necessidades e as esperanças psicológicas e espirituais das pessoas e do tempo em que vivem. Nossa discussão sobre cada um dos votos partirá de suas raízes espirituais ou teológicas. Reconhecemos que os votos não são entidades autônomas. Cada voto tenta exaltar um lado distinto da vida humana, dos valores evangélicos, da vida cristã e carmelitana. No entanto, cada voto está relacionado intimamente ao outro. A partir de nossa breve abordagem histórica, veremos que antigamente todos os votos estavam subordinados ao voto de obediência. Este inter-relacionamento dos votos fica evidente quando tentamos descrever cada um deles.
Pobreza – A matéria bruta em transformação
Ao contrário da obediência, encontrar as raízes bíblicas da pobreza exige algum esforço. Obediência é uma palavra bíblica bem comum, enquanto que pobreza ocorre com menos frequência. Contudo, a chave para a pobreza é a consciência de que ela deve estar enraizada na fé e no amor que nos une a Deus. De fato, num sentido bíblico a pobreza e a obediência estão intimamente relacionadas. Se obediência é o compromisso de ouvir a voz de Deus, a pobreza é o compromisso de responder a esta voz.
Em geral, as Escrituras olham a pobreza de um modo bem prático. Basicamente, os bens materiais são apresentados de uma maneira positiva. Eles são um dom de Deus, reflexo da criação de Deus. Por outro lado, a pobreza e a espoliação não são boas. Elas representam uma distorção da bondade de Deus. Portanto, um dos compromissos da Aliança era que todos mereciam atenção: ninguém deveria passar necessidades, ninguém deveria ser pobre. Quando Lucas retrata a comunidade de Jerusalém após a Páscoa, ele a descreve precisamente nestes termos como a realização da comunidade ideal ansiada por Israel: “Todos os que abraçaram a fé eram unidos e colocavam em comum todas as coisas... conforme a necessidade de cada um” (At 2,44-45).
Contudo, Israel e as igrejas do Novo Testamento também conheciam a tentação em ter tantos bens. As divisões entre os ricos e os pobres emergiram desde cedo na história de Israel. Eventualmente vozes proféticas, de Elias a Jeremias, surgiam contra os ricos e poderosos porque eles maltratavam os indefesos. Amós e Oséias denunciavam os ricos por ignorarem os pobres.
Assim, surgem duas correntes bíblicas sobre os bens nas escrituras hebraicas e persistem até o Novo Testamento. Primeiramente, os bens são bons quando servem como instrumentos e expressões da dignidade humana que recebemos como filhos de Deus. Em segundo lugar, numa comunidade baseada na fé em um Deus que é misericordioso e compassivo, ninguém deveria sofrer com a falta de alguma coisa.[i]
O Novo Testamento também tem uma visão prática dos bens. Uma grande riqueza é vista com ceticismo que nasceu da experiência. Jesus viveu num tempo onde existia uma grande divisão entre ricos e pobres. Ter muitos bens exige sua atenção nas coisas, não em Deus. “Onde está o seu tesouro, está o seu coração”. As pessoas que possuem muita colheita necessitam construir muitos celeiros, em vez de pensarem sobre o destino de suas almas. Aqueles que pisam em Lázaro e em suas feridas para entrarem nos salões do banquete estão também muito preocupados para ouvirem a voz da profecia. Aqueles que encontram conforto e poder naquilo que possuem podem estar cultuando a riqueza como se fosse seu Deus.
Estes são os exemplos de Jesus sobre riqueza e bens. Eles são pragmáticos e baseados na experiência. “Algumas de suas intuições mais explícitas sobre os bens são estabelecidas no contexto de metáforas sobre viagens”.[ii] Carregue apenas um cajado. Muita riqueza é simplesmente muita bagagem. O jovem rico foi embora muito triste – tinha muita bagagem. Zaqueu, buscando a aprovação de Jesus, dá metade de suas riquezas.
Caminhar nas pegadas de Jesus é uma jornada de fé e de serviço. Devemos estar livres para esta jornada. Esta realidade influencia as parábolas de Jesus sobre os bens:
“Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga. Pois, quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la, mas quem perde a sua vida por causa de mim e da Boa Notícia, vai salvá-la. Com efeito, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, se perde a própria vida?” (Mc 8,34-36).
Quando os discípulos hesitam, imaginando que se arriscaram muito, Jesus lembra mais uma vez o chamado da liberdade:
Pedro começou a dizer a Jesus: “Eis que nós deixamos tudo e te seguimos”. Jesus respondeu: “Eu garanto a vocês: quem tiver deixado casa, irmãos, irmãs, mãe, filhos, campos, por causa de mim e da Boa Notícia, vai receber cem vezes mais. Agora, durante esta vida, vai receber casas, irmãos, irmãs, mãe, filhos e campos, junto com perseguições. E, no mundo futuro, vai receber a vida eterna” (Mc 10,28-30).
O pensamento de Jesus é claro: “O que chamamos de pobreza evangélica é aquilo que os evangelhos chamam de colocar de lado qualquer coisa que nos impeça de seguir Jesus. Jesus era totalmente livre, livre para seguir a orientação do Espírito, livre para trilhar pelas margens da sociedade de seu tempo, livre para estar em comunhão com os pobres, livre para tocar naqueles que precisavam de cura, livre para acolher a raiva e a violência, livre para ouvir a voz de Deus”.[iii]
A Bíblia fala positivamente do pobre, mas não da pobreza. Os pobres são o objeto da compaixão de Deus e, por isso, deveriam ser do interesse do povo de Deus. Aos olhos da Bíblia os pobres têm uma vantagem sobre os ricos: é menos provável que eles sejam seduzidos por uma profusão de bens. Por estarem indefesos e vulneráveis sua única força é Deus.
Assim, as raízes bíblicas da pobreza são simples. Bem-aventurados os pobres porque deles é o reino de Deus. Bem-aventurados os que têm fome de Deus e de seu reino que colocam de lado todos os empecilhos, toda bagagem e seguem Jesus para a realização de suas esperanças.
Existem duas motivações bíblicas óbvias para deixarmos de lado os bens. Primeiro, o voto de pobreza nos permite a liberdade de colocarmos o excesso de nossos bens à disposição dos necessitados. Segundo, o voto nos torna livres daquelas posses que poderiam nos impedir de seguir Jesus.[iv]
Na Regra, a pobreza aparece no n. 12. A visão é aquela das primeiras comunidades apostólicas cujo objetivo é preservar o bem comum. A pobreza em si não é o ideal. O bem de todos os irmãos e irmãs é o ideal. Portanto, partilhamos o que temos uns com os outros de modo que ninguém tenha necessidade de qualquer coisa.
Contudo, o bem comum em si não é um tipo de comportamento nivelador ou cego de modo que a singularidade de cada pessoa se perca ou desapareça sob uma monotonia ou uniformidade superficial. O objetivo de partilhar todas as coisas em comum é colocado no contexto onde também saibamos reconhecer as necessidades individuais – “conforme cada qual estiver precisando, levando-se em consideração as idades e as necessidades de cada um”.[v] A Regra nos desafia a assumir nossa responsabilidade em determinar o que precisamos e avaliá-las no contexto das necessidades da comunidade.
Cada ser humano estabelece algum tipo de relacionamento com o mundo econômico. Universalmente as pessoas tendem a medir o sucesso na vida através deste relacionamento. O que eu ganho na esfera econômica? De quantas maneiras posso ser dominado pelo mundo que me rodeia? A minha doação é benéfica ou maléfica, libertadora ou escravizante?
Ao professarmos a pobreza não escapamos destas perguntas e da luta que elas representam. Estamos simplesmente dizendo que, através de nossa profissão para ser verdadeiramente humanos, queremos partilhar o que temos, viver simplesmente, desenvolver um espírito de desprendimento e sermos solidários com os necessitados e pobres de fato.
Partilhar
Partilhar não significa necessariamente dar um testemunho poderoso, mas é uma prática que nos une e nos ensina sobre nossa dependência de Deus e dos outros. A solidão e a indiferença mútua que experimentamos algumas vezes na vida comunitária estão muitas vezes relacionadas com questões envolvendo os bens comunitários. Muitos bens e conveniências pessoais embaralham nossas mentes e nossos corações e nos afastam de qualquer necessidade sentida na vida comunitária. A necessidade de partilhar nossos bens, de chegar a um acordo em nossas preferências, de estar satisfeitos com o bem-estar comum – tudo isso proporciona várias oportunidades para aquele apoio e desafio que são a essência da vida comunitária. A partilha dos bens por sua vez, proporciona um meio de também partilhar os interesses, as preocupações, as memórias, as aspirações e a oração.
Viver de modo simples
Viver de modo simples em nosso mundo consumista é um grande desafio. Muitos bens materiais podem nos provocar o esquecimento de quem nos fez e do porquê estamos aqui. Uma vida mais austera abre perspectivas, novas ou esquecidas no conhecimento de Deus. Libertados das distrações e da busca ilusória de nossos pequenos confortos e luxos, permanecemos diante de Deus um pouco mais como somos – como seres humanos com fome de Deus, necessitados da misericórdia de Deus, nunca realizados ou satisfeitos a não ser em Deus (vacare Deo).
A austeridade de vida nunca é fácil para um indivíduo ou para uma comunidade. Cada grupo etário, cada tipo de personalidade, cada cultura humana tem seus pontos fortes e suas fraquezas neste domínio. É um desafio avaliar continuamente nosso estilo de vida, com respeito uns pelos outros e fazer cada vez as mudanças necessárias que nos levarão para mais perto de Deus, dos outros e do povo de Deus ao nosso redor.
Ser desapegado
O voto de pobreza sem uma simplicidade material é certamente considerado suspeito. Contudo, a observância fiel do voto não pode ser medida em termos puramente econômicos. O significado mais profundo de nosso voto de pobreza nos desafia a um desapego, tanto espiritual como material. Nos capítulos 1-8 de seu livro Noite Escura, João da Cruz descreve enfaticamente a transformação a qual Deus nos chama através deste espírito de desprendimento.
Ser solidário
A pobreza voluntária não pode estar separada ou independente da pobreza involuntária experimentada por tanta gente do povo de Deus em nosso planeta. Se estamos realmente caminhando nas pegadas de Jesus, então o interesse dele pelos pobres, pelos sofredores e fracos de nosso mundo deve tornar-se também nosso. Jesus viveu no meio de pessoas que eram consideradas impuras: publicanos, pecadores, prostitutas, leprosos (Mc 2,16. 1,40; Lc 7,37). Ele reconheceu a riqueza e o valor que os pobres possuíam (Mt 11,25-6; Lc 21,1-4). Ele os proclamou felizes porque o Reino é deles, dos pobres (Lc 6,20: Mt 5,3). Ele definiu sua missão como “anunciar a Boa Notícia aos pobres” (Lc 4,18). Ele mesmo viveu com os pobres, sem possuir nada, nem mesmo uma pedra onde repousar a cabeça (Lc 9,58). Ele ordenou, a quem quisesse segui-lo, que escolhesse Deus ou o dinheiro (Mt 6,24). Ele ordenou fazer uma opção pelos pobres (Mc 10,21). Como realizamos isto?
Em primeiro lugar, um grande desafio para nós é redirecionar nosso trabalho nos ministérios atuais. Justiça para os pobres – aquela justiça que é “parte essencial do evangelho”[vi] – deveria ser uma preocupação em tudo o que realizamos. Quando trabalhamos entre os saciados e os ricos, o desafio é motivá-los a ajudar, a ampliar seu pensamento e a estimular sua boa vontade. Os trabalhos em nossas paróquias, escolas, etc., precisam envolver também os participantes ricos, para que eles possam experimentar realmente os problemas dos pobres e dos marginalizados.
Provavelmente o modo mais importante de viver este voto é ser solidário com os pobres. A carência material é um mal. Não queremos idealizá-la, mas superá-la tão eficazmente quanto possível. Não podemos fingir sermos exatamente como os pobres. Mas podemos conhecê-los e partilhar seus interesses e seus fardos mais plenamente. Nossa educação e influência como religiosos podem ajudar a dar voz e compreensão à luta dos pobres. A experiência única que eles têm de Deus e da divina providência é um presente para nós. Temos muito a dar e a receber uns aos outros. Este é o significado da solidariedade – “permanecemos juntos como Maria permaneceu com João aos pés da cruz e experimentamos uma nova fonte de poder”.[vii] Tal postura é observada em nossa tradição carmelitana. Estaremos realmente próximos de Jesus na medida em que experimentarmos esta transformação em nossa solidariedade para com o pobre. Quanto mais estivermos perto dos pobres, experimentaremos esta transformação em nosso relacionamento com Jesus.
* COMISSÃO INTERNACIONAL PARA O CARISMA E A ESPIRITUALIDADE
Comunicações Carmelitanas- Melbourne Austrália. 1999
[i] D. Senior, C. P. “Vivendo neste ínterim: princípio bíblico para a vida religiosa”. Em P. Philibert, O.P., (ed.), Vivendo neste ínterim. Mahwah, NJ: Paulist Press, 1994, p. 63.
[ii] Senior, p. 64.
[iii] Ibid.
[iv] Senior, p. 65.
[v] RA 12.
[vi] Justiça no Mundo, Declaração do Sínodo dos Bispos, 1971.
[vii] D. A. Fleming, S.M. Anotações do peregrino: uma experiência de vida religiosa. Maryknoll, NY: Orbis, 1992, p. 35.
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