*O lugar do profeta: a fuga não é solução: Uma leitura de 1Rs 19,1-21 – Elias no Horeb
- Detalhes
Pe. Jaldemir Vitório SJ
Introdução
A cena de Elias, no monte Horeb, parece destoar do conjunto da tradição em torno do profeta. Teve coragem de profetizar, contrariando a casa real (1Rs 17,1-17). No estrangeiro, mostrou-se solidário com uma pobre viúva, à beira da morte por inanição (1Rs 17,8-24). A cena no monte Carmelo descreve-o com uma impavidez invejável, a ponto de, sozinho, desafiar os quatrocentos e cinquenta profetas de Baal e, no fim, passar todos ao fio da espada (1Rs 18,20-46). O injustiçado Nabot encontrou em Elias um defensor destemido, cujas palavras desmascararam a má conduta do rei e de sua mulher e anunciaram a terrível punição pela impiedade (1Rs 21,1-29). Falou duro contra o rei doente que, ao invés de confiar em Javé, preferiu consultar Beelzebub (2Rs 1,1-17). A carreira gloriosa de Elias foi concluída com o arrebatamento para o céu, levado num “carro de fogo e cavalos de fogo” (2Rs 2,1-28).
1Rs 19,1-21 apresenta o profeta de forma muito diferente. “Desespero profundo, expressão de fracasso, e rejeição do ofício profético são os temas preponderantes” (COGAN, 2001, p. 456). Tem-se a impressão de terem fracassado os esforços para fazer frente à disseminação da idolatria em Israel. A fuga desponta como a única saída. É como se estivesse fugindo da luta. Javé, porém, fá-lo tomar o caminho de volta, para o “lugar” de onde não deveria ter saído.
Este artigo pretende fazer uma leitura de 1Rs 19, levando em consideração o conjunto das tradições em torno do profeta Elias, sem se deter nas várias questões de crítica textual, de unidade, de relação com o capítulo precedente, de historicidade, de significado de certas palavras e expressões, evidentes no texto. O sentido do conjunto é claro, apesar dos entraves pontuais no texto hebraico[1]. No correr da leitura, será explicitado o que, em análise narrativa, é chamado de “ação transformadora”. Ou seja, o caminho percorrido pela ação desde a situação inicial até o seu desfecho (MARGUERAT-BOURQUIN, 2009, p. 59). O percurso da leitura mostrará como o profeta Elias, optando por fugir, foi para o lugar errado. Javé fá-lo voltar para o lugar onde deveria estar, pois, para um profeta verdadeiro, a fuga jamais será solução. Para ele, vale o que diz uma música brasileira bem conhecida: “Nada temer, senão o correr da luta!” O lugar do profeta é, sempre, o lugar do conflito. A fuga, mesmo para um lugar sacratíssimo – “o monte de Deus” – leva-lo-á ao lugar equivocado. É aí que ouvirá a ordem peremptória de Javé: “Vai e volta por teu caminho!” (v. 15a). Em outras palavras: “Volta para o teu lugar”.
1-O profeta Elias na mira da rainha Jezabel (vv. 1-2)
A narração inicia-se aludindo ao conflito do profeta com a casa real de Israel. O rei Acab informa à rainha Jezabel a ação violenta de Elias contra os profetas de Baal, como havia eliminado todos eles, matando-os à espada (1Rs 19,1; cf. 18,40).
Jezabel era estrangeira, filha do rei dos sidônios. Deve ter vindo para Israel no contexto da aliança entre Omri e Etbaal, seu pai. Omri deu-a em casamento a seu filho Acab (1Rs 16,31a). Era costume dar uma filha para o rei com quem se estabelecia aliança, certamente, para estreitar os laços entre os contratantes[2]. O casamento de Acab com Jezabel estreitou os laços entre Israel e Sidon.
Jezabel era devota adoradora de seu deus – Baal – e, por todos os meios, tentou implantar sua religião no reino de Israel. Acab, que deveria ser adorador de Javé, era de personalidade pusilânime. E se deixou manipular pela esposa, incapaz de se impor. Antes, “deu u’a mãozinha” a Jezabel para propagar o culto baalista. O baalismo em Israel teve grande sucesso, durante seu reinado. Por isto se diz dele, logo na primeira referência que se lhe faz na Obra Historiográfica Deuteronomista (Js-2Rs), que “foi prestar culto a Baal, adorando-o. Pôs um altar de Baal no templo de Baal que tinha construído em Samaria, ergueu um poste idolátrico e cometeu ainda outros pecados, a ponto de irritar o Senhor, Deus de Israel, mais do que todos os reis de Israel que o antecederam” (1Rs 16,31b-33). Os adoradores de Javé vivem uma situação difícil. Jezabel mandara eliminar os profetas de Javé. Um grupo sobreviveu, protegido por Obadias, que “os escondera em grupos de cinquenta em duas cavernas, alimentando-os com pão e água” (1Rs 18,4.13). Já “os quatrocentos e cinquenta profetas de Baal e os quatrocentos profetas de Asera” gozavam da proteção real, comendo à mesa de Jezabel (1Rs 18,19).
O profeta Elias desponta como defensor impávido da fé em Javé, disposto a tudo. No confronto com os profetas de Baal, no Monte Carmelo, sai vencedor. E manda prender os profetas de Baal, sem deixar escapar nenhum; “fê-los descer à torrente do Qishon, onde os degolou” (1Rs 18,40). Esta notícia chega a Jezabel por intermédio de Acab. A rainha é informada que Elias “tinha passado ao fio da espada todos os profetas de Baal” (1Rs 19,1). Desencadeia-se, então, contra ele uma cólera sem tamanho. A rainha toma a decisão de tirar-lhe a vida, mandando avisar-lhe por um mensageiro: “Os deuses me cumulem de castigos, se amanhã, a esta hora, eu não tiver feito contigo o mesmo que fizeste com a vida desses profetas” (1Rs 19,2). Os dias do profeta estavam contados. A rainha, de certa forma, dá-lhe tempo para fugir, pois não manda prendê-lo, imediatamente, e, sim, envia um mensageiro para comunicar-lhe sua intenção. É uma forma de dizer-lhe para “dar o fora”[3]. O profeta dispunha de um dia – “amanhã a esta hora” (v. 2) – para tomar as providências.
2-A fuga: uma forma de escapar ao conflito (vv. 3-5a)
Elias, cuja valentia fora demonstrada no enfrentamento com os profetas de Baal, passados ao fio da espada, mostra-se, agora, cheio de medo em face da ameaça de Jezabel. “Medo por sua segurança pessoal acompanha o profeta ao longo do presente episódio” (COGAN, 2001, p. 450). Do norte, vai na direção sul, chegando a Bersabeia, que está na extremidade sul de Judá, nos limites entre a terra habitada e cultivada e o deserto. “De Dan a Bersabeia” era a expressão para se referir aos limites da terra de Israel (Jz 20,1). Portanto, fugiu para o lugar mais longe possível. O lugar recorda Abraão, em suas andanças, num litígio com certo Abimelek, por questões de água para os rebanhos (Gn 21,22-34). Recorda, também, Isaac em litígio com o mesmo personagem, por igual motivo (Gn 26,23-33). Ou seja, o profeta foge para bem longe, onde os patriarcas perambularam. O sentido de suas andanças, porém, era muito distinto. “Sua viagem no deserto tinha, apenas, o significado de fuga e de retorno à não-existência” (MIKOLAJCZAK, 1999, p. 15).
O próximo passo consistiu em se embrenhar sozinho, pelo deserto, depois de deixar para trás o servo que trouxera consigo[4]. O “caminho de um dia” permitiu-lhe ir bem longe e ficar na mais completa solidão. O deserto era procurado por fugitivos e foragidos pela dificuldade de alguém ser encontrado, por não deixar rastros. Sem saber para onde ir, o risco de os perseguidores se perderem era grande. Temiam entrar deserto a dentro, sem rumo certo. Agar foge para o deserto, temendo as humilhações de Sara (Gn 16,6-7). Os israelitas, fugitivos da opressão egípcia, rumaram na direção do deserto para escapar da perseguição. Igualmente Davi, tentando livrar-se da fúria de Saul (1Sm 23,14).
Ocorre, então, algo que parece ir além do medo. Uma forma de depressão? Em todo caso, Elias senta-se à sombra de uma árvore, pedindo a morte, por não encontrar sentido para a vida. “Agora basta, Senhor! Tira a minha vida, pois não sou melhor do que meus pais” (v.4)[5]. “Elias não se vê mais como portador de uma relação especial com YHWH e, em desespero interior, pede para morrer, como a acontece com todo ser humano” (COGAN, 2001, p. 451). Ou, então, “o pânico que se abateu sobre ele, quando Jezabel fez conhecer a ameaça contra sua vida, fez-lhe murchar a auto-imagem inflada. Ele sempre se teve como sui generis e não pode viver com a consciência de que é um outro homem, sobrevinda ao longo da fuga” (ROBINSON, 1991, p. 517). O lutador incansável pela causa de Javé perde a motivação para a luta. Dá a causa por perdida! Não vale mais a pena lutar contra a maré. É melhor morrer do que ver o baalismo suplantar a fé dos pais. O profeta dá a impressão de não ter mais forças nem motivos para combater por seu Deus. Morrer seria, para ele, a solução. Antes era Jezabel quem estava decidida a pôr fim à vida do profeta (v. 2). Agora, o profeta, por si mesmo, não vê mais motivo para viver. “A perseguição de Jezabel lançou-o numa profunda noite de dúvidas espirituais e ele renuncia à missão e à própria vida. Esta condição interior do profeta não poderia ter sido melhor expressa do que na fuga para o deserto, lugar sem veredas e direções, o reino da morte” (MIKOLAJCZAK, 1999, p. 14).
“Deitando-se no chão, adormeceu à sombra do junípero” (v. 5a) é a alusão a uma morte simbólica. O sono de Elias é o sono da morte, a qual ele espera, colocando-se na posição de morte, de forma a antecipar o desfecho desejado. Ele já se considera morto!
Elias, aqui, é a figura do batalhador cansado, frustrado, decepcionado, que entrega os pontos e se recusa a continuar lutando por uma causa, na qual se jogara de corpo e alma. É a imagem do batalhador deprimido, que decidiu a própria morte, longe do campo de batalha. É a imagem do batalhador que deixou para trás a causa de seu Deus, a luta pelo direito e pela justiça em favor dos oprimidos e injustiçados. É a imagem do batalhador desiludido, em cujo horizonte desponta, apenas, a morte.
3-O encontro com Deus e a consciência de um equívoco (vv. 5b-14)
Enquanto o profeta espera a morte, na mais total abulia, envolvido por um profundo sono, eis que uma espécie de “ressurreição” começa a se processar em sua vida. No início da narração, fora abordado por um mensageiro (mal°¹k) de Jezabel, anunciando-lhe a condenação à morte. Agora, entra em cena o “mensageiro de Javé”, para chamar o profeta à vida. Tocou-o e ordenou-lhe: “Levanta-te e come!” (v. 5b). A decisão do profeta é, assim, contrariada. Pode-se suspeitar que não lhe cabe dar por terminada a missão recebida de Javé. Urge pôr-se de pé e retomá-la, com novo vigor.
A força ser-lhe-ia dada do alto. Daí ter percebido estar perto de sua cabeça um pão cozido sobre as brasas e uma bilha com água (v. 6). No passado, Elias já havido sido alimentado de forma misteriosa, quando, temendo o rei Acab, fora se esconder na torrente de Karit, a leste do Jordão. “Os corvos traziam-lhe pão e carne, tanto de manhã quanto de tarde, e ele bebia na torrente” (1Rs 17,6; cf. 17,15-16). A proteção divina de outrora se repetia no presente.
Ele que pensara estar solitário no deserto e, aí, poder morrer em paz, na verdade, estava sob o olhar atento de quem lhe pusera na mão uma bandeira: lutar pela fé! E Deus contrariava a opção do profeta pela morte. Queria-o, sim, vivo e aguerrido! Donde ter mandado o mensageiro para despertá-lo, recuperar-lhe as forças e mostrar-lhe o caminho de volta. Quando o profeta parecia querer esquecer Javé e que Javé se esquecesse dele, mais que nunca está sob o olhar divino. Javé não se esquece que o profeta é seu servidor.
A primeira reação do profeta é decepcionante. “Comeu e bebeu, e tornou a deitar-se” (v. 6b). Trata-se de uma atitude contraditória. Se, deveras, estava decidido a morrer, por que comeu e bebeu? Não seria esta uma forma de prolongar a agonia? Afinal, voltou a deitar-se, insistindo na decisão anterior pela morte. Neste caso, teria sido mais conveniente não comer e nem beber e, assim, garantir a morte por inanição, já que não dá mostras de querer tirar a vida com as próprias mãos. Satisfeita a necessidade física, a vida seria prolongada de maneira inútil. Da parte de Javé, a oferta de comida pode significar que não deseja a morte de seu profeta. Antes, que esteja em boas disposições para levar adiante a missão. Todavia, alimentado, o profeta voltou a dormir. Logo, não entendeu a intenção divina.
Entretanto, o mensageiro de Javé não o deixou em paz. Veio uma segunda vez, tocou-o e lhe ordenou levantar-se e comer, “porque o caminho será muito longo para ti” (v. 7). De que caminho se trata, senão o caminho de volta para o campo de batalha, lugar de onde não deveria ter saído? Com toda certeza, não se trata do caminho na direção do Horeb, para onde seguirá[6]. O mensageiro de Javé traz-lhe à consciência a missão de profeta e o lugar onde lhe cabe estar no exercício da missão. A fuga é uma atitude incompatível para quem se colocou nas mãos de Javé e aceitou tornar-se seu colaborador.
O profeta obedeceu à ordem do mensageiro. “Levantou-se, comeu e bebeu” (v. 8a). É um pequeno sinal de superação da crise. Poderia ter, simplesmente, se recusado a obedecer e continuar no sono, à espera da morte. Ou, então, repetido a atitude contraditória de comer, beber e voltar a dormir.
“Com a força desse alimento, andou quarenta dias e quarenta noites, até chegar ao Horeb, o monte de Deus” (v. 8b). A segunda refeição teve o efeito de recuperar o ânimo do profeta, a ponto de lhe dar forças para uma longa caminhada. Só que, ao invés de voltar para a Samaria e enfrentar a invasão baalista, segue no rumo da montanha onde Moisés falou com Deus e recebeu as tábuas da Lei (Dt 4,10.15; 5,2; 9,8; 18,16; 28,69)[7]. O Horeb – Sinai – é carregado de simbolismo para a fé de Israel. Ali Deus comunicou suas leis e mandamentos ao povo, por intermédio de Moisés, que permaneceu no monte durante “quarenta dias e quarenta noites” (Ex 24,18; 34,28). Por isso, tornou-se o lugar por excelência do encontro com Deus. Apesar de tudo isto, o profeta estava no lugar errado. Caminhar na direção do lugar sagrado, neste caso, correspondia a caminhar na contramão de Deus. O mensageiro de Javé já havia falado da “viagem de volta para Canaã, onde Elias deveria estar” (ROBINSON, 1991, p. 518-519). “Não existe nenhuma motivação religiosa em sua fuga... De fato, este é o único momento no ciclo de Elias em que o profeta faz uma viagem sem ser por ordem de Deus, mas porque é ele quem o quer. É o único momento em que age, independentemente, da palavra de Deus” (MIKOLAJCZAK, 1999, p. 13). Ele deseja mesmo é salvar a vida, escolhendo um lugar que lhe parecia seguro. Afinal, “Elias não foge só de Jezabel, mas também da sua missão profética e de sua responsabilidade” (MIKOLAJCZAK, 1999, p. 14).
Os “quarenta dias e quarenta noites” de caminhada evocam a caminhada de Israel pelo deserto ao longo de quarenta anos (Nm 14,32-34; Dt 8,2.4). Porém, na direção contrária: o Horeb esteve no início da marcha do povo pelo deserto; o profeta faz a caminhada pelo deserto, voltando ao Horeb. É como se pretendesse defrontar-se com quem lhe havia confiado uma missão impossível de ser levada adiante. Para quê? Para pedir explicação e protestar? Para se lamentar e declarar ter chegado aos limites das forças e dar por concluída a missão? Para ouvir palavras de consolo? Afinal, qual o motivo da peregrinação ao “monte de Deus”? São muitas as suposições.
Os traços da depressão de Elias permanecem ao chegar ao Horeb. Isto transparece no fato de ter entrado numa caverna e passado a noite (v. 9a). A caverna simboliza o túmulo: lugar fechado e sem claridade; na escuridão, a vida não pode se desenvolver. A indicação temporal – noite – aponta, também, para o estado de espírito do profeta. Tudo nele é escuridão, trevas, incompreensão!
Deus questiona o profeta, abordando-o no fundo de sua abulia. E o faz manifestando a surpresa de o profeta estar, ali, quando deveria estar alhures, defendendo a fé. “Que fazes aqui, Elias?” (v. 9b)[8]. É como se estivesse no lugar errado, e Deus quisesse saber o motivo, pois deveria estar em Israel, combatendo o baalismo com as consequências nefastas para o povo. Ele, jamais, confessará o real motivo da fuga: “sentir haver falido como profeta” (MIKOLAJCZAK, 1999, p. 16). Tanto esforço empregado deu em nada! O povo teria virado as costas para Javé, rompendo a Aliança. É como se a história de Israel, como povo de Javé tivesse chegado ao fim. Isto explica o desespero do profeta.
O profeta não se dá ao trabalho de deixar a caverna para responder a Deus. A resposta vem lá de dentro, ou seja, das entranhas de sua confusão existencial e de sua determinação de deixar de lado a missão. A resposta – uma forma de lamentação (v. 10) – não é das melhores. Começa declarando uma fidelidade exemplar a Javé – “Estou ardendo de zelo pelo Senhor, Deus dos exércitos”. Em seguida, relata a situação de Israel, que será, posteriormente, desmentida por Javé – “Os israelitas abandonaram tua aliança, demoliram teus altares e mataram à espada os teus profetas”. Deus dirá que muitos não se curvaram ao culto baalista (v. 18). O profeta ficou cego para se dar conta dos fatos: no Carmelo, o povo confessou fidelidade a Javé – “Todo o povo o presenciou; prostrou-se com o rosto em terra, exclamando: ‘É Javé que é Deus! É Javé que é Deus!’” (1Rs 18,39); o altar do Carmelo fora restaurado (1Rs 18,30) e muitos profetas de Javé foram salvos e protegidos por Abdias (1Rs 18,3-4). Havia, pois, sinais de permanência da fé javista em Israel. Elias estava enganado.
Elias omite-se de mencionar a raiz de tudo isto e os responsáveis pela baalização do reino do Norte e da matança dos profetas, ou seja, Jezabel com o beneplácito de Acab. Por que o profeta “não dá nome aos bois”? Por que generaliza, quando era possível ser mais objetivo? “Só eu escapei” é o exagero de quem perdeu o senso da realidade e se tornou incapaz de perceber o que se passa a seu redor[9]. Ele se esquece ter eliminado, sem dó nem piedade, os profetas de Baal (v. 1; cf. 1Rs 18,40). Ou, então, é a tal ponto individualista, que não percebe outras pessoas lutando pela mesma causa. Ou é míope o suficiente para não tomar consciência de que seu protagonismo carece de base. “Mas agora querem matar-me também” é uma informação correta, embora exagerada. De fato, Jezabel decretou-lhe a morte, mas o braço de seu poder não era suficientemente longo para chegar até uma caverna no monte Horeb. Não precisava ir tão longe para se esconder da perseguição.
Nada do que disse Elias dava conta de responder à pergunta de Javé – “Que fazes aqui?” Explicou, mas sem convencer. Os motivos verdadeiros foram omitidos. Era um medroso, depressivo e individualista, incapaz de articular uma reação contra Jezabel, contando com as mediações disponíveis. Num rompante de valentia, eliminara os profetas de Baal. Entretanto, quando viu as consequências de sua bravata, deu marcha-ré. O super-homem fraquejou e mostrou quem, de fato, era. Portanto, a resposta carregada de piedade e de fidelidade a Javé encobria a verdade. Uma teologia forte – Javé é o Deus dos exércitos, forte e poderoso – está associada a uma antropologia fraca – Elias é um ser humano que perdeu o gosto pela vida.
Javé não se dá por convencido. A história do “zelo por Javé” soa como mal contada. Tem-se a impressão de que o profeta esteja censurando Javé por não se engajar na sua própria causa. É como se o profeta tivesse se consumido por causa de Javé, enquanto este estava na mais total tranquilidade. As palavras do profeta, então, caem no esquecimento, não são referidas, nem, tampouco, merecem o menor comentário por parte de Javé. É como se carecessem de valor. Javé deixa-as de lado, pois não lhe interessam.
O profeta é, então, confrontado com uma ordem peremptória – “Sai e permanece sobre o monte diante do Senhor!” (v. 11a). No espírito da narração, a ordem pode ser reformulada de variadas formas: “Deixe de lado esta depressão!” “Supere o pessimismo!” “Pare de pensar em morrer!” “Basta de ser medroso e ficar fugindo!” “Encare a realidade!” Mais do que sair de um lugar físico – a caverna –, Elias é instado a sair de si mesmo, do mundo interior no qual se enclausurara.
O profeta recebe a ordem de pôr-se sobre o “monte”, diante de Javé (v. 11b). O monte, ao contrário da caverna, é o lugar onde se abrem perspectivas e se descortinam horizontes. Era o lugar onde devia estar, se se dispusesse a mirar o futuro e a cultivar esperanças. A ordem divina – “Põe-te neste monte!” – pode, igualmente, ser parafraseada: “Aprenda a olhar a realidade de maneira correta!” “Considere as coisas com visão larga!” “Veja como o horizonte vai além do seu nariz!” “Observe quantas possibilidades existem a seu redor!” “Tome consciência de que nem tudo está perdido!”
No alto do monte, o profeta será instruído, pessoalmente, por Javé. Este poderia ter-se servido de um intermediário, como fizera ao mandar o mensageiro para acordar o profeta do sono letárgico (vv. 5-7). Pelo contrário, se dará ao trabalho de abrir os olhos do profeta e fazê-lo voltar para o lugar de onde jamais deveria ter saído. Um detalhe: o profeta não obedece à ordem de Javé. Isto acontecerá um pouco mais tarde. Os fatos seguintes encontra-lo-ão, ainda, entocado.
Foi dada ao profeta a chance de fazer uma experiência singular de contato com Javé. A afirmação – “Então o Senhor passou” (v. 11c) – alude à presença divina, misteriosa e inabarcável. O profeta foi ao encontro de Javé, e este não se furtou em vir-lhe ao encontro. Porém, encontrou-o arredio e renitente em abrir mão das posturas equivocadas. Não quer sair da caverna!
Acontece, então, uma sucessão de fenômenos ligados às teofanias, cujo pano de fundo é a manifestação de Deus associada às forças cósmicas[10]. São sinais indicadores da manifestação de Javé. Tem-se a impressão de aludirem à experiência de Moisés, no Sinai (Ex 19,16-18; 20,18)[11]. Em primeiro lugar, “um vento impetuoso e forte, que desfazia as montanhas e quebrava os rochedos” (v. 11b). A simultaneidade do furacão com a passagem de Javé não implica associação entre eles. Quem afirma é o narrador. Elias está, ainda, escondido na caverna. Quiçá percebesse a ação do vento impetuoso, sem se dar ao trabalho de ir ver o que se passava. O estado psicológico do profeta não dava lugar para curiosidade. Entretanto, “o Senhor não estava no vento”. O vento foi sucedido por um terremoto. O narrador observa que “o Senhor não estava no terremoto” (v. 11c). O abalo sísmico, portanto, não apontava para a presença de Javé. Em seguida, irrompeu um fogo. Pela terceira vez, o narrador declara que “o Senhor também não estava no fogo” (v. 12a). É possível suspeitar que o profeta esperasse uma manifestação espetacular de Javé dos exércitos, cujo zelo o consumia. Porém, a expectativa ficou frustrada. A três manifestações espantosas da natureza nada tinham a ver com a presença de Deus e sua manifestação. Javé não era o deus terrível e castigador, como o profeta imaginava.
Uma “voz mansa e delicada” (v. 12 b) sucede ao fogo[12]. Agora é uma manifestação pessoal, uma voz (qôl), e não uma manifestação impessoal, como nas três anteriores. O vocábulo voz tem a ver com diálogo, relação interpessoal, comunicação. No caso, trata-se de uma voz “mansa e delicada”, ou seja, sem estridência nem, tampouco, imposição. Aí, sim, é possível conversar. Javé manifesta-se num quase silêncio, onde sua presença só é perceptível para quem se dispõe a apurar os ouvidos e escutar com muita atenção. A experiência de efeitos dramáticos é irrelevante. Importante mesmo é a “voz”, à qual o profeta deverá escutar e colocar em prática, como fiel servidor de Javé.
Só então “ouvindo isto, Elias cobriu o rosto com o manto, saiu e pôs-se à entrada da gruta. Ouviu, então, uma voz...” (v. 13a). É possível se perguntar por que o profeta cobriu o rosto se nada viu, tendo apenas ouvindo uma vozinha? Elias não havia obedecido à ordem de se colocar no monte, diante do Senhor (v. 11). Agora, simplesmente, sai para fora da caverna. O ato de cobrir o rosto com a capa é uma atitude cautelar, pois é impossível contemplar a face de Javé e permanecer vivo (Ex 33,22-23; Jz 6,22; 13,2-22)[13]. Ele compreende estar na presença de Javé. Agora, sim, com ares de estar disposto a dialogar com Javé, escutar-lhe a voz.
As palavras de Javé – “Que fazes aqui, Elias” (v. 13b) – e a resposta do profeta são a exata repetição dos versículos 9b-10. Na primeira ocorrência, Deus lhe dá uma ordem, que não é obedecida, como se o profeta estivesse esperando a confirmação da presença de Javé, que não estava nem no vento, nem no terremoto e nem no fogo e, sim, na voz mansa e suave. Certificado de estar na presença de Javé, agora, sim, apresenta-se para o diálogo e é, novamente, questionado a respeito do motivo de estar ali, no Horeb, quando deveria estar alhures. A insistência num motivo, com aparência de piedade – “Estou ardendo de zelo pelo Senhor, Deus dos exércitos” (v. 14a) – é insuficiente para comover Javé e levá-lo a dar razão ao profeta. “A repetição da própria justificação para fazer a viagem revela a inflexibilidade e a falta de disposição para mudar o modo de pensar” (ROBINSON, 1991, p. 523). Elias está no lugar equivocado e Javé não vai lhe passar a mão na cabeça, sendo condescendente com o servidor infiel. Se, de fato, assumiu a causa de Javé com tanta convicção, não há porque fugir, nem, tampouco, tornar-se abúlico e se deixar levar pela depressão, optando pela morte. Pelo contrário, seu dever seria o de combater por Javé, até o fim, sabendo ter Javé a seu lado, como experimentara na cena do Carmelo, onde se manifestara como o Deus verdadeiro, reduzindo a nada Baal e seus profetas (1Rs 18). “Elias não deveria estar no deserto, nem no Horeb. Deveria estar na terra de Israel. O profeta fugiu de sua responsabilidade e foi censurado por Deus... O deserto simboliza a fuga de sua responsabilidade profética” (MIKOLAJCZAK, 1999, p. 16).
4-De volta ao “campo de batalha”, o lugar do profeta (vv. 15-21)
O clímax e o desfecho comportam dois momentos: no primeiro, Javé dá orientações precisas ao profeta (v. 15-18)[14]; no segundo, Elias obedece e começa a fazer o que lhe foi mandado (v. 19-21). A primeira atitude de Javé consiste em mandar o profeta de volta, para o lugar de onde jamais deveria ter saído. “Vai e volta por teu caminho, rumo ao deserto de Damasco” (v. 15a). “Deus convida seu profeta a voltar sobre seus passos e a retomar o caminho pelo qual veio, para retornar ao reino de Israel e, aí, continuar sua missão” (BRIEND, 1992, p. 31). Javé não quer o profeta ali, pois não é seu lugar. O v. 15a poderia ser traduzido como “Vai, volta à tua tarefa, à tua missão” (MIKOLAJCZAK, 1999, p. 21). Por isto, a ordem de voltar (shûb). Este é o verbo da conversão (Os 14,2) que consiste em dar meia volta do caminho errado e retornar ao caminho correto. A volta física deveria corresponder a uma reviravolta espiritual no coração do profeta. “Voltar pelo teu caminho” implicava um processo de reflexão, em vista da mudança de atitude em relação ao que fizera. A volta para o lugar onde deveria estar supõe, também, uma volta para Deus. Lá, haveria de encontrar Deus muito mais do que no Horeb, pois lá é o lugar da luta e este, o lugar da fuga e da alienação. Quem foge e se aliena, dificilmente, fará a experiência de Deus. Portanto, a urgência de tomar o caminho de volta. Elias foi mandado de volta para a missão, “pois nada está terminado” (MIKOLAJCZAK, 1999, p. 22).
O caminho indicado por Javé soa estranho: “o deserto de Damasco”. Afinal, os arameus eram inimigos históricos de Israel. A ordem divina, portanto, complicou a situação do profeta: para chegar ao território dos inimigos, era preciso transpor o território de Israel, onde a fúria de Jezabel contra ele permanecia inalterada. Javé, jamais, confia tarefas fáceis a seus profetas, nem, tampouco, as facilita. São sempre tarefas difíceis, para pessoas de fibra, em cujos corações não há lugar para o medo. Se o profeta, de fato, é zeloso pelas coisas de Javé, só lhe resta obedecer.
Javé passa, então, a elencar uma série de providências a serem implementadas por Elias, tendo em vista fazer frente ao avanço do baalismo em Israel.
A primeira providência consistia em “ungir a Hazael rei de Aram”, ou seja, dos sírios (v. 15b). A providência misteriosa, à primeira vista, passa a impressão de nada ter a ver com as questões internas de Israel. O que mudaria no Reino do Norte com a substituição do rei do país inimigo? O texto bíblico não fala do profeta cumprindo esta missão. Em todo caso, é Eliseu quem dirá a Hazael que ele será o rei dos sírios (2Rs 8,14).
A segunda providência consistia em ungir Jeú, filho de Namsi, como rei de Israel (v. 16a). Esta ordem faz sentido: trata-se de recorrer à mediação política, para dar um basta ao baalismo. Qual o caminho? Promover um golpe de estado, servindo-se do general das tropas de Israel[15]. A ordem será cumprida bem mais tarde, por iniciativa do profeta Eliseu, que envia um membro da corporação dos filhos dos profetas a Ramot de Galaad, nos limites entre Israel e Síria, onde o exército de Israel combatia por questões de fronteira. Sua missão seria a de ungir Jeú como rei de Israel. A ordem foi cumprida e o general tornou-se rei, com uma missão bem precisa: “Assim fala Javé, Deus de Israel. Eu te ungi como rei sobre o povo de Javé, sobre Israel. Exterminarás a casa de Acab, teu senhor, e eu vingarei o sangue dos meus servos, os profetas, e de todos os servos de Javé contra Jezabel e contra toda a família de Acab. Exterminarei todo varão da família de Acab, tanto o ligado como o livre em Israel. Tratarei a família de Acab como a de Jeroboão, filho de Nabat, e a de Baasa, filho de Aías. Os cães devorarão Jezabel no campo de Jezrael; ninguém lhe dará sepultura” (2Rs 9,1-10). A missão de Jeú era bem precisa. Nada se fala do direito e da justiça, tão próprios na ação real, mas tão somente de morte, de sangue e de vingança. Jeú executou a ordem divina com uma fúria insuperável. O texto bíblico descreve com detalhes a ação exterminadora. Foi eliminada a casa real de Israel (2Rs 9,22-10,11) e, também, quarenta e dois membros da casa real de Judá, que foram visitar seus co-iguais do Reino do Norte (2Rs 10,12-14). Os fieis de Baal e sua infraestrutura cultual foram devastados (2Rs 10,18-27).
O extermínio de Jeú foi de tal modo brutal a ponto de merecer, séculos depois, a crítica do profeta Oseias (Os 1,4). Sem dúvida, a brutalidade de Jeú ficou impressa na consciência do povo. Aqui, convém um comentário. O profeta, cumprindo a ordem de Javé, optou por Jeú como mediação para implementar o projeto de reforma religiosa no Reino do Norte, onde o baalismo corria solto, encobertando toda sorte de injustiça. Uma vez feita a opção, não teve como manter o general-rei sob controle, de modo a colocar limites em sua fúria assassina. A narração bíblica não comporta um juízo do profeta Eliseu a respeito do modo de proceder de Jeú. Tê-lo-ia aprovado? Tê-lo-ia reprovado, como haveria de fazê-lo Oseias? Permanece a incógnita.
A terceira providência consistia em ungir Eliseu, filho de Safate de Abel-Meúla, profeta em substituição a Elias – “ao invés de ti” (v. 16b)[16]. A unção, usual apenas para os reis, colocaria Eliseu em pé de igualdade com Hazael e Jeú. Qual o significado da substituição? Javé não contava mais com a colaboração de Elias? A fuga e a depressão davam mostras de lhe faltar estofo para cumprir a missão de profeta? Javé preferia investir em outro profeta, com a esperança de ser alguém mais corajoso e impávido? São perguntas à espera de resposta!
Uma vez indicadas as mediações com as quais o profeta deveria contar – um rei, um general e um profeta –, Javé faz duas considerações. A primeira consideração estabelece a relação entre Hazael, Jeú e Eliseu, indicando o rumo da história – “Quem escapar à espada de Hazael, Jeú o matará; e o que escapar da espada de Jeú, Eliseu o matará” (v. 17)[17]. Apelando para o tema da morte, mostra como os adoradores de Baal não terão escapatória. Se não forem exterminados por um, sê-lo-ão por outro. É uma forma de mostrar como o caminho indicado para por fim ao baalismo é infalível. Se Elias o pusesse em prática, não haveria mais de ter motivos para fugir e ficar deprimido. E, mais, veria sua missão levada a cabo. Entretanto, o curso da história seguirá um rumo bem diferente.
Esta imagem de Javé, violento e exterminador, parece corresponder à cultivada por Elias. Na cena do Carmelo, o profeta dá ordens para prender os profetas de Baal, sem deixar escapar nenhum. Levou-os à torrente do Quison, e os matou “sem dó nem piedade” (1Rs 18,40). 1Rs 19 inicia-se com a alusão a este fato, recordando que Elias matou todos os profetas de Baal (v. 1). Esta imagem de Javé, veiculada num momento em que o culto baalista prevalecia, dando a impressão de ser Javé um deus fraco, teria a finalidade de recuperar, no coração do povo e do profeta, a confiança no Deus de Israel, de quem os feitos grandiosos eram recordados como fundamento da fé do povo?
A segunda consideração é uma forma sutil de criticar Elias que, por duas vezes, afirmara: “Mataram os teus profetas à espada; só eu escapei” (vv. 10.14). Diz-lhe Javé: “Guardei em Israel um resto de sete mil homens, todos aqueles que não dobraram os joelhos diante de Baal nem o veneraram com o beijo” (v. 18). O profeta enganava-se ao se considerar o único fiel a Javé restante. O número “sete”, com força simbólica apontando para plenitude, significa muita gente, não poucos. Elias era incapaz de atinar para esta realidade. Por que não contou com toda esta gente, preferindo o caminho do vanguardismo e do protagonismo? Se tivesse juntado as forças dos fieis javistas, com grande probabilidade, haveria de conseguir fazer frente às investidas da rainha baalista. Como agiu sozinho, ficou fragilizado e tomado pelo medo. Uma postura distinta haveria de lhe poupar da frustração.
Uma vez recebidas as instruções, o profeta partiu (v. 19a). Embora as palavras de Javé, de certa forma, pareceram descartá-lo, o profeta cala-se; apenas obedece. “A reação de YHWH foi a de dispensar-lhe os serviços. Ele não tem mais necessidade de Elias como seu profeta” (ROBINSON, 1991, p. 530). Doravante, a missão de enfrentar o baalismo seria levada adiante por Hazael, Jeú e Eliseu. Bastaria ao profeta ir à procura deles, ungi-los e deixá-los agir.
A narração omite a referência a qualquer sentimento interior do profeta. Nenhuma resposta é dada a Javé, nem mesmo para se desculpar pelo “papel feio” que fizera. Elias dá mostras de submissão, partindo calado para cumprir o que Javé lhe ordenara. Em todo caso, parece ter superado a depressão e a abulia, pois se dispõe a retomar o caminho na direção indicada por Javé. Como havia dito o mensageiro de Javé: “ser-te-á muito longo o caminho” (v. 7). Era preciso deixar de lado a busca pela confirmação dramática do status de profeta e de segurança pessoal (ROBINSON, 1991, p. 527).
Elias começa por implementar a terceira ordem de Javé: ungir Eliseu em seu lugar. Por quê? Caíra na conta de que sua missão havia chegado ao fim e era preciso passar, logo, o bastão adiante? Sente-se incapacitado para a missão, depois da experiência de fuga e de desejo de morrer? Sentiu-se dispensado por Javé, e se apressou em ir ao encalço do sucessor? Em todo caso, das três missões, só esta foi levada a cabo por ele.
Entre o “partir dali” e o “encontrou Eliseu” processa-se uma elipse, a velocidade máxima do tempo na narração, “que passa em silêncio um período da história contada” (Marguerat-Bourquin, 2009, p. 111). Das alturas do Horeb, passa-se aos campos de Abel-Meúla, onde Eliseu está executando a tarefa de lavrador. “Lavrava com doze juntas de bois; e ele mesmo conduzia a última” (v. 19b)[18]. Elias passa a seu lado, e lança a capa sobre ele (v. 19c)[19]. Eliseu não recebe a unção, pois ser profeta não é um cargo, no qual se é empossado (COGAN, 2001, p. 454). Ele, porém, entende tratar-se de uma convocação para seguir Elias, cuja fama devia ser bastante conhecida. O conflito com a casa real e a perseguição de que era vítima, com certeza, eram de conhecimento público.
Eliseu devia abrir mão de seus bens para seguir o profeta. De fato, dispôs-se a obedecer, com uma condição: despedir-se dos familiares. “Deixa-me primeiro ir beijar meu pai e minha mãe, depois te seguirei” (v. 20b). Elias assente: “Vai e volta” (v. 20c)[20] e faz uma perguntar, aparentemente, enigmática: “Que te fiz eu?” (v. 20d)[21].
A narração conclui-se com o foco centrado em Eliseu. Este volta e faz um gesto inesperado: mata os bois com os quais trabalhava e, com os instrumentos de trabalho, prepara o fogo para cozinhar a carne. Tendo-a cozinhado, dá-a ao povo. “A festa era mais que uma refeição com amigos. O conjunto da cena é emblemático da ruptura de Elias com o seu passado, que ele deixou para trás para se tornar o servidor pessoal do profeta” (COGAN, 2001, p. 455)[22]. Uma vez que todos se fartaram, ele “se levantou, seguiu Elias e pôs-se ao seu serviço” (v. 21c). A função de servidor de Elias prepara Eliseu para a futura substituição na função de profeta de Javé.
Conclusão
Concluída a leitura de 1Rs 19, fica a pergunta: que lições se podem tirar para os profetas cristãos de hoje? A compreensão do texto bíblico fica incompleta, se não oferecer aos leitores pistas para a vivência da fé, pois a Bíblia se faz presente em suas vidas como mediação da Palavra de Deus. A leitura consiste, em última análise, numa forma de diálogo com o Deus que fala a seus fieis, no contexto histórico e existencial de cada leitura. Por conseguinte, importar aprender com a experiência de Elias.
Elias, em 1Rs 19, é o símbolo das pessoas comprometidas com o projeto de Deus e nele se lançam com toda coragem e generosidade. Porém, quando devem pagar o preço de sua opção, tendem a fugir, abandonando o campo da missão. As dificuldades tornam-nos impotentes e os bloqueiam. É como se Deus os tivesse abandonado, largando-os à própria sorte. Então, os horizontes se encurtam, e o cristão torna-se incapaz de ver para além de seus estreitos limites. A luta perde a razão de ser. Capitula-se diante da maldade e da injustiça. Viram-se as costas para os companheiros e companheiras de luta. Já não se é capaz de perceber as mediações que se tem à disposição para caminhar na contramão das tendências dominantes. É quando o profeta cristão, diferentemente do Mestre Jesus, foge do “lugar” onde deveria estar.
“Elias foi uma vítima do excessivo desejo de ser reconhecido como único profeta de Deus. Comete o mesmo erro de muitos líderes que pensam serem indispensáveis. A reação de Javé é a de dispensar-lhes os serviços” (ROBINSON, 1991, p. 529-530). O profeta cristão se reconhece como servidor do Reino, que, no final da jornada, é capaz de reconhecer: “Somos simples servos; fizemos o que devíamos fazer” (Lc 17,10). A obra, afinal, é de Deus. Engana-se quem assume como propriedade pessoal e exclusiva o que faz. A consciência de ser colaborador de Deus é fundamental na atividade do profeta cristão. Portanto, o primeiro interessado e o principal responsável por tudo é Deus. Sendo assim, não há por que temer diante da possibilidade do fracasso e da frustração!
A cena no Horeb ilustra a atitude dos cristãos que se refugiam nos espaços sagrados e religiosos, evitando encarar os desafios da missão. Os ares místicos e espirituais acabam por oferecer-lhes uma falsa segurança de “estar perto de Deus” e, por conseguinte, poderem estar em paz com a consciência. Assim como Elias foi censurado por não estar no lugar onde deveria, da mesma forma, Jesus censura quem se refugia nas igrejas, nas atividades eclesiais, no mundo da espiritualidade, nos lugares sacralizados, para não se lançar na construção de um mundo diferente. Sal da terra, luz do mundo e fermento na massa foram as metáforas usadas por Jesus para falar da relação dos discípulos – os profetas cristãos – na relação com o mundo. Dar as costas para o mundo é uma forma de negação do discipulado, uma negação da fé. Se o discípulo é autêntico, no seu refúgio, ouvirá a voz do Mestre ordenando-o voltar para o “lugar” da missão e abrindo-lhe os olhos para reconhecer o que é possível fazer. Foi o que aconteceu com Elias: Javé mandou-o de volta para o “lugar” do testemunho da fé. O Horeb não era o lugar adequado para quem, deveras, era consciente de ser profeta de Javé, a serviço de uma fé expressada na fraternidade e na justiça. Igualmente o discípulo de Jesus é motivado a abandonar os lugares viciados por uma falsa religiosidade e, como o Mestre, saber-se enviado para “anunciar a Boa-Nova aos pobres, proclamar a libertação aos presos e a recuperação da vista aos cegos, libertar os oprimidos e anunciar o ano da graça da parte do Senhor” (Lc 4,18-19; cf. Is 61,1-2).
“A caminhada de Elias foi longa e penosa. Foi uma noite escura. Ele teve que aprender que, até dentro dele mesmo, Deus não estava do lado do Elias vitorioso e famoso, combativo e agressivo, que pensava ser o dono da luta contra os erros do rei, mas sim do lado do Elias reprimido e angustiado, perseguido e desanimado. Teve que descobrir, com a ajuda do próprio Deus, que havia mais de 7.000 homens que não tinham dobrado o joelho diante dos falsos deuses. Ele não estava sozinho; não era o único defensor. Elias estava tão fechado na sua visão da luta que já não era capaz de perceber os outros que lutavam a mesma luta ao seu lado. Deus lhe abriu os olhos através da experiência dolorosa dos seus limites. Elias teve que experimentar dolorosamente que Deus é livre, não só frente ao rei e aos opressores, que pensam poder controlá-lo, mas é livre também frente ao próprio Elias. É neste momento que Elias ficou livre para poder libertar!” (MESTERS-GRUEN, 1987, p. 81). Esta consciência fê-lo voltar para seu verdadeiro “lugar”. Semelhante consciência fará o profeta cristão estar no mesmo “lugar” em que esteve o Mestre Jesus, no serviço ao Reino de Deus.
Bibliografia
ALCANA CANOSA, Celso, Vocación de Eliseo (1Rs 19,19-21), Estudios Bíblicos 29 (1970) 137-151.
ÁLVAREZ BARREDO, Miguel, Las narraciones sobre Elías y Eliseo en los libros de los reyes. Formación y Teología, Carthaginensia 12 (1996) 1-123.
BRIEND, Jacques, Dieu dans l´Écriture, Paris, Cerf, 1992.
COGAN, Mordechai, I Kings. A new translation with introduction and commentary, New York, Doubleday, 2001. (The Anchor Bible v. 10)
MARGUERAT, Daniel – BOURQUIN, Yvan, Para ler as narrativas bíblicas – Iniciação à análise narrativa, São Paulo, Loyola, 2009.
MESTERS, Carlos – GRUEN, Wolfgang, O profeta Elias – Homem de Deus, homem do povo, São Paulo, Paulinas, 1987.
MIKOLAJCZAK, Mieczyslaw, Il viaggio di Elia nel deserto (1Re 19,1-18), Collectanea Theologica 69 (1999) 5-23.
ROBINSON, Bernard P., Elijah at Horeb, 1Kings 19:1-18: a coherent narrative?, Revue Biblique 98 (1991) 513-536.
*Publicado em Estudos Bíblicos nº 107 (2010) 35-49
Autor:
Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia
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31.720-300 Belo Horizonte – MG
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[1] Para ROBINSON (1991, p. 533), apesar de vários episódios terem circulado, originalmente, de forma independente, e de os sinais de múltiplas autorias e redações serem claros, “a narrativa, como um todo, foi, cuidadosamente, organizada temática e estruturalmente”. Um elenco dos problemas presentes em 1Rs 19 está nas pp. 514-516.
[2] Explica-se, assim, o casamento de Salomão com a filha do Faraó egípcio e com muitíssimas outras mulheres (1Rs 11,1-3).
[3] “Seria isto, realmente, uma ‘confissão de impotência’ por parte da rainha, como sugeriu Skinner? Com o pano de fundo do Carmelo, poderia ter sentido que não mais estava livre para seguir seu caminho, como aconteceu quando matou, impunemente, os profetas” (COGAN, 2001, p. 451).
[4] MIKOLAJCZAK (1999, p. 14) vê no fato de deixar o servo para trás um sinal de abandono da missão, “e não pretende retomá-la. Não é um intervalo; é o fim de tudo”.
[5] Para BRIEND (1992, p. 17), “a palavra ‘pais’ parece designar aqui, a geração do deserto que murmurou contra Deus e que encontrou a morte neste lugar (cf. Nm 14,22-23). O profeta alinha-se com este grupo e deseja o mesmo destino”. MIKOLAJCZAK (1999, p. 14) vai noutra direção. Elias “acredita ter falido como profeta, exatamente como faliram os líderes religiosos precedentes”.
[6] COGAN (2001, p. 452) pensa diferentemente. Para ele, “embora nenhuma ordem direta lhe tenha sido dada, Elias reconhece dever continuar na direção do Horeb”.
[7] Para ÁLVAREZ BARREDO (1996, p. 39) “a peregrinação de Elias ao Horeb marca a totalidade do relato. Os motivos secundários foram acrescentados pensando neste filão narrativo”. O autor não cai na conta de se tratar de uma peregrinação equivocada.
[8] COGAN (2001, p. 452) entende tratar-se de “uma questão retórica que serve como uma abertura para a conversa”. BRIEND (1992, p. 28) pensa que “a questão colocada pela voz contém uma reprimenda. Deixa entender que Elias abandonou sua missão”. De fato, é preferível tomá-la como uma forma declarada de censura pela atitude do profeta, que está no deserto, quando seria alhures o lugar normal de sua atividade.
[9] Atitude semelhante teve Elias, no monte Carmelo, ao declarar: “Eu sou o único profeta do Senhor que resta” (1Rs 18,22), como se fora um solitário.
[10] Para BRIEND (1992, p. 23), não se trata, propriamente, de teofania, no sentido estrito. Mas de uma “chamada de atenção, de maneira narrativa, quanto à modalidade da presença de Deus”. Os motivos são: os fenômenos acontecem “diante do Senhor” e não acompanham a passagem do Senhor; não ocorre o verbo “ver”, só o verbo “ouvir”. Elias nada vê, apenas ouve uma voz, que ressoa no silêncio.
[11] Vários autores perceberam a correlação entre a cena de Elias no Horeb e a de Moisés no Sinai (ÁLVAREZ BARREDO, 1996, p. 39-40; MIKOLAJCZAK, 1999, p. 8-11).
[12] BRIEND (1992, 13-38) traduz a expressão hebraica por “voz de fino silêncio” – “voix de fin silence”. “Manifesta que Deus não se impõe à consciência. Ele lança um apelo que, para ser entendido, obriga a um discernimento”.
[13] Para ROBINSON (1991, p. 528), “Elias está tão cheio da consciência da própria importância, que se apressa a cobrir-se, antes mesmo de acontecer a teofania e sem esperar ser mandado”.
[14] Para MIKOLAJCZAK (1999, p. 22), “a ordem e a promessa de Deus nos v. 15-18 é o clímax da narrativa. Responde e corrige o lamento de Elias nos vv. 10.14.
[15] MESTERS-GRUEN (1987, p. 23) perguntam: “Deus manda organizar um golpe de estado. Por quê? Será que o profeta não teria recursos espirituais mais eficientes para mudar a situação sociopolítica errada?”
[16] “Ao invés de ti”, ou seja, “em teu lugar” é uma fórmula típica de sucessão (1Rs 5,19; 11,43; 14,20.31; 15,8.24.28; 16,6.10.28; 22,40.51).
[17] O narrador não tem preocupação histórica no que se refere aos vv. 15-17.
[18] Para ALCANA CANOSA (1970, p. 140) este versículo revela “a condição social de Eliseu. De família rica e latifundiária, sacrificou tudo para seguir a vida profética... Era um israelita muito rico, com todas as comodidades terrenas que, humanamente, se pode almejar” (grifo do autor).
[19] “O manto era símbolo da personalidade de quem o vestia e nele estavam os direitos de seu dono... o manto implica a pessoa” (ALCANA CANOSA, 1970, p. 144 – grifo do autor). Quando Davi cortou um pedaço do manto de Saul, em Engadi, era como se tivesse tocado, diretamente, nele (1Sm 24,1-8). Nos evangelhos, tocar no manto de Jesus correspondia a tocar nele (Mc 5,28).
[20] ALCANA CANOSA (1970, p. 147) faz uma leitura demasiado light das palavras de Elias a Eliseu. “O sentido mais provável é o seguinte: ‘Vai, volta aos teus, pois nada te fiz que to impeça’. Segundo esta concepção, Elias outorga a permissão, ao mesmo tempo em que apresenta o profetismo com exigências não demasiado rigoristas. Dever-se-ia concluir daqui que a vocação profética não supõe a ruptura de todo laço familiar”. É mais conveniente dar às palavras de Elias um sentido forte de exortação a Eliseu de não cair na tentação de voltar atrás da decisão de segui-lo, e permanecer com os familiares.
[21] COGAN (2001, p. 455) pensa que “Elias desafiou Eliseu negando que houvesse algum significado na capa lançada sobre ele ou que tivesse pedido algo dele”.
[22] ALCANA CANOSA (1970, p. 149) pensa tratar-se de um “banquete sagrado”, com “sacrifício de comunhão” em honra de Javé, e não um “banquete profano” (cf. 1Sm 6,14.15b; 2Sm 24,22.25a).
OLHAR CARMELITANO: "MINHA VOCAÇÃO É O AMOR"-01
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Por Frei Gianfranco Maria Tuveri O. Carm
Durante este ano muito se há de falar sobre Santa Teresinha do Menino Jesus. Um pouco por toda parte preparam-se celebrações numerosas, pelo mundo afora, para festejar o Centenário da sua morte acontecida no dia 30 de setembro de 1897. Teresa do Menino Jesus, na história deste século, mas sobretudo no coração de tantas pessoas de todas as classes, é tão importante que seria injusto não celebrar esta Centenário. Tais celebrações e iniciativas procurarão pesquisar toda a riqueza da personalidade e da mensagem da Santa de Lisieux.
Com muita simplicidade apresento aqui um apanhado da sua vida e da sua mensagem, recorrendo à leitura de um texto redigido há cem anos e que conserva intactas toda a sua força e sua luz, um cimo culminante da literatura cristã de todos os tempos, cuja ponta é a expressão: "A minha vocação é o Amor!"
Uma vida sob o signo do Amor
"A minha vocação é o amor!" Não é o clarão rápido de uma estrela, que desliza pela noite, mas o final lúcido de uma vida inteira, profundamente marcada pelo selo do amor. Com toques rápidos iremos relembrar algumas passagens da vida de Teresa, como a "Subida da Montanha do Amor".
Desde a sua chegada a este mundo, Teresa foi cercada de um amor assinalado pela maior ternura. Ela própria o reconhece: "Toda a minha vida o Bom Deus teve o prazer de cercar-me de amor: as minhas primeiras lembranças estão repletas de sorrisos e das mais ternas carícias! Mas se colocou junto a mim muito amor, Ele pôs também no meu coração muito amor, fazendo-o amoroso e sensível e, por isso, eu amava demais a Papai e Mamãe e lhes testemunhava a minha ternura de mil maneiras, pois eu era muito expansiva".
O dia da sua Primeira Comunhão é um dia de inesquecível amor. Sobre este dia escreverá: "Oh! Como foi doce o primeiro beijo de Jesus à minha alma! Foi um beijo de amor: sentia-me amada e dizia por minha vez: «Amo-vos e entrego-me a vós para sempre». Não houve pedidos, não houve lutas, não houve sacrifícios. Há muito tempo Jesus e a pobre Teresa haviam-se entreolhado e se haviam entendido... Naquele dia já não era mais um entreolhar-se e sim uma fusão, não eram mais dois: Teresa desaparecera como a gota d' água que se perde no seio do oceano".
Pelo Natal de 1886, Teresa experimentou a força transformante do Amor divino. Eis como ela fala a respeito desta graça: "Num instante o trabalho, que não consegui fazer durante dez anos, Jesus o fez, contentando-se com a minha boa vontade, que nunca me faltou. Como os seus Apóstolos eu podia dizer-lhe: «Senhor, pesquei durante toda a noite e não peguei nada». Mostrando-se mais misericordioso para comigo do que para com os seus discípulos, Jesus mesmo apanhou a rede, lançou-a e a retirou cheia de peixes. Ele fez de mim «pescador de almas», senti um grande desejo de trabalhar na conversão dos pecadores, desejo que não tinha sentido antes tão vivamente. Senti, numa palavra, a caridade entrar no meu coração, a necessidade de esquecer-me de mim mesma para dar prazer, e desde esta hora fui feliz!..."
No Carmelo, é sobretudo ao pé da cruz que Teresa prossegue na "Subida da Montanha do Amor". A sua correspondência com Celina durante o seu tempo de noviciado traz ressonâncias da dolorosa provação da doença do seu pai e, ao mesmo tempo, ressonâncias do crescimento da sua sede de amor. Qualquer uma das passagens das suas cartas estão inflamadas de amor. Citemos um texto apenas, uma passagem da carta de 15 de outubro de 1889: "Façamos da nossa vida um sacrifício contínuo, um martírio de amor, para consolar Jesus; ele não quer senão um olhar, um suspiro, mas um olhar, um suspiro, que sejam somente para ele! Que todos os instantes da nossa vida sejam somente para ele, que as criaturas não toquem em nós a não ser de passagem... Durante a noite não há nada a fazer senão uma só coisa, na única noite da vida que não virá a não ser uma só vez: e é amar, amar Jesus com todas as forças do nosso coração e salvar almas para ele, para que ele seja amado".
No seu último retiro, de 7 a 18 de setembro de 1896, Teresa escreve o Manuscrito B. A 8 de setembro, ela comemora na solidão o sexto aniversário do dia em que professou. Parece-me importante ler uma passagem da oração que ela compôs no dia da sua profissão e foi escrita num bilhete que ela trazia sempre sobre o coração: "Ó Jesus, meu Divino Esposo! Que nunca eu perca a segunda veste do meu batismo. Arrebata-me antes que eu cometa a mais leve falta voluntária. Que não procure e não encontre nunca senão a ti somente; que as criaturas não sejam nada para mim e eu não seja nada para elas, mas tu, Jesus, sejas tudo!... Que as coisas da terra nunca possam perturbar a minha alma, nada perturbe a minha paz; Jesus, eu não te peço senão a paz, e também o amor, o amor infinito, sem outro limite além de ti, o amor que já não seja mais eu mesma e sim tu, meu Jesus!"
Os anos, em que Paulina foi Priora, foram um período de desabrochamento espiritual e humano para Teresa. "Ó minha Mãe! Foi sobretudo desde o dia abençoado da vossa eleição que eu voei pelos caminhos do amor!"
Em 1893, Teresa escreveu novamente cartas ardentes de amor à sua irmã Celina: "O meu Diretor, que é Jesus, não me ensina a contabilizar os meus atos; ele me ensina a fazer tudo por amor, a não lhe recusar nada, a estar satisfeita quando me oferece uma ocasião de provar-lhe que eu o amo; mas é na paz, no abandono que isto acontece: é Jesus quem faz tudo e por mim eu não faço nada".
E em 1895, no Manuscrito A, é assim que Teresa fala dos seus desejos: "Agora não tenho mais nenhum desejo, a não ser o de amar Jesus até à loucura..." Foi no Priorato da sua irmã Paulina e com a permissão dela que Teresa pronunciou o "Ato de Consagração ao Amor Misericordioso". É nos seguintes termos que ela fala a respeito, alguns meses mais tarde: "Este ano, no dia 9 de junho, Festa da Santíssima Trindade, recebi a graça de compreender mais do que nuca quanto Jesus deseja ser amado. Eu pensava nas almas, que se oferecem como vítimas à Justiça de Deus, a fim de desviar, atraindo sobre si, os castigos reservados aos culpados; esta oferta parecia-me grande e generosa, mas eu estava longe de me sentir levada a fazê-la. «Ó meu Deus!» - clamei do fundo do meu coração - «não existirá nada mais do que a vossa Justiça para receber almas que se imolem como vítimas? O vosso Amor Misericordioso não tem ele também necessidade delas?... Por todas as partes ele é desconhecido, rejeitado; os corações, dentro dos quais vós quereis derramá-lo prodigamente, voltam-se para as criaturas, mendigando-lhes a felicidade com a sua mísera afeição, em lugar de se lançarem nos vossos braços e aceitarem o vosso Amor infinito... Oh! Meu Deus! O vosso Amor desprezado vai permanecer só no vosso Coração? Acho que se encontrásseis almas que se oferecessem a vós como Vítimas de holocausto ao vosso Amor, haveríeis de consumi-las rapidamente, acho que ficaríeis feliz a ponto de não poderdes absolutamente reprimir as ondas de ternuras infinitas que em vós se encontram. Se a vossa Justiça gosta de descarregar-se, ela que não se estende a não ser sobre a terra, quanto mais o vosso Amor Misericordioso está desejoso de abrasar as almas, visto que a vossa Misericórdia se eleva até os Céus. Oh! Meu Jesus! Seja eu esta vítima feliz, consumi o vosso holocausto com o fogo do vosso Divino Amor!».
Minha Mãe querida, vós que me haveis concedido a licença de assim oferecer-me ao Bom Deus, sabeis dos rios, ou antes, dos oceanos de graças que vieram inundar a minha alma... Ah! Depois daquele dia feliz, parece-me que o Amor me penetra e me envolve, parece-me que a cada instante este Amor Misericordioso me renova, purifica a minha alma e nela não deixa traço nenhum de pecado de tal modo que não posso ter medo do purgatório. Sei que por mim mesma não mereceria nem sequer entrar neste lugar de expiação, visto que somente as almas santas podem ter acesso a ele, mas também sei que o Fogo do Amor é mais santificador que o do purgatório, sei que Jesus não pode desejar para nós sofrimentos inúteis e me não inspiraria os desejos que sinto, se não quisesse realizá-los".
O Ato de Consagração ao Amor Misericordioso é uma forma diversa, implícita ainda, mas não menos expressiva, da descoberta do mês de setembro de 1896: "A minha vocação é o Amor". Aí encontramos, de um lado, os mesmos desejos infinitos; de outro lado, o reconhecimento da pequenez e da impotência, o ato de se apropriar de todos os merecimentos de todos os santos do céu e da terra, o ato de esperança em Deus, que o suscita e lhe dá a segurança de que será atendida. Encontramos aí também a coexistência da possibilidade da experiência do pecado junto à confiança de que bastará um só Olhar do Bem-Amado para que seja transformada em Deus.
Podemos repassar brevemente o itinerário deste Ato. Teresa começa por falar dos seus desejos infinitos, que não são eliminados pela experiência dos seus limites, mas confirmados pela certeza de que é o próprio Deus quem os suscitou. Então já não fala mais de desejos; baseando-se sobre a ação de Deus, ela daí em diante vai falar de esperança. O amor infinito de Deus não é mais um desejo, mas uma esperança: o que é uma virtude teologal, sinal da ação de Deus na alma, antes de ser movimentação da alma para Deus. Da esperança ela passa enfim para o ato de oferecimento, para a ação, para a expressão de uma vontade que se faz inteiro acolhimento da vontade de Amor de Deus, vontade que a ela se manifestou: "«Quero revestir-me de Jesus Cristo», de sua Justiça e de seu Amor. Não quero nada mais além de vós". E enfim o quer para sempre. É a conclusão do seu Ato de Oferecimento: "Quero renovar este Oferecimento um número infinito de vezes", por toda a extensão do tempo e pelo depois do tempo, pela eternidade. Teresa não quer sair mais deste Amor. É verdade que o Ato, ainda que repetido, é limitado no tempo e no espaço. Mas o Amor que ele encerra é eterno; como Oferecimento ao Amor Infinito este Ato é prelúdio e posse da Eternidade.
*Artigo publicado em Près de la Source Les Grands Carmes en France Bourges Janvier - Février - Mars 1997 / nº 4
DOMINGO 12, DIA DO BEATO CARMELITA, ISIDORO BAKANJA- O SANTO O ESCAPULÁRIO.
- Detalhes
Em 11 de junho de 1977, a Congregação da Causa dos Santos dava permissão para a publicação do decreto de abertura do processo canônico sobre o martírio de Isidoro Bakanja, na diocese de Mbandaka-Bikoro, no Zaire.
A história da paixão deste jovem leigo, das mais emocionantes pelo candor e firmeza de fé, é quase desconhecida fora da África, mas tem características tais que a tornam incrivelmente atual. A vítima, primeiramente, é um leigo de condição humilde, que recebeu o batismo há pouco: é um neófito. É um operário que emigrou à procura de uma ocupação que lhe consentisse melhorar a situação econômica e ajudar os familiares. O perseguidor não é um pagão, mas um cristão europeu que rejeitou o batismo e é animado por fobia anticlerical: a África aproxima-se do evangelho, a Europa distancia-se. Enfim, a espiritualidade deste jovem negro está impregnada de devoção mariana: a recitação do terço constitui para ele a fonte cotidiana de elevação a Deus e de fortalecimento espiritual.
As acusações, em virtude das quais é sacrificado, são substancialmente duas: 1ª - Ele usa o Escapulário de Nossa Senhora do Carmo e não pretende separar-se dele nem por um instante; 2ª - Vai rezar no bosque, porque isto lhe está proibido em casa. O Bankoto Malia, isto é, o Bentinho, lhe será arrancado no momento do suplício, mas espiritualmente permanecerá eternamente com ele, será sua veste nupcial que o introduzirá no banquete sem fim.
O AMBIENTE EM QUE VIVEU
A paixão de Bekanja nasce e cresce enquanto o cristianismo dá os primeiros passos lentos na África negra, particularmente na região que tem por capital Mbandaka, a cidade a que os colonizadores deram o nome de Coquilhatville. A região se estende na área centro-setentrional do Zaire, em pleno ambiente equatorial. Mesmo agora, esta extensa planície de leves ondulações do solo não é muito hospitaleira e difícil de ser atravessada em razão da falta de estradas, dos pântanos, das insídias da floresta e das doenças. Condições muitas vezes proibitivas, tornam difícil o trabalho, a evangelização e o desenvolvimento das capacidades humanas. Na época do Bekanja, não se havia desencadeado o processo da modernização. Mesmo o da missão estava apenas nos projetos das autoridades civis e eclesiásticas belgas. Os padres trapistas de Westmalle só em 1895 assinaram a convenção pela força da qual a região lhes era confiada).
Não conhecemos as circunstâncias, através das quais Bekanja bateu à porta da fé. É certo, porém, que ele foi um dos primeiros habitantes da sua região a pedir o batismo.
Nasceu em Bokandela, nas proximidades de Mbilankamba, entre 1880 e 1890. Seus pais se chamavam Iyonzwa e I nyuka e o irmão mais velho Bokungu. Da sua infância, nada se sabe: o primeiro documento referente a ele é o do seu batismo, ocorrido na paróquia de Santo Eugênio, em Bolokwa Nsimba, isto é, em Mbandaka, a 6 de maio de 1906. Deste registro, apreendemos também, com certeza, a data da sua Crisma (25de novembro de 1906) e o da sua Primeira Comunhão ( 8 de agosto de 1907 ). A data da sua morte geralmente vem indicada na Festa da Assunção de 1909. Outros testemunhos mostram hesitação ao indicar tal morte, mas, se existe diferença, é de dias ou até mesmo de horas.
O encontro de Bekanja com a fé cristã teve como moldura o ambiente de trabalho. Nos idos de 1904-1905, ele abandonou o torrão natal, á procura de trabalho melhor remunerado. No cento da região havia construção de casas destinadas aos técnicos que a sociedade Anônima Belga (SAB),que tinha assegurada a exclusiva exploração dos recursos agrícolas e minerais, enviara para aquela zona. Bekanja foi empregado como servente de pedreiro e parece que, com o tempo, fez notáveis progressos nesta arte. Em Mbandaka, por razões óbvias, se dera início também à atividade missionárias dos trapistas . Um catecumenato havia sido aberto pelo padre Gregório VanDun e pelo padre Robert Brepoels. O padre Gregorio Debrulle, que dará assistência a Bekanja no leito de morte, desenvolvia, juntamente com outro padre, a atividade de missionário itinerante. O jovem operário, ao ter notícia, mediante um catequista, da obra dos missionários, pediu para inscrever-se no catecumenato e deu início à caminhada da sua iniciação cristã.
UM ANTICLERICAL BELGA TRANSPLANTADO PARA A ÁFRICA
Por razões que ignoramos, após um breve período de permanência em Mbandaka, Bekanja decidiu mudar de ares. Não sabemos se antes se dirigiu ao seu povoado natal. Sabemos só que pela primeira de 1909 ele se acha ao serviço de André Van Cauteren (Longange), um funcionário nascido em Bruxelas, administrador da empresa SAB de Ikili, como empregado doméstico. As casas dos brancos, naquele tempo como agora, regurgitam de empregados negros para a cozinha, jardinagem, manutenção da casa. Ao serviço ao mesmo Van Cauteren-Longange, estão também diversos servos e guardiães, além das concubinas.
A diligência e o zelo de Bekanja são atestado unanimemente por todos os seus companheiros de trabalho. O seu colega Mputu Mboyo, na pesquisa efetuada por P. De Witte em 1913, quando alguém surgiu a hipótese de que ele tivesse sido torturado porque havia cometido roubo, reagiu assim:
Não é verdadeiro! Isidoro não havia furtado. Longange não o puniu por um latrocínio. Se tivesse roubado, certamente eu estaria a par: morávamos na mesma casa. Isidoro nunca tirou nada de alguém, como também jamais teve relações com alguma das concubinas de Longange. Alem disso, Isidoro não ficou muito tempo em Ikili: a sua flagelação aconteceu quando ali se achava há dois meses.
Uma outra hipótese foi aventada, com a intenção de inocentar Van Vauteren: Bekanja teria mexido com alguma de suas concubinas. A mesma testemunha, que partilhava trabalho e teto com ele, desmentiu de maneira incisiva esta suposição também:
- Não vejo nada de mal em Isidoro, acrescentou ele. - Eu residia com minha esposa e ele ocupava o outro lado da casa. Era solteiro, mas nunca ouvi dizer que ele havia tocado uma mulher. Era muito afável com todos, tanto negros como brancos. Nunca teve atritos. Rezava muito.
A este propósito, cumpre notar que aos africanos não foge absolutamente nada da vida, da atividade e até dos projetos e dos pensamentos dos seus colegas de trabalho: se algum aspecto da existência da ocasião a críticas, pode-se estar certo que isso é perfeitamente conhecido por toda a comunidade que o rodeia.
Um outro colega de trabalho em casa de Van Cauteren, Joseph Iyongo, falando com P. de Witte, foi de uma precisão acima de qualquer crítica:
- P. Luís, não creia naqueles que vêm dizer-lhe que Isidoro foi chicoteado por causa disso ou daquilo. Foi chicoteado unicamente porque era cristão e porque usava o Escapulário, a veste de Nossa Senhora.
O mesmo Iyongo, na sua linguagem ingênua, mas de olhos abertos para os fatos que se dão ao seu redor, nos dá a chave para iluminar o ódio anti-cristão que dominava Van Cauteren-Longange. Este transferia para o coração da África as diatribes que, em Bruxelas, punham laicistas e anticlericais em luta sem interrupção contra a Igreja.
Diz o Criado Iyongo: - Mais de uma vez, ouvi Longange repetir: “Não quero nenhum sacerdote aqui! Se encontro um deles, o mato!” Disse a mim: “Se um dia você for ter com o missionário, acabo com sua vida, corto-lhe a cabeça! Naquela época, eu não tinha idéia da religião (cristã), desconhecia completamente a oração, não tinha idéia dos missionários. Perguntei a Longange, que coisa era sacerdote: “Na Europa não existem padres?” Ele me respondeu: “Não, entre nós não existem... É coisa do passado... Na Europa conseguimos fazê-los desaparecer”.
- Eu dizia para mim mesmo: “Se padre é alguma coisa do passado, algo de mau, então por que Bulamatari (Rompe-rochas, o apelido de Stanley, aplicado depois do colonialismo) não o extermina? Por que lhe permite que venha ter conosco?... Eu não acreditava naquilo que Longange falava. Não creio que padre seja um nada, um zero, como ele afirma.
Van Cauteren não podia suportar que Bekanja rezasse em sua casa. Proibiu-lhe severamente. Não podia engolir que um criado seu mostrasse capacidade de pensar com a própria cabeça. E sabia que no catecumenato os africanos aprendiam noções que desenvolviam sua personalidade. Ele queria servidores camareiros, guardiães e concubinas, o mais possível privados de riqueza mental e espiritual: animais de carga incapazes de pensar e de alimentar idéias pessoais. Visto que Isidoro era dedicado ao trabalho, preciso e honesto, o patrão tomava consciência que ele exercia um silencioso, mas importante influxo sobre os companheiros de trabalho. Se todos aprenderem a rezar, pensava ele – aprenderão também a pensar com a própria cabeça e isto não deve acontecer.
FLAGELADO POR AMOR A NOSSA SENHORA
Isidoro, nos momentos de saída livre de casa, ia para além do pomar, na vereda ladeada de bambus e de grandes árvores. Ali desfiava o terço. Desta oração tirava força e alegria. Na volta, as reprimendas caíam sobre ele. Mas como antes os apóstolos foram julgados diante do Sinédrio, assim também o jovem trabalhador analfabeto do Zaire se dirigia segundo a inspiração do Espírito: “Cumpre obedecer antes a Deus que aos homens”. E desobedecia ao tirano.
A primeira flagelação teve lugar uma manhã. Van Cauteren, ao ver o Escapulário o pescoço de Isidoro, foi tomado de fúria: Tire esse negócio! gritou. Isidoro respondeu: “Não o tirarei nunca. Arranque-me se quiser!” O patrão chamou o seu guarda-costas, Iseboya, e lhe deu ordem de chicotear Isidoro. Foram-lhe aplicados 25 golpes de chibata.
Bekanja não abandonou suas práticas religiosas. Van Cauteren estava decidido a dobrar a resistência deste cristão de 24 quilates. Um dia, em pleno meio-dia, Isidoro dirigiu-se ao seu refúgio habitual: a espessa vegetação ao lado da terra batida se transformara em uma catedral edificada pela natureza equatorial. O patrão, não o vendo em casa, mandou Iseboya procurá-lo. “Por que você vai lá?”, perguntou-lhe. “Vou em razão das minhas necessidades naturais!”, respondeu Bekanja. “Não é verdade, você vai para pôr em prática os truques de padre!”
A ira do patrão chegou ao paroxismo. Lançou-se contra o jovem, encheu-o de socos e pontapés, arrancou-lhe o Escapulário e o atirou ao cão, que, meneando a causa, se pôs a brincar. Ordenou a Beongele, um tiranozinho da região que partilhava o seu ódio anti-cristão, que o flagelasse não com a chibatada comum, mas com um chicote de pele de elefante que tinha preparado prendendo-lhe dois pregos. Passemos a palavra ao próprio executor material do assassínio:
Comecei então a chicoteá-lo, mas com outro objetivo; ocultei os pregos na mão. Longange percebeu e gritou: “Não é assim! Bata com os pregos!” Segui as duas ordens, a princípio levemente, mas Longange gritou: “Assim não! Mais forte!” Então me enchi de medo, porque Longange é um branco perverso, e o golpeei mais forte. Quando Isidoro se contorcia pela dor, Longange pressionava o pé sobre seu dorso a fim de impedi-lo de mover-se e, assim, também o golpeou com seus pés. Tive de chicoteá-lo por muito tempo: contei entre 200 a 250 golpes. Bekanja foi chicoteado tanto que no fim me doía o braço. Enquanto o golpeava, duas sentinelas o seguravam: Iseboya segurava-lhe os braços, Bolonge imobilizava-lhe as pernas. Depois da flagelação, Isidoro foi levado à prisão.
COMO OS PRIMEIROS MÁRTIRES
Quando se escreve a história das cristandades no Terceiro Mundo, sobretudo das mais pobres, é espontâneo ressaltar os pontos que ela tem em comum com a história das velhas cristandades, aquelas do mundo clássico e, mais ainda, com a história da paixão do Mestre e dos seus primeiros seguidores. Durante a Paixão, Jesus teve de aparecer diante do pretório de Pilatos, mas também perante a corte de Herodes, rodeado de cortesãos, mulheres de má vida, expoentes debochados de uma direção corrupta e corruptora. Também o martírio de Bekanja se deu frente a um grupo de pessoas, que efetuavam a exploração de uma terra conquistada a golpes de tratados de chacelerias, sem consultar de nenhum modo os interessados, considerados objetos e não pessoas. A testemunha Mputu nos dá a lista das pessoas, que depois de uma refeição, assistiram sem emoção à tortura de um jovem operário, culpado somente de seguir a sua consciência, afirmando no coração da África negra o direito à liberdade e à dignidade do serviço de Deus e dos irmãos.
Eles eram, além de Longange e de Lomane, um outro branco, cujo nome se omitiu, e as respectivas concubinas. Registramos os seus nomes porque, no fundo, eram vítimas inconscientes, não por razão de infâmia mas por fidelidade histórica: Maria Mputu, Ekila, ambas trazidas de longe, e duas mulheres daquele lugar, Margarida Isako e Teresa Mdombe. Como é fácil deduzir dos seus nomes, elas eram cristãs.
Parece-nos muito oportuno escutar a narração do martírio também por uma outra testemunha, Mputu Mboyo, companheiro de trabalho de Bekanja e seu auxílio em diversas ocasiões, mesmo no final, quando o mártir foi encaminhado para Yele, mas caiu aniquilado ao longo do caminho.
-Eles haviam chicoteado Isidoro. A parte inferior das costas se tornara uma grande ferida. Longange havia fixado dois pregos no chicote feito de pele de elefante. Isidoro perdia muito sangue. Mais tarde, lavei suas calças ensangüentadas, tirei de seu bolso o terço e o dei a um parente ou amigo seu, Ifaso. Os dois são da mesma aldeia. Penso que foi Ifaso quem denunciou ao tribunal os maus tratos infligidos a Isidoro. Atualmente, está em Léopoldville ou nas vizinhanças. Quando Isidoro foi torturado, Ifaso trabalhava em uma das embarcações da SAB. Durante a flagelação, Longange arrancou o Escapulário do pescoço de Isidoro e atirou-o ao chão. O cão, então, o pegou.
-Depois da tempestade de golpes, Isidoro não estava mais em condições de andar. Longange mandou que fosse levado à prisão, onde diversos negros estavam presos em cadeias. Longange fechou as axilas de Isidoro com anéis de ferro, que ele mesmo forjara, ligados a um peso e fechados com um cadeado. Isidoro ficou na cadeia uns dois ou quatro dias. Quando precisava satisfazer sua necessidades pessoais, nós tínhamos de segurá-lo, porque não conseguia mais mover-se. Durante todo o tempo em que ficou preso, eu e Lyongo, o criado de Longange , lhe levamos ocultamente alimento. Tínhamos medo que Longange nos visse e nos chicoteasse, porque ele é um branco mau”.
Com a intenção de acabar tudo, Van Cauteren ordenou a Bekanja de ir com Reybders a Isoko, um povoado perdido na floresta. Pretendia tirá-lo do meio: uma viagem tão desastrosa, entre pântanos e ataques das feras, teria acabado com ele certamente. Além disso, estava prevista a vinda de W. Dorpinghaus-Potatama para uma inspeção geral na fazenda e ele queria eliminar qualquer pretexto de discussão.
- Bekanja deu alguns passos na estrada em direção a Yele, mas acabou por cair por terra, atrás de uma moita, privado de forças, tomado de fome e frio. Potatama, deixado o vapor, para ir à fazenda de Langange, passou ao lado da moita e ouviu os gemidos do coitado, que se dirigiu a ele dizendo: “Branco, olhe como Longange me reduziu!” Levantou a camisa e mostrou sua horríveis chagas.
- Dorpinghaus-Potatama debruçou-se sobre ele e socorreu, mas Longange, sabendo que Bekanja esta ali perto, mandou o fiel Iseboya com o fuzil para exterminá-lo definitivamente. Potatama o deteve. Chegou também Longange, que desejava surrar o coitado. Potatama segurou-lhe o braço”. A testemunha neste ponto notou: “Os dois falaram muito animadamente em francês, eu não entedia, mas se soube depois que Potatama havia dito que Longange sofreria um processo, como de fato aconteceu, e com uma condenação exemplar: foi transferido para outra fazenda da SAB.
“SE MORRER, REZAREI POR ELE NO CÉU”
Bekanja foi abrigado em uma cabana na aldeia de Busira. Os vizinhos cuidam dele com carinho, o padre George Dubrulle, que se acha nas cercanjas, vem à sua cabeceira e o assiste até a morte. O mártir lhe diz: “Não tenho nada contra o branco. Ele me bateu, mas é problema dele e não meu. Se morrer, rogarei no céu por ele”.
O padre George lhe pergunta: “Isidoro, por que o branco o surrou?” Ele responde: “O branco não ama os cristãos. Não queria que eu usasse o Escapulário de Nossa Senhora. Quando eu rezava, me repreendia sempre... Não faz mal. Se Deus quiser que viva, viverei; se quiser que eu morra, morrerei, É a mesma coisa”. Morreu repetindo ainda uma vez as palavras do perdão: “Se morrer, rogarei por ele no céu”.
A história de Bekanja se encerra em plena pobreza, assim como transcorreu toda sua vida. Pobreza de documentação, de narração. O essencial, porém, está salvo: é a doação total da vida, na fidelidade irremovível às promessas batismais, mesmo quando tudo parecia capaz de não mover este pobre de Javé na generosa doação do perdão, nos passos do ensinamento do Crucificado. Mounier advertia justamente o mundo: “O que o africano tem para dizer, ainda não o disse. Mas o branco desconfie quando pensa que o negro não tem nada dizer”. Certamente, Bekanja disse tudo, em uma palavra só: Fiat! Ele grita em nome do seu continente: Presente! Estamos no seguimento da cruz. Somos talvez os últimos a chegar, mas somos os mais jovens. Agora, toda a humanidade pode caminhar. Não falta mais ninguém!
DIA DOS PAIS: Frei Evaldo
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ANO DO LAICATO: Em Belo Horizonte
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ANO DO LAICATO: Em Belo Horizonte-01
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*Edite Stein: Liturgia da Missa
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9 DE AGOSTO. SANTA TERESA BENEDITA DA CRUZ (EDITH STEIN), VIRGEM E MÁRTIR, CO-PADROEIRA DA EUROPA.
Festa na O. Carm e OCD
Festa
Comentário
Edith Stein nasceu em Breslau no dia 12 de outubro de 1891, no seio duma família judaica. Tendo procurado apaixonadamente a verdade através de profundos estudos filosóficos, encontrou-a mediante a leitura da autobiografia de Santa Teresa de Jesus. Em 1922 recebeu o batismo na Igreja católica e em 1933 entrou no Carmelo de Colônia. Morreu mártir da fé cristã nos fornos crematórios dos campos de concentração de Auschwitz no dia 9 de agosto de 1942, durante a perseguição nazi, oferecendo o seu holocausto pelo povo de Israel. Mulher de inteligência e cultura singulares, deixou numerosos escritos de elevada doutrina e de profunda espiritualidade. Foi canonizada por João Paulo II no dia 11 de outubro de 1998.
ANTÍFONA DE ENTRADA (Gal 6, 14)
Toda a minha glória está na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, pelo qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo. (Diz-se o Glória).
ORAÇÃO COLETA
Senhor, Deus dos nossos pais, que conduzistes a mártir Teresa Benedita ao conhecimento do vosso Filho crucificado e à sua imitação até à morte, concedei, pela sua intercessão, que todos os homens conheçam o Salvador, Jesus Cristo, e por Ele cheguem à perpétua visão do vosso rosto. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
1ª LEITURA (Os 2, 16b.17b.21-22)
Leitura da Profecia de Oseias
Eis o que diz o Senhor: «Hei-de conduzir Israel ao deserto e falar-lhe ao coração. Ali corresponderá como nos dias da sua juventude, quando saiu da terra do Egito. Naquele dia, diz o Senhor, farei de ti minha esposa para sempre, desposar-te-ei segundo a justiça e o direito, com amor e misericórdia. Desposar-te-ei com fidelidade e tu conhecerás o Senhor». Palavra do Senhor.
SALMO RESPONSORIAL
Salmo 44 (45), 11-12.14-15.16-17 (R. cf. 11a ou Mt 25, 6)
Refrão: Ide ao encontro de Cristo Senhor.
1-Ouve, filha, vê e presta atenção, esquece o teu povo e a casa de teu pai. De tua beleza se enamora o Rei, Ele é o teu Senhor, presta-Lhe homenagem.
2-A filha do Rei avança cheia de esplendor: de brocados de ouro são os seus vestidos. Com um manto multicor é apresentada ao Rei, seguem-na as donzelas, suas companheiras.
3-Cheias de alegria e entusiasmo, entram no palácio do Rei. Em lugar de teus pais, terás muitos filhos; estabelecê-los-ás príncipes sobre toda a terra.
ALELUIA Refrão: Aleluia. Repete-se
Vem, esposa de Cristo, recebe a coroa de glória, que o Senhor te preparou para sempre.
EVANGELHO (Mt 25, 1-13)
«Aí vem o Esposo: ide ao seu encontro»
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos a seguinte parábola: «O reino dos Céus pode comparar-se a dez virgens, que, tomando as suas lâmpadas, foram ao encontro do esposo. Cinco eram insensatas e cinco eram prudentes. As insensatas, ao tomarem as suas lâmpadas, não levaram azeite consigo, enquanto as prudentes, com as lâmpadas, levaram azeite nas almotolias. Como o esposo se demorava, começaram todas a dormitar e adormeceram. No meio da noite ouviu-se um brado: ‘Aí vem o esposo; ide ao seu encontro’. Então, as virgens levantaram-se todas e começaram a preparar as lâmpadas.
As insensatas disseram às prudentes: ‘Dai-nos do vosso azeite, que as nossas lâmpadas estão a apagar-se’. Mas as prudentes responderam: ‘Talvez não chegue para nós e para vós. Ide antes comprá-lo aos vendedores’. Mas, enquanto foram comprá-lo, chegou o esposo: as que estavam preparadas entraram com ele para o banquete nupcial; e a porta fechou-se. Mais tarde, chegaram também as outras virgens e disseram: ‘Senhor, senhor, abre-nos a porta’. Mas ele respondeu: ‘Em verdade vos digo: Não vos conheço’. Portanto, vigiai, porque não sabeis o dia nem a hora». Palavra da salvação.
ORAÇÃO SOBRE AS OFERTAS
Recebei e santificai, Senhor, os dons que trazemos ao vosso altar, na festa de Santa Teresa Benedita, vossa mártir, Vós que levastes à perfeição todos os sacrifícios da antiga aliança no único sacrifício que Jesus Cristo, vosso Filho, Vos ofereceu com o seu sangue. Ele que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
ANTÍFONA DA COMUNHÃO (Salmo 22, 4-5)
Ainda que tenha de passar por vales tenebrosos, não temerei nenhum mal, porque Vós estais comigo.
ORAÇÃO DEPOIS DA COMUNHÃO
Concedei, Deus clementíssimo, que, celebrando a festa de Santa Teresa Benedita, recebamos em nossos corações os frutos celestes da árvore da cruz, de modo que, seguindo fielmente a Cristo na terra, mereçamos comer da árvore da vida no reino celeste. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
BÊNÇÃO SOLENE
Deus, nosso Pai, que hoje nos reuniu para celebrar a festa de Santa Teresa Benedita da Cruz, vos abençoe e proteja e vos confirme na sua paz. R. Amém.
Cristo Nosso Senhor, que manifestou de modo admirável em Santa Teresa Benedita a força e a imagem do mistério pascal, faça de vós testemunhas fiéis do seu Evangelho. R. Amém.
O Espírito Santo, que em Santa Teresa Benedita nos deu um sinal da caridade divina, vos torne capazes de formar uma verdadeira comunidade de fé e amor. R. Amém.
Abençoe-vos Deus todo-poderoso, Pai, Filho e Espírito Santo. Amém
*Do Missa da Ordem do Carmo.
EDITH STEIN: HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II NA CERIMÔNIA DE CANONIZAÇÃO DE EDITH STEIN (11 de outubro de 1998)
- Detalhes
- Quanto a mim, que eu não me glorie, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo (cf. Gl 6, 14).
As palavras de São Paulo aos Gálatas, que acabamos de escutar, adaptam-se bem à experiência humana e espiritual de Teresa Benedita da Cruz, que hoje é solenemente inscrita no álbum dos santos. Também ela pode repetir com o Apóstolo: Quanto a mim, que eu não me glorie, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo.
A cruz de Cristo! No seu constante florescimento, a árvore da Cruz dá sempre renovados frutos de salvação. Por isso, os fiéis olham com confiança para a Cruz, haurindo do seu mistério de amor a coragem e o vigor para caminhar com fidelidade nas pegadas de Cristo crucificado e ressuscitado. Assim, a mensagem da Cruz entrou no coração de muitos homens e mulheres, transformando a sua existência.
Um exemplo eloquente desta extraordinária renovação interior é a vicissitude espiritual de Edith Stein. Uma jovem em busca da verdade, graças ao trabalho silencioso da graça divina, tornou-se santa e mártir: é Teresa Benedita da Cruz, que hoje repete do céu a todos nós as palavras que caracterizaram a sua existência: «Quanto a mim, que eu não me glorie, a não ser na cruz de Jesus Cristo».
- No dia 1 de Maio de 1987, durante a minha visita pastoral na Alemanha, tive a alegria de proclamar Beata, na cidade de Colônia, esta generosa testemunha da fé. Hoje, a onze anos de distância aqui em Roma, na Praça de São Pedro, é-me dado apresentar solenemente esta eminente filha de Israel e filha fiel da Igreja como Santa perante o mundo inteiro.
Assim como nessa data, também hoje nos inclinamos diante da memória de Edith Stein, proclamando o testemunho invicto que ela deu durante a vida e sobretudo com a morte. Ao lado de Teresa de Ávila e de Teresa de Lisieux, esta outra Teresa vai colocar-se no meio da plêiade de santos e santas que honram a Ordem carmelitana.
Caríssimos Irmãos e Irmãs, que vos congregastes para esta solene celebração, demos glória a Deus pela obra que realizou em Edith Stein.
- Saúdo os numerosos peregrinos vindos a Roma, com um particular pensamento para os membros da família Stein, que quiseram estar connosco nesta feliz circunstância. Uma cordial saudação dirige-se também à representação da Comunidade carmelitana, que se tornou a «segunda família» para Teresa Benedita de Cruz.
Depois, dou as minhas boas-vindas à delegação oficial da República Federal da Alemanha, chefiada pelo Chanceler Federal resignatário, Helmut Kohl, a quem saúdo com deferente cordialidade. Além disso, cumprimento os representantes das regiões de Nordrhein-Westfalen e Rheinland-Pfalz, bem como o Primeiro Presidente da Câmara Municipal de Colónia. Inclusivamente da minha Pátria veio uma delegação oficial, guiada pelo Primeiro-Ministro Jerzy Buzek.
Dirijo-lhe uma cordial saudação. Depois, quero reservar uma especial menção aos peregrinos das dioceses de Vratislávia, Colónia, Monastério, Espira, Cracóvia e Bielsko-Žywiec, presentes com os seus Bispos e sacerdotes. Eles unem-se ao numeroso grupo de fiéis vindos da Alemanha, dos Estados Unidos da América e da minha Pátria, a Polónia.
- Dilectos Irmãos e Irmãs! Porque era judia, Edith Stein foi deportada juntamente com a irmã Rosa e muitos outros judeus dos Países Baixos para o campo de concentração de Auschwitz, onde com eles encontrou a morte nas câmaras de gás. Hoje recordamo-nos de todos com profundo respeito. Poucos dias antes da sua deportação, a quem lhe oferecia uma possibilidade de salvar a vida, a religiosa respondera: «Não o façais! Por que deveria eu ser excluída? A justiça não consiste acaso no facto de eu não obter vantagem do meu baptismo? Se não posso compartilhar a sorte dos meus irmãos e irmãs, num certo sentido a minha vida é destruída».
Doravante, ao celebrarmos a memória da nova Santa, não poderemos deixar de recordar todos os anos também o Shoah, aquele atroz plano de eliminação de um povo, que custou a vida a milhões de irmãos e irmãs judeus. O Senhor faça brilhar o seu rosto sobre eles, concedendo-lhes a paz (cf. Nm 6, 25s.).
Por amor de Deus e do homem, lanço de novo um premente brado: nunca mais se repita uma semelhante iniciativa criminosa para nenhum grupo étnico, povo e raça, em qualquer recanto da terra! É um brado que dirijo a todos os homens e mulheres de boa vontade; a todos aqueles que creem no Deus eterno e justo; a todos aqueles que se sentem unidos em Cristo, Verbo de Deus encarnado. Aqui, todos nós devemos ser solidários: é a dignidade humana que está em jogo. Só existe uma única família humana. É isto que a nova Santa afirmou com grande insistência: «O nosso amor pelo próximo - escrevia - é a medida do nosso amor a Deus. Para os cristãos - e não só para eles - ninguém é "estrangeiro". O amor de Cristo não conhece fronteiras».
- Estimados Irmãos e Irmãs! O amor de Cristo foi o fogo que ardeu a vida de Teresa Benedita da Cruz. Antes ainda de se dar conta, ela foi completamente arrebatada por ele. No início, o seu ideal foi a liberdade. Durante muito tempo, Edith Stein viveu a experiência da busca. A sua mente não se cansou de investigar e o seu coração de esperar. Percorreu o árduo caminho da filosofia com ardor apaixonado e no fim foi premiada: conquistou a verdade; antes, foi por ela conquistada. De facto, descobriu que a verdade tinha um nome: Jesus Cristo, e a partir daquele momento o Verbo encarnado foi tudo para ela. Olhando como Carmelita para este período da sua vida, escreveu a uma Beneditina: «Quem procura a verdade, consciente ou inconscientemente, procura a Deus».
Embora sua mãe a tenha educado na religião hebraica, aos 14 anos de idade Edith Stein, «consciente e propositadamente desacostumou-se da oração». Só queria contar consigo mesma, preocupada em afirmar a própria liberdade nas opções de vida. No fim do longo caminho, foi-lhe dado chegar a uma surpreendente conclusão: só quem se une ao amor de Cristo se torna verdadeiramente livre.
A experiência desta mulher, que enfrentou os desafios de um século atormentado como o nosso, é para nós exemplar: o mundo moderno ostenta a porta atraente do permissivismo, ignorando a porta estreita do discernimento e da renúncia. Dirijo-me especialmente a vós, jovens cristãos, em particular aos numerosos ministrantes reunidos em Roma nestes dias: evitai conceber a vossa vida como uma porta aberta a todas as opções! Escutai a voz do vosso coração! Não permaneçais na superfície, mas ide até ao fundo das coisas! E quando chegar o momento, tende a coragem de vos decidirdes! O Senhor espera que coloqueis a vossa liberdade nas suas mãos misericordiosas.
- Santa Teresa Benedita da Cruz conseguiu compreender que o amor de Cristo e a liberdade do homem se entretecem, porque o amor e a verdade têm uma relação intrínseca. A busca da verdade e a sua tradução no amor não lhe pareciam ser contrastantes entre si; pelo contrário, compreendeu que estas se interpelam reciprocamente. No nosso tempo, a verdade é com frequência interpretada como a opinião da maioria. Além disso, é difundida a convicção de que se deve usar a verdade também contra o amor, ou vice-versa. Todavia, a verdade e o amor têm necessidade uma do outro. A Irmã Teresa Benedita é testemunha disto. «Mártir por amor», ela deu a vida pelos seus amigos e no amor não se fez superar por ninguém. Ao mesmo tempo, procurou com todo o seu ser a verdade, da qual escrevia: «Nenhuma obra espiritual vem ao mundo sem grandes sofrimentos. Ela desafia sempre o homem inteiro». A Irmã Teresa Benedita da Cruz diz a todos nós: Não aceiteis como verdade nada que seja isento de amor. E não aceiteis como amor nada que seja isento de verdade!
- Enfim, a nova Santa ensina-nos que o amor a Cristo passa através da dor. Quem ama verdadeiramente, não se detém diante da perspectiva do sofrimento: aceita a comunhão na dor com a pessoa amada. Consciente do que comportava a sua origem judaica, Edith Stein pronunciou palavras eloquentes a este respeito: «Debaixo da cruz, compreendi a sorte do povo de Deus... Efetivamente, hoje conheço muito melhor o que significa ser a esposa do Senhor no sinal da Cruz. Mas dado que se trata de um mistério, isto jamais poderá ser compreendido somente com a razão». Pouco a pouco, o mistério da Cruz impregnou toda a sua vida, até a impelir rumo à oferta suprema. Como esposa na Cruz, a Irmã Teresa Benedita não escreveu apenas páginas profundas sobre a «ciência da cruz», mas percorreu até ao fim o caminho da escola da Cruz. Muitos dos nossos contemporâneos quereriam fazer com que a Cruz se calasse. Mas nada é mais eloquente que a Cruz que se quer silenciar! A verdadeira mensagem da dor é uma lição de amor. O amor torna o sofrimento fecundo e este aprofunda aquele. Através da experiência da Cruz, Edith Stein pôde abrir um caminho rumo a um novo encontro com o Deus de Abraão, Isaac e Jacob, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. A fé e a cruz revelaram-se-lhe inseparáveis. Amadurecida na escola da Cruz, ela descobriu as raízes às quais estava ligada a árvore da própria vida. Compreendeu que lhe era muito importante «ser filha do povo eleito e pertencer a Cristo não só espiritualmente, mas inclusive mediante um vínculo sanguíneo».
- «Deus é espírito e aqueles que O adoram devem adorá-Lo em espírito e verdade» (Jo 4, 24). Caríssimos Irmãos e Irmãs, com estas palavras o divino Mestre entretém-se com a Samaritana junto do poço de Jacob. Quanto Ele deu à sua ocasional mas atenta interlocutora, encontramo-lo presente também na vida de Edith Stein, na sua «subida ao Monte Carmelo ». A profundidade do mistério divino tornou-se-lhe perceptível no silêncio da contemplação. Ao longo da sua existência, enquanto amadurecia no conhecimento de Deus adorando-O em espírito e verdade, ela experimentava cada vez mais claramente a sua específica vocação de subir à cruz juntamente com Cristo, de abraçá-la com serenidade e confiança, de amá-la seguindo as pegadas do seu dileto Esposo: hoje, Santa Teresa Benedita da Cruz é-nos indicada como modelo em que nos devemos inspirar e como protetora à qual havemos de recorrer. Dêmos graças a Deus por este dom. A nova Santa seja para nós um exemplo do nosso compromisso no serviço da liberdade e na nossa busca da verdade. O seu testemunho sirva para tornar cada vez mais sólida a ponte da recíproca compreensão entre judeus e cristãos. Santa Teresa Benedita da Cruz, ora por nós! Amém. Fonte: http://w2.vatican.va
AO VIVO- MISSA DE SANTA EDITH STEIN (Teresa Benedita da Cruz)
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MISSA DE SANTA EDITH STEIN (Teresa Benedita da Cruz), com Frei Petrônio de Miranda, O. Carm. Direto da Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Lapa,Rio de Janeiro.
EDITH STEIN: EM BUSCA
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Frei Cláudio van Balen, O. Carm. Convento do Carmo, Belo Horizonte-MG.
Embora os estudos a deixassem com um certo vazio, ela continuou ampliando sua visão. Caiu em uma quase total indiferença diante de questionamentos religiosos, chegando a denominar-se ateísta. Mesmo assim, por sentimentos de compaixão, ela continuou a acompanhar sua mãe à sinagoga. Essa delicada sensibilidade e a abertura de espírito a acompanharam em toda a sua trajetória. Posteriormente, renasceu para a capacidade de admirar a realidade, que lhe foi revelando dimensões muito além dos horizontes de esquemas fixos e de ideologias de dominação. Agora a verdade passa a ser uma certeza que vem dar direcionamento à sua busca.
No estudo fenomenológico, Edith despertou para a percepção dos fenômenos e seu significado para a vida. No verão de 1912, ela entrou em contato com a riqueza do pensamento filosófico de Edmundo Husserl (1859-1938), o que a libertou da visão estreita que herdara da universidade de Breslau. Conheceu também o pensamento da filósofa Hedwig Martius e resolveu mudar para Göttingen, onde ambos residiam. Desencantada com o subjetivismo da psicologia, que ainda estava engatinhando, ela se entusiasmou pelo método objetivo da fenomenologia, em que a realidade fala de si. E seus professores, judeus que adotaram a fé cristã - Husserl, Adolf Reinach e Max Scheler - despertaram nela também a pesquisa religiosa, uma vez que a ciência não conseguiu saciá-la em sua busca da verdade.
Relações de amizade a ajudaram a descobrir o Cristianismo e o significado da cruz. De seu encontro com A. Reinach, assistente de Husserl, ela diz, a partir de sua posição inferior de mulher: “Nunca me tinha sentido acolhida por um ser humano, com tão grande bondade... Foi como se um mundo novo se abrisse para mim”. Ela também foi tocada, em admiração, pelo testemunho de vida de Max Scheler, Hedwig Martius e Anna Reinach que se fizeram janela aberta para o mundo da fé, cuja influência ela ia sofrendo quase imperceptivelmente. Na primeira Guerra Mundial, ela interrompeu seus estudos e passou a trabalhar como ajudante de enfermagem, no hospital austríaco de Maehren, tratando dos feridos.
Em agosto de 1916, ela defende a tese: “Zum Problem der Einfühlung” (“summa cum laude”). Ela se torna doutora em filosofia e aceita o convite de Husserl para ser seu assistente na universidade de Freiburg, em Breisgau. Após um ano e meio, reconhece que não consegue prosseguir com independência sua pesquisa, sem fazer sombra ao mestre. Resolve, então, renunciar à sua função de assistente, sem que rompa com a amizade. Quando Adolf Reinach, discípulo de Husserl e filósofo, falece na Bélgica, em 1917, sua esposa Anna convida Edite para ordenar os escritos do marido em vista de uma publicação póstuma. Ela aceita o convite de bom grado, mas teme o encontro com a viúva, pois não sabe como consolá-la, por não acreditar em uma vida eterna. (Reinach, judeu, tinha aderido à Igreja Evangélica.)
Para sua surpresa, encontrou essa amiga muito sofrida, mas não abatida e portadora de uma força interior que muito a impressionou. Batizada, havia poucos meses, ela encontra na fé uma grande força e paz. Mais tarde, Edith escreverá: “Esse foi meu primeiro encontro com a Cruz e a força divina que ela imprime nos que a carregam. Pela primeira vez, vi de modo palpável, diante de mim, a Igreja, nascida do amor libertador de Cristo, em sua vitória sobre o aguilhão da morte. Esse foi o momento em que minha descrença implodiu e Cristo passou a brilhar, Cristo em seu mistério da Cruz”. (PC, p.116) Aqui, ela aprendeu que não é o conhecimento racional que muda a pessoa, mas o ser tocado pela própria verdade. Porém, persistiu em seu esforço de resistir às consequências que emanam do encontro com Deus. Edith fala dessa “sombra da morte” que a perseguiu entre os anos 1917 a 1921.
Concluído o serviço, ela retornou para Freiburg, onde ficou até 1918, quando começou a procurar um emprego de professora de filosofia. A recomendação elogiosa de Husserl não bastou para que alguma universidade assumisse o risco de contratar uma mulher como docente. Em 1920, está de volta a Breslau onde, na casa paterna, passa a dar aulas particulares, mas nada feliz com essa exclusão da mulher. Ela escreve: “O chão me queima debaixo dos pés. Estou passando por uma profunda crise que, na casa paterna, não poderá chegar a uma solução”. Em sua busca religiosa, começou a ler o Novo Testamento, vacilando na decisão de aderir à religião católica ou evangélica. Até que foi confrontada com uma surpresa.
EDITH STEIN E A NOVA EVANGELIZAÇÃO
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Francisco Javier Sancho Fermín OCD
No momento atual, os meses que passaram e os que estão vindo agora estão marcados por diversas celebrações centenárias: a 14 de dezembro de 1991 celebrava-se o IV Centenário da morte de São João da Cruz. Em alguns países era o dia do encerramento, em outros o início. Não demorará muito e no dia 12 de outubro começa o V Centenário da Evangelização da América.
Entre estas datas teve lugar outro centenário. Na sombra dos outros passou quase sem ninguém advertir: o I Centenário do nascimento de Edith Stein. A abertura foi no dia 12 de outubro de 1991 e o encerramento coincidirá com o início do Centenário das Américas.
Todas estas celebrações ficariam vazias se se limitassem a um simples festejar e recordar tempos passados. O objetivo é outro: fazer-nos refletir. Hoje, na América de modo especial, se insiste sobre o tema da Nova Evangelização. Ajuda para esta reflexão dão-nos os Santos, enquanto encarnação do ideal evangélico. Fixamos a nossa atenção na Bem-Aventurada do nosso século, Edith Stein. Através da exposição da sua vida e do contexto histórico que ela viveu chegaremos a colher do seu pensamento alguns aspectos, que poderão oferecer-nos luz, ao refletirmos sobre a Nova Evangelização.
Vida
Nasceu Edith Stein no seio de uma família judia, no dia 12 de outubro de 1891, na cidade prussiana de Breslau. É a mais nova de 11 irmãos, dos quais 4 morreram em idade prematura.
Não tinha ainda completado 2 anos quando o pai morreu de insolação. A mãe, "mulher forte da Bíblia", como é chamada por Edith, encarrega-se da família, translada-se para a cidade e leva para a frente o negócio de madeiras iniciado pelo marido.
Aí Edith vai receber a primeira formação escolar na Viktoria-Schule. Aos 14 anos abandona os estudos, movida por um certo enjôo intelectual e talvez de fé. Por esta ocasião deixou toda prática religiosa, certamente influenciada pelas idéias racionalistas pós-kantianas, que caracterizavam a linha de pensamento da escola. Passaram-se quase dois anos até se decidir a recomeçar os estudos para bacharelado em 1908.
Em 1911 entra para a Universidade. Escolhe História, Filologia Alemã, Filosofia e Psicologia. Esta última é a que mais atrai a sua atenção, mas por ser ainda uma ciência sem fundamentos sólidos, ela resolve dedicar-se à filosofia.
Durante estes anos começa a tomar parte em diversas associações estudantis orientadas para reforma do sistema educativo e promoção dos direitos da mulher etc.
Em 1913, atraída pela fenomenologia de Husserl, dirige-se para a Universidade de Göttingen. Aí conheceu Scheler, que infiltra na vida de Edith a abertura para a Igreja Católica. Estoura a 1ª Guerra Mundial e Edith se oferece como voluntária da Cruz Vermelha para atender os doentes num hospital de "contagiosos". Terminados estes serviços humanitários, volta para o seu trabalho intelectual. Conclui a sua tese doutoral sobre o tema da Empatia (Einfühlung), que apresenta na Universidade de Friburgo no dia 3 de agosto de 1916, alcançando a nota máxima. Nesta Universidade permanece até 1918, como assistente de Husserl.
Por ser mulher, fracassa no seu projeto de subir a uma cátedra. Dá algumas aulas particulares e faz substituições na Escola Viktoria, onde tinha sido aluna adiantada. Parece que nestes anos a crise espiritual de busca toma conta dela. O momento definitivo da sua conversão chega no verão de 1921, quando por acaso, estando na casa de campo dos seus amigos Conrad-Martius, cai nas suas mãos o "Livro da Vida" de Santa Teresa. AÍ descobre a Verdade. É batizada no dia 1_ de janeiro de 1922 em Berzabém.
A conversão muda a orientação da sua vida. Primeiro como professora de bacharelado e magistério no Colégio das Dominicanas de Espira; neste tempo dedica-se ao estudo e tradução de Santo Tomás. A sua vida é de intensa oração e de serviço aos mais pobres.
A partir de 1928 desdobra-se a sua atividade no terreno do "feminismo". Chegam convites de numerosas cidades dos países de língua alemã, para fazer conferências sobre o tema. Em 1930 foi convidada pela "Societé Thomiste" de Paris.
A sua última atividade, antes do triunfo nazista, foi-lhe oferecida no Instituto de Pedagogia de Munster como ocupante da nova cátedra de antropologia (1932-1933).
Com a proibição aos judeus de exercerem cargos públicos abrem-se as portas para ela realizar a sua vocação. Nada agora podia detê-la de entrar para o Carmelo. Os seus próprios confessores já não puseram obstáculo. E é assim que na véspera da Festa de Santa Teresa, no dia 14 de outubro, se dá o seu ingresso no Carmelo. No dia 16 de abril recebe o hábito com o nome de Teresa Benta da Cruz. Nome que denuncia a sua vida espiritual. Teresa, porque em Teresa encontrou a mãe na fé e na vocação. Benta, porque na espiritualidade de São Bento encontrou o verdadeiro sentir com a Liturgia da Igreja. Da Cruz, porque lhe foi possível a entrada no Carmelo debaixo deste sinal, que daí em diante será o sinal da configuração e consumação da sua vida em Cristo.
No Carmelo prossegue na atividade intelectual, levando ao fim a sua grande obra filosófica: "Ser finito e Ser eterno".
Contudo, pela situação extrema de ódio contra os judeus, é levada a transferir-se para o Carmelo de Echt na Holanda, onde escreveu o sua última obra, "A Ciência da Cruz", em homenagem ao IV Centenário do nascimento de São João da Cruz; não conseguiu,porém, terminá-la, já que no dia 2 de agosto de 1942 foi arrancada pela Gestapo da paz do Carmelo e levada ao campo de Auschwitz/Birkenau, onde, junto com Rosa, sua irmã, foi martirizada na câmara de gás no dia 9 do mesmo mês. O exemplo e heroicidade da sua vida foram apresentados à Igreja Universal no dia 1º de maio de 1987 na cidade de Colônia, onde João Paulo II a proclamou Bem-Aventurada e Mártir.
Contexto Histórico
Uma análise, ainda que superficial, do ambiente onde Edith viveu pode ajudar-nos a compreender a sua vida e a sua doutrina. A sua vida decorreu ao longo da primeira metade do nosso século, numa Europa que sofreu duas guerras mundiais. A situação ideológica geral ainda estava marcada pelas correntes racionalistas do século XIX, que distanciou o homem da sensibilidade religiosa. É neste tempo que novas ideologias de caráter sócio-político, como o socialismo marxista, começam a minar a política, criando em muitos países situações de revolução.
As pessoas de fé, e os católicos ainda mais, viviam a sua religiosidade numa situação de "ghetto" provocada pela mentalidade racionalista e - em países como a Alemanha - por leis favoráveis só ao protestantismo. Isto criou uma espécie de complexo no católico alemão.
A 1ª Guerra Mundial (1914-1918) será ocasião de grandes mudanças. As primeiras conseqüências trágicas fazem-se sentir na grande perda de vidas humanas e no caos econômico proveniente dos gastos bélicos.
A Alemanha, a grande protagonista da guerra, ao alcançar a paz perde todas as suas colônias e parte dos seus territórios próximos das fronteiras. A paz trouxe-lhe instabilidade em todos os campos. Grupos socialistas aproveitam-se da ocasião para provocar a revolução em vários estados alemães e chegar assim à constituição da república. O Imperador Guilherme II apresentou renúncia à coroa e se exilou.
Não houve estabilidade garantida até 11 de agosto de 1919, ano em que nasceu a Constituição de Weimar. Já se nota aí uma certa participação dos católicos na política, no partido do Centro.
A guerra e o pós-guerra fizeram surgir também alguma crise de consciência. A razão não bastava para solucionar os problemas da humanidade e acontece o fenômeno do retorno à religiosidade.
Todos estes fenômenos são para o mundo católico a porta de penetração na sociedade alemã. Dá-se um autêntico renascimento da vida espiritual. Cresce o empenho pelas questões sociais: a Ação Católica adquire força, aparecem grêmios e diversas associações de trabalhadores. Aumenta a atividade literária. E pouco a pouco se consegue um lugar qualificado dentro daquela sociedade. Procura-se unir doutrina e vida.
Como fruto deste florescimento desenvolvem-se movimentos diversos, que irão dar a fisionomia espiritual à Alemanha. O mais forte, é sem dúvida, o movimento litúrgico, que pretende aproximar a liturgia do povo e o povo da liturgia. Outros movimentos são o bíblico-patrístico, que recupera os valores sempre atuais da tradição, o movimento social ou laical, que trata de conscientizar o leigo do seu trabalho social e eclesial. Há um outro aspecto: a teologia e a piedade se tornam mais cristocêntricas. Cristo como homem e como Deus. Um cristocentrismo que se manifesta na concepção eclesial: Igreja como Corpo de Cristo.
Esta situação vai ser freada em grande parte com a subida ao poder do nacional-socialismo (1933), ideologia que se fundamenta num desejo radical de fazer crescer e proteger os valores supremos da raça germânica (ariana). Na frente está Hitler, que se constitui "führer" do Terceiro Reich com a pretensão de reconquistar as glórias do antigo Império Alemão.
Esta ambição leva-o a fechar a boca de todos opositores; entre eles a Igreja Católica.
Os primeiros passos de Hitler, porém, são dirigidos para a purificação da raça e isto manifestou-se por primeiro por meio da proibição aos judeus de assumirem cargos públicos e, em seguida, revelou-se num ódio de perseguição e assassínio. Esta mesma sorte sofreram os católicos que se opuseram abertamente a tais medidas.
Esta ambição levou ao desencadeamento da 2ª. Guerra Mundial (1939-1945), quando Hitler pretendeu recuperar os territórios perdidos. Desta guerra e do ódio contra os judeus Edith Stein foi vítima
Contribuições para uma Nova Evangelização
Puebla, fazendo-se eco do que dizia Paulo VI, entende por evangelização "levar a Boa Nova a todos os ambientes da humanidade e, pela sua influência, transformar por dentro, renovar esta mesma humanidade" (Puebla 402). Como Edith Stein foi capaz de fazê-lo? Se dizemos que "o Santo é o símbolo do ideal evangélico visualizado e posto ao alcance de todos a um certo momento e perante certos desafios históricos" e, mais ainda, que "o Santo é o comentário vivo do Evangelho escrito", o nosso objetivo está plenamente justificado.
O contexto em que viveu Edith Stein não é o nosso, mas certas situações assemelham-se às nossas. Por outro lado, os valores evangélicos apresentam-se como valores universais, válidos para todos os tempos.
Edith Stein não enfrenta diretamente o problema da Evangelização, e sim certos aspectos, que cuidaremos de pôr em evidência.
O conceito que ela tem de Evangelização consiste em "colaborar com Cristo na Redenção da humanidade". Colaborar como "instrumentos" dóceis à vontade do Pai, deixando-se guiar pelo Espírito Santo. É este o trabalho de todo cristão, não de uns poucos. Cada um a partir da sua condição "carismática". Quem não coopera está pondo em risco a sua filiação divina. "Ser filhos" é participar da obra do Pai.
Como colaborar com Cristo? O evangelizador autêntico não é aquele que "faz muitas coisas" ou "coisas grandes". Cada um há de fazê-lo de acordo com a função para a qual foi chamado. Como norma para todos, colaborar com Cristo consiste sobretudo em estar "unido a Ele" através de uma intensa vida teologal:
"Na Nova Aliança o homem participa da obra da redenção numa forte relação pessoal com Cristo: por meio da fé que o une a Ele, Caminho de Salvação, à verdade por Ele revelada, aos meios de santificação que Ele oferece; por meio da esperança que faz o homem esperar com firme confiança a vida prometida por Cristo; por meio do amor, pelo qual procura todas as maneiras possíveis de unir-se a Cristo. Esforça-se por conhecê-Lo melhor, meditando sobre a sua vida e refletindo nas suas palavras; conquista a união mais íntima com Ele na Eucaristia e participa da continuidade mística da sua vida, vivendo o Ano Litúrgico, a Liturgia da Igreja".
Temos aqui, em maravilhosa síntese, as características da autêntica Evangelização, da autêntica Vida Cristã:
* em união com Cristo, porque Ele é o revelador do Pai. Segui-Lo é o caminho seguro, porque Cristo é o conteúdo da Evangelização.
* Seguir a Cristo através da vida teologal:
- na fé, como adesão à sua Pessoa, à sua vontade, à sua verdade;
- na esperança: com a confiança nas suas promessas, trabalhando para realizar já na terra o Reino dele;
- no amor: como atitude que nos aproxima da autêntica união com Ele no exercício do amor ao próximo, no qual "servimos a Ele";
* Seguir a Cristo é chegar a um maior conhecimento da sua Pessoa, da sua vontade, através da oração, da meditação e do estudo[1];
* Seguir a Cristo é fazer parte da sua Igreja. Participar com ela dos meios que aproximam de Cristo. Nos Sacramentos, na Liturgia como momento de celebração da Fé e fonte de graça para pôr em ação a vida de Cristo em nós e no irmão.
* Seguir a Cristo é colaborar na sua obra, uma obra que redime todos os setores da vida.
A razão para esta amplidão encontra-a Edith numa tríplice causa: Cristo ao se encarnar assume a natureza humana; o homem não é uma composição, mas uma unidade de espírito, alma e corpo; e finalmente, o mundo é para o homem que tem fé um "Mundo de Deus" (Gotteswelt) e como tal deve ser recuperado para Deus.
Na tarefa da Evangelização é fundamental para Edith a educação, como princípio para o indivíduo de iniciação na fé, e a Liturgia, como momento catequético, vivencial, celebrativo e configurativo com Cristo.
A figura de Maria é um modelo excepcional para ser imitado. Esta mulher simples, que na sua humildade se transforma na Mãe do crente, é chave e exemplo para a Evangelização no seu sentido total de Redenção do mundo:
"Quem pode afirmar que a política nada tem a ver com a religião e que as almas têm de afastar-se da vida pública? Se a Virgem de Nazaré, na paz e no silêncio da sua alma absorvida em Deus, seu Salvador, se interessa, na estrofe central do Magnificat, pelo que acontece neste mundo, é possível que o homem religioso - e não menos a mulher - permaneçam indiferentes?"
Já encontramos neste texto uma alusão ao tema mais original, pelo qual Edith Stein mais lutou: "e não menos a mulher". Na sua época a mulher ocupava um lugar secundário na sociedade: não tinha direito ao voto nem acesso a cargos públicos. Não era também aceita em muitos estudos universitários. Desde estudante Edith trabalhou por esta liberação da mulher. Com a conversão esta atividade ficou mais robusta. É conhecida no mundo germânico e convidada a dar conferências sobre o tema. Examina o "ethos" da mulher sob os diversos pontos de vista: teológico, antropológico, psicológico, para estabelecer as características peculiares da condição feminina, diferente do homem, mas nem por isso inferior. Conclui que a vocação primária da mulher é a maternidade, a educação dos filhos, é ser o coração da família. Mas isto não fecha para ela o campo para outras atividades. As suas características peculiares fazem dela companheira indispensável no trabalho primário do homem de dominar a terra. A mulher tem que ser mulher, seja qual for a sua profissão. A maternidade não é somente física, mas tem a sua dimensão espiritual, dimensão que tem sempre de transparecer.
Animada por esta mesma convicção, ela reivindica para a mulher uma maior presença dentro da Igreja, tanto no Apostolado como nos ministérios eclesiásticos não sacerdotais. Encara o problema do sacerdócio da mulher e afirma a inexistência de razões dogmáticas. Reconhece o impedimento por parte do próprio Cristo, que não escolheu para Apóstolo nenhuma mulher. Deixa a porta aberta para o diaconato.
Maria é modelo para todo Cristão, mas de modo especial para a mulher. Em Maria Imaculada encontramos em estado puro as características peculiares da vocação natural e sobrenatural da mulher. E justamente porque Maria é a concebida sem mancha original.
Não podemos deixar no esquecimento o aspecto central da espiritualidade de Edith: a Cruz. Com a Cruz ela coroou a sua vida com o martírio. Na Cruz ela descobre o caminho - o único - da Evangelização pessoal e do próximo:
"Desta forma encontram-se indissoluvelmente unidos a própria perfeição, a união com Deus e o trabalho para que o próximo alcance a união com Deus e a própria perfeição. E o caminho para tudo isto: a Cruz. E a pregação da Cruz seria vã se não fosse expressão de uma vida unida a Cristo Crucificado".
Seguir a Cristo, cooperar com Ele na Redenção do mundo, é caminhar após Ele, carregar a própria Cruz e subir para o Calvário. A Cruz foi o instrumento da nossa salvação e é para o evangelizador a arma com que pode vencer o mundo. O mais profundo sentido da Cruz não é de dor, mas de configuração com Cristo: é portanto um sinal de libertação. Uma Cruz como aquela que a situação histórica proporcionava a Edith Stein. Uma situação de opressão pode ser, inclusive no seu aspecto mais duro, um motivo de Redenção, se vivida em união com a Cruz de Cristo. É eloqüente e pode ajudar-nos em nossa reflexão a visão de Edith. Deixemos que ela mesma lance a luz sobre nós:
"A visão do mundo em que vivemos, a necessidade, a miséria e o abismo da maldade são causa suficiente para mitigar o gozo do triunfo da luz. A humanidade ainda luta no meio da lama e o rebanho dos que da lama se libertaram no mais alto cume dos montes ainda é muito pequeno. A batalha entre Cristo e o Anticristo não terminou ainda. No interior desta luta têm o seu posto os seguidores de Jesus e a sua arma principal é a Cruz. Como podemos entender isto? O peso da Cruz que Cristo carregou sobre si é a corrupção da natureza humana com todas as suas conseqüências de pecado e sofrimento, com que a humanidade decaída foi embalada no seu berço. O sentido último da Cruz é libertar o mundo desta carga. A volta da humanidade libertada para o coração do Pai Celeste e a aceitação da herança legítima é um dom livre da graça e do amor misericordioso de Deus (...). Finalmente os amantes da Cruz, que Ele fez surgir e haverá de suscitar sempre de novo na história sempre em mutação de uma Igreja controvertida, serão os companheiros dele até o fim dos tempos. Para isto nós também fomos chamados"
Concluindo.
Para Edith a Evangelização consiste em cooperar com a obra redentora de Jesus. Cooperação em íntima união com Ele, com os seus mistérios de Encarnação e Cruz, buscando a Salvação do
mundo em todas as dimensões. Redenção libertadora, porque se realiza a partir da vocação particular de cada um dentro do Corpo de Cristo e porque a sua finalidade última é conduzir a pessoa à plena realização humano-espiritual, que só em Cristo se encontra. (Traduzido de Revista "Vida Espiritual" - Santa Fé de
Bogotá(DC) - nº 107, pgs. 53-61)
[1] "Quem vive na certeza desta crença não pode já, em consciência, descansar no seu próprio saber. Deverá, por conseguinte esforçar-se por conhecer o que é justo e verdadeiro aos olhos de Deus. Esta é a razão porque a atitude religiosa é a única verdadeiramente ética. Claro está que existem um desejo e uns impulsos naturais de buscar o bem e a justiça, e acontece mesmo que alguém tenha a felicidade de encontrá-los, mas é somente quando se busca a vontade de Deus que aquele desejo e aqueles impulsos se encontram consigo mesmos e encontram a satisfação". Cfr. A Ciência da Cruz Edições Loyola São Paulo, Brasil 1988 pg.138
*7 DE AGOSTO: São Alberto de Trápani, Presbítero
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Festa na OC Memória na OCD
COMENTÁRIO
Nasceu em Trápani (Sicília) no séc. XIII. Distinguiu-se no seu tempo pelo seu amor à pregação evangélica e pela fama dos seus milagres. No ano 1296 governava a província carmelitana da Sicília como Provincial. Célebre pelo seu apaixonado amor à pureza e à oração, morreu em Messina, provavelmente em 1307.
ANTÍFONA DE ENTRADA (Sl 36, 30-31)
A boca do justo profere a sabedoria, a sua língua proclama a justiça; a lei de Deus está no seu coração.
ORAÇÃO COLETA
Senhor, que fizestes de Santo Alberto um modelo de pureza e oração e um servidor fiel de Maria, concedei que, revestidos das mesmas virtudes, sejamos dignos do eterno banquete na vossa glória. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
(Onde se celebra como Festa, diz o Glória).
LITURGIA
1ª LEITURA
Is 58, 6-12 «Reparte o teu pão com o faminto» Leitura do Livro de Isaías Eis o que diz o Senhor Deus: «Não será este porventura o jejum que Me agrada: quebrar as cadeias injustas, desatar os laços da servidão, pôr em liberdade os oprimidos, destruir todos os jugos? Não será repartir o teu pão com o faminto, dar pousada aos pobres sem abrigo, levar roupa aos que não têm que vestir e não voltar as costas ao teu semelhante? Então a tua luz despontará como a aurora e as tuas feridas não tardarão a sarar. Preceder-te-á tua justiça e seguir-te-á a glória do Senhor. Então, se chamares, o Senhor responderá; se O invocares, dir-te-á: ‘Estou aqui’. Se tirares do meio de ti toda a opressão, os gestos de ameaça e as palavras ofensivas, se deres do teu pão ao faminto e matares a fome ao indigente, brilhará na escuridão a tua luz e a tua noite será como o meio-dia. O Senhor será sempre o teu guia e saciará a tua alma nos lugares desertos. Dará vigor aos teus ossos e tu serás como o jardim bem regado, como nascente cujas águas nunca secam. Reconstruirás as ruínas antigas e levantarás os alicerces seculares; e serás chamado ‘reparador de brechas’, ‘restaurador de casas em ruínas’». Palavra do Senhor.
Ou:
1ª LEITURA
2 Cor 4, 1-6 «Deus fez brilhar a luz em nossos corações, para que se conheça em todo o seu esplendor a glória de Deus» Leitura da Segunda Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios Irmãos: Não desanimamos neste ministério que nos foi confiado pela misericórdia de Deus; antes, pusemos de parte as dissimulações do acanhamento, não procedendo com astúcia nem adulterando a palavra de Deus; mas é pela manifestação da verdade que nos recomendamos a toda a consciência humana diante de Deus. Se o nosso Evangelho permanece ainda velado, é para os que se perdem, para os incrédulos, a quem o deus deste mundo cegou o entendimento, para que eles não possam contemplar o esplendor do Evangelho da glória de Cristo, que é imagem de Deus. Nós não nos pregamos a nós próprios, mas a Jesus Cristo, o Senhor. Somos vossos servos, por causa de Jesus. De facto, o Deus que disse: «Das trevas brilhará a luz», fez brilhar a luz em nossos corações, para que se conheça em todo o seu esplendor a glória de Deus, que se reflete no rosto de Cristo. Palavra do Senhor.
SALMO RESPONSORIAL Salmo 1, 1-2.3.4 e 6 (R. Salmo 91, 13a.14b)
Refrão: O justo florescerá como a palmeira nos átrios do nosso Deus.
1-Feliz o homem que não segue o conselho dos ímpios, não se detém no caminho dos pecadores, nem toma parte na reunião dos maldizentes, mas antes se compraz na Lei do Senhor e nela medita dia e noite.
2-É como árvore plantada à beira das águas: dá fruto a seu tempo e sua folhagem não murcha. Tudo quanto fizer será bem sucedido.
3-Bem diferente é a sorte dos ímpios: são como palha que o vento leva. O Senhor vela pelo caminho dos justos, mas o caminho dos pecadores leva à perdição.
ALELUIA (Mt 5, 8)
Refrão: Aleluia Repete-se Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus.
EVANGELHO (Mc 10, 17-30)
«Jesus olhou para ele com simpatia e respondeu: Vem e segue-Me» ✠ Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos Naquele tempo, ia Jesus pôr-Se a caminho, quando um homem se aproximou correndo, ajoelhou diante d’Ele e Lhe perguntou: «Bom Mestre, que hei-de fazer para alcançar a vida eterna?». Jesus respondeu: «Porque Me chamas bom? Ninguém é bom senão Deus. Tu sabes os mandamentos: ‘Não mates; não cometas adultério; não roubes; não levantes falso testemunho; não cometas fraudes; honra pai e mãe’». O homem disse a Jesus: «Mestre, tudo isso tenho eu cumprido desde a juventude». Jesus olhou para ele com simpatia e respondeu: «Falta-te uma coisa: vai vender o que tens, dá o dinheiro aos pobres, e terás um tesouro no Céu. Depois, vem e segue-Me». Ouvindo estas palavras, anuviou-se-lhe o semblante e retirou-se pesaroso, porque era muito rico. Então Jesus, olhando à sua volta, disse aos discípulos: «Como será difícil para os que têm riquezas entrar no reino de Deus!». Os discípulos ficaram admirados com estas palavras. Mas Jesus afirmou-lhes de novo: «Meus filhos, como é difícil entrar no reino de Deus! É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus». Eles admiraram-se ainda mais e diziam uns aos outros: «Quem pode então salvar-se?». Fitando neles os olhos, Jesus respondeu: «Aos homens é impossível, mas não a Deus, porque a Deus tudo é possível». Pedro começou a dizer-Lhe: «Vê como nós deixamos tudo para Te seguir». Jesus respondeu: «Em verdade vos digo: Todo aquele que tenha deixado casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos ou terras, por minha causa e por causa do Evangelho, receberá cem vezes mais, já neste mundo, em casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e terras, juntamente com perseguições, e, no mundo futuro, a vida eterna». Palavra da salvação.
ORAÇÃO SOBRE AS OFERENDAS
Subam à vossa presença, Senhor, as nossas orações e as nossas ofertas, e concedei que, a exemplo de Santo Alberto, nos dediquemos à contemplação dos divinos mistérios e à ajuda aos irmãos necessitados. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
ANTÍFONA DA COMUNHÃO (Mt 19, 27-29)
Vós que deixastes tudo e me seguistes, diz o Senhor, recebereis cem vezes mais e tereis como herança a vida eterna.
ORAÇÃO DEPOIS DA COMUNHÃO
Senhor, que nos alimentastes com o pão do Céu, fazei que, seguindo os exemplos de Santo Alberto, nos unamos mais intimamente a Cristo e sirvamos a sua Mãe com dedicado amor. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
BÊNÇÃO SOLENE
Deus, nosso Pai, que hoje nos reuniu para celebrar a festa de Santo Alberto de Trápani, vos abençoe e proteja e vos confirme na sua paz. R. Amém.
Cristo Nosso Senhor, que manifestou de modo admirável em Santo Alberto a força e a imagem do mistério pascal, faça de vós testemunhas fiéis do seu Evangelho. R. Amém.
O Espírito Santo, que em Santo Alberto nos deu um sinal da caridade divina, vos torne capazes de formar uma verdadeira comunidade de fé e amor. R. Amém.
Abençoe-vos Deus todo-poderoso, Pai, Filho e Espírito Santo. Amém
*Do Missal Carmelita da Ordem do Carm
7 DE AGOSTO: Santo Alberto da Sicília ou Santo Alberto de Trapani, Carmelita.
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Santo Alberto nasceu em Trapani, Itália, no século XIII. Entrou na Ordem Carmelitana, destacando-se pelo ardor da pregação e pela fama dos milagres. Eleito Prior provincial para a Sicília, estabeleceu-se em Messina. Em 1301, durante o assédio angevino, libertou a cidade da fome. Brilhante exemplo de pureza e oração, morreu em Messina no dia 7 de agosto de 1307.
Muito venerado pela Ordem toda, como primeiro santo carmelita declarado pela Igreja (Calisto III em 1457 e Sisto IV em 1476), Santo Alberto foi também considerado patrono e protetor da Ordem. Em 1524, ordenou-se que sua imagem fosse estampada no capítulo geral e o Prior geral, Nicolau Audet, quis que lhe fosse dedicado um altar em todas as igrejas carmelitas.
Como testemunho desta difundida veneração, sabe-se, também, quanto foi devota a Santa Madre Teresa deste glorioso pai, bem como Santa Maria Madalena de Pazzi. Diversos testemunhos fidedignos falam-nos da grande devoção de Santa Teresa de Ávila a Santo Alberto. Com efeito, Santa Teresa comprometeu-se em tornar conhecida e divulgada a devoção ao santo carmelita siciliano, que ela venerava como “pai e advogado”, e encarregou o dominicano Padre Diego de Yanguas de escrever um livreto, “A vida e os milagres de Santo Alberto”, a ser publicado juntamente com o "Caminho de Perfeição".
Albert foi um dos dois santos mais antigos da Ordem Carmelita: por sua santidade e a qualidade exemplar de sua vida ele foi chamado, o "Pai da Ordem". Não temos muita informação sobre sua vida, mas pelo menos podemos traçar suas principais linhas de forma confiável. A biografia foi escrita mais antiga provavelmente um pouco depois de 1385, e foi a base de um segundo texto manuscrito por um anônimo Carmelita agora preservado na Biblioteca do Vaticano.
Uma tradição confirmada por vários documentos diz que Santo Alberto nasceu em Trapani em meados do século XIII. Seus pais tinham sido incapazes de ter filhos em 26 anos de casamento. A mãe prometeu-lhe ao Senhor, iniciando sua consagração, e ela sustentou o compromisso, mesmo em face dos planos do pai, que preferia vê-lo casado e herdar a fortuna da família.
Alberto juntou-se aos Carmelitas, que já estavam presentes na cidade e que tinham sido adotados por sua família. Uma vez ordenado sacerdote, foi enviado a Messina. No entanto, vários documentos testemunham a sua presença em Trapani. Albert foi lembrado como um homem de oração e como pregador célebre procurado por toda a Sicília.
Não há registro de participação de Albert nos eventos cruciais na história da Ordem naqueles tempos, nem de como ele pode ter contribuído para a consolidação e crescimento da Ordem, mas não há dúvida de que, como um frade que tinha uma profunda experiência de Deus e uma verdadeira capacidade de reconhecer as necessidades das pessoas o seu trabalho na pregação e na caridade contribuiu muito para a crescente apreciação da Ordem, na Sicília. É, talvez, não apenas em razão da antiguidade que o título “ordinis pater” passou a ser conferido a ele.
Alberto morreu em Messina em 07 de agosto de 1307 - o ano não é totalmente certo, mas é bastante provável.
Muitos milagres foram atribuídos ao santo, tanto em sua vida e após sua morte. Uma característica do ministério de Alberto era a cura: ele restaurou a visão de um rapaz cego, que depois se tornou um carmelita; algumas mulheres foram curadas de abcessos da mama; e outros foram curados de febre. Um judeu com epilepsia foi convertido após a intervenção do santo. Bem como curas físicas, as lendas contam também as espirituais e, particularmente, o seu trabalho como exorcista. Fonte: http://www.carmelitasmensageiras.com.br
PADRE PROVINCIAL: Encontro em BH
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O Padre Provincial dos Carmelitas- Província Carmelitana de Santo Elias- Frei Evaldo Xavier, O. Carm, convida para o Encontro dos Sodalícios da Ordem Terceira do Carmo REGIÕES MG 1 E MG 2. (Sodalícios: Juiz de Fora, Barbacena, São João Del Rei, João Monlevade, Belo Horizonte, Ouro Preto, Serro, Diamantina, Sabará). data: 11/08/2018. Local: Convento do Carmo – Belo Horizonte.
OLHAR CARMELITANO: Domingos de Santo Alberto
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In: A VIDA DE ORAÇÃO NO CARMELO. Redemptus Maria Valabek O.Carm (pág.94-119)
Porque foi destinado trabalhar na formação dos estudantes e aspirantes à Observância de Touraine, João de São Sansão causou um profundo impacto na vida de oração, especialmente na segunda geração dos seus membros. O seu excepcional discípulo foi Domingos de Santo Alberto (1595-1634), que intuiu o verdadeiro espírito do mestre.
É claro que para atingir a perfeição da verdadeira oração e conversação interna a alma despojada dos desejos terrestres deveria exercitar-se na amorosa, real/atual e continuada presença de Deus, satisfazendo fielmente tanto externamente quanto internamente a Divina vontade.” [1]
Este exercício da presença de Deus, que se torna constante nos filhos de Deus e amigos, não é algo extremamente complicado, mas depende dos corações que estão inflamados com simples e generoso amor por ele.
“ (Os noviços) deveriam ser advertidos/orientados para não ler muitos livros, mas estarem atentos a Deus em todo lugar e para caminhara diante dele com simplicidade de coração, frequentemente elevando-se a si mesmos a ele por meio de aspirações amorosas... sempre tentando preservar em seus corações uma inflamada de amorosa lembrança Dele.” [2]
Orar, então, não é nada mais que uma real atração por relacionar-se com o Senhor, que geralmente remanece/permanece/resta algo no nível da fé habitual. “Este estudo sobre oração não é nada mais que uma verdadeira, total, atual/real atenção a Deus e a uma amorosa expansão de todas as faculdades da alma em Deus, que então junta e une-as todas para Deus, que quase sempre, em cada hora e lugar, a alma fala com ele.”[3]
O primeiro nível de oração é meditação:
“Desde o começo de sua conversão, sua alma é de certo modo rude e imersa em coisas materiais, cheia de fantasias e pensamentos do mundo, no começo você deve aplicar o seu espírito à meditação dos divinos mistérios. Avaliar as causas e as circunstâncias com alguma consideração, assim para que depois você possa mover sua vontade para atos de dor, de amor e de agradecimento, de acordo com o tema de sua meditação.”[4]
Neste estágio os temas das meditações deveriam ser a Paixão de Cristo, o valor da vida religiosa, os benefícios com os quais o Senhor nos cobre. Estas reflexões deveriam ser feitas em forma de diálogo com o Senhor, que em última análise é uma ardente afeiçoada e amorosa adesão dão espírito humano, que está constantemente buscando novos motivos em vista de estar unido ao nosso Deus supremo.[5]
O segundo nível enfatiza a parte afetiva do diálogo:
“Depois de haver praticado a meditação discursiva a partir de algum tema escolhido pela pessoal por algum tempo... a vontade irá experienciar o desejo de chegar mais perto das divinas realidades e ter uma viva lembrança e desejo de considerar-se a si mesma com elas {concern itself with them}. Agora é tempo de adotar uma forma mais simples de meditação, de diálogo mais simples... Visto que a este ponto a alma é enchida com o conhecimento de tudo o que pode ser dito, com um simples salto você se atirará em direção ao Nosso Senhor, falará como Ele num jeito amoroso, fazendo-lhe perguntas, respondendo-lhe, adorando-lhe, agradecendo-lhe e evocando inumeráveis atos de amor e resoluções para servi-lo, mantê-lo sempre presente, imitar suas virtudes, e tudo o mais”[6]
O terceiro nível é um simples olhar da fé:
“Depois que você dispendeu algum tempo em conversa interior com do Deus encarnado em seus santos mistérios, você passará a uma conversação interior com Deus incriado a quem você conhecerá por um simples olhar da fé em todas as coisas, e mais intimamente em você mesmo. Isto acontece de uma maneira que você não imagina-lo estar mais no céu que na terra, mas mais próximo de você que você mesmo. Dando este tipo de fé por certo, seu exercício será manter uma conversação entre você mesmo e Deus, como uma conversa entre um bom filho e o seu pai ou um fiel amigo com o amigo, que vive, dorme e come no mesmo quarto, sempre presente um diante do outro. O assunto do seu diálogo será tomado basicamente do recíproco amor e desejo que cada um tem de não estar separado do seu amigo e desfrutar um do outro... Note-se que neste exercício há praticamente uma oração constante. A lembrança tida de Deus não é uma especulação ou meditação sobre o ser ou alguma perfeição de Deus, mas uma consideração, um esperar, um olhar afetuoso a Deus como o tesouro, o fim, o centro de nossos corações. É um pensamento tido com avidez, como os santos tiveram. Mesmo enquanto na terra, eles estavam já no céu ‘em pensamento e avidez’.”[7]
O quarto nível é significativo pelos desejos que ele evoca:
“A alma a quem Deus mantém neste estado, porque ela está constantemente crescendo no amor, sentirá seu desejo se fome por Deus crescendo ao ponto de tornar-se impaciente. Tudo o que faz ou é capaz de fazer não será suficiente para expressar o seu desejo. Quando ela pensa estar com Deus em diálogos, seu desejo estará muito além do que ela explicita. Ela sentirá um enlanguecimento que a fará ela morrer por não estar capaz de fazer nada. Aqui a pessoa deve estar atenta para não força-la falar nem evocar muitos atos. É suficiente que ela faça conversões essenciaia (conversiens essentielles) com todo o seu ser. Estes são preticamente silêncio e sem muitas palavras formadas. ‘O Deus!’ Isto diz mais que um longo diálogo porque seu coração esta falando para o coração de Deus e os dois entendem um ao outro muito bem.”[8]
O Quinto nível:
“ Como pode ser visto, através de tais efusões, a alma sente que ela tem praticamente uma presença contínua e lembrança de Deus, e se torna cada vez mais desejosa dele... pouco a pouco ela deve render-se a Deus, deixando para trás inclusive aquelas conversações essenciais que para produzir ela dispendeu seu esforço, e deixá-la no num nu desejo que ela sente por Deus. Este desejo é um ato pelo qual ela olha para Deus como o infinito tesouro que pode satisfaze-la. Assim, despojada do seu próprio jeito de atuar, Deus satisfaz seus desejos e os faz crescer incessantemente. Por esta razão, ela permanecerá sempre nele, olhando para ele, contemplando-o sem cessar. Este desejo é um amor atual/real como uma fome e sede insaciável de Deus, que causa uma lembrança experiencial e conhecimento Dele na alma... Este estado é os estado da verdadeira união íntima do espírito criado com o Incriado. Aqui o cume do espírito, o poder do amor e aplicado diretamente a Deus. Que é compreendido além de qualquer idéia ou sentimento... Ela afunda mais e mais dentro de um abismo sem fundo da Natureza Divina.”[9][10]
[1] Exercitatio spiritualis, cap.4; ed. J. BRENNINGER, O.CARM. in steggink, carmelitani, in Diz. Ist. Di Perf., II< col 498; S. BOUCHEREAUX, Dominique de Saint Albert, sa vie et sa correspondance avec Jean de Saint-Sanson, in AOC, 15 (1950) 3-167.
[2] Exercitatio spiritualis, cap.6; ed. Brenninger, 45
[3] Ibid., cap. 1 ed. J. Brenninger, 24; cited by HEALY, Methods of Prayes, 163.
[4] Théologie mystique, in Études carmelitaines 22 (1937), 267.
[5] Exercitatio spiritualis, cap.1-2; ed. Brenninger, 24-25; cfr. HEALY, Methods of Prayes, 161.
[6] Théologie mystique, in Études carmelitaines 22 (1937), 267.
[7] Ibid.,268.
[8] Ibid.
[9] BRENNINGER, in Études carmél., 22 (1937), 268
[10] Théologie Mystique, ibid. For and overwiw of Ven. Dominic’s spiritual vision, cfr. EUGENIO TONNA, O.CARM., in Carmelus, 11 (1964), 44-80).
CARMELITAS: Ordenações em BH
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CARMO SION/BH. Sábado 4. Ordenação Diaconal dos Freis; João Paulo e Paulo Ricardo e Ordenação Presbiteral de Frei Renê Vilela, O. Carm. Fotos: Caio Cezar, do Sodalício de Osasco/SP. Imagens: Karla, do Sodalício de Osasco/SP. Edição: Olhar Jornalístico. MÚSICA: Venha para o Carmelo, do CD- Tempo do Carmelo (Frei Petrônio de Miranda, O. Carm) Convento do Carmo da Lapa, Rio de Janeiro. 05 de agosto-2018.
9 DE AGOSTO, SANTA TERESA BENEDITA DA CRUZ (EDTH STEIN): RETORNO PARA DEUS
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EDITH STEIN (1891-1942).
Frei Cláudio van Balen, O. Carm. Convento do Carmo do Carmo Sion, Belo Horizonte-MG.
Foi no dia 1 de janeiro de 1922, que Edith Stein, aos 30 anos de idade, foi batizada por Eugeen Breitling, na igreja St. Martinus, em Bergzabern, com os nomes Theresia Hedwig, sendo Santa Teresa sua inspiradora e Hedwig Conrad, grande amiga, sua madrinha. Longa foi a caminhada, mas rápido o caminho. Após encontrar a verdade, ela não pôde deixar de reordenar sua vida. Ela escreveu: “A aceitação da verdade revelada não resulta de uma simples decisão da vontade. Muitos, pois, não se deixam mover, havendo também casos de um “eu não posso” muito misterioso. A hora da graça, então, ainda não chegou”. Quem sabe, ela pensava em seu povo. Tudo indica que fez do batismo sua resposta à pergunta: “Onde estás?” (Gên. 3,9) Enveredou pelo caminho de Jesus de Nazaré, sem distanciar-se de suas raízes. “Após meu retorno para Deus, senti-me, antes de tudo, judia”. Em sua conversão, portanto, não há ruptura entre judaísmo e cristianismo; e este não ocupa o lugar daquele nem o complementa. Sua originalidade é viver a tensão entre as duas tradições que, aparentemente, se excluem. Amigos seus não compreendiam essa experiência de Deus e estranhavam a oração demorada de Edith nas igrejas de Speyer e Beuron.
A parti do ingresso de Edith na religião católica, a relação entre mãe e filha passa a ser tensa, estremecida, com tristeza e ternura. Entretanto, ela não deixa de acompanhar a mãe na ida à sinagoga e, em sua casa, segue os rituais e o jejum de sua idosa mãe; mas essa participação na tradição familiar não a impede de ir, cedinho, à Missa. E junto aos filósofos, em Freiburg, ela nesse momento sente algo como distância, desde que encontrou em Teresa a verdade “encarnada” que agora tem de ser “feita”. As duas faces da mesma realidade: palavra e gesto - essência do judaísmo - cuja interligação confere uma força misteriosa ao testemunho que irradia junto a alunos e amigos. Colegas e sacerdotes a aconselham a não enterrar seus talentos atrás dos muros de um mosteiro e, sim, de investi-los no serviço às pessoas.
Em uma encruzilhada de dois caminhos, Edith teve a experiência de Maria: “Uma espada traspassará teu coração” (Luc. 2,35). Ambas aceitaram seguir Jesus sem achar ultrapassada a tradição judaica, pois a verdade, como diálogo, opõe-se à ruptura e se realiza na experiência da cruz como árvore de vida. O Gênesis lembra que a natureza desse diálogo foi confiada à mulher (HaVaH –Eva- relacionado com HaLaH -mãe dos viventes- 3,20). (A mesma raiz “HVH” encontramos na palavra HaVeh = dizer, narrar, comunicar, iluminar, esclarecer, ensinar.) A objetividade do diálogo não se resume, de uma vez para sempre, em adotar posição determinada, mas na vigilância e na crítica relativa ao próprio julgamento, às próprias palavras, cultivando uma atenção extremada dirigida para o outro, para o destino do outro e sua história pessoal. Por isto, Edith vigia seu julgamento com respeito à atitude de sua tão amada mãe que não se mostra capaz de aceitar essa sua escolha.
Como a mulher é portadora tanto da vida como do diálogo, ela não pode assumir uma posição de caráter dialético, marcada pela radicalidade da separação. Mais tarde, como carmelita, ela não hesita em comparar-se a Ester que teve de ouvir de Mardoqueu: “Não pense que você é a única entre todos os judeus a escapar com vida, só porque vive no palácio (mosteiro carmelita)” (Ester 4,13). E ela acrescenta: “Eu sou a pequena Ester, muito pobre e frágil, mas o rei que me escolheu é grande e infinitamente compassivo”. De trás das grades do mosteiro, ela vai imolar-se por tantos que lutam na escuridão de seu triste destino e ela permite que a cruz se faça caminho de solidariedade. Esse misterioso caminho do sofrimento, da cruz, vale tanto mais, quando associado a um compromisso fraterno de viver o amor como caminho a serviço dos outros. Longe de buscar a si mesma, ela engaja todo seu ser na causa que abraça, para que a verdade se faça caminho e dê passagem à própria vida. O direito é o bem máximo e a justiça se impõe igualmente a todos, possibilitando uma convivência de paz. Aqui a experiência de Deus se faz berço de personalidade exemplar.
ANO DO LAICATO CARMELITANO. Passa Quatro-01
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Hoje começamos os encontros regionais da Província na cidade de Passa Quatro-MG. Sábado, dia 11, será a vez de Belo Horizonte para os Sodalícios de; Juiz de Fora, Barbacena, São João Del Rei, João Monlevade, Belo Horizonte, Ouro Preto, Serro, Diamantina e Sabará. O Encontro começa com a café da manhã, às 8h e termina com o almoço, às 12h/ 13h. No vídeo, a Priora de Passa Quatro, Sra. Maria Regina Leite.
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