ATENÇÃO PARA AS INFORMAÇÕES DO ENCONTRO EM NOVEMBRO PRÓXIMO DO ALACAR EM SANTO DOMINGO.
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O preço do Congresso ALACAR é: US$ 360
O dia de chegada é 6 novembro e o dia de saída e 11 novembro para todos. Com informações do Frei Raul Maravi, O. Carm. Conselheiro Geral da Ordem do Carmo
(Quem desejar participar da Província Carmelitana de Santo Elias (Bahia, Sudeste e Centro-Oeste), favor entrar em contato com Frei Petrônio de Miranda, Delegado Provincial para Ordem Terceira do Carmo. E-mail. Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.).
*ANO DO LAICATO CARMELITANO: Ordem Terceira do Carmo.
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No Corpo Místico de Cristo, que é a Igreja[1], o único e mesmo Espírito suscitou muitas vezes variedades de dons e carismas, como os das várias famílias religiosas, que oferecem aos seus membros os auxílios de uma estabilidade maior no seu modo de viver a vida de caridade e uma doutrina excelente para se alcançar a perfeição e a comunhão fraterna na milícia de Cris-to[2].
Alguns leigos, por um chamado e vocação particulares, participam do carisma das famílias religiosas, que é patrimônio comum do Povo de Deus e para eles se torna também fonte de energia e escola de vida. A própria Igreja nisto os aprova e encoraja, convidando-os a se esforçarem por assimilar fielmente a marca particular de espiritualidade própria de tais famílias[3].
E desta maneira poderão ser ajudados melhor na missão que diretamente lhes cabe de iluminar e dar o justo valor a todas as realidades temporais, de maneira tal que se façam segundo os desígnios de Jesus, se desenvolvam e sejam um louvor ao Criador e Redentor[4] num mundo secularizado, que vive e se comporta "como se Deus não existisse"[5].
Colaborando com a "Nova Evangelização", que permeia toda a Igreja, os leigos superam em si mesmos a ruptura entre o Evangelho e a vida, refazendo com a sua atividade quotidiana em meio da família, do trabalho e da sociedade, a unidade de uma vida que no Evangelho encontra inspiração e força para se realizar em plenitude[6].
Vínculo fundamental do Terceiro com a própria Ordem é a Profissão, mediante a qual, segundo um nosso costume antigo, pode emitir os votos de castidade e obediência, de acordo com os deveres do próprio estado de vida, afim de consagrar-se mais profundamente a Deus e oferecer-lhe um culto mais perfeito.
Tudo o que o Terceiro expressa com a sua Profissão nada mais é do que um reassumir com mais intensidade as promessas do batismo de amar a Deus acima de todas as coisas e de renunciar a Satanás e às suas seduções; a originalidade neste ato de amor consiste nos meios que o Terceiro escolhe para aí chegar. A lei fundamental do cristão, que o compromete a amar a Deus e aos ou-tros com todo o seu ser, exige de todos a proclamação constante do primado de Deus[7], a rejeição da possibilidade de servir a dois senhores[8] e o amor aos outros acima de qualquer egoísmo[9].
A castidade e a obediência do Terceiro, que também re-clamam um profundo senso de pobreza, traduzem no setor dos bens econômicos, da sexualidade e do poder, o imperativo de não servir a falsos ídolos[10]: a santidade cristã é o amor de Deus e dos outros acima de qualquer encaracolar-se egoisticamente sobre si mesmos. Em virtude do voto de obediência, os Terceiros deverão obedecer aos Superiores da Ordem e ao Assistente do sodalício em tudo o que, segundo esta Regra, lhes for mandado para o bem da sua vida espiritual. Pelo voto de castidade estão obrigados a observar esta virtude, segundo os deveres do próprio estado.
Com justiça os Terceiros olham para os Carmelitas consagrados na vida religiosa, para terem uma orientação espiritual válida, mas, por sua vez, a sua contribuição, além do elemento secular que lhes é específico, comporta aprofundamento (eficaz) dos vários aspectos do carisma, seja chamando a atenção para os valores mais espirituais do Carmelo, seja indicando novos dinamismos apostólicos[11]. Neste sentido os Terceiros sentem-se membros do Carmelo jure pleno (plenamente comprometidos na vida e no apostolado da Família Carmelitana).
[1]. cf. Cl 1,18
*Da Regra da OTC
Analisar de perto algumas vocações
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Frei Carlos Mesters, O. Carm.
1-O caminho de Abraão e Sara: caminho de todo o povo
“Vocês que buscam a justiça e procuram a Deus. Olhem para a rocha de onde foram talhados, olhem para a pedreira de ontem foram extraídos. Olhem para Abraão, seu pai, e para Sara, que os deu à luz, Quando os chamei eles eram um só, mas se multiplicaram por causa da minha bênção!” (Is 51,1-2)
As histórias Abraão e Sara (Gn 12 a 22) refletem não em primeiro lugar a história do casal no longínquo passado de 1800 antes de Cristo, mas são modelo para o povo do Cativeiro saber como combinar a busca de Deus e a busca da justiça. Deixam transparecer como foi difícil para o povo unir estas duas dimensões da caminhada que Deus estava pedindo e os discípulos estavam propondo.
Javé disse a Abrão: "Saia de sua terra, do meio de seus parentes e da casa de seu pai, e vá para a terra que eu lhe mostrarei. Eu farei de você um grande povo, e o abençoarei; tornarei famoso o seu nome, de modo que se torne uma bênção. Abençoarei os que abençoarem você e amaldiçoarei aqueles que o amaldiçoarem. Em você, todas as famílias da terra serão abençoadas". Abrão partiu conforme lhe dissera Javé. E Ló partiu com ele. Abrão tinha setenta e cinco anos quando saiu de Harã. Abrão levou consigo sua mulher Sarai, seu sobrinho Ló, todos os bens que possuíam e os escravos que haviam adquirido em Harã. Partiram para a terra de Canaã e aí chegaram. (Gn 12,1-5)
A promessa de ser pai de um povo e fonte de bênção para toda a humanidade é bonita e atrai. Mas a condição para alguém poder ser pai de um povo é ter ao menos um filho. Abraão já tinha 75 anos e sua esposa Sara era estéril. A condição para Abraão crer na promessa de Deus era crer que Sara sua mulher pudesse ter um filho. Difícil crer nesta promessa! Era mais fácil crer na observância, isto é, no projeto que os dois iam elaborando como possível alternativa para uma promessa aparentemente impossível. Assim fizeram Abraão e Sara. Era muito difícil para eles combinar as duas buscas: de Deus e da justiça. Eles foram aprendendo a duras penas, ao longo dos anos.
Foram quatro as propostas alternativas que os dois fizeram para ficar só com a observância, sem precisar crer na promessa, sem precisar levar a sério a busca de Deus. Mas foram três as pancadas que levaram, três impasses que enfrentaram, três fracassos que sofreram, até renascer e descobrir o caminho. No fim aprenderam! Vejamos as três propostas:
A primeira proposta alternativa de Abraão e Sara à promessa de Deus: Eliezer
Humanamente falando, a promessa de Deus ultrapassava as possibilidades reais do casal. Abraão já era velho e Sara não podia ter nenê. A primeira proposta de Abraão para tentar uma saída foi a de apresentar Eliezer como alternativa (Gn 15,1-6). Conforme as leis da época ele poderia adotar Eliezer como filho. O filho de Eliezer seria neto de Abraão e a promessa de poder ser pai de um povo estaria garantida. No fundo, Abraão não acreditava na promessa e achava que a realização da mesma ia ter que depender do esforço dele mesmo, da observância dele. Mas Deus disse: “Eliezer, não! Vai ter que ser filho seu!” É a primeira rasteira. Tudo voltou à estaca zero!
A segunda proposta alternativa de Abraão e Sara à promessa de Deus: Ismael
Para poder crer na promessa, Abraão devia crer em Sara, e Sara devia crer em Abraão. Não basta crer em Deus abstratamente. A promessa está ligada a pessoas concretas. “Como se pode realizar isto se não conheço homem?” (Lc 1,34) A segunda proposta foi a de apresentar Agar, escrava de Sara, para ser mãe do futuro filho (Gn 16,1-16). É que, novamente, os dois não deram conta de crer na promessa. Achavam que ela só poderia realizar-se através de Agar, isto é, através da observância do projeto que eles tinham imaginado e proposto a Deus. Nasceu Ismael, filho de Abraão e Agar. O nome Ismael significa “Deus ouviu!” Através de Ismael, filho de Abraão, o povo estaria garantido. Novamente, vem a resposta de Deus: “Ismael não. Terá que ser filho de Sara!” (Gn 17,15-19). É a segunda rasteira. E novamente, tudo voltou à estaca zero!
A terceira proposta alternativa de Abraão e Sara à promessa de Deus: Isaque
Abraão recebeu a visita de três peregrinos e os recebeu com muita hospitalidade (Gn 18,1-8). Os três diziam que Sara ia ter nenê no ano seguinte. Sara riu (Gn 18,9-15). Abraão também riu (Gn 17,17). Todos rimos, porque não acreditamos na promessa. Só acreditamos no que nós fazemos para Deus, e não no que Deus é capaz de fazer por nós. Mas finalmente, Abraão consegue crer em Sara e nasce o filho que recebe o nome de Isaque, o que significa Risada (Gn 21,107). De Deus não se ri. Falou, está falado! Podes crer! O nascimento de Isaque clareou o horizonte. Finalmente, o povo estava garantido, a bênção prometida ia poder irradiar-se para todas as nações da terra. Mas aqui acontece uma coisa muito sutil. Agora que Isaque nasceu, a esperança de Abraão tem um fundamento concreto e palpável: o filho. E imperceptivelmente o fundamento da esperança passa de Deus que oferece o dom, para o dom oferecido por Deus. E aí a palavra de Deus chega até Abraão: “Vai sacrificar o teu filho Isaque no lugar que eu te mostrar!” (Gn 22,1-2). É a terceira rasteira. Estaca zero de novo. Tudo voltou para antes do começo.
A resposta final de Abraão e Sara à promessa de Deus: a entrega total
Desta vez, Abraão não discute, não diz nada. Ele é obediência muda. Apenas age (Gn 22,3-10). Não se fica sabendo o que ele pensa. Cada leitor ou leitora preenche a parte que falta na história confrontando sua atitude com a de Abraão. No último momento, Deus manda Abraão parar. Não pode sacrificar o filho (Gn 22,11-19). Basta a obediência, interpretada pela carta aos hebreus da seguinte maneira: “Abraão acreditava que Deus é capaz de tirar vida da própria morte”, e acrescenta: “Isso é um símbolo para nós” (Hb 11,17-19). Nesse momento, Abraão alcança a justiça! (Rom 4,3; Gn 15,6) A busca de Deus e a busca da justiça se identificam plenamente!
Poderíamos continuar o comentário da carta aos hebreus dizendo: Todos nós, casados ou solteiros, todos e todas temos um Isaque. Chegará o dia em que Deus pede: Vai sacrificar o teu filho Isaque no lugar que eu te mostrar! Sacrifique esse seu Isaque, para que a esperança seja colocada em Deus e para que, a partir dela, possa nascer a prática da justiça, fruto da gratuidade total.
2-A resistência de Moisés, resistência de todos nós
O profeta não entende tudo. Jeremias, por exemplo, ficava devendo a resposta a respeito da injustiça que se alastrava no meio do povo (Jer 12,1). Dentro do profeta, alegria e dor, esperança e angustia, o claro e o escuro convivem na mesma pessoa. A Palavra que chama constitui, ao mesmo tempo, a alegria e o drama do profeta(Jer 15,16).
A raíz desta contradição aparente está não só nas contradições da vida e da situação social, mas também no próprio Deus. A experiência de Deus transmite uma certeza que não se traduz em certezas humanas. A certeza que Deus comunica é uma só: "EU ESTOU CONTIGO!" Ela não faz a pessoa chamada ficar mais inteligente ou mais perspicaz, não muda o seu caráter, nem aumenta o grau do seu conhecimento. Ela é como a luz do sol que de repente ilumina tudo, transformando a visão do mundo, sem mudar nada. Ela ajuda o profeta a relativizar tudo em função do único absoluto que é Deus e a vida do povo, ambos fonte da sua missão.
O diálogo entre Deus e Moisés que se prolonga por vários capítulos (Ex 3,1 a 4,18) é o diálogo de todos nós com Deus, com a realidade, com a consciência que nos incomoda, com o nosso medo, com a nossa vocação. É um verdadeiro arquétipo.
No contexto deste longo diálogo, a Bíblia explica o significado do nome de Deus JHWH (Ex 3,10-15). Estes poucos versos têm uma densidade teológica muito grande. Foram compostos durante o exílio e refletem a profunda nova experiência de Deus que tiveram naqueles anos difíceis. Descrevem o ideal da fé e o ideal que nós deveríamos poder alcançar na contemplação. É nestes versículos que o autor procura explicar todo o significado e o alcance do nome JHWH.
Basicamente, o significado do antigo nome JHWH é explicado através de um recurso literário engenhoso, pelo o nome deve ser entendido como aprofundamento da primeira resposta de Deus a Moisés: Estou com você.
Eis os esquema:
Quem sou eu para ir ao faraó?
Estou com você
Qual o seu nome?
Estou que estou
Assim dirás: Estou me mandou
Assim dirás: Está me mandou
Este é o meu nome para sempre
Assim serei invocado de geração em geração
Deus não oferece dinheiro nem armas, nem diploma. Apenas diz: Vai! Estou com você! Nada mais. Não permite acesso mágico. O único acesso a Deus é a entrega total na fé na certeza de que ele está conosco. Só quando eu tiver a coragem de me entregar e de deixar Deus ser Deus na minha vida, poderei ter a certeza absoluta da presença libertadora divina na minha vida.
E Deus não quer ter outro nome, a não ser este. É o nome que ele quis assumir conosco no momento de se comprometer conosco para nos libertar do poder do Faraó.
Mas Moisés não se deu por vencido, e o diálogo continua com várias intervenções da parte de \Moisés e várias respostas da parte de Deus, sempre na mesma dimensão e rumo:
Dificuldade de Moisés: “E se não acreditarem em mim (Ex 4,1). Moisés esconde o seu medo e falta de fé atrás da pretensa falta de fé do povo: “O povo não vai acreditar em mim!” Deus faz ele realizar três sinais milagrosos: mudar bastão em serpente (Ex 4,2-5), fazer a mão ficar cheia de lepra (Ex 4,6-8) e mudar água do rio em sangue (Ex 4,9).
Mas Moisés inventa outra dificuldade: “Meu Senhor, eu não tenho facilidade para falar!” (Ex 4,10). Deus desfaz o argumento, pois ele é o criador da boca dos homens (Ex 4,11-12).
Moisés insiste: “Não meu, senhor, mande a quem quiser!” (Ex 4,13). Ou seja, mande a quem quiser, mas não a mim. Aqui Moisés falou claro, Deixou de esconder-se atrás de pretextos e refúgios e disse o que estava no fundo do seu coragem: “Não quero! Mande um outro!” E Deus também falou claro expressando novamente a sua vontade com relação à missão de Moisés: E você vai! Pode levar Aarão com você, que tem língua boa para falar!” (Ex 4,14-17).
Moisés aceitou a vontade de Deus, foi para casa e disse ao sogro: “Vou voltar para o Egito para ver se meus irmãos ainda vivem”. O sogro respondeu: “Vai em paz!” (Ex 4,18).
O que teria acontecido se Moisés não tivesse ido? Talvez tivesse sido um bom executivo do faraó, um devoto fiel do Deus Rá, divindade suprema do sistema piramidal. Talvez tivesse recebido, depois da sua morte, uma pequena pirâmide como sepultura e os arqueólogos do século XXI talvez o descobrissem, e nós não estaríamos aqui. A história teria tomado um outro rumo.
VOCAÇÃO NA BÍBLIA.
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Frei Carlos Mesters, O. Carm
A variedade da maneira de chamar e de dar resposta à vocação
A Palavra que chama, às vezes, se impõe com força irresistível: fogo dentro dos ossos (Jer 20,9); martelo que rebenta as rochas (Jer 23,29). Outras vezes, deixa total liberdade. Outras vezes, deixa a pessoa na revolta e no sofrimento, outras vezes na alegria. Para uns, o chamado vem com muita clareza como palavra de Deus, para outros não há clareza nenhuma, nem percebem nada de Deus. Sentem apenas uma necessidade humana que não pode ficar sem resposta. E quando no julgamento final Deus o elogia, eles dizem: “Quando foi que vi o senhor com fome e sede, sem roupa e na prisão, doente? Não estou lembrado!” E Deus responde: “Foi quando você ajudou aquele pobre. Era eu!
A variedade é grande. Nenhuma vocação se repete. Nenhum rosto se repete, embora todos tem mais ou menos a mesma estrutura. Com uma grande variedade a vocação se faz presente na vida das pessoas. Vejamos de perto na Bíblia. Vamos percorrer as páginas da Bíblia, desde o tempo dos patriarcas e matriarcas, olhando de perto o chamado das pessoas mais conhecidas, dando uma breve chave de leitura. Veremos sucessivamente os períodos dos (1) Patriarcas e Matriarcas, (2) Êxodo, (3) Juízes, (4) Reis, (5) Profetas, (6) Exílio e pós exílio, (7) intertestamento, (8) tempo da vida de Jesus, (9) época das Comunidades dos primeiros cristãos e (10), finalmente, de Jesus, ele mesmo. Damos apenas uma breve chave de leitura , para que a gente possa perceber esta variedade tanto no chamado como na resposta. Mais adiante, vamos olhar mais de perto algumas vocações especiais para poder confrontar melhor com as nossas vocações hoje. Algumas pessoas recebem muitas vocações. Não dá para ver tudo de todos. Vamos dar uma olhada rápida no grande álbum da Família ou do Povo de Deus.
Passando os olhos pelo álbum da Família de Deus
1-Época dos Patriarcas e Matriarcas
Abraão
Chamado para ser pai de um povo, não consegue acreditar na promessa de Deus. Inicialmente, só consegue nos projetos que ele mesmo propõe como alternativa. Mas após três tentativas frustradas consegue crer e se entrega (Gn 12,1-3;15,1-6;17,15-22;22,1-18)
Sara
Quando chamada, deu risada como seu marido Abraão. Risada de incredulidade. Não conseguiu crer no chamado. Pois não conseguiu crer em si mesma e em Abraão. Era difícil crer, pois já era de idade avançada e estéril. Como crer que poderia ser mãe! (Gn 18,9-15).
Agar
Chamada através de uma ordem de Sara, sua patroa, é por ela desprezada e excluída; mas Deus continua fiel e a sustenta. A fidelidade desprezada de Agar recebe uma recompensa: ela chega a ter uma experiência profunda do próprio Deus (Gn 16,1-16; 21,8-21).
Jacó
Chamado para ser Israel, lutou com o anjo (o próprio Deus) a noite toda, até que fosse abençoado (Gn 32,23-33). Passagem misteriosa que recebeu muitas interpretações ao longo dos século. É um verdadeiro arquétipo para significar as lutas que as pessoas travam com Deus em suas vidas. Oferece esperança de vitória.
2-Época do Êxodo
Moisés
Primeiro sentiu o chamado diante da opressão do seu povo e chegou a matar um egípcio. Teve medo e fugiu. Mais amadurecido, é chamado novamente para libertar o povo. Novamente tem medo e arruma várias desculpas, mas no fim a vocação é mais forte que a resistência medrosa e ele acaba aceitando (Ex 3,11.13; 4,1.10.13).
Miriam
Chamada pelo seu próprio talento e pela necessidade do momento, convoca as mulheres para celebrar a vitória depois da travessia do mar vermelho (Ex 15,20). O Cântico de Miriam é um dos textos mais antigos da Bíblia, ao redor do qual foi se juntando o resto como cera ao redor do pavio.
Aarão
Chamado por intermédio de Moisés, seu irmão, para ser porta-voz e sacerdote (Ex 4,14-15). É da tribo de Levi, tribo sacerdotal. O chamado se torna tão forte que o clã de Aarão se impõe às outras família da tribo de Levi. Ele consegue a função central no templo de Jerusalém e os outros clãs da tribo se tornam ajudantes.
Os Setenta
Diante da impossibilidade de assumir sozinho a coordenação da vida do povo, aconselhado pelo bom senso do seu sogro Jetro, Moisés descentraliza o poder e chama setenta pessoas para participar na coordenação. O chamdo nasce das necessidades concretas da coordenação do povo. São chamados de acordo com certos critérios para poder servir ao povo (Ex 18,21-22; Núm 11,16).
Josué
Foi o que mais ajudava Moisés. Foi fiel nos momentos difíceis e nas crises. É desta sua condição de companheiro fiel que nasce o chamado para suceder a Moisés. Moisés mesmo o apr4esenta ao povo como seus sucessor e dá a ele, várias vezes, a ordem: "Sê forte e corajoso!" (Jos 1,6-9).
3-Época dos Juízes
Debora
O chamado mesmo foi um tal de Baraq, que não se sentiu em condições para realizar a libertação do povo e chamou Débora para libertar o povo num momento difícil da sua história. Débora, por sua vez, chama outras pessoas para ajudá-la na tarefa (Jz 4,1-10).
Gedeão
Um lavrador bem simples, oprimido pela dominação, sente o chamado, mas não consegue acreditar no chamado que recebe e pede uma dupla confirmação. SE não fosse a simplicidade de Gedeão, parece até uma provocação a Deus. (Jz 6,11-40).
Ana
Uma senhora casada que não pode ter nenê, pois é estéril. Recebe o chamado para ser mãe do profeta no momento em que derrama sua alma na presença do Senhor. Responde ao chamado criando o menino e dedicando-o à missão da vida dele (1 S 1,9-18).
Samuel
Chamado, não se dá canto. Não percebe o chamado; precisa da ajuda de de uma pessoa mais velha para orientá-lo. O velho Eli o orienta e o ajuda a percebê-lo:"Fala, Senhor, teu servo escuta!" Esta ajuda mútua fez nascer uma vocação muito importante (1 Sm 3,1-18).
4-Época dos Reis e Profetas
Saul
Mesmo chamado por aclamação (1S 11,12-15), por unção (1S 10, 1-8) e por sorteio (1S 10,17-24), não soube manter-se na fidelidade.
Davi
Chamado por unção (1S 16,1-13) e a convite do povo para ser rei de Judá (2S 2,1-4) e de Israel (2S 5,1-5). É exaltado na Bíblia como rei fiel. Na realidade, dentro dos nossos conceitos não parece ter sido tão fiel. O poder do rei era absoluto e naquele tempo não percebiam os limites deste poder.
Salomão
Indicado para ser rei por ser filho de Davi e por conspiração palaciana (1R 1,28-53).
Jeú
Chamado por Elias e Eliseu para enfrentar os abusos do rei foi mais abusado que os rei
Ezequias
A conjuntura política favorável levou Ezequias a promover uma reforma profunda para evitar o desastre sofrida pelo Estado de Israel
Josias
É chamado a servir o povo como rei através de circunstâncias políticas (2 R 21,23-24; 22,1).
5-Época dos Profetas e dos Reis
Elias
Obedece a um chamado da Palavra de Deus e do povo (1R 21, 17ss) e é conhecido como o homem sempre disponível para a ação do Espírito (1R 18,12).
Eliseu
Recebe o chamado de Elias, pede licença para se despedir dos pais e vai atrás de Elias, largando tudo (1R 19,19-21).
Amós
Percebe o chamado como algo irresistível, que sobe da situação de opressão e exploração do povo (Am 3,3-8; 7,15).
Oséias
Um drama familiar e uma experiência forte de amor levaram-no à descoberta da sua missão no meio do povo (Os 1,1-3,5).
Isaías
Tem uma profunda experiência de Deus, descobre a sua incapacidade, mas se oferece: "Eis-me aqui!" (Is 6,1-13).
Jeremias
Na hora de perceber o chamado, fica meio gago e se desculpa: "Sou apenas uma criança!" (Jer 1,4-10).
Ezequiel
Quando recebe o chamado de ser a sentinela do povo, fica mudo por vários dias (Ez 3,25-27).
Jonas
É a imagem do profeta que não tem coragem de assumir o chamado, e foge (Jon 1,3).
6-Época do do pós exílio
Neemias
O chamado vem através das exigências da situação do povo e de um convite do rei da Pérsia (Ne 2,1-8).
Esdras
Vê um chamado de Deus na missão que ele recebe do rei da Pérsia de organizar o povo (Esd 7,11-26).
Matatias
Percebe e assume o chamado no momento de ser confrontado com a opressão e a perseguição do povo (1M2,1-28).
Judas Macabeu
É chamado para liderar as batalhas por ser o filho mais corajoso de Matatias (1Mac 2,66).
Rute
Percebe e assume o chamado através da sua solidariedade com Noemi que ficou viúva sem futuro (Rute 1,15-18).
Jó
Descobre o chamado na contradição provocada pelo catecismo da época que dizia: Todo sofrimento é castigo pelo pecado. A consciência dele dizia: não pequei para merecer esta condenação. Lutou e foi fiel à vocação criticando uma idéia falsa de Deus até morrer.
Ester
Era uma criança órfã, adotada pelo tio mardoqueu. Por um destino não previsto acabou sendo rainha. Chamada a ser libertadora do seu povo com risco da própria vida. rainha por causa da sua beleza (Est 2,15-17); com risco da própria vida liberta o seu povo (Est 4,12-17).
Judite
Chamada para libertar o povo num momento de extrema angústia (Jt 8,1-36), confia no Deus que É o "Deus dos humildes, socorro dos oprimidos, protetor dos fracos, abrigo dos abandonados, salvador dos desesperados" (Jt 9,11).
7-Época do intertestamento
Zacarias
Não foi capaz de crer no chamado e ficou mudo (Lc 1,11-22).
Isabel
Acreditou no chamado, concebeu e tornou-se capaz de reconhecer a presença de Deus em Maria (Lc 1,23-25.41-45).
João Batista
Chamado desde o seio materno (Lc 1,11-17), assume a missão com coragem (Mc 6,17-29). É o primeiro profeta depois de muitos séculos de silêncio (Lc 1,59-66; Mt 11,7-15).
José
Chamado a ser o esposo de Maria, rompe com as normas do machismo da época e não manda Maria embora (Mt 1,18-25).
Maria
Acostumada a ruminar os fatos (Lc 2,19.51), percebe e acolhe a Palavra, trazida pelo anjo Gabriel, a ponto de encarná-la em sua própria vida (Lc 1,26-38).
8-Época do tempo da Vida de Jesus
Pedro
Chamado durante uma pescaria (Mt 4,18-20), teve várias recaídas (Mc 8,31-33; Mt 14,28-31; 26,30-35) até firmar-se de verdade (Jo 21,17).
João
Na hora do chamado abandonou tudo para seguir a Jesus (Mc 1,20). Tornou-se o discípulo amado (Jo 13,23). Lembrava até a hora do chamado de Jesus: quatro da tarde (Jo 1,39).
Mateus
Publicano desprezado, chamado a ser apóstolo para seguir Jesus (Mt 9,9).
Judas
Chamado a ser apóstolo (Mc 3,19), não soube crer no perdão (Mt 27,3-10)
Madalena
Chamada por Jesus a ser a primeira testemunha da ressurreição (Mc 16,1.9; João 20,11-18).
Samaritana
Teve dificuldade em perceber o chamado (Jo 4,7-30), mas tornou-se uma grande apóstola no meio do seu povo (Jo 4,39-42)
9-Época das comunidades dos Primeiros Cristãos
Matias
Chamado a ser apóstolo por sorteio, após uma reunião dos outros onze apóstolos (At 1,15-26).
Apóstolos
Foram chamados para estar com Jesus, para anunciar a palavra e para combater o poder do mal (Mc 3,13-19)
Barnabé
O primeiro a partilhar os seus bens (At 4,36s), É chamado a enfrentar missões difíceis (At 9,26-27; 11,22.25; 13,2).
Paulo
O chamado o derruba na estrada (At 9,4); ele fica cego (At 9,3). Foi chamado num momento em que tudo indicava o contrário, pois era perseguidor (At 9,1-19).
Lídia
Sente o chamado ao ouvir a pregação de Paulo; torna-se a primeira coordenadora das Comunidades na Europa (At16,14s).
Febe
Chamada a ser diaconisa, torna-se "irmã" de Paulo e presta seu serviço a muita gente (Rom 16,1-2)
Timóteo
Preparado pela formação recebida em casa (2Tim 1,5; 3,14), é chamado a ser companheiro de Paulo (At 16,1-3).
Prisca e Aquila,
Casal amigo de Paulo. Os dois respondem ao chamado combinando as exigências das comunidades com as possibilidades da sua profissão (At 18,2-3; Rm 16,3-5)
10-Época de Jesus, ele mesmo
JESUS
Aprofunda a sua vocação convivendo com o povo pobre durante trinta anos em Nazaré. Assim, o Filho de Deus, descobre que o Pai o chama a realizar a missão de Messias de acordo com profecia do Servo de Javé (cf Lc 4,18-19 e Is 61,1-2).
A variedade das vocações dentro do mesmo Projeto de Deus
Esta série de "fotografias" do álbum da Família de Deus mostra a variedade com que Deus chama as pessoas para manifestar-lhes a sua vontade. Umas são chamadas para libertar o povo; outras, para organizá-lo, para presidir suas assembléias, organizar o culto, cantar, profetizar, denunciar, animar, anunciar, guiar, reprimir, governar, aconselhar. Missões grandes e pequenas, importantes e menos importantes, ligadas ao povo todo e ligadas a um pequeno grupo. Missões que valem para sempre ou para muitas gerações, outras que valem para pouco tempo ou só para a pessoa que a recebe.
Para chamar as pessoas, Deus usa os mais variados meios de comunicação: sorteio, aclamação, indicação da comunidade, percepção das necessidades do povo, ação de bravura, perigo de guerra, chamado interior, aparição de anjo, sonhos, chamado de um companheiro,.... Nenhuma vocação se repete!
O chamado de Deus não tira a liberdade das pessoas, pois elas reagem: "Quem sou eu?" Cada um reage do seu jeito diante da missão que recebe. Cada um trava duas lutas: a grande luta da transformação do mundo e a pequena luta dentro de si mesmo da conversão pessoal. As duas são igualmente importantes.
Experiência do Deus do povo
A experiência de Deus traz consigo a sua própria evidência. Nela está a fonte da liberdade dos profetas frente aos poderosos. Não existe um livrinho ao qual o profeta teria que obedecer, para que os outros pudessem verificar: "Este profeta é verdadeiro. Ele vem de Deus!" Deus é livre e não obedece aos nossos critérios.
É uma experiência do Deus dos pais. Por isso mesmo ela traz consigo tudo o que Deus fez no passado. O profeta torna-se, assim, de certo modo, a memória crítica do povo. Lembra coisas incómodas que muitos gostariam de esquecer.
É a experiência do mesmo Deus que tirou o povo do Egito: Deus libertador, Deus da aliança, chamado Javé. O profeta torna-se assim o homem que encarna as exigências da aliança e da lei de Deus.
Experiência do povo de Deus
A experiência da santidade de Deus e das suas exigências é, ao mesmo tempo, a experiência do pecado, da quebra da aliança, das falhas que existem no povo; experiência daquilo que o povo deveria ser e não é(Is 6,5).
Onde aparece caco de vidro no chão, a gente pára e diz: "Alguma janela foi quebrada!" Onde aparece o pobre no meio do povo, o profeta pára, capta a mensagem e diz: "A aliança foi quebrada!" Alguns se acostumam com os cacos e os ignoram. O profeta, porém, faz o contrário. Confronta o povo com os pobres que sobraram do desastre da quebra e exige mudança em nome de Deus e em nome da origem do próprio povo.
Os "cacos" que no Antigo Testamento revelavam a quebra da aliança, eram os "empobrecidos", os "orfãos", as "viúvas", os "estrangeiros". A presença destes grupos marginalizados dentro da comunidade revelava que algo estava errado. O povo estava ferido, uma chaga viva(Is 1,6; Jer 30,12-15; 14,17-18; 15,18).
Uma sugestão para aprofundar a vocação na Bíblia
Você pode completar a longa lista de chamados que ocorrem na Bíblia, pois no álbum da Família de Deus tem muito mais fotografias. Em seguida, vale a pena aprofundar o assunto através das seguintes perguntas:
- Qual o objetivo último, que a vocação quer atingir em todos estes chamados?
- Qual a missão de cada um? Como ela contribui para a realização do Projeto de Deus?
- Quais os critérios de escolha? O que há de comum nos vários critérios?
- Quais os recursos para realizar a missão?
- Quais os problemas que a pessoa chamada encontra, dentro e fora de si mesma, na execução da missão, e como os enfrenta?
- Vocação e situação do povo: como os dois estão relacionados entre si nestes chamados?
- Quais os traços do rosto de Deus que transparecem nestes chamados?
ANO DO LAICATO CARMELITANO: Encontro em Campinas neste sábado, 18.
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Nas próximas horas, veja artigos, fotos e vídeos. Aguarde.
ANO DO LAICATO CARMELITANO: Chegou a vez de Campinas, São Paulo.
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ANO DO LAICATO CARMELITANO... A Missão continua no próximo sábado, dia 18, em Campinas, São Paulo. Acompanhe tudo aqui no olhar
ANO DO LAICATO CARMELITANO: BH
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Imagens do encontro dos Sodalícios da Ordem Terceira do Carmo de Minas- Juiz de Fora, Barbacena, São João Del Rei, João Monlevade, Belo Horizonte, Ouro Preto, Serro, Diamantina e Sabará- o encontro foi realizado no Convento do Carmo de Belo Horizonte/MG, no dia 11 de agosto-2018. Informações sobre a Ordem Terceira do Carmo com o Delegado Provincial, Frei Petrônio de Miranda, O. Carm. E-mail: Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.
A Ordem do Carmo no Rio Grande do Sul...
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OS CARMELITAS NO RIO GRANDE DO SUL (Cidade de Eldorado do Sul ). No Dia 2 de setembro próximo, vc vai acompanhar aqui e nas mídias sociais, a abertura de uma frente Missionária na grande Porto Alegre. No vídeo, o Padre Provincial, Frei Evaldo Xavier, O. Carm, faz o comunicado para os Sodalícios da Ordem Terceira do Carmo de Minas Gerais.
ARQUIVO DO OLHAR: Os Carmelitas em Jacobina-BA/ 01
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OS CARMELITAS EM JACOBINA-BA. Natal dos presos celebrado por Frei Petrônio de Miranda, Carmelita. (17/12/2008). VEJA OUTRAS FOTOS NO INSTAGRAM. CLIQUE AQUI: www.instagram.com/freipetronio
MEDITAR NA LEI DO SENHOR E VIGIAR EM ORAÇÃO
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Frei Bruno Secondin O.Carm.
Eis o grande tema carmelita: até as pessoas menos instruídas sabem que o ideal carmelitano é o da vida de oração. E em torno deste ponto focal deveriam convergir todas as outras coisas: o horário, a moradia, a formação espiritual, o sentido da maturidade espiritual, a direção espiritual, o apostolado. Não vou entrar em toda esta literatura, que muitas vezes é mais apologética do que útil. Quero tocar neste argumento sob um outro ponto de vista
- Uma tradição de conflitos e de hipocrisias: se é grande a glória para o Carmelo neste campo – e disto ninguém duvida – é preciso também reconhecer que as hipocrisias não faltam. E também são abundantes as manipulações. A primeira hipocrisia é a de uma vida real que na verdade não parece dar esta importância à oração e à meditação assídua da Palavra, da qual nasce o vigiar nas orações. A solidão da cela era vista – e é vista ainda tantas vezes – como a ocasião para se rezar um pouco, qualquer que seja a forma de oração. Ao contrário, segundo a Regra, se está na cela sobretudo para meditar na Palavra, e fazê-la florir numa resposta orante e perscrutadora (vigilantes: R 10). Sobre a solidão, o silêncio, a oração mais ou menos intensa forjaram-se tantas histórias no Carmelo: em nome do espírito primitivo, das não-mitigações, da perfeição, etc.
- Uma releitura das intenções originais do carisma nos ajuda a superar razões de polêmica e a reencontrar um sentido novo para esta característica do Carmelo. Na releitura nova da Regra os capítulos 10-17 formam um bloco único, e representam o modelo de Jerusalém. E, por conseqüência devem ser interpretados numa unidade dinâmica. Se assim fizermos, veremos bem como a Palavra ouvida e meditada na solidão floresce em oração vigilante e em louvor sálmico, mas também em partilha dos bens e dos sentimentos do coração. E tudo encontra o seu vértice na celebração eucarística, que é plenitude do que a Palavra anuncia e promete, e fermento para que a vida se transforme em koinonia e seja transfigurada na sobriedade e na solidariedade em nome da Palavra (cf. a pregação itinerante: R 17).
- A oração como vigilância: não pode ser interpretada como um tempo noturno roubado ao sono para rezar. Mas antes como uma gramática do desejo: acende-se no coração a certeza de uma presença e de um projeto, cujos contornos se procuram na práxis (louvor, partilha, páscoa diária, reconciliação, luta espiritual, ascese flexível, etc.). Mas também se propõe fazer de toda a existência uma espera vigilante, um estar de sentinela, apaixonados e implorantes. Não é, portanto, a quantidade ou o método que faz do Carmelo uma comunidade orante. Mas este coração que vibra e espera, perscruta e implora, purifica-se e põe em prática a Palavra.
- Orar como Igreja e em nome da Igreja: este é na realidade o verdadeiro sentido da vocação carmelita à oração. Uma oração não de horários e de tamanho, mas de coração que ama e que implora, de paixão pelo Reino que trabalhosamente se faz luz na história. Orar como Igreja é principalmente deixar-se amar e convocar,. falar ao coração e salvar por meio da Palavra e da mesa eucarística, da solidão e da corresponsabilidade, do trabalho e do silêncio, da fidelidade à sabedoria dos séculos e da abertura ao novo que vai chegando. Se relermos os nossos grandes mestres sob esta perspectiva, encontraremos muitas confirmações, mas também um convite a mudar de esquema..
- Uma oração teologal e não só orações: olhando-se bem para a Regra, mas ainda para a nossa história e a nossa espiritualidade, descobrimos que a oração nunca se desprende da história, antes está entrelaçada dentro da história, impregnada de história. Reconhecemos que Deus está fazendo crescer os seus desígnios dentro da história: rezamos desde dentro da nossa experiência de Filhos, e Cristo primogênito reza conosco e em nós. Verdadeiramente rezamos antes de tudo com esta consciência, nele reconhecendo misericórdia, perdão, ternura, fidelidade. A síntese é a oração do Pai Nosso, que justamente vale tanto quanto o breviário inteiro.
- Uma oração eclesial: enquanto fruto do Espírito, que anima a Igreja, conhece os seus gemidos e aspirações, e os eleva em nosso favor até onde está o Pai (Rm 8,26). Trata-se certamente de uma experiência pessoal autêntica, que nasce do coração e da interioridade, mas não se fecha sobre si mesma, exprime ao mesmo tempo a comunhão dos irmãos, dos filhos de Deus, do edifício espiritual que vai crescendo sob a guia do Espírito. Não percamos de vista a função central da capela dedicada a Maria: a oração, que nasce na interioridade de cada um, tende por sua natureza a se manifestar em expressões compartilhadas por todos, como expressão coral de uma família , de uma comunidade.
- Uma oração que é via para crescimento em humanidade: retenhamos que hoje é muito importante colocar a nossa atenção sobre o dinamismo do crescimento na autoconsciência cristã através da oração e o orar. Para que todos nos demos conta de que aqui justamente está uma das grandes dificuldades da nossa oração: que ela se torne não só um problema de quantidade e de tempo, de fórmulas e de gestos, mas sobretudo de crescimento dinâmico, de maturidade global. A Regra propõe-nos uma experiência unificada e unificante com o mistério da salvação, que se realiza no tempo e caminha para a plenitude do Reino escatológico. O escopo final é uma existência transfigurada, em que tudo vem à luz em síntese: é este o sentido dos últimos três capítulos do texto. E nós devemos ajudar os jovens a se encaminharem até este modelo, dinâmico, co-envolvente, sem perigosas dicotomias. Se, pelo contrário, a nossa preocupação é a de ensinar as descrições metodológica e psicológicas dos nossos mestres, nós nunca formaremos orantes de coração vigilante.
A palavra é uma lâmpada para os nossos passos [cf. Sl 118 (119) 105]. Queremos completar esta nossa exposição mais uma vez com um texto bíblico, que talvez raramente tenhamos lido. São alguns versículos do Sirácide 35,9-18. Limito-me a algumas anotações para ajudar na interpretação.
- A hipocrisia do culto sem justiça: não se pode separar o culto a Deus do modo de viver, seguindo uma moral dupla. Deus não se deixa enganar pelas aparências quando se oferece os frutos de ações perversas. Não basta rezar pessoalmente com intensidade, é preciso saber distinguir a desonestidade em tantas situações e não concordar com a hipocrisia.
- O semblante alegre , com ânimo bem disposto: não há verdadeiro diálogo com Deus se não existe amor e alegria ao fazê-lo, desejo de encontrá-lo. No constrangimento e no medo não floresce verdadeira oração. Mas a alegria nasce também da resposta de Deus, gratuita e generosa. “Bela é a misericórdia no tempo da aflição: é como nuvens que trazem a chuva no tempo da seca (Sr 35,24)”.
- Deus ouve a prece do oprimido: a Escritura toda no-lo testemunha. Deus conhece e escuta a súplica e o desabafo. Quer dizer que é lícito desabafar-se e gritar; mas também que aquele que ama a Deus deve aguçar os próprios ouvidos e abrir o próprio coração para escutar como Deus e a reagir como Ele, “restabelecendo a eqüidade”.
- Rezar com o corpo: notemos a ênfase corpórea deste modo de orar. Reforça o sentido da luta, da fadiga, da solidão; é também expressão de uma fé tenaz e confiante. É o corpo todo e a vida que se fazem oração; não é apenas um dizer orações de qualquer maneira.
- Caminho de crescimento. Seja para quem implora e desafia as nuvens para se fazer escutar , seja para a história da humanidade, a oração do humilde torna-se graça que abala as injustiças e faz realizar a justiça e a misericórdia. Bartolomeu de las Casas foi justamente lendo este texto que se converteu de clérigo conquistador em profeta dos oprimidos.
Para meditar ou, trabalho em grupo:
1- Estamos convencidos de que devemos repensar o sentido da nossa vocação para a oração?
2-Como tornar-se Igreja orante e não só fazer orações?
3-Como crescer em humanidade e solidariedade rezando?
DOM VITAL: Refletindo sobre vocação
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*Frei Dom Vital Wilderink, O. Carm. In Memoriam.
Alto do Rio das Pedras 13.08.2003. (Publicado no Informativo das Irmãs Carmelitas DP)
Toda manhã, nos intervalos do noticiário, uma difusora da Rede Católica de Rádio transmite um lembrete musicado: "Avancem para águas mais profundas: mergulho na vida, encarnar a história, ouvir o chamado do Senhor". Um convite que faz refletir, ou melhor, faz meditar, porque na perspectiva cristã a vocação não é um determinado setor da nossa vida a ser considerado no seu relacionamento com outros setores, mas atinge os próprios fundamentos da totalidade do nosso ser. Por isto mesmo, o que se pode dizer sobre ela, permanecerá sempre uma frase incompleta. O que um autor medieval afirmava em relação à exegese da Palavra de Deus vale também para a vocação: Sic semper invenitur, ut semper supersit quod inveniatur. Traduzindo em vista das presentes páginas sobre vocação: elas foram escritas para descobrir o que nelas não está escrito. De fato, sempre haverá novos horizontes a serem abertos, não só na reflexão teológica, mas também na própria vivência sem a qual a teologia vocacional corre o risco de permanecer abstrata.
Se perguntássemos a um grupo de pessoas que se consideram "vocacionadas", o que significa a vocação para cada uma delas, as respostas, provavelmente introduzidas por um silêncio, não seriam as mesmas. O que mostraria que a palavra vocação não traduz um conceito que define uma realidade, e que, pelo menos intencionalmente, pretende ser unívoco. A palavra vocação escapa da precisão de um conceito. Não que a nossa racionalidade não faça parte da esfera vocacional. A razão nos ajuda a fazer coisas razoáveis. Mas o razoável não esgota aquilo que chamamos "nossa vocação". Paulo apóstolo teve que cair do cavalo para descobrir a vocação dele. Não que o despertar vocacional precisa sempre de acontecimentos extraordinários. O que há de extraordinário é a própria vocação. Não deixa de ser paradoxal, pois é na contingência da vida que se ouve o chamado do Senhor, ou seja, é tocando nos próprios limites que se percebe um chamado que transcende esses mesmos limites. João o evangelista se recordava até da hora em que Jesus se voltou para ele: "Era a hora décima, aproximadamente". Aliás, o Evangelho de João conta também com certos detalhes circunstanciais, como se iniciou a história vocacional de outros apóstolos. Não faltará entre nós quem se lembra quando e como percebeu o chamado do Senhor, e, quem sabe, as hesitações que teve em segui-lo, ou as reações pouco favoráveis de parentes e pessoas amigas.
O discernimento vocacional é mais uma questão do coração que de argumentos. Magis in corde quam in codice, como diziam os antigos monges. Não pensemos, porém, que o discernimento pertence só aos começos da vocação. É um exercício que é necessário ao longo de toda a caminhada , embora seus pontos de referência e dimensões vão mudando. Essas mudanças do eixo no discernimento podem ser comparadas com a leitura que fazemos dos textos bíblicos: no decorrer do tempo vão revelando sentidos novos. João Cassiano nas suas conferências aos monges, já falava disso: "Na medida em que, através dessa leitura, o nosso espírito progride, também a face das Escrituras começa a mudar. Atingimos uma compreensão mais profunda cuja beleza aumenta na medida dos nossos progressos. Com efeito, os aspectos das Escrituras se adaptam à capacidade da inteligência humana"
Na linguagem bíblica o coração é o centro do nosso ser, o lugarzinho profundo onde se escondem e donde brotam as nossas aspirações e opções mais profundas. Estas não passam por cima da contingência da nossa vida que pode ter seus momentos cruciais, mas que também é feita das pequenas coisas de cada dia. A consciência vocacional surge quando na vida e na história, com suas alegrias e tristezas, se começa a vislumbrar uma terceira dimensão da realidade que os sentidos e a razão não captam. É um avançar para águas mais profundas. É um processo cujo ritmo não é o mesmo para todos. Frequentemente é interrompido por falta de discernimento, de silêncio interior, ou mesmo por falta de paciência com o próprio Deus.
A palavra vocação, ao ser pronunciada, desdobra-se em vários sentidos que ela vai revelando e, ao mesmo tempo, cobre com um véu. Fala de algo que é profundamente nosso mas, simultaneamente, superior a nós. É uma palavra que soa como um símbolo. O símbolo é símbolo quando estabelece uma relação com quem o percebe. É uma relação entre um sujeito e um objeto. Símbolo vem do verbo grego sumbállo, jogar, lançar envolver conjuntamente Um símbolo que não fala diretamente, deixa de ser símbolo.O símbolo não revela seu sentido e permanecerá letra morta, se não se superar uma dicotomia entre o que é objetivo e o que é subjetivo. É o que acontece com a palavra vocação. Ela não é interpretada num conteúdo objetivo de conhecimento racional, porque diz respeito a uma dimensão fundamental da nossa existência. Aqui vale a expressão de P. Evdokimov, teólogo ortodoxo: "Não é o conhecimento que ilumina o mistério, é o mistério que ilumina o conhecimento". Alguém poderá ajudar-me a ler um símbolo da palavra vocação mas o seu sentido não depende de uma interpretação que vem de fora: ele é captado no próprio processo da vivência vocacional. Por esta razão a introspecção, a presença a si mesmo, é um elemento metodológico indispensável para quem quer refletir sobre vocação.
Vocação não é uma construção mental, ela é sempre histórica. Envolve dados antropológicos bem concretos. Mas também não é uma disposição natural e espontânea que orienta uma pessoa no sentido de uma atividade, uma função ou profissão. Não que os nossos pendores ou tendências sejam excluídas da vocação cristã. Já dissemos que a vocação não passa por cima da nossa realidade humana, embora como opção, isto é, enquanto resposta a um chamado, não deixe de exigir renúncias. A vocação na perspectiva cristã supõe uma abertura para o Mistério que orienta a nossa vida do interior e do exterior.
A vocação será sempre uma busca e, portanto, uma interrogação. A vocação nasce quando identificamos nos nossos desejos, perguntas e temores a voz do Senhor: "Que procurais?" Frequentemente nós mesmos não sabemos definir o que buscamos. A nossa resposta é outra pergunta: "Mestre onde moras?" Jesus não tem endereço fixo: "Vinde e vede". Meio desajeitados, seguimos os passos dele. Edith Stein tinha razão quando dizia: "Tenho certeza de que o Senhor me conduz, mas, aonde, não sei ".
*Dom Frei Vital Wilderink, O Carm- Eremita Carmelita e 1º Bispo de Itaguái/RJ - foi vítima de um acidente de automóvel quando retornava para o Eremitério, “Fonte de Elias”, no alto do Rio das Pedras, nas montanhas de Lídice, distrito do município de Rio Claro, no estado do Rio de Janeiro. O acidente ocorreu no dia 11 de junho de 2014. O sepultamento foi na cidade de Itaguaí/RJ, no dia 12, na Catedral de São Francisco Xavier, Diocese esta onde ele foi o primeiro Bispo.
O CARMELO – UMA LUZ NA ESCURIDÃO
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Frei Chalmers Joseph, O. Carm. Ex- Prior Geral da Ordem do Carmo.
Os eremitas que foram para o Monte Carmelo deixaram seus lares na Europa por várias razões. Talvez quisessem experimentar a emoção das Cruzadas ou estivessem se penitenciando por algum pecado. Seja qual for a razão, decidiram fazer do Monte Carmelo seu lar para viver em obséquio de Jesus Cristo como eremitas em santa penitência.
A Europa estava agitada no final do século XII e início do século XIII. Era grande o número de movimentos religiosos. Hoje não usamos mais o termo “fuga mundi” que os eremitas usaram. Não gostamos da ideia de que talvez estejamos fugindo do mundo, embora algumas vezes somos acusados de fazê-lo. Contudo, no tempo dos eremitas, “fuga mundi” não tinha a conotação negativa que tem hoje. Os primeiros monges e eremitas deixaram o mundo para ir ao deserto, conhecido como a fortaleza dos demônios. Eles foram para o deserto não para ter uma vida calma e tranqüila, longe dos problemas do mundo, mas para lutar contra o Maligno que “rodeia por aí como um leão que ruge, espreitando a quem devorar” (1Pd 5,8; Regra 18). Para tomar parte nessa batalha, eles precisavam de fortes armaduras. É por isso que nossa Regra pede que nos revistamos da armadura de Deus para que possamos resistir às emboscadas dos inimigos (Regra 18).
Os eremitas seguiram esse modo de vida em obséquio de Jesus Cristo porque queriam levar luz às trevas e vencer o Maligno. Eles estavam respondendo ao chamado de Deus. Suas decisões moldaram profundamente nossas vidas e geraram a grande Família Carmelitana presente hoje em cada continente. Imaginamos a vida espiritual de forma diferente e enfrentamos problemas diferentes de acordo com o lugar em que vivemos e servimos, mas nossa vocação é fundamentalmente a mesma como descreve nossa Regra. Devemos assumir os valores carmelitanos fundamentais que estão em nossa Regra e que plenificam a história de nossa Ordem e as vidas de tantos irmãos e irmãs carmelitas, especialmente nossos santos e grandes teólogos. Devemos enfrentar nosso mundo que, às vezes, é muito diferente, com esses valores carmelitanos fundamentais. Nossas Constituições exprimem o que a Ordem considera como valores carmelitanos fundamentais para nós hoje.
Nas Constituições, a Ordem diz: “Os carmelitas vivem sua vida em obséquio de Jesus Cristo com o compromisso de buscar a face do Deus vivo (a dimensão contemplativa da vida), pela fraternidade e pelo serviço no meio do povo” (Const. 14). As Constituições continuam dizendo que esses valores são ligados pela experiência do deserto, que é um modo de descrever a contemplação. Nossa missão na Igreja é promover a busca por Deus e por uma vida de oração (Const. 95). Em nosso seguimento de Cristo hoje, deixamos nossas vidas serem moldadas pela Palavra de Deus e nos inspiramos nos exemplos de Nossa Senhora e do Profeta Elias.
Devemos cooperar com Jesus Cristo em seu trabalho de conduzir os seres humanos para o Reino de Deus. Fazemos isso através dos diferentes ministérios nos quais estamos envolvidos. O grande trabalho de Cristo é proclamar a Boa Nova de Deus através de sua pregação mas, acima de tudo, por sua morte e ressurreição. Ele traz salvação, que é a transformação dos seres humanos na imagem e semelhança de Deus e a transformação de nosso mundo de acordo com a vontade de Deus. Jesus disse ao povo na sinagoga de Nazaré que veio proclamar a Boa Nova aos pobres (Lc 4,16-21). Os profetas tinham diversas formas de visualizar a era messiânica de paz e de justiça quando a Boa Nova seria realizada. Isaías profetizou,
“Um ramo sairá do tronco de Jessé, um rebento brotará de suas raízes.
Sobre ele repousará o espírito de Iahweh, espírito de sabedoria e de inteligência, espírito de conselho e de fortaleza, espírito de conhecimento e de temor de Iahweh:
no temor de Iahweh estará a sua inspiração. Ele não julgará segundo a aparência. Ele não dará sentença apenas por ouvir dizer.
Antes, julgará os fracos com justiça, com eqüidade pronunciará sentença em favor dos pobres da terra. Ele ferirá a terra com o bastão de sua boca, e com o sopro dos seus lábios matará o ímpio.
A justiça será o cinto dos seus lombos e a fidelidade, o cinto dos seus rins.
Então o lobo morará com o cordeiro, e o leopardo se deitará com o cabrito. O bezerro, o leãozinho e o gordo novilho andarão juntos e um menino pequeno os guiará.
A vaca e o urso pastarão juntos, juntas se deitarão as suas crias. O leão se alimentará de forragem como o boi.
A criança de peito poderá brincar junto à cova da áspide, a criança pequena porá a mão na cova da víbora.
Ninguém fará o mal nem destruição nenhuma em todo o meu santo monte, porque a terra ficará cheia do conhecimento de Iahweh, como as águas enchem o mar” (Is 11,1-9).
Somos chamados a fazer parte da realização do plano de Deus para nosso mundo. Para sermos colaboradores com Cristo, devemos permitir que a graça de Deus transforme nossos corações. Transformação não é apenas uma mudança externa de um ou dois detalhes, mas uma mudança profunda de como nos relacionamos com os outros, com o mundo e com Deus. Não podemos participar sem passar por um processo de transformação em nós mesmos.
O RIVC fala vigorosamente sobre esse processo de transformação que é tanto individual como coletivo:
“Através dessa transformação gradual e contínua em Cristo, que é realizada em nós pelo Espírito, Deus nos conduz a ele numa jornada interior que nos leva das margens dispersivas da vida ao âmago de nosso ser onde ele mora e nos une a ele.
Isso requer um esforço constante, radical e perpétuo, pelo qual, inspirados pela graça de Deus, começamos a pensar, julgar e reorganizar nossas vidas de acordo com a santidade e bondade de Deus como nos é revelado e extravasado em abundância no Filho.
Esse processo não é linear nem uniforme. Envolve momentos críticos, crises no crescimento e no amadurecimento, estágios onde devemos fazer novas escolhas – especialmente quando temos que renovar nossa opção por Cristo. Tudo isso faz parte da purificação de nossos espíritos no nível mais profundo pelo qual podemos nos ajustar a Deus.
O processo interior que leva ao desenvolvimento da dimensão contemplativa nos ajuda a adquirir uma atitude de abertura à presença de Deus na vida, nos ensina a ver o mundo com os olhos de Deus e nos inspira a buscar, reconhecer, amar e servir a Deus naqueles ao nosso redor” (RIVC, 24).
Todo esse trabalho de transformação pessoal e comunitária está acontecendo num mundo cheio de problemas e de injustiça. A viagem espiritual não é uma fuga do mundo no sentido negativo, mas um retirada de certos aspectos da vida – casamento, família, carreira, etc., para concentrar nossas forças limitadas na mesma guerra em que os primeiros carmelitas estavam envolvidos. Devemos nos envolver completamente no mundo para cooperar com Cristo na sua transformação.
Os seres humanos e as estruturas humanas trazem muitos problemas ao nosso mundo. A história nos ensina que se uma guerra termina com uma paz onde um dos lados continua oprimido, ela simplesmente deixa os alicerces para uma próxima guerra. Hoje vemos muitas guerras que têm suas raízes em injustiças cometidas a centenas de anos atrás. Não podemos resolver os problemas de nosso mundo. E também não acho que é isso que se espera de nós. No entanto, é possível que estejamos contribuindo para o tumulto, fazendo parte do problema e não da solução. Devemos permitir que o Evangelho questione nossos valores e nossas razões. Nossos valores são realmente os valores do Evangelho? Nossos valores são os mesmos valores carmelitanos fundamentais? Nossos motivos são puros? Olhar para nós mesmos como realmente somos pode ser um processo muito doloroso.
Para sermos realmente parte da solução, devemos entrar ativamente no processo de transformação pelo qual Deus transforma nosso mundo, mas isso envolve também nossa transformação pessoal. Não podemos ter um sem o outro. Portanto, como os primeiros eremitas carmelitanos, devemos ir para o deserto enfrentar os demônios que vivem lá. Os demônios a que me refiro são aqueles que estão dentro do coração humano. O deserto não é necessariamente um lugar em especial, mas uma situação pela qual Deus nos fala ao coração e na qual não temos nossos meios comuns de fuga. As situações do deserto nos colocam face a face com quem somos. Somos bons porque Deus nos criou, mas somos marcados pela Queda – a condição humana e nosso pecado pessoal. Não é suficiente que nos arrependamos de nossos pecados. As raízes devem ser arrancadas, isto é, aquilo que nos levou a agir de determinada forma. Nossos tempos são marcados por uma perda do sentido do pecado. Então, em vez de buscar as causas de nossos pecados, sejam elas quais forem, poderíamos buscar o que nos motiva em toda nossa vida. Caritas Christi urget nos? Realmente? Somos motivados por outros motivos menos elevados? Olhe para o que você gosta ou não; olhe para suas emoções fortes – sua raiva, seus sentimentos de rejeição e assim por diante. Tente dar nome a algum deles e iluminá-los. De onde eles vêem? Quais são as causas dessas emoções e do comportamento que às vezes se baseia nelas?
Depois de um Capítulo, um Provincial e um Conselho enfrentam um grande número de desafios. Eles devem seguir o mandato do Capítulo mas devem fazê-lo dentro dos limites da realidade da Província. Algumas vezes no Capítulo, esta realidade não é levada em conta e as pessoas são levadas pela euforia. O Provincial e o Conselho devem adaptar as pessoas aos serviços. Eles devem enfrentar a realidade da Província que algumas vezes não é conhecida publicamente. Irmão X não pode viver com Irmão Y; Irmão Z não pode viver numa comunidade pequena; Irmão A pode viver em qualquer comunidade por no máximo três anos, mas depois deve ser transferido; Irmão B., não o famoso citado na Regra mas o atual com todas as suas limitações, vai a qualquer lugar dar o melhor de si. Toda Província é uma mistura de pessoas com diferentes dons e limitações. O Provincial e os Conselheiros também têm seus problemas, o que limita a visão e a compreensão das questões que têm diante de si.
Temos uma vocação comum como carmelitas. Estamos nisso juntos. Devemos nos apoiar mutuamente. Se vamos nos ajudar mutuamente, cada um de nós deve ir para o deserto e enfrentar seus próprios demônios sejam eles quais forem, e serão diferentes para cada um de nós. Se não caminharmos no deserto voluntariamente, ficaremos parados em algum ponto de nossas vidas e isso pode ser muito mais difícil. Protegidos pela armadura dada por Deus, precisamos lutar contra tudo que é falso dentro de nós e tudo que soma aos problemas do mundo. A falsidade dentro de nós pode ser muito sutil e se esconder sob a aparência da religiosidade, de modo que não é revelada e vista como é.
Assim como os eremitas deixaram seus lares por muitas razões, podemos dizer o mesmo de nós. Desejávamos nos tornar carmelitas mas não compreendemos plenamente o que implicava esta escolha. Isso ficou claro ao nos depararmos com cada estágio de nosso desenvolvimento humano e religioso. A jornada carmelitana é uma jornada para a transformação. Ao percorrermos este caminho, entramos conscientemente num processo de purificação de nossos motivos que se escondem por trás do que fazemos e do que dizemos diariamente.
A oração é essencial para essa jornada. Como a RIVC diz:“ Na oração nos abrimos para Deus que, por sua ação, gradualmente nos transforma através de todos os grandes e pequenos eventos de nossas vidas. Esse processo de transformação nos permite entrar e manter relacionamentos fraternos autênticos; nos torna dispostos a servir, capazes de compaixão e de solidariedade, e nos dá a capacidade de colocar diante do Pai as aspirações, angústias, esperanças e clamores do povo.
A fraternidade é o campo de provas da autenticidade da transformação que está acontecendo dentro de nós. Descobrimos que somos irmãos viajando para o Pai, partilhando os dons do Espírito e apoiando uns aos outros no cansaço da jornada” (RIVC, 23).
O Cultivo da Música entre os Carmelitas do Brasil
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Frei Pedro Caxito O.Carm.
INTRODUÇÃO
Ao tratarmos do "Cultivo da Música entre os Carmelitas do Brasil", queremos pôr em mente três realidades, que lhes dizem respeito: 1ª - São filhos da Igreja; 2ª - São membros da Ordem do Carmo surgida na Terra Santa, em plena Idade Média no decorrer do tempo das Cruzadas; 3ª - Aqui aportaram, já no final da Época das Descobertas, como filhos do Carmo português, do qual o Santo Condestável, Nuno Álvares Pereira, foi admirador, protetor, promotor e o maior filho. Dele vieram a receber, em Lisboa, o "Convento de Nossa Senhora do Vencimento (de Monte do Carmo)"[1]
AS ESCRITURAS
"São filhos da Igreja, o novo «Israel de Deus»".
Os israelitas eram constantemente convidados a louvar o Senhor com um cântico novo[2]. Nas várias festividades de Israel, o Senhor Jesus, como autêntico israelita, com voz de tenor, talvez, cantava os salmos com os seus discípulos e com o seu povo: "Depois de terem cantado os salmos, foram para a colina das Oliveiras" (Mt 26,30).
A Virgem Santa, em casa de Isabel, em alta voz entoou ao Deus Único o seu canto de alegria, de engrandecimento do Senhor e de libertação dos humildes.
Maria cantava. "O Universo, como a Catedral, é um conjunto cheio de harmonia a cantar a glória de Deus. Deste cântico a Santa Virgem é a nota mais alta, que ressoa em cada ângulo e oferece a tudo leveza e serenidade. Sobretudo às almas atormen-tadas"[3]. A eternidade inteira será pouca para Ela a cantar o seu Magnificat e engrandecer ao seu Deus e Salvador, toda alegre no seu espírito, deslumbrada a contemplar a beleza daqueles olhos, que olham para a pequenez da sua serva.
Para a freira jeronimita, Sóror Joana Inês de la Cruz (1651-1695), a humilde Mãe de Deus, "Angélica en hermosura", é "a Mestra Divina da Capela Suprema" do Universo[4].
Diz São Paulo: "Orabo spiritu, orabo et mente; psallam spiritu, psallam et mente" "Rezarei com o meu espírito, rezarei também com a minha mente; salmodiarei com o meu espírito, salmodiarei também com a minha mente" (1Cor 14,15): e os cristãos aprenderam, obedientes. Diz-nos Frei Carlos Mesters O.Carm: "Canta-se muito no Apocalipse" (4,8.11; 5,9-10.12-13; 6,10; 7,10.12; 11,15.17-18; 12,10-12; 15,3-4 etc)[5].
OS CRISTÃOS
As Atas dos Santos Mártires nos contam que "Cantantibus organis, Cæcilia virgo in corde suo soli Domino decantabat" (Enquanto os órgãos ressoavam, Cecília Virgem, no íntimo do seu coração, cantava somente ao Senhor).
E Santo Agostinho realmente o confessa: "Quanto chorei copiosamente, ao som dos teus hinos e cânticos, comovido profundamente com as vozes da tua Igreja a cantar suavemente! Nos meus ouvidos aquelas vozes penetravam e a tua verdade destilava no meu coração. Acendia-se em mim um piedoso sentimento, dos meus olhos as lágrimas corriam e chorar fazia-me bem"[6].
O MAGISTÉRIO
A "Constituição sobre a Sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium" o constatou:"Na verdade, cumularam de louvores o canto sacro tanto a Sagrada Escritura (cf. Ef 5,19 e Cl 3,16) quanto os Santos Padres e os Romanos Pontífices que, recentemente, a começar por São Pio X, definiram mais claramente a função ministerial da música sacra no culto do Senhor"[7]. E continua: "A Igreja não considerou nunca como seu nenhum estilo de arte, mas conforme a índole dos povos e as condições e necessidades dos vários Ritos admitiu as particularidades de cada época, criando no curso dos séculos um tesouro artístico digno de ser cuidadosamente conservado"[8].
Dizia São Pio X:"O fim próprio da (Música Sacra) é acrescentar mais eficácia ao texto (litúrgico), a fim de que por tal meio se excitem mais facilmente os fiéis à piedade e se preparem melhor para receber os frutos da graça próprios da celebração dos sagrados mistérios"[9]
E Pio XI afirmava:"É admirável como quanto, já desde aquela mais remota antigüidade, aqueles cânticos ingênuos, que adornavam a prece e a Ação Litúrgica, concorreram para afervorar a piedade do povo! Nas antigas basílicas, principalmente onde o Bispo, o clero e o povo alternavam os louvores divinos, os cânticos litúrgicos contribuíram não pouco, segundo testemunha a História, para conduzir muitos dos bárbaros à cultura cristã e civil. (...) Em Milão, Santo Ambrósio era acusado pelos hereges de fascinar as turbas com cânticos litúrgicos, pelos quais Santo Agostinho foi empolgado e aceitou o conselho de abraçar a fé cristã"[10].
Diz ainda o Concílio Vaticano II na sua Constituição sobre a Sagrada Liturgia, "Sacrosanctum Concilium":"Havendo em algumas regiões, principalmente nas Missões, povos que têm uma tradição musical própria, que desempenha importante função na sua vida religiosa e social, a esta música se dêem a devida estima e o lugar conveniente, tanto para lhes formar o senso religioso, quanto para adaptar o culto à sua mentalidade (...)"[11].
Já dizia anteriormente que a finalidade da Música Sacra é a glória de Deus e a santificação dos fiéis e que o canto sacro faz parte necessária ou integrante da liturgia solene. Mais: "A Igreja aprova e admite no culto divino todas as formas de verdadeira arte"[12]. Comenta alguém: "novamente a música como tal é Liturgia"[13]. Quer dizer então que Música Sacra é Liturgia, e a Liturgia é uma coreografia, para não falar uma dança. Eis o que para a sua filha escreve uma santa mãe: "A dança não é coisa má. Ela é o termômetro que marca a temperatura entre o nosso corpo e a nossa alma; ela «deve ser proporcional e harmônica e menos temperamental». Podemos até mesmo considerar todos os movimentos da Santa Missa como uma dança"[14].
A ORDEM CARMELITA
"São membros da Ordem do Carmo".
A santa Regra diz no Capítulo 10º[15]: Oratorium, prout comodius fieri poterit, construatur in medio cellularum, ubi mane per singulos dies ad audienda missarum solemnia convenire debeatis, ubi hoc comode fieri potest.(Da maneira que for possível fazê-lo mais comodamente, no centro das celas seja construído um Oratório[16], aonde, cada dia pela manhã, deveis ir encontrar-vos[17], para ouvirdes as solenidades das missas, sempre que isto puder realizar-se comodamente). Capítulo central: o oratório no centro das celas; Jesus Eucarístico e Maria, Mãe de Jesus, no centro do oratório; e o convenire no centro da vida fraterna.
Dizia Santo Atanásio, Bispo: "Os Santos, enquanto viviam neste mundo, estavam sempre alegres, como em contínua festa. Um deles, o Bem-Aventurado Davi, levantava-se de noite, não uma, mas sete vezes, para atrair com suas preces a benevolência divina. Outro, o grande Moisés, exprimia a sua felicidade entoando hinos e cânticos de louvor a Deus pela vitória alcançada sobre o Faraó e sobre todos os que tinham oprimido o povo hebreu. Outros ainda dedicavam-se alegremente ao exercíco contínuo do culto sagrado, como o grande Samuel e o Bem-Aventurado Elias. Todos eles, pelo mérito das suas obras, já conquistaram a liberdade e celebram no céu a festa eterna[18]".
Elias arquétipo constelado: do canto, portanto, e da música também.
Segundo Frei Egídio Palumbo O.Carm.[19]:
"No Capítulo III (da Institutio Primorum Monachorum) dizem-nos que Elias, quando voltou do Horeb, escolheu o Carmelo como o lugar mais apto para a vida monástica e para a «disciplina profética», porque um lugar sadio, lugar de paz e tranqüilidade. Aí Elias, juntamente com os seus discípulos, edificou uma casa de oração, chamada «semnion»[20], onde se reuniam três vezes por dia para louvarem a Deus por meio de salmos e cânticos acompanhados de instrumentos musicais, e para ouvirem a Lei e os Profetas".
"No Capítulo V do Livro VI se diz que os monges do Carmelo eram chamados «profetas» porque salmodiavam: cantavam em louvor de Deus salmos e hinos, acompanhados por instrumentos musicais".
Já se dizia o mesmo no Livro II, cap. III, como se fosse "outra imagem complementar da primeira"[21]. "Com a vinda de Jesus Cristo - contam-nos assim naquela mesma obra (Livro IV, cap.5º) - este rito de louvor a Deus ao som de instrumentos musicais foi interiorizado conforme as palavras do Apóstolo: «Sede cheios do Espírito, entretendo-vos mutuamente por meio de salmos e cânticos espirituais, entoando hinos ao Senhor com todo o vosso coração, por todas as coisas dando graças a Deus Pai continuamente, em nome do Senhor Nosso, Jesus Cristo» (Ef 5,18-20). Aqui também, segundo penso, revela-se o peso da intenção do autor de, numa linguagem e figuras diversas, reafirmar aquele «entrelaçamento»: oração/vida já observado na Regra, e que significa fazer da nossa vida uma doxologia perene, um autêntico «Louvor de Glória» - para usar o modo de falar de Isabel da Trindade - onde esteja espelhada a presença do Deus Vivo".
Tudo é sacramento, sempre sinal de uma realidade mais alta.
Se não julgarmos apressadamente, entenderemos a "mentalidade simbólica" do homem da Idade Média, que confirma gestos presentes e anseios, garantindo que eram gestos e anseios dos antepassados, gestos e anseios presentes naqueles tempos, em que viviam.
Diz Carlos Cicconetti O.Carm., citando Lubach H.[22]:
"Para o homem da Idade Média o universo, mais do que uma série de efeitos, é um sistema de símbolos. Apresentar a razão das coisas, portanto, não consiste unicamente em explicá-las pelas causas internas, mas em descobrir a sua misteriosa densidade simbólica que vai além da cortiça das aparências. O simbolismo, mais do que uma simples mentalidade, torna-se então um método universal, um meio de conhecimentos, que se aplica em todos os domínios, sempre à procura dos Arcana spiritualis intelligentiæ, dos arcanos de uma inteligência espiritual. Aplica-se bem, tanto ao estudo do cosmos, da filosofia, da teologia e da história, como às regras do direito canônico"[23]. Anteriormente, Joris-Karl Huysmans (1848-1907), pela boca de Durtal, herói do seu romance La Cathédrale, tinha proclamado: "A Idade Média sabedora de que tudo é sinal nesta terra, tudo é figura, que o visível tanto vale quanto revela o invisível, a Idade Média que não era, na verdade, escrava das aparências, como somos nós, estudou profundamente esta ciência (o simbolismo) e dela fez criada e servidora da mística"[24].
Declarava o piedoso Geral da Ordem, Nicolau, o Francês:
"Nobis autem ad laudem psallentibus Creatoris, montes circumstantes, fratres nostri conventuales, iuxta identitatem vocis nostræ, linguæ polite plectra percutientes, ac versus organice in aere modulantes, una nobiscum tono concordi resonant Dominum collaudantes" (Quando, porém, entoamos os nossos salmos em louvor do Criador, os montes dos arredores, confrades nossos conventuais, identificam-se com as nossas vozes, tangendo afinadamente a lira das suas línguas e, ao som dos órgãos, pelos ares ecoando os seus hinos, ressoam conosco numa tonalidade cheia de harmonia, e louvam ao Senhor)[25].
Com toda a natureza o carmelita canta louvores ao Criador e ama a "diaconia da beleza"[26].
JOÃO DU MOULIN aos três anos de idade ficou cego em conseqüência de um sarampo mal cuidado, mas Deus e a natureza compensaram a falta da visão com uma grande força de vontade e um ouvido e talento musicais, que muito o alegraram. Aprendeu bem cedo órgão, espineta, cítara, guitarra, viola, alaúde, flauta doce, flauta alemã e oboé: João du Moulin, que muito alegrou as festas populares, tornou-se Fr. João de São Sansão, carmelita, para alegrar a casa de Deus com as suas melodias e fazer os corações aspirar às alturas harmoniosas da mística[27].
ANTÔNIO EDUARDO JAWELAK, natural de Pittsburg na Pensilvânia (USA), cego de nascença, foi chamado a "maravilha da nossa época". Nasceu a 1º de abril de 1896. Aos dois anos de idade a todos já supreendia pela facilidade de decorar e executar qualquer trecho dos grandes compositores: os dedinhos, os cotovelos e até o nariz o ajudavam. Aos cinco anos já era levado em excursões musicais. Cresceu alegre e musical. Foi organista da igreja carmelita de Pittsburgh. Se era organista de um repertório de mais de 400 partituras, tornou-se também compositor e, para agradecer a graça da sua vocação, compôs uma admirável Missa em louvor de Nossa Senhora do Carmo. De fato, já órfão de pai e mãe e - apesar de alguns membros da família lamentarem "tal desperdício de talento" - apoiado pela sua tia e madrinha, professou na Ordem do Carmelo no dia 15 de agosto de 1932, quando tinha 36 anos de idade,... e "a sua música pertenceu ciosamente só a Deus, Nosso Senhor". Vítima de úlcera varicosa nas pernas, sofreu pacientemente por quase dez anos, sem perder aquele humor inocente, quase infantil, transbordante de simplicidade, que sempre o assinalou. Faleceu no dia 14 de agosto de 1976, aos 80 anos de idade, marcado pela Vigília da gloriosa Assunção da Virgem Maria, Nossa Senhora, aos céus. Para ele "obstáculo = uma coisa que a gente sempre vence!"[28].
"Aqui aportaram, já no final da época das Descobertas, como filhos do Carmo português". Veremos no capítulo seguinte.
[1]. Cf. Leandro Tocantins Santa Maria do Belém do Grão Pará Editora Civilização Brasileira S.A. 1963 p.176.
[2]. Sl.32 [33],2-3; 95 [96],1-3 etc.
[3]. Cf. La Civiltà Cattolica em J.- K. Huysmans: a Dio passando per il satanismo II 1998 I p.350
[4]. Octavio Paz Sor Juana Inés de la Cruz Editora MANDARIM São Paulo 1998 p.326 e 439
[5]. Carlos Mesters Comentário ao Apocalipse de São João Edições Paulistas Lisboa 1985 p.68.
[6]. Confissões Livro IX c. 6º.
[7]. Sacrosanctum Concilium n.112. "Estejais repletos do Espírito Santo, alegrando-vos uns aos outros com salmos, hinos, cânticos espirituais, cantando e festejando ao Senhor com todo o vosso coração" (Ef 5,19); "Instruí-vos e admoestai-vos mutuamente com toda a sabedoria, de todo o coração e com gratidão cantando a Deus salmos, hinos e cânticos espirituais" (Cl 3,16).
[9]. Motu Próprio de S.Pio X Tra le sollicitudine 22 de novembro de 1903 n.1 - DOCUMENTOS PONTIFÍCIOS Editora Vozes 1959 p.5.
[10]. Pio XI na Constituição Apostólica Divini Cultus 20 de dezembro de 1928 n.2 - DOCUMENTOS PONTIFÍCIOS Editora Vozes Ib. p. 15.
[11]. Sacrosanctum Concilium n.119.
[13]. Gerard Kock ENTRE O ALTAR E O CORO - Música Sacra: liturgia ou arte? apud Revista Concilium/222 - 1989/2 p.15 [159]
[14]. Eneida Assumpção Menezes Para minha filha Rachel Editora VIGÍLIA Ltda. Belo Horizonte (MG) 1961 p.67
[15]. É o Capítulo Central: Oratório no centro físico - Eucaristia do Senhor e Maria no centro espiritual
[16]. "No centro levantar-se-á o Santuário" (Ez 48,8). E também: "E estes todos, com sentimentos iguais, eram perseverantes na oração na companhia de algumas mulheres e Maria, a Mãe de Jesus, e com os irmãos dele" (At 1,14).
[17]. "Todos juntos freqüentavam o Templo todos os dias" (At 2,46).
[18]. (Ep 14,1-2 - PG 26, 1419-1420)
[19]. Frei Egídio Palumbo em O Carmelo a serviço da Nova Evangelização Fraternità Carmelitana Pozzo di Gotto 1993. Tradução minha.
[20]. "Semnion" quer dizer lugar venerável, augusto, sagrado.
[21]. A primeira das imagens simbólicas fortemente evocativas do Carmelo das origens é a "centralidade" da igrejinha dedicada a Santa Maria.
[22]. Em Exégèse médiévale. Les quatre sens de l' Écriture 4 v. Aubier Paris 1959-1964
[23]. Carlos Cicconetti LE PROPHÈTE ÉLISÉE, PREMIER-NÉ DES CARMES ET LEUR MODÈLE selon John Baconthorpe (1290-1348) em Carmel 1994/1 p.40-41. Frères Carmes - Toulouse.
[24]. J.- K. Huysmans La Cathédrale apud La CiviltÀ Cattolica Anno 149 1998 n. 3544 p.350 no artigo acima citado.
[25]. Nicolau, o Francês Ignea Sagitta c. XI em Carmelus v.9º p.299 Roma 1962.
[26]. Ver Frei Egídio Palumbo O.Carm. o.c.
[27]. Joachim Smet O.Carm. The Carmelites vol.III, tomo I Carmelite Spiritual Center Darien Illinois (USA) 1982 p.41-42 e Hein Blommestijn O.Carm. Jean de Saint-Samson (1571-1636) Institutum Carmelitanum 1987 Roma p.37, 39, 44-48.
[28]. The Universe (16-05-1941) citado por Mensageiro do Carmelo Ano XXIX p.270; Plácido H. Otterson O.Carm. O Músico de Deus apud Mensageiro do Carmelo Ano XLVI 1958 p.88-89; Analecta Ord.Carm. Ano LXIX vol.33 p.36-37 e Norman Werling O.Carm. em The Sword vol. XL n.2 1980 p.33-36.
*O lugar do profeta: a fuga não é solução: Uma leitura de 1Rs 19,1-21 – Elias no Horeb
- Detalhes
Pe. Jaldemir Vitório SJ
Introdução
A cena de Elias, no monte Horeb, parece destoar do conjunto da tradição em torno do profeta. Teve coragem de profetizar, contrariando a casa real (1Rs 17,1-17). No estrangeiro, mostrou-se solidário com uma pobre viúva, à beira da morte por inanição (1Rs 17,8-24). A cena no monte Carmelo descreve-o com uma impavidez invejável, a ponto de, sozinho, desafiar os quatrocentos e cinquenta profetas de Baal e, no fim, passar todos ao fio da espada (1Rs 18,20-46). O injustiçado Nabot encontrou em Elias um defensor destemido, cujas palavras desmascararam a má conduta do rei e de sua mulher e anunciaram a terrível punição pela impiedade (1Rs 21,1-29). Falou duro contra o rei doente que, ao invés de confiar em Javé, preferiu consultar Beelzebub (2Rs 1,1-17). A carreira gloriosa de Elias foi concluída com o arrebatamento para o céu, levado num “carro de fogo e cavalos de fogo” (2Rs 2,1-28).
1Rs 19,1-21 apresenta o profeta de forma muito diferente. “Desespero profundo, expressão de fracasso, e rejeição do ofício profético são os temas preponderantes” (COGAN, 2001, p. 456). Tem-se a impressão de terem fracassado os esforços para fazer frente à disseminação da idolatria em Israel. A fuga desponta como a única saída. É como se estivesse fugindo da luta. Javé, porém, fá-lo tomar o caminho de volta, para o “lugar” de onde não deveria ter saído.
Este artigo pretende fazer uma leitura de 1Rs 19, levando em consideração o conjunto das tradições em torno do profeta Elias, sem se deter nas várias questões de crítica textual, de unidade, de relação com o capítulo precedente, de historicidade, de significado de certas palavras e expressões, evidentes no texto. O sentido do conjunto é claro, apesar dos entraves pontuais no texto hebraico[1]. No correr da leitura, será explicitado o que, em análise narrativa, é chamado de “ação transformadora”. Ou seja, o caminho percorrido pela ação desde a situação inicial até o seu desfecho (MARGUERAT-BOURQUIN, 2009, p. 59). O percurso da leitura mostrará como o profeta Elias, optando por fugir, foi para o lugar errado. Javé fá-lo voltar para o lugar onde deveria estar, pois, para um profeta verdadeiro, a fuga jamais será solução. Para ele, vale o que diz uma música brasileira bem conhecida: “Nada temer, senão o correr da luta!” O lugar do profeta é, sempre, o lugar do conflito. A fuga, mesmo para um lugar sacratíssimo – “o monte de Deus” – leva-lo-á ao lugar equivocado. É aí que ouvirá a ordem peremptória de Javé: “Vai e volta por teu caminho!” (v. 15a). Em outras palavras: “Volta para o teu lugar”.
1-O profeta Elias na mira da rainha Jezabel (vv. 1-2)
A narração inicia-se aludindo ao conflito do profeta com a casa real de Israel. O rei Acab informa à rainha Jezabel a ação violenta de Elias contra os profetas de Baal, como havia eliminado todos eles, matando-os à espada (1Rs 19,1; cf. 18,40).
Jezabel era estrangeira, filha do rei dos sidônios. Deve ter vindo para Israel no contexto da aliança entre Omri e Etbaal, seu pai. Omri deu-a em casamento a seu filho Acab (1Rs 16,31a). Era costume dar uma filha para o rei com quem se estabelecia aliança, certamente, para estreitar os laços entre os contratantes[2]. O casamento de Acab com Jezabel estreitou os laços entre Israel e Sidon.
Jezabel era devota adoradora de seu deus – Baal – e, por todos os meios, tentou implantar sua religião no reino de Israel. Acab, que deveria ser adorador de Javé, era de personalidade pusilânime. E se deixou manipular pela esposa, incapaz de se impor. Antes, “deu u’a mãozinha” a Jezabel para propagar o culto baalista. O baalismo em Israel teve grande sucesso, durante seu reinado. Por isto se diz dele, logo na primeira referência que se lhe faz na Obra Historiográfica Deuteronomista (Js-2Rs), que “foi prestar culto a Baal, adorando-o. Pôs um altar de Baal no templo de Baal que tinha construído em Samaria, ergueu um poste idolátrico e cometeu ainda outros pecados, a ponto de irritar o Senhor, Deus de Israel, mais do que todos os reis de Israel que o antecederam” (1Rs 16,31b-33). Os adoradores de Javé vivem uma situação difícil. Jezabel mandara eliminar os profetas de Javé. Um grupo sobreviveu, protegido por Obadias, que “os escondera em grupos de cinquenta em duas cavernas, alimentando-os com pão e água” (1Rs 18,4.13). Já “os quatrocentos e cinquenta profetas de Baal e os quatrocentos profetas de Asera” gozavam da proteção real, comendo à mesa de Jezabel (1Rs 18,19).
O profeta Elias desponta como defensor impávido da fé em Javé, disposto a tudo. No confronto com os profetas de Baal, no Monte Carmelo, sai vencedor. E manda prender os profetas de Baal, sem deixar escapar nenhum; “fê-los descer à torrente do Qishon, onde os degolou” (1Rs 18,40). Esta notícia chega a Jezabel por intermédio de Acab. A rainha é informada que Elias “tinha passado ao fio da espada todos os profetas de Baal” (1Rs 19,1). Desencadeia-se, então, contra ele uma cólera sem tamanho. A rainha toma a decisão de tirar-lhe a vida, mandando avisar-lhe por um mensageiro: “Os deuses me cumulem de castigos, se amanhã, a esta hora, eu não tiver feito contigo o mesmo que fizeste com a vida desses profetas” (1Rs 19,2). Os dias do profeta estavam contados. A rainha, de certa forma, dá-lhe tempo para fugir, pois não manda prendê-lo, imediatamente, e, sim, envia um mensageiro para comunicar-lhe sua intenção. É uma forma de dizer-lhe para “dar o fora”[3]. O profeta dispunha de um dia – “amanhã a esta hora” (v. 2) – para tomar as providências.
2-A fuga: uma forma de escapar ao conflito (vv. 3-5a)
Elias, cuja valentia fora demonstrada no enfrentamento com os profetas de Baal, passados ao fio da espada, mostra-se, agora, cheio de medo em face da ameaça de Jezabel. “Medo por sua segurança pessoal acompanha o profeta ao longo do presente episódio” (COGAN, 2001, p. 450). Do norte, vai na direção sul, chegando a Bersabeia, que está na extremidade sul de Judá, nos limites entre a terra habitada e cultivada e o deserto. “De Dan a Bersabeia” era a expressão para se referir aos limites da terra de Israel (Jz 20,1). Portanto, fugiu para o lugar mais longe possível. O lugar recorda Abraão, em suas andanças, num litígio com certo Abimelek, por questões de água para os rebanhos (Gn 21,22-34). Recorda, também, Isaac em litígio com o mesmo personagem, por igual motivo (Gn 26,23-33). Ou seja, o profeta foge para bem longe, onde os patriarcas perambularam. O sentido de suas andanças, porém, era muito distinto. “Sua viagem no deserto tinha, apenas, o significado de fuga e de retorno à não-existência” (MIKOLAJCZAK, 1999, p. 15).
O próximo passo consistiu em se embrenhar sozinho, pelo deserto, depois de deixar para trás o servo que trouxera consigo[4]. O “caminho de um dia” permitiu-lhe ir bem longe e ficar na mais completa solidão. O deserto era procurado por fugitivos e foragidos pela dificuldade de alguém ser encontrado, por não deixar rastros. Sem saber para onde ir, o risco de os perseguidores se perderem era grande. Temiam entrar deserto a dentro, sem rumo certo. Agar foge para o deserto, temendo as humilhações de Sara (Gn 16,6-7). Os israelitas, fugitivos da opressão egípcia, rumaram na direção do deserto para escapar da perseguição. Igualmente Davi, tentando livrar-se da fúria de Saul (1Sm 23,14).
Ocorre, então, algo que parece ir além do medo. Uma forma de depressão? Em todo caso, Elias senta-se à sombra de uma árvore, pedindo a morte, por não encontrar sentido para a vida. “Agora basta, Senhor! Tira a minha vida, pois não sou melhor do que meus pais” (v.4)[5]. “Elias não se vê mais como portador de uma relação especial com YHWH e, em desespero interior, pede para morrer, como a acontece com todo ser humano” (COGAN, 2001, p. 451). Ou, então, “o pânico que se abateu sobre ele, quando Jezabel fez conhecer a ameaça contra sua vida, fez-lhe murchar a auto-imagem inflada. Ele sempre se teve como sui generis e não pode viver com a consciência de que é um outro homem, sobrevinda ao longo da fuga” (ROBINSON, 1991, p. 517). O lutador incansável pela causa de Javé perde a motivação para a luta. Dá a causa por perdida! Não vale mais a pena lutar contra a maré. É melhor morrer do que ver o baalismo suplantar a fé dos pais. O profeta dá a impressão de não ter mais forças nem motivos para combater por seu Deus. Morrer seria, para ele, a solução. Antes era Jezabel quem estava decidida a pôr fim à vida do profeta (v. 2). Agora, o profeta, por si mesmo, não vê mais motivo para viver. “A perseguição de Jezabel lançou-o numa profunda noite de dúvidas espirituais e ele renuncia à missão e à própria vida. Esta condição interior do profeta não poderia ter sido melhor expressa do que na fuga para o deserto, lugar sem veredas e direções, o reino da morte” (MIKOLAJCZAK, 1999, p. 14).
“Deitando-se no chão, adormeceu à sombra do junípero” (v. 5a) é a alusão a uma morte simbólica. O sono de Elias é o sono da morte, a qual ele espera, colocando-se na posição de morte, de forma a antecipar o desfecho desejado. Ele já se considera morto!
Elias, aqui, é a figura do batalhador cansado, frustrado, decepcionado, que entrega os pontos e se recusa a continuar lutando por uma causa, na qual se jogara de corpo e alma. É a imagem do batalhador deprimido, que decidiu a própria morte, longe do campo de batalha. É a imagem do batalhador que deixou para trás a causa de seu Deus, a luta pelo direito e pela justiça em favor dos oprimidos e injustiçados. É a imagem do batalhador desiludido, em cujo horizonte desponta, apenas, a morte.
3-O encontro com Deus e a consciência de um equívoco (vv. 5b-14)
Enquanto o profeta espera a morte, na mais total abulia, envolvido por um profundo sono, eis que uma espécie de “ressurreição” começa a se processar em sua vida. No início da narração, fora abordado por um mensageiro (mal°¹k) de Jezabel, anunciando-lhe a condenação à morte. Agora, entra em cena o “mensageiro de Javé”, para chamar o profeta à vida. Tocou-o e ordenou-lhe: “Levanta-te e come!” (v. 5b). A decisão do profeta é, assim, contrariada. Pode-se suspeitar que não lhe cabe dar por terminada a missão recebida de Javé. Urge pôr-se de pé e retomá-la, com novo vigor.
A força ser-lhe-ia dada do alto. Daí ter percebido estar perto de sua cabeça um pão cozido sobre as brasas e uma bilha com água (v. 6). No passado, Elias já havido sido alimentado de forma misteriosa, quando, temendo o rei Acab, fora se esconder na torrente de Karit, a leste do Jordão. “Os corvos traziam-lhe pão e carne, tanto de manhã quanto de tarde, e ele bebia na torrente” (1Rs 17,6; cf. 17,15-16). A proteção divina de outrora se repetia no presente.
Ele que pensara estar solitário no deserto e, aí, poder morrer em paz, na verdade, estava sob o olhar atento de quem lhe pusera na mão uma bandeira: lutar pela fé! E Deus contrariava a opção do profeta pela morte. Queria-o, sim, vivo e aguerrido! Donde ter mandado o mensageiro para despertá-lo, recuperar-lhe as forças e mostrar-lhe o caminho de volta. Quando o profeta parecia querer esquecer Javé e que Javé se esquecesse dele, mais que nunca está sob o olhar divino. Javé não se esquece que o profeta é seu servidor.
A primeira reação do profeta é decepcionante. “Comeu e bebeu, e tornou a deitar-se” (v. 6b). Trata-se de uma atitude contraditória. Se, deveras, estava decidido a morrer, por que comeu e bebeu? Não seria esta uma forma de prolongar a agonia? Afinal, voltou a deitar-se, insistindo na decisão anterior pela morte. Neste caso, teria sido mais conveniente não comer e nem beber e, assim, garantir a morte por inanição, já que não dá mostras de querer tirar a vida com as próprias mãos. Satisfeita a necessidade física, a vida seria prolongada de maneira inútil. Da parte de Javé, a oferta de comida pode significar que não deseja a morte de seu profeta. Antes, que esteja em boas disposições para levar adiante a missão. Todavia, alimentado, o profeta voltou a dormir. Logo, não entendeu a intenção divina.
Entretanto, o mensageiro de Javé não o deixou em paz. Veio uma segunda vez, tocou-o e lhe ordenou levantar-se e comer, “porque o caminho será muito longo para ti” (v. 7). De que caminho se trata, senão o caminho de volta para o campo de batalha, lugar de onde não deveria ter saído? Com toda certeza, não se trata do caminho na direção do Horeb, para onde seguirá[6]. O mensageiro de Javé traz-lhe à consciência a missão de profeta e o lugar onde lhe cabe estar no exercício da missão. A fuga é uma atitude incompatível para quem se colocou nas mãos de Javé e aceitou tornar-se seu colaborador.
O profeta obedeceu à ordem do mensageiro. “Levantou-se, comeu e bebeu” (v. 8a). É um pequeno sinal de superação da crise. Poderia ter, simplesmente, se recusado a obedecer e continuar no sono, à espera da morte. Ou, então, repetido a atitude contraditória de comer, beber e voltar a dormir.
“Com a força desse alimento, andou quarenta dias e quarenta noites, até chegar ao Horeb, o monte de Deus” (v. 8b). A segunda refeição teve o efeito de recuperar o ânimo do profeta, a ponto de lhe dar forças para uma longa caminhada. Só que, ao invés de voltar para a Samaria e enfrentar a invasão baalista, segue no rumo da montanha onde Moisés falou com Deus e recebeu as tábuas da Lei (Dt 4,10.15; 5,2; 9,8; 18,16; 28,69)[7]. O Horeb – Sinai – é carregado de simbolismo para a fé de Israel. Ali Deus comunicou suas leis e mandamentos ao povo, por intermédio de Moisés, que permaneceu no monte durante “quarenta dias e quarenta noites” (Ex 24,18; 34,28). Por isso, tornou-se o lugar por excelência do encontro com Deus. Apesar de tudo isto, o profeta estava no lugar errado. Caminhar na direção do lugar sagrado, neste caso, correspondia a caminhar na contramão de Deus. O mensageiro de Javé já havia falado da “viagem de volta para Canaã, onde Elias deveria estar” (ROBINSON, 1991, p. 518-519). “Não existe nenhuma motivação religiosa em sua fuga... De fato, este é o único momento no ciclo de Elias em que o profeta faz uma viagem sem ser por ordem de Deus, mas porque é ele quem o quer. É o único momento em que age, independentemente, da palavra de Deus” (MIKOLAJCZAK, 1999, p. 13). Ele deseja mesmo é salvar a vida, escolhendo um lugar que lhe parecia seguro. Afinal, “Elias não foge só de Jezabel, mas também da sua missão profética e de sua responsabilidade” (MIKOLAJCZAK, 1999, p. 14).
Os “quarenta dias e quarenta noites” de caminhada evocam a caminhada de Israel pelo deserto ao longo de quarenta anos (Nm 14,32-34; Dt 8,2.4). Porém, na direção contrária: o Horeb esteve no início da marcha do povo pelo deserto; o profeta faz a caminhada pelo deserto, voltando ao Horeb. É como se pretendesse defrontar-se com quem lhe havia confiado uma missão impossível de ser levada adiante. Para quê? Para pedir explicação e protestar? Para se lamentar e declarar ter chegado aos limites das forças e dar por concluída a missão? Para ouvir palavras de consolo? Afinal, qual o motivo da peregrinação ao “monte de Deus”? São muitas as suposições.
Os traços da depressão de Elias permanecem ao chegar ao Horeb. Isto transparece no fato de ter entrado numa caverna e passado a noite (v. 9a). A caverna simboliza o túmulo: lugar fechado e sem claridade; na escuridão, a vida não pode se desenvolver. A indicação temporal – noite – aponta, também, para o estado de espírito do profeta. Tudo nele é escuridão, trevas, incompreensão!
Deus questiona o profeta, abordando-o no fundo de sua abulia. E o faz manifestando a surpresa de o profeta estar, ali, quando deveria estar alhures, defendendo a fé. “Que fazes aqui, Elias?” (v. 9b)[8]. É como se estivesse no lugar errado, e Deus quisesse saber o motivo, pois deveria estar em Israel, combatendo o baalismo com as consequências nefastas para o povo. Ele, jamais, confessará o real motivo da fuga: “sentir haver falido como profeta” (MIKOLAJCZAK, 1999, p. 16). Tanto esforço empregado deu em nada! O povo teria virado as costas para Javé, rompendo a Aliança. É como se a história de Israel, como povo de Javé tivesse chegado ao fim. Isto explica o desespero do profeta.
O profeta não se dá ao trabalho de deixar a caverna para responder a Deus. A resposta vem lá de dentro, ou seja, das entranhas de sua confusão existencial e de sua determinação de deixar de lado a missão. A resposta – uma forma de lamentação (v. 10) – não é das melhores. Começa declarando uma fidelidade exemplar a Javé – “Estou ardendo de zelo pelo Senhor, Deus dos exércitos”. Em seguida, relata a situação de Israel, que será, posteriormente, desmentida por Javé – “Os israelitas abandonaram tua aliança, demoliram teus altares e mataram à espada os teus profetas”. Deus dirá que muitos não se curvaram ao culto baalista (v. 18). O profeta ficou cego para se dar conta dos fatos: no Carmelo, o povo confessou fidelidade a Javé – “Todo o povo o presenciou; prostrou-se com o rosto em terra, exclamando: ‘É Javé que é Deus! É Javé que é Deus!’” (1Rs 18,39); o altar do Carmelo fora restaurado (1Rs 18,30) e muitos profetas de Javé foram salvos e protegidos por Abdias (1Rs 18,3-4). Havia, pois, sinais de permanência da fé javista em Israel. Elias estava enganado.
Elias omite-se de mencionar a raiz de tudo isto e os responsáveis pela baalização do reino do Norte e da matança dos profetas, ou seja, Jezabel com o beneplácito de Acab. Por que o profeta “não dá nome aos bois”? Por que generaliza, quando era possível ser mais objetivo? “Só eu escapei” é o exagero de quem perdeu o senso da realidade e se tornou incapaz de perceber o que se passa a seu redor[9]. Ele se esquece ter eliminado, sem dó nem piedade, os profetas de Baal (v. 1; cf. 1Rs 18,40). Ou, então, é a tal ponto individualista, que não percebe outras pessoas lutando pela mesma causa. Ou é míope o suficiente para não tomar consciência de que seu protagonismo carece de base. “Mas agora querem matar-me também” é uma informação correta, embora exagerada. De fato, Jezabel decretou-lhe a morte, mas o braço de seu poder não era suficientemente longo para chegar até uma caverna no monte Horeb. Não precisava ir tão longe para se esconder da perseguição.
Nada do que disse Elias dava conta de responder à pergunta de Javé – “Que fazes aqui?” Explicou, mas sem convencer. Os motivos verdadeiros foram omitidos. Era um medroso, depressivo e individualista, incapaz de articular uma reação contra Jezabel, contando com as mediações disponíveis. Num rompante de valentia, eliminara os profetas de Baal. Entretanto, quando viu as consequências de sua bravata, deu marcha-ré. O super-homem fraquejou e mostrou quem, de fato, era. Portanto, a resposta carregada de piedade e de fidelidade a Javé encobria a verdade. Uma teologia forte – Javé é o Deus dos exércitos, forte e poderoso – está associada a uma antropologia fraca – Elias é um ser humano que perdeu o gosto pela vida.
Javé não se dá por convencido. A história do “zelo por Javé” soa como mal contada. Tem-se a impressão de que o profeta esteja censurando Javé por não se engajar na sua própria causa. É como se o profeta tivesse se consumido por causa de Javé, enquanto este estava na mais total tranquilidade. As palavras do profeta, então, caem no esquecimento, não são referidas, nem, tampouco, merecem o menor comentário por parte de Javé. É como se carecessem de valor. Javé deixa-as de lado, pois não lhe interessam.
O profeta é, então, confrontado com uma ordem peremptória – “Sai e permanece sobre o monte diante do Senhor!” (v. 11a). No espírito da narração, a ordem pode ser reformulada de variadas formas: “Deixe de lado esta depressão!” “Supere o pessimismo!” “Pare de pensar em morrer!” “Basta de ser medroso e ficar fugindo!” “Encare a realidade!” Mais do que sair de um lugar físico – a caverna –, Elias é instado a sair de si mesmo, do mundo interior no qual se enclausurara.
O profeta recebe a ordem de pôr-se sobre o “monte”, diante de Javé (v. 11b). O monte, ao contrário da caverna, é o lugar onde se abrem perspectivas e se descortinam horizontes. Era o lugar onde devia estar, se se dispusesse a mirar o futuro e a cultivar esperanças. A ordem divina – “Põe-te neste monte!” – pode, igualmente, ser parafraseada: “Aprenda a olhar a realidade de maneira correta!” “Considere as coisas com visão larga!” “Veja como o horizonte vai além do seu nariz!” “Observe quantas possibilidades existem a seu redor!” “Tome consciência de que nem tudo está perdido!”
No alto do monte, o profeta será instruído, pessoalmente, por Javé. Este poderia ter-se servido de um intermediário, como fizera ao mandar o mensageiro para acordar o profeta do sono letárgico (vv. 5-7). Pelo contrário, se dará ao trabalho de abrir os olhos do profeta e fazê-lo voltar para o lugar de onde jamais deveria ter saído. Um detalhe: o profeta não obedece à ordem de Javé. Isto acontecerá um pouco mais tarde. Os fatos seguintes encontra-lo-ão, ainda, entocado.
Foi dada ao profeta a chance de fazer uma experiência singular de contato com Javé. A afirmação – “Então o Senhor passou” (v. 11c) – alude à presença divina, misteriosa e inabarcável. O profeta foi ao encontro de Javé, e este não se furtou em vir-lhe ao encontro. Porém, encontrou-o arredio e renitente em abrir mão das posturas equivocadas. Não quer sair da caverna!
Acontece, então, uma sucessão de fenômenos ligados às teofanias, cujo pano de fundo é a manifestação de Deus associada às forças cósmicas[10]. São sinais indicadores da manifestação de Javé. Tem-se a impressão de aludirem à experiência de Moisés, no Sinai (Ex 19,16-18; 20,18)[11]. Em primeiro lugar, “um vento impetuoso e forte, que desfazia as montanhas e quebrava os rochedos” (v. 11b). A simultaneidade do furacão com a passagem de Javé não implica associação entre eles. Quem afirma é o narrador. Elias está, ainda, escondido na caverna. Quiçá percebesse a ação do vento impetuoso, sem se dar ao trabalho de ir ver o que se passava. O estado psicológico do profeta não dava lugar para curiosidade. Entretanto, “o Senhor não estava no vento”. O vento foi sucedido por um terremoto. O narrador observa que “o Senhor não estava no terremoto” (v. 11c). O abalo sísmico, portanto, não apontava para a presença de Javé. Em seguida, irrompeu um fogo. Pela terceira vez, o narrador declara que “o Senhor também não estava no fogo” (v. 12a). É possível suspeitar que o profeta esperasse uma manifestação espetacular de Javé dos exércitos, cujo zelo o consumia. Porém, a expectativa ficou frustrada. A três manifestações espantosas da natureza nada tinham a ver com a presença de Deus e sua manifestação. Javé não era o deus terrível e castigador, como o profeta imaginava.
Uma “voz mansa e delicada” (v. 12 b) sucede ao fogo[12]. Agora é uma manifestação pessoal, uma voz (qôl), e não uma manifestação impessoal, como nas três anteriores. O vocábulo voz tem a ver com diálogo, relação interpessoal, comunicação. No caso, trata-se de uma voz “mansa e delicada”, ou seja, sem estridência nem, tampouco, imposição. Aí, sim, é possível conversar. Javé manifesta-se num quase silêncio, onde sua presença só é perceptível para quem se dispõe a apurar os ouvidos e escutar com muita atenção. A experiência de efeitos dramáticos é irrelevante. Importante mesmo é a “voz”, à qual o profeta deverá escutar e colocar em prática, como fiel servidor de Javé.
Só então “ouvindo isto, Elias cobriu o rosto com o manto, saiu e pôs-se à entrada da gruta. Ouviu, então, uma voz...” (v. 13a). É possível se perguntar por que o profeta cobriu o rosto se nada viu, tendo apenas ouvindo uma vozinha? Elias não havia obedecido à ordem de se colocar no monte, diante do Senhor (v. 11). Agora, simplesmente, sai para fora da caverna. O ato de cobrir o rosto com a capa é uma atitude cautelar, pois é impossível contemplar a face de Javé e permanecer vivo (Ex 33,22-23; Jz 6,22; 13,2-22)[13]. Ele compreende estar na presença de Javé. Agora, sim, com ares de estar disposto a dialogar com Javé, escutar-lhe a voz.
As palavras de Javé – “Que fazes aqui, Elias” (v. 13b) – e a resposta do profeta são a exata repetição dos versículos 9b-10. Na primeira ocorrência, Deus lhe dá uma ordem, que não é obedecida, como se o profeta estivesse esperando a confirmação da presença de Javé, que não estava nem no vento, nem no terremoto e nem no fogo e, sim, na voz mansa e suave. Certificado de estar na presença de Javé, agora, sim, apresenta-se para o diálogo e é, novamente, questionado a respeito do motivo de estar ali, no Horeb, quando deveria estar alhures. A insistência num motivo, com aparência de piedade – “Estou ardendo de zelo pelo Senhor, Deus dos exércitos” (v. 14a) – é insuficiente para comover Javé e levá-lo a dar razão ao profeta. “A repetição da própria justificação para fazer a viagem revela a inflexibilidade e a falta de disposição para mudar o modo de pensar” (ROBINSON, 1991, p. 523). Elias está no lugar equivocado e Javé não vai lhe passar a mão na cabeça, sendo condescendente com o servidor infiel. Se, de fato, assumiu a causa de Javé com tanta convicção, não há porque fugir, nem, tampouco, tornar-se abúlico e se deixar levar pela depressão, optando pela morte. Pelo contrário, seu dever seria o de combater por Javé, até o fim, sabendo ter Javé a seu lado, como experimentara na cena do Carmelo, onde se manifestara como o Deus verdadeiro, reduzindo a nada Baal e seus profetas (1Rs 18). “Elias não deveria estar no deserto, nem no Horeb. Deveria estar na terra de Israel. O profeta fugiu de sua responsabilidade e foi censurado por Deus... O deserto simboliza a fuga de sua responsabilidade profética” (MIKOLAJCZAK, 1999, p. 16).
4-De volta ao “campo de batalha”, o lugar do profeta (vv. 15-21)
O clímax e o desfecho comportam dois momentos: no primeiro, Javé dá orientações precisas ao profeta (v. 15-18)[14]; no segundo, Elias obedece e começa a fazer o que lhe foi mandado (v. 19-21). A primeira atitude de Javé consiste em mandar o profeta de volta, para o lugar de onde jamais deveria ter saído. “Vai e volta por teu caminho, rumo ao deserto de Damasco” (v. 15a). “Deus convida seu profeta a voltar sobre seus passos e a retomar o caminho pelo qual veio, para retornar ao reino de Israel e, aí, continuar sua missão” (BRIEND, 1992, p. 31). Javé não quer o profeta ali, pois não é seu lugar. O v. 15a poderia ser traduzido como “Vai, volta à tua tarefa, à tua missão” (MIKOLAJCZAK, 1999, p. 21). Por isto, a ordem de voltar (shûb). Este é o verbo da conversão (Os 14,2) que consiste em dar meia volta do caminho errado e retornar ao caminho correto. A volta física deveria corresponder a uma reviravolta espiritual no coração do profeta. “Voltar pelo teu caminho” implicava um processo de reflexão, em vista da mudança de atitude em relação ao que fizera. A volta para o lugar onde deveria estar supõe, também, uma volta para Deus. Lá, haveria de encontrar Deus muito mais do que no Horeb, pois lá é o lugar da luta e este, o lugar da fuga e da alienação. Quem foge e se aliena, dificilmente, fará a experiência de Deus. Portanto, a urgência de tomar o caminho de volta. Elias foi mandado de volta para a missão, “pois nada está terminado” (MIKOLAJCZAK, 1999, p. 22).
O caminho indicado por Javé soa estranho: “o deserto de Damasco”. Afinal, os arameus eram inimigos históricos de Israel. A ordem divina, portanto, complicou a situação do profeta: para chegar ao território dos inimigos, era preciso transpor o território de Israel, onde a fúria de Jezabel contra ele permanecia inalterada. Javé, jamais, confia tarefas fáceis a seus profetas, nem, tampouco, as facilita. São sempre tarefas difíceis, para pessoas de fibra, em cujos corações não há lugar para o medo. Se o profeta, de fato, é zeloso pelas coisas de Javé, só lhe resta obedecer.
Javé passa, então, a elencar uma série de providências a serem implementadas por Elias, tendo em vista fazer frente ao avanço do baalismo em Israel.
A primeira providência consistia em “ungir a Hazael rei de Aram”, ou seja, dos sírios (v. 15b). A providência misteriosa, à primeira vista, passa a impressão de nada ter a ver com as questões internas de Israel. O que mudaria no Reino do Norte com a substituição do rei do país inimigo? O texto bíblico não fala do profeta cumprindo esta missão. Em todo caso, é Eliseu quem dirá a Hazael que ele será o rei dos sírios (2Rs 8,14).
A segunda providência consistia em ungir Jeú, filho de Namsi, como rei de Israel (v. 16a). Esta ordem faz sentido: trata-se de recorrer à mediação política, para dar um basta ao baalismo. Qual o caminho? Promover um golpe de estado, servindo-se do general das tropas de Israel[15]. A ordem será cumprida bem mais tarde, por iniciativa do profeta Eliseu, que envia um membro da corporação dos filhos dos profetas a Ramot de Galaad, nos limites entre Israel e Síria, onde o exército de Israel combatia por questões de fronteira. Sua missão seria a de ungir Jeú como rei de Israel. A ordem foi cumprida e o general tornou-se rei, com uma missão bem precisa: “Assim fala Javé, Deus de Israel. Eu te ungi como rei sobre o povo de Javé, sobre Israel. Exterminarás a casa de Acab, teu senhor, e eu vingarei o sangue dos meus servos, os profetas, e de todos os servos de Javé contra Jezabel e contra toda a família de Acab. Exterminarei todo varão da família de Acab, tanto o ligado como o livre em Israel. Tratarei a família de Acab como a de Jeroboão, filho de Nabat, e a de Baasa, filho de Aías. Os cães devorarão Jezabel no campo de Jezrael; ninguém lhe dará sepultura” (2Rs 9,1-10). A missão de Jeú era bem precisa. Nada se fala do direito e da justiça, tão próprios na ação real, mas tão somente de morte, de sangue e de vingança. Jeú executou a ordem divina com uma fúria insuperável. O texto bíblico descreve com detalhes a ação exterminadora. Foi eliminada a casa real de Israel (2Rs 9,22-10,11) e, também, quarenta e dois membros da casa real de Judá, que foram visitar seus co-iguais do Reino do Norte (2Rs 10,12-14). Os fieis de Baal e sua infraestrutura cultual foram devastados (2Rs 10,18-27).
O extermínio de Jeú foi de tal modo brutal a ponto de merecer, séculos depois, a crítica do profeta Oseias (Os 1,4). Sem dúvida, a brutalidade de Jeú ficou impressa na consciência do povo. Aqui, convém um comentário. O profeta, cumprindo a ordem de Javé, optou por Jeú como mediação para implementar o projeto de reforma religiosa no Reino do Norte, onde o baalismo corria solto, encobertando toda sorte de injustiça. Uma vez feita a opção, não teve como manter o general-rei sob controle, de modo a colocar limites em sua fúria assassina. A narração bíblica não comporta um juízo do profeta Eliseu a respeito do modo de proceder de Jeú. Tê-lo-ia aprovado? Tê-lo-ia reprovado, como haveria de fazê-lo Oseias? Permanece a incógnita.
A terceira providência consistia em ungir Eliseu, filho de Safate de Abel-Meúla, profeta em substituição a Elias – “ao invés de ti” (v. 16b)[16]. A unção, usual apenas para os reis, colocaria Eliseu em pé de igualdade com Hazael e Jeú. Qual o significado da substituição? Javé não contava mais com a colaboração de Elias? A fuga e a depressão davam mostras de lhe faltar estofo para cumprir a missão de profeta? Javé preferia investir em outro profeta, com a esperança de ser alguém mais corajoso e impávido? São perguntas à espera de resposta!
Uma vez indicadas as mediações com as quais o profeta deveria contar – um rei, um general e um profeta –, Javé faz duas considerações. A primeira consideração estabelece a relação entre Hazael, Jeú e Eliseu, indicando o rumo da história – “Quem escapar à espada de Hazael, Jeú o matará; e o que escapar da espada de Jeú, Eliseu o matará” (v. 17)[17]. Apelando para o tema da morte, mostra como os adoradores de Baal não terão escapatória. Se não forem exterminados por um, sê-lo-ão por outro. É uma forma de mostrar como o caminho indicado para por fim ao baalismo é infalível. Se Elias o pusesse em prática, não haveria mais de ter motivos para fugir e ficar deprimido. E, mais, veria sua missão levada a cabo. Entretanto, o curso da história seguirá um rumo bem diferente.
Esta imagem de Javé, violento e exterminador, parece corresponder à cultivada por Elias. Na cena do Carmelo, o profeta dá ordens para prender os profetas de Baal, sem deixar escapar nenhum. Levou-os à torrente do Quison, e os matou “sem dó nem piedade” (1Rs 18,40). 1Rs 19 inicia-se com a alusão a este fato, recordando que Elias matou todos os profetas de Baal (v. 1). Esta imagem de Javé, veiculada num momento em que o culto baalista prevalecia, dando a impressão de ser Javé um deus fraco, teria a finalidade de recuperar, no coração do povo e do profeta, a confiança no Deus de Israel, de quem os feitos grandiosos eram recordados como fundamento da fé do povo?
A segunda consideração é uma forma sutil de criticar Elias que, por duas vezes, afirmara: “Mataram os teus profetas à espada; só eu escapei” (vv. 10.14). Diz-lhe Javé: “Guardei em Israel um resto de sete mil homens, todos aqueles que não dobraram os joelhos diante de Baal nem o veneraram com o beijo” (v. 18). O profeta enganava-se ao se considerar o único fiel a Javé restante. O número “sete”, com força simbólica apontando para plenitude, significa muita gente, não poucos. Elias era incapaz de atinar para esta realidade. Por que não contou com toda esta gente, preferindo o caminho do vanguardismo e do protagonismo? Se tivesse juntado as forças dos fieis javistas, com grande probabilidade, haveria de conseguir fazer frente às investidas da rainha baalista. Como agiu sozinho, ficou fragilizado e tomado pelo medo. Uma postura distinta haveria de lhe poupar da frustração.
Uma vez recebidas as instruções, o profeta partiu (v. 19a). Embora as palavras de Javé, de certa forma, pareceram descartá-lo, o profeta cala-se; apenas obedece. “A reação de YHWH foi a de dispensar-lhe os serviços. Ele não tem mais necessidade de Elias como seu profeta” (ROBINSON, 1991, p. 530). Doravante, a missão de enfrentar o baalismo seria levada adiante por Hazael, Jeú e Eliseu. Bastaria ao profeta ir à procura deles, ungi-los e deixá-los agir.
A narração omite a referência a qualquer sentimento interior do profeta. Nenhuma resposta é dada a Javé, nem mesmo para se desculpar pelo “papel feio” que fizera. Elias dá mostras de submissão, partindo calado para cumprir o que Javé lhe ordenara. Em todo caso, parece ter superado a depressão e a abulia, pois se dispõe a retomar o caminho na direção indicada por Javé. Como havia dito o mensageiro de Javé: “ser-te-á muito longo o caminho” (v. 7). Era preciso deixar de lado a busca pela confirmação dramática do status de profeta e de segurança pessoal (ROBINSON, 1991, p. 527).
Elias começa por implementar a terceira ordem de Javé: ungir Eliseu em seu lugar. Por quê? Caíra na conta de que sua missão havia chegado ao fim e era preciso passar, logo, o bastão adiante? Sente-se incapacitado para a missão, depois da experiência de fuga e de desejo de morrer? Sentiu-se dispensado por Javé, e se apressou em ir ao encalço do sucessor? Em todo caso, das três missões, só esta foi levada a cabo por ele.
Entre o “partir dali” e o “encontrou Eliseu” processa-se uma elipse, a velocidade máxima do tempo na narração, “que passa em silêncio um período da história contada” (Marguerat-Bourquin, 2009, p. 111). Das alturas do Horeb, passa-se aos campos de Abel-Meúla, onde Eliseu está executando a tarefa de lavrador. “Lavrava com doze juntas de bois; e ele mesmo conduzia a última” (v. 19b)[18]. Elias passa a seu lado, e lança a capa sobre ele (v. 19c)[19]. Eliseu não recebe a unção, pois ser profeta não é um cargo, no qual se é empossado (COGAN, 2001, p. 454). Ele, porém, entende tratar-se de uma convocação para seguir Elias, cuja fama devia ser bastante conhecida. O conflito com a casa real e a perseguição de que era vítima, com certeza, eram de conhecimento público.
Eliseu devia abrir mão de seus bens para seguir o profeta. De fato, dispôs-se a obedecer, com uma condição: despedir-se dos familiares. “Deixa-me primeiro ir beijar meu pai e minha mãe, depois te seguirei” (v. 20b). Elias assente: “Vai e volta” (v. 20c)[20] e faz uma perguntar, aparentemente, enigmática: “Que te fiz eu?” (v. 20d)[21].
A narração conclui-se com o foco centrado em Eliseu. Este volta e faz um gesto inesperado: mata os bois com os quais trabalhava e, com os instrumentos de trabalho, prepara o fogo para cozinhar a carne. Tendo-a cozinhado, dá-a ao povo. “A festa era mais que uma refeição com amigos. O conjunto da cena é emblemático da ruptura de Elias com o seu passado, que ele deixou para trás para se tornar o servidor pessoal do profeta” (COGAN, 2001, p. 455)[22]. Uma vez que todos se fartaram, ele “se levantou, seguiu Elias e pôs-se ao seu serviço” (v. 21c). A função de servidor de Elias prepara Eliseu para a futura substituição na função de profeta de Javé.
Conclusão
Concluída a leitura de 1Rs 19, fica a pergunta: que lições se podem tirar para os profetas cristãos de hoje? A compreensão do texto bíblico fica incompleta, se não oferecer aos leitores pistas para a vivência da fé, pois a Bíblia se faz presente em suas vidas como mediação da Palavra de Deus. A leitura consiste, em última análise, numa forma de diálogo com o Deus que fala a seus fieis, no contexto histórico e existencial de cada leitura. Por conseguinte, importar aprender com a experiência de Elias.
Elias, em 1Rs 19, é o símbolo das pessoas comprometidas com o projeto de Deus e nele se lançam com toda coragem e generosidade. Porém, quando devem pagar o preço de sua opção, tendem a fugir, abandonando o campo da missão. As dificuldades tornam-nos impotentes e os bloqueiam. É como se Deus os tivesse abandonado, largando-os à própria sorte. Então, os horizontes se encurtam, e o cristão torna-se incapaz de ver para além de seus estreitos limites. A luta perde a razão de ser. Capitula-se diante da maldade e da injustiça. Viram-se as costas para os companheiros e companheiras de luta. Já não se é capaz de perceber as mediações que se tem à disposição para caminhar na contramão das tendências dominantes. É quando o profeta cristão, diferentemente do Mestre Jesus, foge do “lugar” onde deveria estar.
“Elias foi uma vítima do excessivo desejo de ser reconhecido como único profeta de Deus. Comete o mesmo erro de muitos líderes que pensam serem indispensáveis. A reação de Javé é a de dispensar-lhes os serviços” (ROBINSON, 1991, p. 529-530). O profeta cristão se reconhece como servidor do Reino, que, no final da jornada, é capaz de reconhecer: “Somos simples servos; fizemos o que devíamos fazer” (Lc 17,10). A obra, afinal, é de Deus. Engana-se quem assume como propriedade pessoal e exclusiva o que faz. A consciência de ser colaborador de Deus é fundamental na atividade do profeta cristão. Portanto, o primeiro interessado e o principal responsável por tudo é Deus. Sendo assim, não há por que temer diante da possibilidade do fracasso e da frustração!
A cena no Horeb ilustra a atitude dos cristãos que se refugiam nos espaços sagrados e religiosos, evitando encarar os desafios da missão. Os ares místicos e espirituais acabam por oferecer-lhes uma falsa segurança de “estar perto de Deus” e, por conseguinte, poderem estar em paz com a consciência. Assim como Elias foi censurado por não estar no lugar onde deveria, da mesma forma, Jesus censura quem se refugia nas igrejas, nas atividades eclesiais, no mundo da espiritualidade, nos lugares sacralizados, para não se lançar na construção de um mundo diferente. Sal da terra, luz do mundo e fermento na massa foram as metáforas usadas por Jesus para falar da relação dos discípulos – os profetas cristãos – na relação com o mundo. Dar as costas para o mundo é uma forma de negação do discipulado, uma negação da fé. Se o discípulo é autêntico, no seu refúgio, ouvirá a voz do Mestre ordenando-o voltar para o “lugar” da missão e abrindo-lhe os olhos para reconhecer o que é possível fazer. Foi o que aconteceu com Elias: Javé mandou-o de volta para o “lugar” do testemunho da fé. O Horeb não era o lugar adequado para quem, deveras, era consciente de ser profeta de Javé, a serviço de uma fé expressada na fraternidade e na justiça. Igualmente o discípulo de Jesus é motivado a abandonar os lugares viciados por uma falsa religiosidade e, como o Mestre, saber-se enviado para “anunciar a Boa-Nova aos pobres, proclamar a libertação aos presos e a recuperação da vista aos cegos, libertar os oprimidos e anunciar o ano da graça da parte do Senhor” (Lc 4,18-19; cf. Is 61,1-2).
“A caminhada de Elias foi longa e penosa. Foi uma noite escura. Ele teve que aprender que, até dentro dele mesmo, Deus não estava do lado do Elias vitorioso e famoso, combativo e agressivo, que pensava ser o dono da luta contra os erros do rei, mas sim do lado do Elias reprimido e angustiado, perseguido e desanimado. Teve que descobrir, com a ajuda do próprio Deus, que havia mais de 7.000 homens que não tinham dobrado o joelho diante dos falsos deuses. Ele não estava sozinho; não era o único defensor. Elias estava tão fechado na sua visão da luta que já não era capaz de perceber os outros que lutavam a mesma luta ao seu lado. Deus lhe abriu os olhos através da experiência dolorosa dos seus limites. Elias teve que experimentar dolorosamente que Deus é livre, não só frente ao rei e aos opressores, que pensam poder controlá-lo, mas é livre também frente ao próprio Elias. É neste momento que Elias ficou livre para poder libertar!” (MESTERS-GRUEN, 1987, p. 81). Esta consciência fê-lo voltar para seu verdadeiro “lugar”. Semelhante consciência fará o profeta cristão estar no mesmo “lugar” em que esteve o Mestre Jesus, no serviço ao Reino de Deus.
Bibliografia
ALCANA CANOSA, Celso, Vocación de Eliseo (1Rs 19,19-21), Estudios Bíblicos 29 (1970) 137-151.
ÁLVAREZ BARREDO, Miguel, Las narraciones sobre Elías y Eliseo en los libros de los reyes. Formación y Teología, Carthaginensia 12 (1996) 1-123.
BRIEND, Jacques, Dieu dans l´Écriture, Paris, Cerf, 1992.
COGAN, Mordechai, I Kings. A new translation with introduction and commentary, New York, Doubleday, 2001. (The Anchor Bible v. 10)
MARGUERAT, Daniel – BOURQUIN, Yvan, Para ler as narrativas bíblicas – Iniciação à análise narrativa, São Paulo, Loyola, 2009.
MESTERS, Carlos – GRUEN, Wolfgang, O profeta Elias – Homem de Deus, homem do povo, São Paulo, Paulinas, 1987.
MIKOLAJCZAK, Mieczyslaw, Il viaggio di Elia nel deserto (1Re 19,1-18), Collectanea Theologica 69 (1999) 5-23.
ROBINSON, Bernard P., Elijah at Horeb, 1Kings 19:1-18: a coherent narrative?, Revue Biblique 98 (1991) 513-536.
*Publicado em Estudos Bíblicos nº 107 (2010) 35-49
Autor:
Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia
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[1] Para ROBINSON (1991, p. 533), apesar de vários episódios terem circulado, originalmente, de forma independente, e de os sinais de múltiplas autorias e redações serem claros, “a narrativa, como um todo, foi, cuidadosamente, organizada temática e estruturalmente”. Um elenco dos problemas presentes em 1Rs 19 está nas pp. 514-516.
[2] Explica-se, assim, o casamento de Salomão com a filha do Faraó egípcio e com muitíssimas outras mulheres (1Rs 11,1-3).
[3] “Seria isto, realmente, uma ‘confissão de impotência’ por parte da rainha, como sugeriu Skinner? Com o pano de fundo do Carmelo, poderia ter sentido que não mais estava livre para seguir seu caminho, como aconteceu quando matou, impunemente, os profetas” (COGAN, 2001, p. 451).
[4] MIKOLAJCZAK (1999, p. 14) vê no fato de deixar o servo para trás um sinal de abandono da missão, “e não pretende retomá-la. Não é um intervalo; é o fim de tudo”.
[5] Para BRIEND (1992, p. 17), “a palavra ‘pais’ parece designar aqui, a geração do deserto que murmurou contra Deus e que encontrou a morte neste lugar (cf. Nm 14,22-23). O profeta alinha-se com este grupo e deseja o mesmo destino”. MIKOLAJCZAK (1999, p. 14) vai noutra direção. Elias “acredita ter falido como profeta, exatamente como faliram os líderes religiosos precedentes”.
[6] COGAN (2001, p. 452) pensa diferentemente. Para ele, “embora nenhuma ordem direta lhe tenha sido dada, Elias reconhece dever continuar na direção do Horeb”.
[7] Para ÁLVAREZ BARREDO (1996, p. 39) “a peregrinação de Elias ao Horeb marca a totalidade do relato. Os motivos secundários foram acrescentados pensando neste filão narrativo”. O autor não cai na conta de se tratar de uma peregrinação equivocada.
[8] COGAN (2001, p. 452) entende tratar-se de “uma questão retórica que serve como uma abertura para a conversa”. BRIEND (1992, p. 28) pensa que “a questão colocada pela voz contém uma reprimenda. Deixa entender que Elias abandonou sua missão”. De fato, é preferível tomá-la como uma forma declarada de censura pela atitude do profeta, que está no deserto, quando seria alhures o lugar normal de sua atividade.
[9] Atitude semelhante teve Elias, no monte Carmelo, ao declarar: “Eu sou o único profeta do Senhor que resta” (1Rs 18,22), como se fora um solitário.
[10] Para BRIEND (1992, p. 23), não se trata, propriamente, de teofania, no sentido estrito. Mas de uma “chamada de atenção, de maneira narrativa, quanto à modalidade da presença de Deus”. Os motivos são: os fenômenos acontecem “diante do Senhor” e não acompanham a passagem do Senhor; não ocorre o verbo “ver”, só o verbo “ouvir”. Elias nada vê, apenas ouve uma voz, que ressoa no silêncio.
[11] Vários autores perceberam a correlação entre a cena de Elias no Horeb e a de Moisés no Sinai (ÁLVAREZ BARREDO, 1996, p. 39-40; MIKOLAJCZAK, 1999, p. 8-11).
[12] BRIEND (1992, 13-38) traduz a expressão hebraica por “voz de fino silêncio” – “voix de fin silence”. “Manifesta que Deus não se impõe à consciência. Ele lança um apelo que, para ser entendido, obriga a um discernimento”.
[13] Para ROBINSON (1991, p. 528), “Elias está tão cheio da consciência da própria importância, que se apressa a cobrir-se, antes mesmo de acontecer a teofania e sem esperar ser mandado”.
[14] Para MIKOLAJCZAK (1999, p. 22), “a ordem e a promessa de Deus nos v. 15-18 é o clímax da narrativa. Responde e corrige o lamento de Elias nos vv. 10.14.
[15] MESTERS-GRUEN (1987, p. 23) perguntam: “Deus manda organizar um golpe de estado. Por quê? Será que o profeta não teria recursos espirituais mais eficientes para mudar a situação sociopolítica errada?”
[16] “Ao invés de ti”, ou seja, “em teu lugar” é uma fórmula típica de sucessão (1Rs 5,19; 11,43; 14,20.31; 15,8.24.28; 16,6.10.28; 22,40.51).
[17] O narrador não tem preocupação histórica no que se refere aos vv. 15-17.
[18] Para ALCANA CANOSA (1970, p. 140) este versículo revela “a condição social de Eliseu. De família rica e latifundiária, sacrificou tudo para seguir a vida profética... Era um israelita muito rico, com todas as comodidades terrenas que, humanamente, se pode almejar” (grifo do autor).
[19] “O manto era símbolo da personalidade de quem o vestia e nele estavam os direitos de seu dono... o manto implica a pessoa” (ALCANA CANOSA, 1970, p. 144 – grifo do autor). Quando Davi cortou um pedaço do manto de Saul, em Engadi, era como se tivesse tocado, diretamente, nele (1Sm 24,1-8). Nos evangelhos, tocar no manto de Jesus correspondia a tocar nele (Mc 5,28).
[20] ALCANA CANOSA (1970, p. 147) faz uma leitura demasiado light das palavras de Elias a Eliseu. “O sentido mais provável é o seguinte: ‘Vai, volta aos teus, pois nada te fiz que to impeça’. Segundo esta concepção, Elias outorga a permissão, ao mesmo tempo em que apresenta o profetismo com exigências não demasiado rigoristas. Dever-se-ia concluir daqui que a vocação profética não supõe a ruptura de todo laço familiar”. É mais conveniente dar às palavras de Elias um sentido forte de exortação a Eliseu de não cair na tentação de voltar atrás da decisão de segui-lo, e permanecer com os familiares.
[21] COGAN (2001, p. 455) pensa que “Elias desafiou Eliseu negando que houvesse algum significado na capa lançada sobre ele ou que tivesse pedido algo dele”.
[22] ALCANA CANOSA (1970, p. 149) pensa tratar-se de um “banquete sagrado”, com “sacrifício de comunhão” em honra de Javé, e não um “banquete profano” (cf. 1Sm 6,14.15b; 2Sm 24,22.25a).
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