Faleceu neste sábado 8 de agosto-2020 em São Paulo, o confrade Frei Tadeu Passos Camargo, O. Carm, do Carmo de São Paulo. As nossas orações... 

Quarta-feira 5 de agosto. Basílica de Santa Maria Maior: O Frei Evaldo Xavier, O. Carm, explica a Espiritualidade e a história da Basílica de Santa Maria Maior. NOTA:  Depois do Concílio de Éfeso (431), em que a Virgem Maria foi proclamada Mãe de Deus, o Papa Sisto III (432-440), erigiu em Roma, no monte Esquilino, uma basílica dedicada à Santa Mãe de Deus, chamada mais tarde Santa Maria Maior. É esta a mais antiga Igreja do Ocidente dedicada à Santíssima Virgem.

Santa Missa celebrada por Frei Petrônio de Miranda, O. Carm, direto da Igreja Conventual dos Carmelitas de Angra dos Reis/RJ. Angra, 3 de agosto-2020. 

O Frei Fernando Millán Romeral, O. Carm, Padre Geral da Ordem do Carmo, fala sobre o Mártir Beato Tito Brandsma no V- Alacar- Congresso da Associação Latino Americana de carmelitas. De 6-11 de novembro-2018 em Santo Domingo, República Dominicana. Tema: Mártires de ontem, para o Carmelo Latino-Americano de hoje; Beato Frei Tito Brandsma, Santa Edith Stein e Dom Oscar Romero.

O Frei Fernando Millán Romeral, O. Carm, Padre Geral da Ordem do Carmo, fala sobre o Mártir Beato Tito Brandsma no V- Alacar- Congresso da Associação Latino Americana de carmelitas. De 6-11 de novembro-2018 em Santo Domingo, República Dominicana. Tema: Mártires de ontem, para o Carmelo Latino-Americano de hoje; Beato Frei Tito Brandsma, Santa Edith Stein e Dom Oscar Romero. 

Frei Emanuele Boaga, O.Carm e Augusta de Castro Cotta, Cdp

 

Características psicológicas

O ambiente familiar, aliado aos dons naturais - notável bagagem de qualidades humanas -  foi propício ao desabrocha­mento da rica personalidade de nosso Tito. Um seu biógrafo afirma: ‘Tito possui um físico gracioso e frágil, uma saúde não muito boa, mas um caráter vigoroso, feito de aço nobre e resistente’. Ele mesmo se define como um ‘otimista nato’. Era dotado de grande autocontrole, sempre se apresentando de bom humor, mesmo nos momentos de sofrimentos físicos (sofreu pelo menos quatro hemorragias intestinais). Mantém sempre a calma e a serenidade, revelando grande equilíbrio em todos os seus momentos. Sem sentimentalismos é cordial no trato, paciente para com todos, capaz de respeitar sempre as opiniões contrárias à sua, embora não abrisse mão de suas convicções profundas. É interessante o testemunho do policial que o interrogou; ‘Não se pode esperar que o Pe. Tito mude de opinião, por isso o consi­dero um homem perigoso’. E outro testemunha de vida afirmou: ‘Pe. Tito é um homem bom, mas quando necessário sabe ser enérgico’.

Tem uma elevada cultura que alia a um jeito humilde e simples de ser. Jamais usa sua sabedoria para vangloriar-se ou sobressair-se sobre os demais. Nas constantes viagens de trem, feitas em razão de seu serviço, escolhe sempre, de forma natu­ral, a terceira classe.

É dotado de enorme sentido de humor. Tudo nele é simples, sóbrio, sem nenhuma ostentação. Sua aparência é sem­pre a de uma pessoa comum, ainda que alguém tenha testemunhado sobre ele: ‘Era uma pessoa extraordinariamente fora do comum”. Isto é confirmado por outras afirmações, como:  ‘O contato com Frei Tito tinha um efeito calmante’. ‘Era um homem ‘sui generis’, com um grande coração’, atesta outra pessoa que com ele conviveu.

Esta rica personalidade humana é animada por uma fé inabalável, intensa, profunda, encarnada em seu dia-a-dia, herdada da família e aprofundada na formação. Tal experiência é alimentada pela oração e gera nele um filial abandono ao Senhor e à Sua Vontade. Gostava de repetir: ‘Devemos deixar que o Senhor faça sempre em nós o que lhe apraz’ e ‘Deus terá sempre a última palavra, já que em suas mãos podemos ter a certeza de que estamos seguros’.

Pode-se dizer que Frei Tito teve as seguintes e fortes características  que o tornam uma personalidade marcante:

Vida social: pertencia às minorias sociais de seu país. Sua família encontra-se entre os 10% de católicos da sua região. Ao aprofundar seus conceitos filosóficos descobre o valor da pessoa humana e seus direitos. Sob esta luz vai encarar a relação com as diversas minorias de seu país:  não lutando contra qualquer delas, porém, tudo empreendendo para elevar todas à sua própria dignidade humano-espiritual.

Vida eclesial: era católico com prática séria da vida eclesial: sensibilidade para com os problemas de seu tempo, participação ativa e criativa na vida da igreja. Sabia unir o amor e o serviço à Igreja ao amor e serviço ao ser humano. Sente-se, como Santa Teresa, ‘filho da Igreja’. Para servi-la, funda escolas, de­dica-se ao magistério, torna-se jornalista atuante, procurando por estes meios difundir a fé. Esta dedicação o levou ao martírio.

Vocação carmelita: revelou grande empenho na ob­servância regular, vivendo com entusiasmo a espiri­tualidade e a mística carmelitanas, cuidando com verdadeiro carinho de tudo o que dizia respeito ao Carmelo, destacando-se no amor à Eucaristia e a Nossa Mãe. Dedicou-se a entusiasmar os co-irmãos para o estudo e a promoção da presença carmelitana na Igreja e na sociedade de seu tempo. Viveu intensamente os valores carmelitanos.

*Curso de Formação Carmelitana em módulos. Módulo VI - Testemunhas da Vivência Carmelitana. São João del Rei – MG.  2003

 

BIOGRAFIA

Nasceu em Bolsward, Holanda, em 1881. Filho de uma família católica. Devoto fervoroso de Nossa Senhora, decide entrar na Ordem do Carmo. Ordena-se em 1905. Inteligente e sempre dedicado aos estudos, ele revela uma admirável vocação para o jornalismo. Escreve artigos para jornais e revistas. Em Roma, doutora-se em filosofia e Sociologia. Ao voltar para a Holanda, torna-se professor, escritor, pregador e editor de revista. Em 1932, é eleito Reitor da Universidade Católica de seu País. Escreve o livro “Exercícios Bíblicos com Maria para chegar a Jesus”, um pequeno tratado de Mariologia. Esta publicação é fruto de suas orações e meditações que ele jamais descuidava, apesar de sua intensa atividade apostólica: missões, união das igrejas, escola e educação católica, meios de comunicação.

Os problemas começaram quando os nazistas invadem a Holanda, em 1940. Na época, Frei Tito era Presidente da União dos Jornalistas Católicos. Protestou corajosamente contra a invasão. Foi preso dia 19 de janeiro de 1942. Passou pelos presídios de Scheveninguem, Amersfoort, Kleve e Dachau. Foi espancado, submetido à fome e ao frio. Nos interrogatórios deu testemunho de fé, de suas convicções católicas em defesa da justiça. Foi um exemplo de ânimo, de paciência até para aqueles que eram inimigos de sua religião. Seu corpo serviu de cobaia para experiências bioquímicas. Esteve em estado de coma durante dois dias. Antes de morrer, exclamou: “Faça-se a Tua vontade, não a minha”. Faleceu a 27 de julho de 1942, aos 61 anos. Foi beatificado dia 3 de novembro de 1985, pelo Papa João Paulo II.

A sabedoria e as prioridades da nossa vida.... Reflexão do Evangelho Dominical (Mt 13,44-52), com Frei Petrônio de Miranda, Padre Carmelita e Jornalista da Ordem do Carmo. Convento do Carmo de Angra/RJ. 26 de julho-2020. www.instagram.com/freipetronio

JOSÉ ANTONIO VARELA VIDAL DEPOIMENTOS

Zenith - 24 de julho de 2020). Havia um jornalista na Igreja que morreu assassinado no campo de concentração de Dachau, no meio da Segunda Guerra Mundial. Seu maior crime: opor-se a que os jornais holandeses fossem parametrizados durante a invasão do nazismo. E ele fez essa afirmação também na qualidade de frade carmelita, professor e educador de jovens. Nós nos referimos ao abençoado e mártir, Tito Brandsma.

Na ocasião de sua festa, em 27 de julho, para aprender mais sobre seu processo de canonização e as características exemplares de sua figura para os tempos atuais, Zenith conversou com o padre espanhol Fernando Millán Romeral, Carmelita, vice. Postulador da causa desde março passado.

 

zênite : Você acabou de assumir o posto de postulador pela causa da canonização do Beato Titus Brandsma. Quais são seus planos imediatos para tê-lo como santo?

Padre Millán: Assumi essa comissão alguns meses depois de terminar como prior geral da Ordem em setembro de 2019 e, portanto, quando o processo já estava bem avançado. Devemos continuar a espalhar seu testemunho e sua mensagem para o nosso tempo, porque esse é, em última análise, o presente dos santos para a Igreja. Nesse sentido, em coordenação com nossa Postulação Geral em Roma, incentivo e divulgo algumas iniciativas, promovo traduções e publicações e, além disso, estou preparando uma nova biografia em espanhol com um aparato crítico e com referências a autores clássicos do mundo da concentração.

 

zênite : O que você pode nos dizer sobre os supostos milagres atribuídos à sua intercessão?

 Padre Millán : Embora tenha havido vários casos, há um suposto milagre que está em fase de estudo pela congregação do Vaticano e este é um processo muito detalhado e preciso que requer tempo. Este é um carmelita dos Estados Unidos que teve câncer de pele muito avançado. Todos os paroquianos de sua paróquia foram confiados ao Beato Tito e, após mais de dez anos, ele continua muito bem. Esta é a última fase de um processo que já dura muitas décadas porque, de certa forma, foi pioneira, pois é o primeiro caso que foi abordado como um martírio do nacional-socialismo. Houve alguns casos anteriores de vítimas do nazismo (padre Kolbe), mas seu processo foi realizado como uma causa de virtudes heróicas.

 

zênite : Por que o mundo atual se beneficiaria da figura e da mensagem do Bem-aventurado Tito, se ele fosse definitivamente incorporado ao livro dos santos da Igreja?

Padre Millán: Bem, além do profundo aspecto espiritual, teológico (intercessão, comunhão dos santos, culto público universal etc.), penso que a figura de Tito Brandsma constitui um chamado à reconciliação, à solidariedade com os minorias (recusou-se a obedecer a certas normas contra crianças judias nas escolas carmelitas), um chamado a encontrar nesta sociedade muito dividida e crespa. Além disso, nestes tempos dolorosos em que estamos vivendo a pandemia, seu testemunho de esperança em uma situação terrível como a em que ele viveu é realmente inspirador. Não era apenas um otimismo psicológico (que ele também tinha), mas uma esperança, digamos teológica, uma total confiança em Deus, precisamente quando tudo parece nos contar sobre sua ausência.

 

zênite : A sociedade é dura e há muita divisão ...

Padre Millán: Acho que seu testemunho é muito atual em favor da reconciliação. Pense - para dar apenas um exemplo - que um de seus últimos escritos, já na prisão, sobre por que os holandeses se opunham ao nacional-socialismo termina com uma bênção da Holanda e da Alemanha, para que “esses dois povos andem novamente paz e liberdade ... ”.

 

zênite : Na família Carmelita, você estuda profundamente a vida do padre Brandsma. Você pode definir duas características que mais o impactaram em sua biografia?

Padre Millán: Além do que acabei de indicar, destacaria sua profunda espiritualidade, não apenas teórica (como professor, ele era especialista no misticismo da Renânia Flamenga, bem como na obra e doutrina de Santa Teresa de Jesus), mas vital e existencial. Embora ele fosse muito discreto em relação à sua vida pessoal interior, ele transcende nos momentos dramáticos dos campos de concentração pelos quais ele passou. Como João Paulo II indicou na homilia da beatificação: "esse heroísmo não é improvisado", é fruto de uma rica vida interior.

 

zênite : Isso ainda afeta hoje ... e a outra característica?

Padre Millán: Eu destacaria sua capacidade de diálogo, de compreensão. Ele era um homem ecumênico no sentido mais profundo e mais bonito da palavra e não apenas na teoria, mas nas altas e muito delicadas responsabilidades que exercia, como reitor da Universidade Católica de Nijmegen ou como delegado do episcopado holandês à imprensa. Não era fácil viver esse espírito de escuta e reconciliação naquela Europa febril e conturbada.

 

zênite : Em seu livro, você apresenta o mártir carmelita como uma "figura poliédrica". Como entender sua versatilidade?

Padre Millán: Tito Brandsma tinha uma enorme capacidade de trabalho, à qual se entregou com grande generosidade. Talvez essa seja a chave para entender a diversidade de tarefas às quais ele se dedicou: professor universitário, reitor, conferencista, tradutor e acadêmico, fundador de escolas, jornalista profissional e teórico do papel do jornalismo e muitas outras coisas além de uma intensa trabalho pastoral, muito pessoal, muito direto (nos moldes do Papa Francisco). Se fosse dada uma explicação, arriscaria dizer que a vida dele (apesar da aparente dispersão) tinha um significado integrador. De fato, às vezes me lembra Viktor Frankl, o famoso psicólogo que também passou por campos de concentração.

 

zênite : Poucos sabem que sua morte trouxe a conversão da enfermeira que o executou com uma injeção letal ...

Padre Millán: De fato, a enfermeira que lhe deu a injeção de ácido fênico, declarada sob o nome fictício de Tizia no processo de beatificação. Embora sua figura seja um tanto misteriosa e controversa (no meio daquele ambiente sórdido de depravação, de experimentos com humanos e da morte), seu testemunho é muito impressionante, pois mostra a estatura humana e espiritual do padre Tito, mesmo em seus últimos momentos.

 

Zenit : Como o padre Tito Brandsma, hoje os jornalistas sofrem censura, perseguição e morte. Com que atitude os abençoados assumiram isso e que lição ele deixou para o mundo da imprensa?

Padre Millán: Não se deve esquecer que Tito Brandsma era um jornalista profissional, que conseguiu publicar um jornal que hoje classificávamos como “generalista” ( De Stad Oss Niewsblad ) e que possuía o cartão internacional de jornalista. Além disso, em várias ocasiões, ele refletiu muito seriamente sobre o papel da imprensa católica na sociedade moderna. De fato, ele morreu defendendo a independência da mídia católica contra a manipulação e a barbárie nazistas: ele se opôs aos jornais católicos que publicavam propaganda nacional-socialista. Eu acho que é um testemunho maravilhoso e atual para nossas notícias falsas e tempos pós - verdade .

 

zenit : Percebe-se, então, que sua figura pode abrir espaço para si na vida dos jornalistas ...

Padre Millán: A Organização Inter Cristã da Mídia (ICOM), com sede em Genebra, concede a cada três anos um prêmio com o nome de “Titus Brandsma Award” a jornalistas ou instituições que se destacaram na defesa da ética jornalística, de direitos humanos ou liberdade de expressão. Um belo tributo ao bem-aventurado Tito de seus colegas. Fonte: https://es.zenit.org

Pe. Jaldemir Vitório SJ

           

Introdução

             A cena de Elias, no monte Horeb, parece destoar do conjunto da tradição em torno do profeta. Teve coragem de profetizar, contrariando a casa real (1Rs 17,1-17). No estrangeiro, mostrou-se solidário com uma pobre viúva, à beira da morte por inanição (1Rs 17,8-24). A cena no monte Carmelo descreve-o com uma impavidez invejável, a ponto de, sozinho, desafiar os quatrocentos e cinquenta profetas de Baal e, no fim, passar todos ao fio da espada (1Rs 18,20-46). O injustiçado Nabot encontrou em Elias um defensor destemido, cujas palavras desmascararam a má conduta do rei e de sua mulher e anunciaram a terrível punição pela impiedade (1Rs 21,1-29). Falou duro contra o rei doente que, ao invés de confiar em Javé, preferiu consultar Beelzebub (2Rs 1,1-17). A carreira gloriosa de Elias foi concluída com o arrebatamento para o céu, levado num “carro de fogo e cavalos de fogo” (2Rs 2,1-28).

            1Rs 19,1-21 apresenta o profeta de forma muito diferente. “Desespero profundo, expressão de fracasso, e rejeição do ofício profético são os temas preponderantes” (COGAN, 2001, p. 456). Tem-se a impressão de terem fracassado os esforços para fazer frente à disseminação da idolatria em Israel. A fuga desponta como a única saída. É como se estivesse fugindo da luta. Javé, porém, fá-lo tomar o caminho de volta, para o “lugar” de onde não deveria ter saído.

            Este artigo pretende fazer uma leitura de 1Rs 19, levando em consideração o conjunto das tradições em torno do profeta Elias, sem se deter nas várias questões de crítica textual, de unidade, de relação com o capítulo precedente, de historicidade, de significado de certas palavras e expressões, evidentes no texto. O sentido do conjunto é claro, apesar dos entraves pontuais no texto hebraico[1]. No correr da leitura, será explicitado o que, em análise narrativa, é chamado de “ação transformadora”. Ou seja, o caminho percorrido pela ação desde a situação inicial até o seu desfecho (MARGUERAT-BOURQUIN, 2009, p. 59). O percurso da leitura mostrará como o profeta Elias, optando por fugir, foi para o lugar errado. Javé fá-lo voltar para o lugar onde deveria estar, pois, para um profeta verdadeiro, a fuga jamais será solução. Para ele, vale o que diz uma música brasileira bem conhecida: “Nada temer, senão o correr da luta!” O lugar do profeta é, sempre, o lugar do conflito. A fuga, mesmo para um lugar sacratíssimo – “o monte de Deus” – leva-lo-á ao lugar equivocado. É aí que ouvirá a ordem peremptória de Javé: “Vai e volta por teu caminho!” (v. 15a). Em outras palavras: “Volta para o teu lugar”.

 

1-O profeta Elias na mira da rainha Jezabel (vv. 1-2)

A narração inicia-se aludindo ao conflito do profeta com a casa real de Israel. O rei Acab informa à rainha Jezabel a ação violenta de Elias contra os profetas de Baal, como havia eliminado todos eles, matando-os à espada (1Rs 19,1; cf. 18,40).

Jezabel era estrangeira, filha do rei dos sidônios. Deve ter vindo para Israel no contexto da aliança entre Omri e Etbaal, seu pai. Omri deu-a em casamento a seu filho Acab (1Rs 16,31a). Era costume dar uma filha para o rei com quem se estabelecia aliança, certamente, para estreitar os laços entre os contratantes[2]. O casamento de Acab com Jezabel estreitou os laços entre Israel e Sidon.

Jezabel era devota adoradora de seu deus – Baal – e, por todos os meios, tentou implantar sua religião no reino de Israel. Acab, que deveria ser adorador de Javé, era de personalidade pusilânime. E se deixou manipular pela esposa, incapaz de se impor. Antes, “deu u’a mãozinha” a Jezabel para propagar o culto baalista. O baalismo em Israel teve grande sucesso, durante seu reinado. Por isto se diz dele, logo na primeira referência que se lhe faz na Obra Historiográfica Deuteronomista (Js-2Rs), que “foi prestar culto a Baal, adorando-o. Pôs um altar de Baal no templo de Baal que tinha construído em Samaria, ergueu um poste idolátrico e cometeu ainda outros pecados, a ponto de irritar o Senhor, Deus de Israel, mais do que todos os reis de Israel que o antecederam” (1Rs 16,31b-33). Os adoradores de Javé vivem uma situação difícil. Jezabel mandara eliminar os profetas de Javé. Um grupo sobreviveu, protegido por Obadias, que “os escondera em grupos de cinquenta em duas cavernas, alimentando-os com pão e água” (1Rs 18,4.13). Já “os quatrocentos e cinquenta profetas de Baal e os quatrocentos profetas de Asera” gozavam da proteção real, comendo à mesa de Jezabel (1Rs 18,19).

            O profeta Elias desponta como defensor impávido da fé em Javé, disposto a tudo. No confronto com os profetas de Baal, no Monte Carmelo, sai vencedor. E manda prender os profetas de Baal, sem deixar escapar nenhum; “fê-los descer à torrente do Qishon, onde os degolou” (1Rs 18,40). Esta notícia chega a Jezabel por intermédio de Acab. A rainha é informada que Elias “tinha passado ao fio da espada todos os profetas de Baal” (1Rs 19,1). Desencadeia-se, então, contra ele uma cólera sem tamanho. A rainha toma a decisão de tirar-lhe a vida, mandando avisar-lhe por um mensageiro: “Os deuses me cumulem de castigos, se amanhã, a esta hora, eu não tiver feito contigo o mesmo que fizeste com a vida desses profetas” (1Rs 19,2). Os dias do profeta estavam contados. A rainha, de certa forma, dá-lhe tempo para fugir, pois não manda prendê-lo, imediatamente, e, sim, envia um mensageiro para comunicar-lhe sua intenção. É uma forma de dizer-lhe para “dar o fora”[3]. O profeta dispunha de um dia – “amanhã a esta hora” (v. 2) – para tomar as providências.

 

2-A fuga: uma forma de escapar ao conflito (vv. 3-5a)

Elias, cuja valentia fora demonstrada no enfrentamento com os profetas de Baal, passados ao fio da espada, mostra-se, agora, cheio de medo em face da ameaça de Jezabel. “Medo por sua segurança pessoal acompanha o profeta ao longo do presente episódio” (COGAN, 2001, p. 450). Do norte, vai na direção sul, chegando a Bersabeia, que está na extremidade sul de Judá, nos limites entre a terra habitada e cultivada e o deserto. “De Dan a Bersabeia” era a expressão para se referir aos limites da terra de Israel (Jz 20,1). Portanto, fugiu para o lugar mais longe possível. O lugar recorda Abraão, em suas andanças, num litígio com certo Abimelek, por questões de água para os rebanhos (Gn 21,22-34). Recorda, também, Isaac em litígio com o mesmo personagem, por igual motivo (Gn 26,23-33). Ou seja, o profeta foge para bem longe, onde os patriarcas perambularam. O sentido de suas andanças, porém, era muito distinto. “Sua viagem no deserto tinha, apenas, o significado de fuga e de retorno à não-existência” (MIKOLAJCZAK, 1999, p. 15).

O próximo passo consistiu em se embrenhar sozinho, pelo deserto, depois de deixar para trás o servo que trouxera consigo[4]. O “caminho de um dia” permitiu-lhe ir bem longe e ficar na mais completa solidão. O deserto era procurado por fugitivos e foragidos pela dificuldade de alguém ser encontrado, por não deixar rastros. Sem saber para onde ir, o risco de os perseguidores se perderem era grande. Temiam entrar deserto a dentro, sem rumo certo. Agar foge para o deserto, temendo as humilhações de Sara (Gn 16,6-7).  Os israelitas, fugitivos da opressão egípcia, rumaram na direção do deserto para escapar da perseguição. Igualmente Davi, tentando livrar-se da fúria de Saul (1Sm 23,14).

            Ocorre, então, algo que parece ir além do medo. Uma forma de depressão? Em todo caso, Elias senta-se à sombra de uma árvore, pedindo a morte, por não encontrar sentido para a vida. “Agora basta, Senhor! Tira a minha vida, pois não sou melhor do que meus pais” (v.4)[5]. “Elias não se vê mais como portador de uma relação especial com YHWH e, em desespero interior, pede para morrer, como a acontece com todo ser humano” (COGAN, 2001, p. 451). Ou, então, “o pânico que se abateu sobre ele, quando Jezabel fez conhecer a ameaça contra sua vida, fez-lhe murchar a auto-imagem inflada. Ele sempre se teve como sui generis e não pode viver com a consciência de que é um outro homem, sobrevinda ao longo da fuga” (ROBINSON, 1991, p. 517). O lutador incansável pela causa de Javé perde a motivação para a luta. Dá a causa por perdida! Não vale mais a pena lutar contra a maré. É melhor morrer do que ver o baalismo suplantar a fé dos pais. O profeta dá a impressão de não ter mais forças nem motivos para combater por seu Deus. Morrer seria, para ele, a solução. Antes era Jezabel quem estava decidida a pôr fim à vida do profeta (v. 2). Agora, o profeta, por si mesmo, não vê mais motivo para viver. “A perseguição de Jezabel lançou-o numa profunda noite de dúvidas espirituais e ele renuncia à missão e à própria vida. Esta condição interior do profeta não poderia ter sido melhor expressa do que na fuga para o deserto, lugar sem veredas e direções, o reino da morte” (MIKOLAJCZAK, 1999, p. 14).

            “Deitando-se no chão, adormeceu à sombra do junípero” (v. 5a) é a alusão a uma morte simbólica. O sono de Elias é o sono da morte, a qual ele espera, colocando-se na posição de morte, de forma a antecipar o desfecho desejado. Ele já se considera morto!

            Elias, aqui, é a figura do batalhador cansado, frustrado, decepcionado, que entrega os pontos e se recusa a continuar lutando por uma causa, na qual se jogara de corpo e alma. É a imagem do batalhador deprimido, que decidiu a própria morte, longe do campo de batalha. É a imagem do batalhador que deixou para trás a causa de seu Deus, a luta pelo direito e pela justiça em favor dos oprimidos e injustiçados. É a imagem do batalhador desiludido, em cujo horizonte desponta, apenas, a morte.

 

3-O encontro com Deus e a consciência de um equívoco (vv. 5b-14)

 

Enquanto o profeta espera a morte, na mais total abulia, envolvido por um profundo sono, eis que uma espécie de “ressurreição” começa a se processar em sua vida. No início da narração, fora abordado por um mensageiro (mal°¹k) de Jezabel, anunciando-lhe a condenação à morte. Agora, entra em cena o “mensageiro de Javé”, para chamar o profeta à vida. Tocou-o e ordenou-lhe: “Levanta-te e come!” (v. 5b). A decisão do profeta é, assim, contrariada. Pode-se suspeitar que não lhe cabe dar por terminada a missão recebida de Javé. Urge pôr-se de pé e retomá-la, com novo vigor.

A força ser-lhe-ia dada do alto. Daí ter percebido estar perto de sua cabeça um pão cozido sobre as brasas e uma bilha com água (v. 6). No passado, Elias já havido sido alimentado de forma misteriosa, quando, temendo o rei Acab, fora se esconder na torrente de Karit, a leste do Jordão. “Os corvos traziam-lhe pão e carne, tanto de manhã quanto de tarde, e ele bebia na torrente” (1Rs 17,6; cf. 17,15-16). A proteção divina de outrora se repetia no presente.

Ele que pensara estar solitário no deserto e, aí, poder morrer em paz, na verdade, estava sob o olhar atento de quem lhe pusera na mão uma bandeira: lutar pela fé! E Deus contrariava a opção do profeta pela morte. Queria-o, sim, vivo e aguerrido! Donde ter mandado o mensageiro para despertá-lo, recuperar-lhe as forças e mostrar-lhe o caminho de volta. Quando o profeta parecia querer esquecer Javé e que Javé se esquecesse dele, mais que nunca está sob o olhar divino. Javé não se esquece que o profeta é seu servidor.

A primeira reação do profeta é decepcionante. “Comeu e bebeu, e tornou a deitar-se” (v. 6b). Trata-se de uma atitude contraditória. Se, deveras, estava decidido a morrer, por que comeu e bebeu? Não seria esta uma forma de prolongar a agonia? Afinal, voltou a deitar-se, insistindo na decisão anterior pela morte. Neste caso, teria sido mais conveniente não comer e nem beber e, assim, garantir a morte por inanição, já que não dá mostras de querer tirar a vida com as próprias mãos. Satisfeita a necessidade física, a vida seria prolongada de maneira inútil. Da parte de Javé, a oferta de comida pode significar que não deseja a morte de seu profeta. Antes, que esteja em boas disposições para levar adiante a missão. Todavia, alimentado, o profeta voltou a dormir. Logo, não entendeu a intenção divina.

Entretanto, o mensageiro de Javé não o deixou em paz. Veio uma segunda vez, tocou-o e lhe ordenou levantar-se e comer, “porque o caminho será muito longo para ti” (v. 7). De que caminho se trata, senão o caminho de volta para o campo de batalha, lugar de onde não deveria ter saído? Com toda certeza, não se trata do caminho na direção do Horeb, para onde seguirá[6]. O mensageiro de Javé traz-lhe à consciência a missão de profeta e o lugar onde lhe cabe estar no exercício da missão. A fuga é uma atitude incompatível para quem se colocou nas mãos de Javé e aceitou tornar-se seu colaborador.

O profeta obedeceu à ordem do mensageiro. “Levantou-se, comeu e bebeu” (v. 8a). É um pequeno sinal de superação da crise. Poderia ter, simplesmente, se recusado a obedecer e continuar no sono, à espera da morte. Ou, então, repetido a atitude contraditória de comer, beber e voltar a dormir.

“Com a força desse alimento, andou quarenta dias e quarenta noites, até chegar ao Horeb, o monte de Deus” (v. 8b). A segunda refeição teve o efeito de recuperar o ânimo do profeta, a ponto de lhe dar forças para uma longa caminhada. Só que, ao invés de voltar para a Samaria e enfrentar a invasão baalista, segue no rumo da montanha onde Moisés falou com Deus e recebeu as tábuas da Lei (Dt 4,10.15; 5,2; 9,8; 18,16; 28,69)[7]. O Horeb – Sinai – é carregado de simbolismo para a fé de Israel. Ali Deus comunicou suas leis e mandamentos ao povo, por intermédio de Moisés, que permaneceu no monte durante “quarenta dias e quarenta noites” (Ex 24,18; 34,28). Por isso, tornou-se o lugar por excelência do encontro com Deus. Apesar de tudo isto, o profeta estava no lugar errado. Caminhar na direção do lugar sagrado, neste caso, correspondia a caminhar na contramão de Deus. O mensageiro de Javé já havia falado da “viagem de volta para Canaã, onde Elias deveria estar” (ROBINSON, 1991, p. 518-519). “Não existe nenhuma motivação religiosa em sua fuga... De fato, este é o único momento no ciclo de Elias em que o profeta faz uma viagem sem ser por ordem de Deus, mas porque é ele quem o quer. É o único momento em que age, independentemente, da palavra de Deus” (MIKOLAJCZAK, 1999, p. 13). Ele deseja mesmo é salvar a vida, escolhendo um lugar que lhe parecia seguro. Afinal, “Elias não foge só de Jezabel, mas também da sua missão profética e de sua responsabilidade” (MIKOLAJCZAK, 1999, p. 14).

Os “quarenta dias e quarenta noites” de caminhada evocam a caminhada de Israel pelo deserto ao longo de quarenta anos (Nm 14,32-34; Dt 8,2.4). Porém, na direção contrária: o Horeb esteve no início da marcha do povo pelo deserto; o profeta faz a caminhada pelo deserto, voltando ao Horeb. É como se pretendesse defrontar-se com quem lhe havia confiado uma missão impossível de ser levada adiante. Para quê? Para pedir explicação e protestar? Para se lamentar e declarar ter chegado aos limites das forças e dar por concluída a missão? Para ouvir palavras de consolo? Afinal, qual o motivo da peregrinação ao “monte de Deus”? São muitas as suposições.

Os traços da depressão de Elias permanecem ao chegar ao Horeb. Isto transparece no fato de ter entrado numa caverna e passado a noite (v. 9a). A caverna simboliza o túmulo: lugar fechado e sem claridade; na escuridão, a vida não pode se desenvolver. A indicação temporal – noite – aponta, também, para o estado de espírito do profeta. Tudo nele é escuridão, trevas, incompreensão!

Deus questiona o profeta, abordando-o no fundo de sua abulia. E o faz manifestando a surpresa de o profeta estar, ali, quando deveria estar alhures, defendendo a fé. “Que fazes aqui, Elias?” (v. 9b)[8]. É como se estivesse no lugar errado, e Deus quisesse saber o motivo, pois deveria estar em Israel, combatendo o baalismo com as consequências nefastas para o povo. Ele, jamais, confessará o real motivo da fuga: “sentir haver falido como profeta” (MIKOLAJCZAK, 1999, p. 16). Tanto esforço empregado deu em nada! O povo teria virado as costas para Javé, rompendo a Aliança. É como se a história de Israel, como povo de Javé tivesse chegado ao fim. Isto explica o desespero do profeta.

O profeta não se dá ao trabalho de deixar a caverna para responder a Deus. A resposta vem lá de dentro, ou seja, das entranhas de sua confusão existencial e de sua determinação de deixar de lado a missão. A resposta – uma forma de lamentação (v. 10) – não é das melhores. Começa declarando uma fidelidade exemplar a Javé – “Estou ardendo de zelo pelo Senhor, Deus dos exércitos”. Em seguida, relata a situação de Israel, que será, posteriormente, desmentida por Javé – “Os israelitas abandonaram tua aliança, demoliram teus altares e mataram à espada os teus profetas”. Deus dirá que muitos não se curvaram ao culto baalista (v. 18). O profeta ficou cego para se dar conta dos fatos: no Carmelo, o povo confessou fidelidade a Javé – “Todo o povo o presenciou; prostrou-se com o rosto em terra, exclamando: ‘É Javé que é Deus! É Javé que é Deus!’” (1Rs 18,39); o altar do Carmelo fora restaurado (1Rs 18,30) e muitos profetas de Javé foram salvos e protegidos por Abdias (1Rs 18,3-4). Havia, pois, sinais de permanência da fé javista em Israel. Elias estava enganado.

Elias omite-se de mencionar a raiz de tudo isto e os responsáveis pela baalização do reino do Norte e da matança dos profetas, ou seja, Jezabel com o beneplácito de Acab. Por que o profeta “não dá nome aos bois”? Por que generaliza, quando era possível ser mais objetivo? “Só eu escapei” é o exagero de quem perdeu o senso da realidade e se tornou incapaz de perceber o que se passa a seu redor[9]. Ele se esquece ter eliminado, sem dó nem piedade, os profetas de Baal (v. 1; cf. 1Rs 18,40). Ou, então, é a tal ponto individualista, que não percebe outras pessoas lutando pela mesma causa. Ou é míope o suficiente para não tomar consciência de que seu protagonismo carece de base. “Mas agora querem matar-me também” é uma informação correta, embora exagerada. De fato, Jezabel decretou-lhe a morte, mas o braço de seu poder não era suficientemente longo para chegar até uma caverna no monte Horeb. Não precisava ir tão longe para se esconder da perseguição.

Nada do que disse Elias dava conta de responder à pergunta de Javé – “Que fazes aqui?” Explicou, mas sem convencer. Os motivos verdadeiros foram omitidos. Era um medroso, depressivo e individualista, incapaz de articular uma reação contra Jezabel, contando com as mediações disponíveis. Num rompante de valentia, eliminara os profetas de Baal. Entretanto, quando viu as consequências de sua bravata, deu marcha-ré. O super-homem fraquejou e mostrou quem, de fato, era. Portanto, a resposta carregada de piedade e de fidelidade a Javé encobria a verdade. Uma teologia forte – Javé é o Deus dos exércitos, forte e poderoso – está associada a uma antropologia fraca – Elias é um ser humano que perdeu o gosto pela vida.

Javé não se dá por convencido. A história do “zelo por Javé” soa como mal contada. Tem-se a impressão de que o profeta esteja censurando Javé por não se engajar na sua própria causa. É como se o profeta tivesse se consumido por causa de Javé, enquanto este estava na mais total tranquilidade. As palavras do profeta, então, caem no esquecimento, não são referidas, nem, tampouco, merecem o menor comentário por parte de Javé. É como se carecessem de valor. Javé deixa-as de lado, pois não lhe interessam.

O profeta é, então, confrontado com uma ordem peremptória – “Sai e permanece sobre o monte diante do Senhor!” (v. 11a). No espírito da narração, a ordem pode ser reformulada de variadas formas: “Deixe de lado esta depressão!” “Supere o pessimismo!” “Pare de pensar em morrer!” “Basta de ser medroso e ficar fugindo!” “Encare a realidade!” Mais do que sair de um lugar físico – a caverna –, Elias é instado a sair de si mesmo, do mundo interior no qual se enclausurara.

O profeta recebe a ordem de pôr-se sobre o “monte”, diante de Javé (v. 11b). O monte, ao contrário da caverna, é o lugar onde se abrem perspectivas e se descortinam horizontes. Era o lugar onde devia estar, se se dispusesse a mirar o futuro e a cultivar esperanças. A ordem divina – “Põe-te neste monte!” – pode, igualmente, ser parafraseada: “Aprenda a olhar a realidade de maneira correta!” “Considere as coisas com visão larga!” “Veja como o horizonte vai além do seu nariz!” “Observe quantas possibilidades existem a seu redor!” “Tome consciência de que nem tudo está perdido!”

No alto do monte, o profeta será instruído, pessoalmente, por Javé. Este poderia ter-se servido de um intermediário, como fizera ao mandar o mensageiro para acordar o profeta do sono letárgico (vv. 5-7). Pelo contrário, se dará ao trabalho de abrir os olhos do profeta e fazê-lo voltar para o lugar de onde jamais deveria ter saído. Um detalhe: o profeta não obedece à ordem de Javé. Isto acontecerá um pouco mais tarde. Os fatos seguintes encontra-lo-ão, ainda, entocado.

Foi dada ao profeta a chance de fazer uma experiência singular de contato com Javé. A afirmação – “Então o Senhor passou” (v. 11c) – alude à presença divina, misteriosa e inabarcável. O profeta foi ao encontro de Javé, e este não se furtou em vir-lhe ao encontro. Porém, encontrou-o arredio e renitente em abrir mão das posturas equivocadas. Não quer sair da caverna!

Acontece, então, uma sucessão de fenômenos ligados às teofanias, cujo pano de fundo é a manifestação de Deus associada às forças cósmicas[10]. São sinais indicadores da manifestação de Javé. Tem-se a impressão de aludirem à experiência de Moisés, no Sinai (Ex 19,16-18; 20,18)[11]. Em primeiro lugar, “um vento impetuoso e forte, que desfazia as montanhas e quebrava os rochedos” (v. 11b). A simultaneidade do furacão com a passagem de Javé não implica associação entre eles. Quem afirma é o narrador. Elias está, ainda, escondido na caverna. Quiçá percebesse a ação do vento impetuoso, sem se dar ao trabalho de ir ver o que se passava. O estado psicológico do profeta não dava lugar para curiosidade. Entretanto, “o Senhor não estava no vento”. O vento foi sucedido por um terremoto. O narrador observa que “o Senhor não estava no terremoto” (v. 11c). O abalo sísmico, portanto, não apontava para a presença de Javé. Em seguida, irrompeu um fogo. Pela terceira vez, o narrador declara que “o Senhor também não estava no fogo” (v. 12a). É possível suspeitar que o profeta esperasse uma manifestação espetacular de Javé dos exércitos, cujo zelo o consumia. Porém, a expectativa ficou frustrada. A três manifestações espantosas da natureza nada tinham a ver com a presença de Deus e sua manifestação. Javé não era o deus terrível e castigador, como o profeta imaginava.

Uma “voz mansa e delicada” (v. 12 b) sucede ao fogo[12]. Agora é uma manifestação pessoal, uma voz (qôl), e não uma manifestação impessoal, como nas três anteriores. O vocábulo voz tem a ver com diálogo, relação interpessoal, comunicação. No caso, trata-se de uma voz “mansa e delicada”, ou seja, sem estridência nem, tampouco, imposição. Aí, sim, é possível conversar. Javé manifesta-se num quase silêncio, onde sua presença só é perceptível para quem se dispõe a apurar os ouvidos e escutar com muita atenção. A experiência de efeitos dramáticos é irrelevante. Importante mesmo é a “voz”, à qual o profeta deverá escutar e colocar em prática, como fiel servidor de Javé.

Só então “ouvindo isto, Elias cobriu o rosto com o manto, saiu e pôs-se à entrada da gruta. Ouviu, então, uma voz...” (v. 13a). É possível se perguntar por que o profeta cobriu o rosto se nada viu, tendo apenas ouvindo uma vozinha? Elias não havia obedecido à ordem de se colocar no monte, diante do Senhor (v. 11). Agora, simplesmente, sai para fora da caverna. O ato de cobrir o rosto com a capa é uma atitude cautelar, pois é impossível contemplar a face de Javé e permanecer vivo (Ex 33,22-23; Jz 6,22; 13,2-22)[13]. Ele compreende estar na presença de Javé. Agora, sim, com ares de estar disposto a dialogar com Javé, escutar-lhe a voz.

As palavras de Javé – “Que fazes aqui, Elias” (v. 13b) – e a resposta do profeta são a exata repetição dos versículos 9b-10. Na primeira ocorrência, Deus lhe dá uma ordem, que não é obedecida, como se o profeta estivesse esperando a confirmação da presença de Javé, que não estava nem no vento, nem no terremoto e nem no fogo e, sim, na voz mansa e suave. Certificado de estar na presença de Javé, agora, sim, apresenta-se para o diálogo e é, novamente, questionado a respeito do motivo de estar ali, no Horeb, quando deveria estar alhures. A insistência num motivo, com aparência de piedade – “Estou ardendo de zelo pelo Senhor, Deus dos exércitos” (v. 14a) – é insuficiente para comover Javé e levá-lo a dar razão ao profeta. “A repetição da própria justificação para fazer a viagem revela a inflexibilidade e a falta de disposição para mudar o modo de pensar” (ROBINSON, 1991, p. 523). Elias está no lugar equivocado e Javé não vai lhe passar a mão na cabeça, sendo condescendente com o servidor infiel. Se, de fato, assumiu a causa de Javé com tanta convicção, não há porque fugir, nem, tampouco, tornar-se abúlico e se deixar levar pela depressão, optando pela morte. Pelo contrário, seu dever seria o de combater por Javé, até o fim, sabendo ter Javé a seu lado, como experimentara na cena do Carmelo, onde se manifestara como o Deus verdadeiro, reduzindo a nada Baal e seus profetas (1Rs 18). “Elias não deveria estar no deserto, nem no Horeb. Deveria estar na terra de Israel. O profeta fugiu de sua responsabilidade e foi censurado por Deus... O deserto simboliza a fuga de sua responsabilidade profética” (MIKOLAJCZAK, 1999, p. 16).

 

4-De volta ao “campo de batalha”, o lugar do profeta (vv. 15-21)

 

O clímax e o desfecho comportam dois momentos: no primeiro, Javé dá orientações precisas ao profeta (v. 15-18)[14]; no segundo, Elias obedece e começa a fazer o que lhe foi mandado (v. 19-21). A primeira atitude de Javé consiste em mandar o profeta de volta, para o lugar de onde jamais deveria ter saído. “Vai e volta por teu caminho, rumo ao deserto de Damasco” (v. 15a). “Deus convida seu profeta a voltar sobre seus passos e a retomar o caminho pelo qual veio, para retornar ao reino de Israel e, aí, continuar sua missão” (BRIEND, 1992, p. 31). Javé não quer o profeta ali, pois não é seu lugar. O v. 15a poderia ser traduzido como “Vai, volta à tua tarefa, à tua missão” (MIKOLAJCZAK, 1999, p. 21). Por isto, a ordem de voltar (shûb). Este é o verbo da conversão (Os 14,2) que consiste em dar meia volta do caminho errado e retornar ao caminho correto. A volta física deveria corresponder a uma reviravolta espiritual no coração do profeta. “Voltar pelo teu caminho” implicava um processo de reflexão, em vista da mudança de atitude em relação ao que fizera. A volta para o lugar onde deveria estar supõe, também, uma volta para Deus. Lá, haveria de encontrar Deus muito mais do que no Horeb, pois lá é o lugar da luta e este, o lugar da fuga e da alienação. Quem foge e se aliena, dificilmente, fará a experiência de Deus. Portanto, a urgência de tomar o caminho de volta. Elias foi mandado de volta para a missão, “pois nada está terminado” (MIKOLAJCZAK, 1999, p. 22).

O caminho indicado por Javé soa estranho: “o deserto de Damasco”. Afinal, os arameus eram inimigos históricos de Israel. A ordem divina, portanto, complicou a situação do profeta: para chegar ao território dos inimigos, era preciso transpor o território de Israel, onde a fúria de Jezabel contra ele permanecia inalterada. Javé, jamais, confia tarefas fáceis a seus profetas, nem, tampouco, as facilita. São sempre tarefas difíceis, para pessoas de fibra, em cujos corações não há lugar para o medo. Se o profeta, de fato, é zeloso pelas coisas de Javé, só lhe resta obedecer.

Javé passa, então, a elencar uma série de providências a serem implementadas por Elias, tendo em vista fazer frente ao avanço do baalismo em Israel.

A primeira providência consistia em “ungir a Hazael rei de Aram”, ou seja, dos sírios (v. 15b). A providência misteriosa, à primeira vista, passa a impressão de nada ter a ver com as questões internas de Israel. O que mudaria no Reino do Norte com a substituição do rei do país inimigo? O texto bíblico não fala do profeta cumprindo esta missão. Em todo caso, é Eliseu quem dirá a Hazael que ele será o rei dos sírios (2Rs 8,14).

A segunda providência consistia em ungir Jeú, filho de Namsi, como rei de Israel (v. 16a). Esta ordem faz sentido: trata-se de recorrer à mediação política, para dar um basta ao baalismo. Qual o caminho? Promover um golpe de estado, servindo-se do general das tropas de Israel[15]. A ordem será cumprida bem mais tarde, por iniciativa do profeta Eliseu, que envia um membro da corporação dos filhos dos profetas a Ramot de Galaad, nos limites entre Israel e Síria, onde o exército de Israel combatia por questões de fronteira. Sua missão seria a de ungir Jeú como rei de Israel. A ordem foi cumprida e o general tornou-se rei, com uma missão bem precisa: “Assim fala Javé, Deus de Israel. Eu te ungi como rei sobre o povo de Javé, sobre Israel. Exterminarás a casa de Acab, teu senhor, e eu vingarei o sangue dos meus servos, os profetas, e de todos os servos de Javé contra Jezabel e contra toda a família de Acab. Exterminarei todo varão da família de Acab, tanto o ligado como o livre em Israel. Tratarei a família de Acab como a de Jeroboão, filho de Nabat, e a de Baasa, filho de Aías. Os cães devorarão Jezabel no campo de Jezrael; ninguém lhe dará sepultura” (2Rs 9,1-10). A missão de Jeú era bem precisa. Nada se fala do direito e da justiça, tão próprios na ação real, mas tão somente de morte, de sangue e de vingança. Jeú executou a ordem divina com uma fúria insuperável. O texto bíblico descreve com detalhes a ação exterminadora. Foi eliminada a casa real de Israel (2Rs 9,22-10,11) e, também, quarenta e dois membros da casa real de Judá, que foram visitar seus co-iguais do Reino do Norte (2Rs 10,12-14). Os fieis de Baal e sua infraestrutura cultual foram devastados (2Rs 10,18-27).

O extermínio de Jeú foi de tal modo brutal a ponto de merecer, séculos depois, a crítica do profeta Oseias (Os 1,4). Sem dúvida, a brutalidade de Jeú ficou impressa na consciência do povo. Aqui, convém um comentário. O profeta, cumprindo a ordem de Javé, optou por Jeú como mediação para implementar o projeto de reforma religiosa no Reino do Norte, onde o baalismo corria solto, encobertando toda sorte de injustiça. Uma vez feita a opção, não teve como manter o general-rei sob controle, de modo a colocar limites em sua fúria assassina. A narração bíblica não comporta um juízo do profeta Eliseu a respeito do modo de proceder de Jeú. Tê-lo-ia aprovado? Tê-lo-ia reprovado, como haveria de fazê-lo Oseias? Permanece a incógnita.

A terceira providência consistia em ungir Eliseu, filho de Safate de Abel-Meúla, profeta em substituição a Elias – “ao invés de ti” (v. 16b)[16]. A unção, usual apenas para os reis, colocaria Eliseu em pé de igualdade com Hazael e Jeú. Qual o significado da substituição? Javé não contava mais com a colaboração de Elias? A fuga e a depressão davam mostras de lhe faltar estofo para cumprir a missão de profeta? Javé preferia investir em outro profeta, com a esperança de ser alguém mais corajoso e impávido? São perguntas à espera de resposta!

Uma vez indicadas as mediações com as quais o profeta deveria contar – um rei, um general e um profeta –, Javé faz duas considerações. A primeira consideração estabelece a relação entre Hazael, Jeú e Eliseu, indicando o rumo da história – “Quem escapar à espada de Hazael, Jeú o matará; e o que escapar da espada de Jeú, Eliseu o matará” (v. 17)[17]. Apelando para o tema da morte, mostra como os adoradores de Baal não terão escapatória. Se não forem exterminados por um, sê-lo-ão por outro. É uma forma de mostrar como o caminho indicado para por fim ao baalismo é infalível. Se Elias o pusesse em prática, não haveria mais de ter motivos para fugir e ficar deprimido. E, mais, veria sua missão levada a cabo. Entretanto, o curso da história seguirá um rumo bem diferente.

Esta imagem de Javé, violento e exterminador, parece corresponder à cultivada por Elias. Na cena do Carmelo, o profeta dá ordens para prender os profetas de Baal, sem deixar escapar nenhum. Levou-os à torrente do Quison, e os matou “sem dó nem piedade” (1Rs 18,40). 1Rs 19 inicia-se com a alusão a este fato, recordando que Elias matou todos os profetas de Baal (v. 1). Esta imagem de Javé, veiculada num momento em que o culto baalista prevalecia, dando a impressão de ser Javé um deus fraco, teria a finalidade de recuperar, no coração do povo e do profeta, a confiança no Deus de Israel, de quem os feitos grandiosos eram recordados como fundamento da fé do povo?

A segunda consideração é uma forma sutil de criticar Elias que, por duas vezes, afirmara: “Mataram os teus profetas à espada; só eu escapei” (vv. 10.14). Diz-lhe Javé: “Guardei em Israel um resto de sete mil homens, todos aqueles que não dobraram os joelhos diante de Baal nem o veneraram com o beijo” (v. 18). O profeta enganava-se ao se considerar o único fiel a Javé restante. O número “sete”, com força simbólica apontando para plenitude, significa muita gente, não poucos. Elias era incapaz de atinar para esta realidade. Por que não contou com toda esta gente, preferindo o caminho do vanguardismo e do protagonismo? Se tivesse juntado as forças dos fieis javistas, com grande probabilidade, haveria de conseguir fazer frente às investidas da rainha baalista. Como agiu sozinho, ficou fragilizado e tomado pelo medo. Uma postura distinta haveria de lhe poupar da frustração.

Uma vez recebidas as instruções, o profeta partiu (v. 19a). Embora as palavras de Javé, de certa forma, pareceram descartá-lo, o profeta cala-se; apenas obedece. “A reação de YHWH foi a de dispensar-lhe os serviços. Ele não tem mais necessidade de Elias como seu profeta” (ROBINSON, 1991, p. 530). Doravante, a missão de enfrentar o baalismo seria levada adiante por Hazael, Jeú e Eliseu. Bastaria ao profeta ir à procura deles, ungi-los e deixá-los agir.

A narração omite a referência a qualquer sentimento interior do profeta. Nenhuma resposta é dada a Javé, nem mesmo para se desculpar pelo “papel feio” que fizera. Elias dá mostras de submissão, partindo calado para cumprir o que Javé lhe ordenara. Em todo caso, parece ter superado a depressão e a abulia, pois se dispõe a retomar o caminho na direção indicada por Javé. Como havia dito o mensageiro de Javé: “ser-te-á muito longo o caminho” (v. 7). Era preciso deixar de lado a busca pela confirmação dramática do status de profeta e de segurança pessoal (ROBINSON, 1991, p. 527).

Elias começa por implementar a terceira ordem de Javé: ungir Eliseu em seu lugar. Por quê? Caíra na conta de que sua missão havia chegado ao fim e era preciso passar, logo, o bastão adiante? Sente-se incapacitado para a missão, depois da experiência de fuga e de desejo de morrer? Sentiu-se dispensado por Javé, e se apressou em ir ao encalço do sucessor? Em todo caso, das três missões, só esta foi levada a cabo por ele.

Entre o “partir dali” e o “encontrou Eliseu” processa-se uma elipse, a velocidade máxima do tempo na narração, “que passa em silêncio um período da história contada” (Marguerat-Bourquin, 2009, p. 111). Das alturas do Horeb, passa-se aos campos de Abel-Meúla, onde Eliseu está executando a tarefa de lavrador. “Lavrava com doze juntas de bois; e ele mesmo conduzia a última” (v. 19b)[18]. Elias passa a seu lado, e lança a capa sobre ele (v. 19c)[19]. Eliseu não recebe a unção, pois ser profeta não é um cargo, no qual se é empossado (COGAN, 2001, p. 454). Ele, porém, entende tratar-se de uma convocação para seguir Elias, cuja fama devia ser bastante conhecida. O conflito com a casa real e a perseguição de que era vítima, com certeza, eram de conhecimento público.

            Eliseu devia abrir mão de seus bens para seguir o profeta. De fato, dispôs-se a obedecer, com uma condição: despedir-se dos familiares. “Deixa-me primeiro ir beijar meu pai e minha mãe, depois te seguirei” (v. 20b). Elias assente: “Vai e volta” (v. 20c)[20] e faz uma perguntar, aparentemente, enigmática: “Que te fiz eu?” (v. 20d)[21].

            A narração conclui-se com o foco centrado em Eliseu. Este volta e faz um gesto inesperado: mata os bois com os quais trabalhava e, com os instrumentos de trabalho, prepara o fogo para cozinhar a carne. Tendo-a cozinhado, dá-a ao povo. “A festa era mais que uma refeição com amigos. O conjunto da cena é emblemático da ruptura de Elias com o seu passado, que ele deixou para trás para se tornar o servidor pessoal do profeta” (COGAN, 2001, p. 455)[22]. Uma vez que todos se fartaram, ele “se levantou, seguiu Elias e pôs-se ao seu serviço” (v. 21c). A função de servidor de Elias prepara Eliseu para a futura substituição na função de profeta de Javé.

 

Conclusão

Concluída a leitura de 1Rs 19, fica a pergunta: que lições se podem tirar para os profetas cristãos de hoje? A compreensão do texto bíblico fica incompleta, se não oferecer aos leitores pistas para a vivência da fé, pois a Bíblia se faz presente em suas vidas como mediação da Palavra de Deus. A leitura consiste, em última análise, numa forma de diálogo com o Deus que fala a seus fieis, no contexto histórico e existencial de cada leitura. Por conseguinte, importar aprender com a experiência de Elias.

Elias, em 1Rs 19, é o símbolo das pessoas comprometidas com o projeto de Deus e nele se lançam com toda coragem e generosidade. Porém, quando devem pagar o preço de sua opção, tendem a fugir, abandonando o campo da missão. As dificuldades tornam-nos impotentes e os bloqueiam. É como se Deus os tivesse abandonado, largando-os à própria sorte. Então, os horizontes se encurtam, e o cristão torna-se incapaz de ver para além de seus estreitos limites. A luta perde a razão de ser. Capitula-se diante da maldade e da injustiça. Viram-se as costas para os companheiros e companheiras de luta. Já não se é capaz de perceber as mediações que se tem à disposição para caminhar na contramão das tendências dominantes. É quando o profeta cristão, diferentemente do Mestre Jesus, foge do “lugar” onde deveria estar.

“Elias foi uma vítima do excessivo desejo de ser reconhecido como único profeta de Deus. Comete o mesmo erro de muitos líderes que pensam serem indispensáveis. A reação de Javé é a de dispensar-lhes os serviços” (ROBINSON, 1991, p. 529-530). O profeta cristão se reconhece como servidor do Reino, que, no final da jornada, é capaz de reconhecer: “Somos simples servos; fizemos o que devíamos fazer” (Lc 17,10). A obra, afinal, é de Deus. Engana-se quem assume como propriedade pessoal e exclusiva o que faz. A consciência de ser colaborador de Deus é fundamental na atividade do profeta cristão. Portanto, o primeiro interessado e o principal responsável por tudo é Deus. Sendo assim, não há por que temer diante da possibilidade do fracasso e da frustração!

A cena no Horeb ilustra a atitude dos cristãos que se refugiam nos espaços sagrados e religiosos, evitando encarar os desafios da missão. Os ares místicos e espirituais acabam por oferecer-lhes uma falsa segurança de “estar perto de Deus” e, por conseguinte, poderem estar em paz com a consciência. Assim como Elias foi censurado por não estar no lugar onde deveria, da mesma forma, Jesus censura quem se refugia nas igrejas, nas atividades eclesiais, no mundo da espiritualidade, nos lugares sacralizados, para não se lançar na construção de um mundo diferente. Sal da terra, luz do mundo e fermento na massa foram as metáforas usadas por Jesus para falar da relação dos discípulos – os profetas cristãos – na relação com o mundo. Dar as costas para o mundo é uma forma de negação do discipulado, uma negação da fé. Se o discípulo é autêntico, no seu refúgio, ouvirá a voz do Mestre ordenando-o voltar para o “lugar” da missão e abrindo-lhe os olhos para reconhecer o que é possível fazer. Foi o que aconteceu com Elias: Javé mandou-o de volta para o “lugar” do testemunho da fé. O Horeb não era o lugar adequado para quem, deveras, era consciente de ser profeta de Javé, a serviço de uma fé expressada na fraternidade e na justiça. Igualmente o discípulo de Jesus é motivado a abandonar os lugares viciados por uma falsa religiosidade e, como o Mestre, saber-se enviado para “anunciar a Boa-Nova aos pobres, proclamar a libertação aos presos e a recuperação da vista aos cegos, libertar os oprimidos e anunciar o ano da graça da parte do Senhor” (Lc 4,18-19; cf. Is 61,1-2).

            “A caminhada de Elias foi longa e penosa. Foi uma noite escura. Ele teve que aprender que, até dentro dele mesmo, Deus não estava do lado do Elias vitorioso e famoso, combativo e agressivo, que pensava ser o dono da luta contra os erros do rei, mas sim do lado do Elias reprimido e angustiado, perseguido e desanimado. Teve que descobrir, com a ajuda do próprio Deus, que havia mais de 7.000 homens que não tinham dobrado o joelho diante dos falsos deuses. Ele não estava sozinho; não era o único defensor. Elias estava tão fechado na sua visão da luta que já não era capaz de perceber os outros que lutavam a mesma luta ao seu lado. Deus lhe abriu os olhos através da experiência dolorosa dos seus limites. Elias teve que experimentar dolorosamente que Deus é livre, não só frente ao rei e aos opressores, que pensam poder controlá-lo, mas é livre também frente ao próprio Elias. É neste momento que Elias ficou livre para poder libertar!” (MESTERS-GRUEN, 1987, p. 81). Esta consciência fê-lo voltar para seu verdadeiro “lugar”. Semelhante consciência fará o profeta cristão estar no mesmo “lugar” em que esteve o Mestre Jesus, no serviço ao Reino de Deus.

 

Bibliografia

 

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ÁLVAREZ BARREDO, Miguel, Las narraciones sobre Elías y Eliseo en los libros de los reyes. Formación y Teología, Carthaginensia 12 (1996) 1-123.

BRIEND, Jacques, Dieu dans l´Écriture, Paris, Cerf, 1992.

COGAN, Mordechai, I Kings. A new translation with introduction and commentary, New York, Doubleday, 2001. (The Anchor Bible v. 10)

MARGUERAT, Daniel – BOURQUIN, Yvan, Para ler as narrativas bíblicas – Iniciação à análise narrativa, São Paulo, Loyola, 2009.

MESTERS, Carlos – GRUEN, Wolfgang, O profeta Elias – Homem de Deus, homem do povo, São Paulo, Paulinas, 1987.

MIKOLAJCZAK, Mieczyslaw, Il viaggio di Elia nel deserto (1Re 19,1-18), Collectanea Theologica 69 (1999) 5-23.

ROBINSON, Bernard P., Elijah at Horeb, 1Kings 19:1-18: a coherent narrative?, Revue Biblique 98 (1991) 513-536.

 

Autor:

Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia

Av. Dr. Cristiano Guimarães, 2127 – Planalto

31.720-300 Belo Horizonte – MG

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[1] Para ROBINSON (1991, p. 533), apesar de vários episódios terem circulado, originalmente, de forma independente, e de os sinais de múltiplas autorias e redações serem claros, “a narrativa, como um todo, foi, cuidadosamente, organizada temática e estruturalmente”. Um elenco dos problemas presentes em 1Rs 19 está nas pp. 514-516.

[2] Explica-se, assim, o casamento de Salomão com a filha do Faraó egípcio e com muitíssimas outras mulheres (1Rs 11,1-3).

[3] “Seria isto, realmente, uma ‘confissão de impotência’ por parte da rainha, como sugeriu Skinner? Com o pano de fundo do Carmelo, poderia ter sentido que não mais estava livre para seguir seu caminho, como aconteceu quando matou, impunemente, os profetas” (COGAN, 2001, p. 451).

[4] MIKOLAJCZAK (1999, p. 14) vê no fato de deixar o servo para trás um sinal de abandono da missão, “e não pretende retomá-la. Não é um intervalo; é o fim de tudo”.

[5] Para BRIEND (1992, p. 17), “a palavra ‘pais’ parece designar aqui, a geração do deserto que murmurou contra Deus e que encontrou a morte neste lugar (cf. Nm 14,22-23). O profeta alinha-se com este grupo e deseja o mesmo destino”. MIKOLAJCZAK (1999, p. 14) vai noutra direção. Elias “acredita ter falido como profeta, exatamente como faliram os líderes religiosos precedentes”.

[6] COGAN (2001, p. 452) pensa diferentemente. Para ele, “embora nenhuma ordem direta lhe tenha sido dada, Elias reconhece dever continuar na direção do Horeb”.

[7] Para ÁLVAREZ BARREDO (1996, p. 39) “a peregrinação de Elias ao Horeb marca a totalidade do relato. Os motivos secundários foram acrescentados pensando neste filão narrativo”. O autor não cai na conta de se tratar de uma peregrinação equivocada.

[8] COGAN (2001, p. 452) entende tratar-se de “uma questão retórica que serve como uma abertura para a conversa”. BRIEND (1992, p. 28) pensa que “a questão colocada pela voz contém uma reprimenda. Deixa entender que Elias abandonou sua missão”. De fato, é preferível tomá-la como uma forma declarada de censura pela atitude do profeta, que está no deserto, quando seria alhures o lugar normal de sua atividade.

[9] Atitude semelhante teve Elias, no monte Carmelo, ao declarar: “Eu sou o único profeta do Senhor que resta” (1Rs 18,22), como se fora um solitário.

[10] Para BRIEND (1992, p. 23), não se trata, propriamente, de teofania, no sentido estrito. Mas de uma “chamada de atenção, de maneira narrativa, quanto à modalidade da presença de Deus”. Os motivos são: os fenômenos acontecem “diante do Senhor” e não acompanham a passagem do Senhor; não ocorre o verbo “ver”, só o verbo “ouvir”. Elias nada vê, apenas ouve uma voz, que ressoa no silêncio.

[11] Vários autores perceberam a correlação entre a cena de Elias no Horeb e a de Moisés no Sinai (ÁLVAREZ BARREDO, 1996, p. 39-40; MIKOLAJCZAK, 1999, p. 8-11).

[12] BRIEND (1992, 13-38) traduz a expressão hebraica por “voz de fino silêncio” – “voix de fin silence”. “Manifesta que Deus não se impõe à consciência. Ele lança um apelo que, para ser entendido, obriga a um discernimento”.

[13] Para ROBINSON (1991, p. 528), “Elias está tão cheio da consciência da própria importância, que se apressa a cobrir-se, antes mesmo de acontecer a teofania e sem esperar ser mandado”.

[14] Para MIKOLAJCZAK (1999, p. 22), “a ordem e a promessa de Deus nos v. 15-18 é o clímax da narrativa. Responde e corrige o lamento de Elias nos vv. 10.14.

[15] MESTERS-GRUEN (1987, p. 23) perguntam: “Deus manda organizar um golpe de estado. Por quê? Será que o profeta não teria recursos espirituais mais eficientes para mudar a situação sociopolítica errada?”

[16] “Ao invés de ti”, ou seja, “em teu lugar” é uma fórmula típica de sucessão (1Rs 5,19; 11,43; 14,20.31; 15,8.24.28; 16,6.10.28; 22,40.51).

[17] O narrador não tem preocupação histórica no que se refere aos vv. 15-17.

[18] Para ALCANA CANOSA (1970, p. 140) este versículo revela “a condição social de Eliseu. De família rica e latifundiária, sacrificou tudo para seguir a vida profética... Era um israelita muito rico, com todas as comodidades terrenas que, humanamente, se pode almejar” (grifo do autor).

[19] “O manto era símbolo da personalidade de quem o vestia e nele estavam os direitos de seu dono... o manto implica a pessoa” (ALCANA CANOSA, 1970, p. 144 – grifo do autor). Quando Davi cortou um pedaço do manto de Saul, em Engadi, era como se tivesse tocado, diretamente, nele (1Sm 24,1-8). Nos evangelhos, tocar no manto de Jesus correspondia a tocar nele (Mc 5,28).

[20] ALCANA CANOSA (1970, p. 147) faz uma leitura demasiado light das palavras de Elias a Eliseu. “O sentido mais provável é o seguinte: ‘Vai, volta aos teus, pois nada te fiz que to impeça’. Segundo esta concepção, Elias outorga a permissão, ao mesmo tempo em que apresenta o profetismo com exigências não demasiado rigoristas. Dever-se-ia concluir daqui que a vocação profética não supõe a ruptura de todo laço familiar”. É mais conveniente dar às palavras de Elias um sentido forte de exortação a Eliseu de não cair na tentação de voltar atrás da decisão de segui-lo, e permanecer com os familiares.

[21] COGAN (2001, p. 455) pensa que “Elias desafiou Eliseu negando que houvesse algum significado na capa lançada sobre ele ou que tivesse pedido algo dele”.

[22] ALCANA CANOSA (1970, p. 149) pensa tratar-se de um “banquete sagrado”, com “sacrifício de comunhão” em honra de Javé, e não um “banquete profano” (cf. 1Sm 6,14.15b; 2Sm 24,22.25a).

JOSÉ ANTONIO VARELA VIDAL 

 Zenith  - 15 de julho de 2020) .- Este dia 16 de julho é comemorado com grande alegria e tradição a solenidade da Virgen del Carmen em todo o mundo. Estamos diante de uma devoção tão antiga quanto está presente na vida das comunidades de religiosos e leigos que a veneram como "Flor del Carmelo" ou, na religião popular, simplesmente chamam de "Mamacha Carmen".

Foi ela quem deu a Saint Simon Stock em meados do século XIII o escapulário marrom e branco que os frades, as freiras e os fiéis carregam com tanta devoção, que fizeram dessa vestimenta sua proteção e um caminho de perfeição.

Para preparar um banquete tão significativo, que este ano não haverá procissões ou bombardeios, Zenith conversou com o padre Míċal O'Neill, prior geral da Ordem dos Irmãos da Bem-Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo , conhecidos como Carmelitas.

Já imerso em seus deveres em Roma, assumidos há alguns meses, o frade nascido na Irlanda reflete sobre esses tempos da pandemia, bem como sobre a Igreja na Europa, enquanto espera que os carmelitas mantenham sua resposta e compromisso com os apelos e Reforma do Papa Francisco.

***

 

zênite: Estamos sofrendo as consequências de uma pandemia mundial, com quase meio milhão de mortes. Como podemos descobrir a vontade de Deus nessa tragédia para a humanidade?

Padre Míċéal O'Neill: Durante esse período de pandemia, as palavras do Evangelho chegaram a mim muitas vezes que falam de como Maria meditava todas essas coisas em seu coração. Seguindo esse modelo, também podemos meditar e dar sentido a tudo o que está acontecendo, e o significado sempre segue na direção da salvação. Por exemplo, a pandemia nos mostrou que sem Deus não podemos fazer nada, que o que salvou tantas vidas foi a responsabilidade, a seriedade e a solidariedade de muitos e, se não houver honestidade e transparência, muitos danos serão gerados. Todos, incluindo os responsáveis ​​pelas nações, meditando e analisando, encontrarão o significado mais importante disso para cada uma delas.

 

zênite: Você indicou em sua mensagem à Ordem Carmelita para a festa da Virgem este ano, que esta pandemia nos permitiu redescobrir nas comunidades quais são as verdades de fé e vocação religiosa. Como entender isso e valorizá-lo?

Padre Míċal O'Neill: Mais uma vez, respondo pessoalmente. Estou pensando no que vi na comunidade de nossa Cúria e no que os membros de outras comunidades me disseram. Ficar mais tempo em casa juntos nos permitiu ter longas conversas, nas quais falamos sobre nosso desamparo e a necessidade de orar muito. Reconhecemos entre nós como cada um reage ao problema do vírus, apoiando-se em tempos difíceis. Compartilhamos a preocupação com o vírus e as necessidades das pessoas. Fico triste com a idéia de que poderíamos perder tudo isso quando voltarmos à chamada normalidade.

 

zênite: A festa da Virgen del Carmen não pode ser celebrada da mesma forma que em outros anos, principalmente em procissões. Como você convidaria essa festa para morar em lares e comunidades, especialmente na América Latina, que expressa tanto sua religiosidade popular?

Padre Míċal O'Neill: É impossível substituir uma festa, uma procissão, um concerto, uma verdadeira celebração. Acho que este ano estaremos em jejum. Já experimentamos um jejum eucarístico. O mesmo agora sentiremos a falta de tudo o que seria normal na celebração da solenidade. Pode ser que o jejum nos leve a entender melhor a beleza daquilo que muito facilmente tomamos por garantido. Além disso, ouvir a Palavra de Deus é de primordial importância. Ler, ouvir, meditar na palavra, sozinho ou em pequenos grupos, pode ser uma maneira muito válida de honrar a Virgem, ela que mais do que ninguém soube obedecer à Palavra.

 

zênite: Com sede em Roma, você pode acompanhar de perto o desenvolvimento das atividades e mensagens do Papa Francisco. Como você avalia seu pontificado, sete anos depois de ser eleito?

Padre Míċéal O'Neill: É incrível que sete anos se passaram desde o pontificado do papa Francisco e que, mesmo com a idade dele, ele continua com a mesma força, nos guiando todos os dias. É um presente do Espírito Santo para a Igreja e para o mundo neste período da história. A dimensão de sua vida que mais me inspira é o seu constante apego ao Evangelho, e a maneira consistente pela qual ele continua a proclamar o Evangelho, apesar da forte oposição dentro da Igreja. Ele está reformando a Igreja, mas com seu ritmo e sua sabedoria, diante da oposição. A reforma está agora no coração dos fiéis, que sentem que pertencem à Igreja novamente e não se sentem excluídos. A reforma que ainda está por vir é a reforma de atitudes em certos círculos de poder dentro da Igreja.

 

zênite: Um tema recorrente nele é o meio ambiente. Como os carmelitas aceitaram o chamado do Santo Padre para cuidar do lar comum?

Padre Míċal O'Neill: Alguns anos atrás, nossa Ordem começou a ser representada perante as Nações Unidas por meio da ONG Carmelita. Uma das plataformas de nossa presença nas agências das Nações Unidas é a salvaguarda do lar comum e do desenvolvimento sustentável. Além disso, no último capítulo geral, assumimos fortes posições em relação à prática diária em nossas comunidades: isso significa usar menos plástico, manter a disciplina de reciclagem adequada, reduzir nossa dependência do carvão. E, finalmente, em nossas escolas, há um esforço para promover essa mesma sensibilidade e senso de responsabilidade em relação ao lar comum.

 

zênite: Outro fenômeno que o Papa alerta é a migração, e ele até incorporou uma nova ladainha à Virgem Maria como "Consolação dos migrantes". Qual deve ser a atitude das congregações religiosas diante desse fenômeno doloroso?

Padre Míċal O'Neill: A resposta mais óbvia talvez seja que devemos continuar acreditando e pregando que todo homem e mulher é filho ou filha de Deus, amado e amado por Deus e criado ou criado à Sua imagem e semelhança. Portanto, a idéia de rejeitar um imigrante contradiz radicalmente nossa fé. Segundo a busca pela justiça significa que precisamos trabalhar duro para identificar a causa ou as razões da migração e abordar o problema do tráfico de pessoas. Terceiro, se tivermos uma chance, devemos oferecer o máximo de hospitalidade possível àqueles que precisam.

zênite: Na sua opinião, qual é o principal desafio da vida religiosa que a nova evangelização enfrenta, especialmente na Europa?

Padre Míċéal O'Neill: O contexto é uma Europa secularizada, uma Europa que descobriu os defeitos da Igreja e uma Europa que, abandonando uma sabedoria antiga, a substituiu por uma maneira de pensar menos exigente, menos profunda e com uma visão do mundo. pessoa humana muito empobrecida. Nesta sociedade secularizada, a Igreja não deve gozar de nenhum privilégio, nem sofrer nenhum obstáculo. Essa é a parte que eu gosto, porque nos convida e nos permite ter muita confiança no valor do Evangelho e, assim, participar, com humildade, mas também com segurança, de todo tipo de debate e programação na vida pública e pública. hoje privado na Europa.

 

zênite: E no nível das vocações para a vida consagrada? Como tornar a vida religiosa atraente para os jovens europeus?

Padre Míċéal O'Neill: Toda pessoa humana tem uma vida espiritual, e acho que muitos jovens e idosos têm uma conversa que pode ser chamada de espiritual. Nós, homens e mulheres religiosos, temos que ser aquelas pessoas com quem essas pessoas têm a oportunidade de conversar. Também devemos construir um ambiente em que uma pessoa que comece a reconhecer um chamado interno possa ser ajudada a fortalecer seu sentimento e intuição. Quanto à própria vida consagrada, é verdade que, no momento em que a vida, ou o modo de viver, não fala mais de Jesus, ou do Evangelho, ou de uma abertura ao Espírito Santo, de maturidade cristã ou de um verdadeiro espírito missionário, por isso temos que mudar, e saber mudar, tudo o que poderia ser uma testemunha falsa,

 

zênite: Quase dez meses se passaram desde a sua eleição como prior geral. Quais são os principais desafios e objetivos que você estabeleceu para o seu período e que dificuldades você decidiu superar?

Padre Míċéal O'Neill: O Conselho Geral já está trabalhando em seu plano global e orgânico para o sexênio, com base no que o Capítulo Geral nos pede. As prioridades são formação, vida comunitária e exame de nosso testemunho diante das demandas do mundo de hoje. A reunião da comunidade é um elemento que vamos destacar. Se celebrarmos bem a reunião da comunidade, podemos conversar sobre todas as dimensões importantes da nossa vida. Também trataremos urgentemente da questão das vocações. Então, o cuidado da casa comum, o amor à liturgia e a necessidade de criar ambientes seguros para menores e pessoas vulneráveis, é algo que precisa de atenção. Finalmente, publicaremos nossas novas constituições, esperando que tudo isso contribua para a missão de proclamar o Evangelho a todas as nações,

 

zênite: Como a Ordem se espalha no mundo? Quantos membros você tem atualmente? Em quais países eles se espalham mais?

Padre Míċéal O'Neill: Se falo apenas dos frades, somos cerca de dois mil no mundo inteiro. A província mais forte é a Indonésia; Há uma certa "asianização" de nossa ordem, que acredito não ser apenas algo dos carmelitas. Fico feliz com a energia que temos na América Latina e na África e acompanho com entusiasmo os surtos da vida na América do Norte, na Europa e na Austrália. Também me sinto muito encorajado pelo modo como falamos sobre a Família Carmelita, tentando fortalecer o senso de família em todos os lugares e a colaboração entre os vários setores, sejam elas freiras, congregações de vida apostólica, a Terceira Ordem e novas formas de vida carmelita. entre os leigos e os leigos. Várias das últimas novas fundações nasceram como resultado da colaboração dentro da família.

 

zênite: Também estamos perto da festa do Mártir Carmelita Tito Brandsma (26 de julho). Qual é a mensagem desse religioso e jornalista para a sociedade de hoje?

Padre Míċal O'Neill: Tito é o homem que queria ganhar o mundo para o Senhor. Homem culto e profundamente comprometido, ele demonstra a verdade da vocação carmelita de deixar espaço para Deus em nossas vidas, viver em íntima união com Jesus e Maria, opor-se ao mal e dar a vida pelos outros. Religioso e jornalista, ele aceitou a responsabilidade do Evangelho até as últimas consequências.

 

zênite: Por fim, qual é a sua mensagem para todos os religiosos e leigos que carregam com fé o escapulário da Virgem de Carmo?

Padre Míċal O'Neill: Desejo a todos nós uma celebração significativa da Festa do Monte Carmelo, que estejamos sempre protegidos e guiados pela Virgem Maria, e que possamos reconhecer tudo o que recebemos do Senhor. E com Maria, medite e agradeça ao Senhor pelas maravilhas que ele fez nela e em nós. Fonte: https://es.zenit.org

No dia de São Bento, o Frei Petrônio de Miranda, O. Carm, abençoa a cidade de Angra dos Reis contra o coronavírus. Sábado, 11 de julho-2020- Dia de São Bento.

NOTA: São Bento, Abade, Padroeiro da Europa. São Bento, patriarca dos monges ocidentais, nasceu em Núrcia, no ano 480. Ainda muito jovem, seduzido e impelido pelo Espírito, abraçou um período de absoluta solidão numa gruta em Subiaco. A sua fama atraiu-lhe discípulos. Organizou para eles a vida cenobítica, inicialmente em doze pequenos mosteiros à volta de Subiaco e, depois, no célebre cenóbio de Monte Cassino. Escreveu uma Regra que resume sabiamente a tradição monástica oriental, adaptando-a ao mundo latino. Esta escola de "serviço ao Senhor" é construída à volta da Palavra de Deus (Lectio divina), da Liturgia de louvor realizada em coro, e do trabalho em ambiente de fraternidade, de humilde e obediente serviço. S. Bento faleceu com 67 anos de idade, em Monte Cassino, no ano 547.

Convento do Carmo de Angra dos Reis/RJ, 11 de julho-2020. Câmera: Conrado, da Pascom Angra. Divulgação: www.instagram.com/freipetronio 

"Porque te amo, ó Maria!"

Santa Teresinha do Menino Jesus

 

“Quisera cantar, Maria, porque te amo,

Porque, ao teu nome, exulta meu coração

E porque, ao pensar em tua glória suprema,

Minh’alma não sente temor algum.

 

 

Se eu viesse a contemplar o teu fulgor sublime

Que supera de muito o dos anjos e santos,

Não poderia crer que sou tua filha

E, então, diante de ti, baixaria meus olhos.

 

Para que um filho possa amar sua mãe,

Que ela chore com ele e partilhe suas dores…

Pois tu, querida Mãe, nestas plagas de exílio,

Quanto pranto verteste a fim de conquistar-me!…

Ao meditar tua vida escrita no Evangelho,

Ouso te contemplar e me acercar de ti;

Nada me custa crer que sou um de teus filhos,

Pois te vejo mortal e, como eu, sofredora.

 

 

Quando o anjo te anunciou que serias a Mãe

Do Deus que reinará por toda a eternidade,

Eu te vi preferir, Maria – que mistério! -,

O inefável, luzente ouro da Virgindade.

Compreendo que tua alma, Imaculada Virgem,

Seja mais cara a Deus que o próprio céu divino;

Compreendo que tua alma, Humilde e doce Vale,

Possa conter Jesus, o grande Mar do Amor!…"

 

NOTA: Em maio de 1897, Santa Teresinha, num poema de rara profundidade, expunha as razões de seu amor por Maria. "Por que te amo, Maria?" era o título do mais longo poema surgido das mãos daquela jovem.

Assim como ocorreu com ela, pode acontecer que nos peguemos perguntando-nos por que amamos esta ou aquela pessoa de forma mais intensa, e não outra. O que me faz amar alguém? O que em alguém eu mais amo?

O amor a Maria sentido por Teresa de Lisieux é motivado pela simplicidade da Virgem. Imagine se fosse você a escolhida por Deus para gerar, fisicamente, o Messias esperado. Ou então imagine se você fosse escolhido para ocupar um lugar de muita importância social. Qual seria sua reação? Gabar-se-ia das honras que lhe prestariam e perderia muito tempo em se arrumar para recebê-las? Maria, ao receber a visita do anjo, chamada por ele de "a cheia de Graça", chama a si mesma de "a serva do Senhor". Não utiliza os meios de comunicação de sua época para espalhar a notícia, mas corre apressadamente pelas montanhas da Judeia para encontrar-se e servir a Isabel, sua parenta. Durante sua vida, mesmo sendo a Mãe do Senhor, teve que caminhar na fé, e não fez nada de extraordinário. O extraordinário da vida de Maria está na ordinariedade com que viveu sua maternidade.

Somente os simples, os humildes, os que não renunciam à sua condição de criaturas e tentam colocar-se como deuses, acima dos outros, têm acesso à vida de Deus, geram-no, e são por ele exaltados. É no dia a dia de nossa vida que o Reino se instala. Não deveríamos jamais esperar o milagre espetacular, mas ter olhos para enxergar o espetacular milagre da cotidianidade, o milagre escondido no andar tranquilo da nossa própria vida.

Santa Teresinha ama Maria porque ela entendeu, mais do que ninguém, que a felicidade está em ser o que se é, em descobrir as maravilhas de Deus na simplicidade da vida, à diferença de Eva, que não aceitou sua condição de ser criatura de Deus. Um escritor chamado Javier Vilafañe escreveu certa vez um conto sobre um sapo que todos os dias sonhava ser algo diferente: sonhou que era árvore, mas não gostou; sonhou que era rio, sonhou que era cavalo, que era vento, fogo, mas nenhum desses sonhos lhe trazia satisfação. O sapo estava sempre triste. Uma manhã os sapos o viram muito feliz na beira da água. “Por que estás tão contente?”, perguntaram-lhe. E o sapo respondeu: “À noite tive um sonho maravilhoso. Sonhei que era sapo.”

Ó Maria, eu te amo "porque sei bem que em Nazaré viveste pobremente, sem pedir nada de mais... Os humildes sobre esta terra podem, sem temor, elevar os olhos a ti... Jesus nos deixa a ti, quando deixa a Cruz para esperar-nos no céu."

Frei César Cardoso de Resende, ocd

Fonte: http://caminhandocomsantateresinha.blogspot.com Divulgação:  www.instagram.com/freipetronio

Consagração da Casa a Nossa Senhora do Carmo  

Frei Petrônio de Miranda, O. Carm.

 

Mãe dos Carmelitas e de todos os fiéis, especialmente dos que vestem o Santo Escapulário, nós vos escolhemos como protetora desta casa e desta cidade.

Dignai-vos mostrar nesta família e nesta cidade, a vossa proteção como outrora mostrastes à Ordem do Carmo. Preservai esta casa do incêndio, dos ladrões, da inundação, dos raios, das tempestades, da violência, do ódio, da inveja, da desunião, dos vícios e de todos os males que afetam o corpo e a alma destes vossos filhos e filhas.

Rainha excelsa e Mãe amável do Carmelo, dissestes que o Escapulário é a defesa nos perigos, sinal do vosso amparo e laço de aliança entre vós e os vossos filhos e filhas. Dai-nos a fé que tivestes na palavra de Deus, e o amor que nutristes para com o vosso Filho, e atendei a nossa oração. (Faz um pedido).

Senhora do Carmo, cobri com o vosso manto os motoristas, os jovens e as crianças, e rogai por todos que moram nesta casa e na nossa cidade. Amém. Convento do Carmo de Angra dos Reis/RJ. Divulgação: 

www.instagram.com/freipetronio 

 Dom Vital Wilderink O. Carm. In Memoriam

 

SIMBOLISMO MARIANO

Se perguntar-nos a uma pessoa que traz o bentinho, qual é a razão deste seu proceder, a resposta poderá variar, mas, em última análise, acentuará sempre uma relação entre o Escapulário e a Virgem Maria, E, de fato, tal relação existe. Mais ainda: é ela que dá ao Escapulário o seu valor específico. O Escapulário é símbolo da devoção mariana. A atração que ele exerce sobre o mundo católico, encontra a sua principal justificação na sua índole mariana.

Existe, infelizmente, muito ignorância acerca do Escapulário. Assim há pessoas que atribuem ao Escapulário uma força mágica, como se fosse um amuleto, ou então, vêem nele um salvo-conduto com que podemos entrar no céu, mesmo sem a veste nupcial. (1) No extremo oposto encontramos uma corrente que não oculta a sua aversão da devoção do Escapulário, como em geral de todas devoções particulares, ordens terceiras e confrarias. Tudo isto forma, segundo a sua opinião, um obstáculo para as almas que desejam aprofundar a sua vida de graça. De fato, não podemos negar que uma acumulação de devoções, de fitas, opas e medalhas facilmente enredam a alma na sua vida espiritual. O homem é demasiadamente limitado para aprofundar a sua vida cristã através de muitas devoções. Em si, porém, uma devoção, aprovada pela Igreja, é para isto um ótimo meio.

O que deu origem a tantas falsas apreciações do Escapulário, que vão da superstição até o desprezo, foi o desconhecimento do seu simbolismo. É numa parte desta riqueza, que queremos fixar a nossa atenção no presente artigo.

 

O HOMEM E O SÍMBOLO

Um estudante Brasileiro, ao passar pelas ruas de Roma, viu-se, de repente, em face de uma bandeira da sua pátria. Tal vista causou nele como que um choque elétrico e, ele quedou-se imóvel a fitar o “querido símbolo da Terra, da amada Terra do Brasil”. Enquanto o nosso estudante estava alí, imerso num mundo variado de sentimentos e lembranças, passavam outras pessoas pelo mesmo local. Estas lançavam um olhar curioso sobre a bandeira e continuavam, desinteressados, o seu caminho. Para elas aquela bandeira não era mais que uma das muitas que existe no mundo.

Em todos os tempos e em todos os lugares, o homem sentiu a necessidade de exprimir as suas idéias e intenções por meio de um símbolo. Esta necessidade, aliás, lança as suas raízes na própria natureza humana. O homem graças à sua alma, é capaz de desenvolver uma atividade espiritual. Porém, quando se trata de manifestar a sua experiência interior, ele necessita do seu corpo e do mundo material que o rodeia. Poder de expressão dentro da esfera espiritual, o homem não possui. Podemos portanto dizer que na atividade especificamente humana, há sempre um valor simbólico. Na sua linguagem, nos seus gestos, mesmo no seu silêncio esconde-se  e, ao mesmo tempo, manifesta-se sempre o seu mundo interior.

Para dar corpo à sua alma, o homem utiliza também as coisas materiais existentes fora dele. A matéria torna-se então, por assim dizer, a “tradução” das idéias e intenções humanas. Deste modo ela recebe uma certa dignidade, ela é de certa maneira humanizada. Isto já demonstra que o símbolo como símbolo existe apenas dependentemente do homem, da sua atual experiência interior. Recordemo-nos do estudante brasileiro. Para ele a bandeira existia formalmente como símbolo, ao passo que o interesse das pessoas estrangeiras não passava de estético.

O poder humano de criar símbolos não é ilimitado. Entre o símbolo e o simbolizado já devem existir certos pontos de contato, um certo parentesco. (2) O pelicano foi sempre indicado como símbolo do amor de Cristo, que quer, que seja a razão que o motivou. É claro que um falcão, p. ex., não serviria senão a um simbolismo oposto.

A necessidade de dar figura à sua experiência espiritual, o homem a sente de modo particular na sua relação para com Deus e todas as coisas religiosas. Por isto podemos compreender, porque os místicos, embora cientes da sua incapacidade de exprimir o inexprimível, usam tantas vezes de imagens nupciais.

Não é, pois, de admirar que o Carmelo, já desde muitos séculos, possua um símbolo da sua vida mariana. Teremos ainda ocasião de ver, quais são as razões que deram origem ao simbolismo mariana do Escapulário.

*Dom Frei Vital Wilderink, O Carm (*30/11/ 1931 +11 /06/ 2014)- Eremita Carmelita- foi vítima de um acidente de automóvel quando retornava para o Eremitério, “Fonte de Elias”, no alto do Rio das Pedras, nas montanhas de Lídice, distrito do município de Rio Claro/RJ. O acidente ocorreu no dia 11 de junho de 2014. O sepultamento ocorreu no dia 12 na cidade de Itaguaí, Catedral de São Francisco Xavier, Diocese esta onde ele foi o primeiro Bispo. Carmo de Angra dos Reis/RJ. 18 de junho-2020.

Maria mãe.

Letra e Música: Frei Petrônio de Miranda, O. Carm

Do CD- Levanta Elias

 

Maria ó mãe, Maria ó mãe, mãe dos Carmelitas, vem nos ajudar./ Maria ó mãe, Maria ó mãe, com o Escapulário, vem nos amparar. (bis)


1-Diante do medo, da fome e da Guerra, da nossa omissão, vem nos ajudar. Ó Mãe lá no Monte, com os santos carmelitas, com o Escapulário, vem nos resgatar. (bis)


2- Não deixem ó mãe, na vida os teus filhos, perdidos sem paz, desanimar./ Nas noites escuras, nas quedas da vida, com o Escapulário, vem acompanhar. (bis)


3- Nos jovens cantando, gritando com fé, buscando seguir, o Homem de Nazaré./ Ó Mãe não esqueça, vem nos visitar, o Escapulário, ó mãe vem nos dar. (bis).


4- Num mundo consumista, no ódio a reinar, na mãe natureza, sempre a sangrar./ Ó mãe nos ensina, a não desviar, com o Escapulário, no Monte chegar. (bis)


5- Famílias partidas, refugiados a gritar, o fanatismo religioso, querendo dominar. / Ó Mãe dos Eremitas, no Carmelo a meditar, com o Escapulário, venha nos olhar. (bis)

6-Com o Profeta Elias, vem mãe ensinar, aos filhos do Carmelo, Evangelizar./ Não deixes ó mãe, o Carmelo esquecer, a missão do Profetismo, neste mundo a perecer (bis)

Divulgação: www.olharjornalistico.com.br www.instagram.com/freipetronio Convento do Carmo de Angra dos Reis/RJ. 1º de Julho-2020.

Frei John Welch, O. Carm

Whitefriars Hall , Washington

Um escritor sugeriu que a vocação carmelita é estar suspenso entre o céu e a terra, sem encontrar apoio em nenhum dos lugares.  Esta é uma forma dramática de dizer que no fundo  nossa fé, nossa esperança e nossa confiança em Deus tem que ser seu próprio apoio e Deus nos conduz mais além de nossos feitos mundanos e espirituais.   No final de sua vida Teresa de Lisieux achou  que a esperança pelo céu sustentada em toda sua vida se esvaía.  João da Cruz nos lembrou as observações de São Paulo: se já temos aquilo que esperamos, já não é esperança; a esperança está naquilo que não possuímos. A espiritualidade de João da Cruz tem sido descrita como uma contínua interpretação da natureza de Deus .

Será que esta suspeita que temos quanto às intenções e as construções humanas nos converte, a nós carmelitas, em uns eternos estressados?  Ou, ao contrário, nos permite fazer uma avaliação inteligente do coração humano e de sua tendência a criar ídolos? Não será isto realmente um exercício de libertação que vai nos libertando de todas as formas em que nos escravizamos e nos entregamos aos ídolos?  Não é a crítica carmelita um desafio para não nos apegarmos a nada, para que nada seja o centro de nossa vida, além do mistério que a envolve.  E nessa pureza de coração, somente conseguida pela ação do Espírito de Deus, somos capazes de amar aos outros e viver neste mundo sabiamente.  O desafio carmelita é cooperar com o amor de Deus, algumas vezes obscuro, que nos  vivifica e nos cura .

Esta contínua escuta para aproximar-nos de Deus, por meio de todas as palavras e estruturas que conseguimos, é a tarefa profética do Carmelo.  Que Deus seguimos? O deus de nossas afeições? O deus das ideologias ou das teologias ilimitadas? Os deuses opressores dos sistemas econômicos e políticos? Os deuses de todos os “ismos” de nosso tempo? Ou é nosso Deus o Deus que transforma , cura , liberta  e vivifica?

O arcebispo Oscar Romero foi um clérigo tradicional , cuidadoso e estudioso.  Era um bom homem , reservado, piedoso, orante.   Mas sua conversão chegou quando viu no outro o rosto de Cristo, um rosto diferente  do Cristo  de sua piedade e de sua oração, um rosto  diferente de sua teologia, um rosto diferente do Cristo familiar  à hierarquia de El Salvador. Era o rosto de Cristo no rosto do povo de El Salvador; era o rosto de Cristo verdadeiramente encarnado  na história e nas lutas do povo.  Romero disse:

Aprendemos a ver o rosto de Cristo – o rosto de Cristo que é também  o rosto do ser humano que sofre, o rosto do crucificado, o rosto do pobre, o rosto do santo e o rosto de cada pessoa – e amamos a cada um com o critério pelo qual seremos julgados: “tive fome e me deste de comer”.

Os ídolos de nosso tempo não são somente os amores pessoais e as possessões, mas especialmente  os ídolos do poder, do prestígio, do controle  e o domínio que deixam a maior parte da humanidade fora do banquete da vida.   Romero comentou:

A pessoa pobre é aquela que se converteu a Deus e põe toda a sua fé NELE, e a pessoa rica é aquela que não se converteu a Deus  e põe sua confiança nos ídolos: dinheiro, poder, bens materiais... Nosso trabalho deve procurar converter-nos a nós mesmos e a todo povo para este autêntico significado da pobreza.       

Muitas de nossas províncias tem participado na confrontação com os ídolos de nosso tempo através dos movimentos de libertação em muitas  regiões do mundo, que incluem Filipinas, América Latina, América do Norte, África, Indonésia e o Leste da Europa. Hoje em dia as diferenças entre o norte e  o sul apontam para os ídolos dos “ismos” que mantém a maioria do mundo em uma condição de marginalização.

 

Resumo

A fome do nosso coração nos lança ao mundo em busca de alimento. De muitas formas perguntamos ao mundo. Viste aquele que fez isto em meu coração e o deixou chorando? Nosso coração vai se dispersando sobre a terra enquanto vamos perguntando a cada pessoa, a cada objeto de posse  e a cada atividade que nos diga mais a respeito do Mistério que está no centro de nossas vidas.

A alma apaixonada pelos mensageiros de Deus, confunde-os com Deus mesmo. Tomamos as coisas boas de Deus e lhes pedimos que sejam deuses. O coração, cansado de sua peregrinação, tenta assentar-se  e construir um lar para si. Coloca seus desejos mais profundos nas relações, posses, planos, atividades, metas e pede a tudo isto que sacie sua fome profunda.  Pedimos muito e como nada pode corresponder às nossas expectativas, começam a desmoronar-se.  Mais e mais os santos carmelitas nos lembram que só Deus é o alimento que pode saciar a fome do nosso coração.

 

Perguntas para refletir:

  

  • Quais são os ídolos, os não-negociáveis, que se transformam em parte da minha vida? Quais são essas coisas  sem as quais não posso passar?  Eu as estou prejudicando com meu apego?
  • Onde e como tenho me tornado uma pessoa sem liberdade na vida?  Sinto-me livre para seguir meus desejos mais profundos?   Sou livre para escutar as necessidades da minha comunidade?
  • Tenho estado inconscientemente construindo meu próprio reino no lugar de estar preocupado pelo reino de Deus? Sem perceber, tenho tirado Deus do centro da minha vida e tenho colocado nesse centro meus objetivos, meu trabalho profético, minha compreensão das exigências do reino? Ao longo dos anos tenho me esquecido de perguntar: o que é que Deus quer?
  • As paixões que me trouxeram ao Carmelo têm sido domesticadas ou vão se desvanecendo? Tenho me transformado  numa pessoa compulsivamente ativa, talvez sentindo-me mais como um funcionário de uma instituição do que como um discípulo do Senhor?

Hoje completa 6 anos da morte de Dom Frei Vital Wilderink, O Carm (*30/11/ 1931 +11 /06/ 2014).  As nossas preces! www.instagram.com/freipetronio