*ESPIRITUALIDADE CARMELITANA: Por que que Elias preferiu o Monte Carmelo a outros montes?
- Detalhes
Para que os discípulos de Elias estabelecessem de maneira permanente a residência no monte Carmelo, procurou fazer deste monte um lugar muito devoto, não só com sua vida exemplar vivendo ali o resto de seus dias que foi de dezesseis anos, mas destacando-o sobre todas as outras solidões, onde havia vivido, com alguns milagres portentosos realizados para provar claramente aos idólatras que o Deus de Israel era o Deus único e verdadeiro.
Havendo os Sacerdotes de Jerusalém dito a seus pais, antes do nascimento de Elias que este seu filho julgaria Israel com a espada e o fogo, a Escritura Sagrada nos asseguras no Livro dos Reis que os portentos realizados no monte Carmelo comprovaram bem ser verdadeiro este vaticínio.
O povo de Israel juntamente com seu rei Acab deram culto a Baal e desprezaram o culto de adoração ao Deus verdadeiro seduzidos pelos sacerdotes daquele falso deus. Abrasada a alma de Elias pelo zelo da glória de Deus e sofrido pela transgressão idolátrica do povo reuniu neste monte Carmelo toda a nação com seu rei e lhe propôs este julgamento: se Baal, ouvindo as petições e súplicas de seus sacerdotes enviasse do céu fogo que queimasse o sacrifício que neste monte lhe iam oferecer, fosse proclamado deus de Israel, porém se Baal não tivesse poder para enviar fogo do céu nem para ouvir as súplicas de seus sacerdotes, e lhe enviava o Deus de Israel a petição de Elias para queimar o sacrifício que lhe ia oferecer neste monte, que a nação abandonasse para sempre o Baal e acreditasse com firmíssima fé que o único e verdadeiro deus era o de Israel.
O povo acolheu benignamente esta proposta de Elias; porém Baal não pode enviar fogo do céu para queimar o sacrifício que seus sacerdotes lhe ofereceram; então Elias construiu neste monte Carmelo um altar onde ofereceu o sacrifício e na presença de todos e suplicou ao Deus de Israel que mandasse descer do céu o fogo para queimar seu holocausto e Deus assim fez.
Deste modo o povo de Israel, induzido até então à idolatria pelos sacerdotes de Baal voltou, ensinado por Elias a dar culto ao único Deus verdadeiro no monte Carmelo e Elias passou ao fio da espada na torrente do Cedron a todos os profetas de Baal que haviam seduzido o povo, para que não voltassem a enganá-lo.
Ainda fez mais: enganados pelos profetas de Baal, o rei e o povo invocavam e suplicavam constantemente a Baal durante três anos e seis meses que lhes mandasse chuva porém o ídolo não pudera enviar-lhes a chuva nem impedir, durante este tempo, que se cumprisse a palavra anunciada por Elias: “Não há de cair nem orvalho nem chuva durante estes anos até que eu o ordene” (III Rs 17, 1).
Evidenciada deste modo a impotência de Baal durante tanto tempo; se manifestou mais patente o poder de Deus; porque, pondo-se Elias em humilde oração diante de Deus neste monte Carmelo, alcançou logo que lhe mandasse abundante chuva para a nação.
Além disto, Elias mandou emissários a Ocozias, rei de Israel que estava doente, para que lhe comunicasse que, certamente, morreria, porque se cuidava consultando a Belzebu, deus de Acaron, o resultado de sua doença, menosprezando o Deus de Israel. Fortemente é impressionado o rei com esta notícia, se enfureceu contra Elias e, desejando matá-lo, enviou um capitão com cinqüenta soldados para que fossem ao monte Carmelo e lhe levassem Elias. Se Elias não quisesse ir voluntariamente, o levassem à força.
Este capitão, cooperador voluntário do rei no crime, marchou irritado e orgulhoso com seus cinqüenta soldados em busca de Elias e o encontrou sentado no alto do monte Carmelo, com desprezo o chamou homem de Deus e com imponência lhe mandou que descesse do monte e fosse com ele à presença do rei.
Vendo Elias que aqueles soldados desprezavam o Deus verdadeiro em sua pessoa, fez baixar fogo do céu sobre o monte Carmelo, o qual abrasou o Capitão e seus cinqüenta soldados.
Com isto, o rei se irritou muito mais ainda e mandou pela segunda vez outro Capitão com seus cinqüenta soldados. De novo Elias fez baixar do céu fogo que, como da vez anterior, abrasou o Capitão com seus cinqüenta soldados no monte Carmelo.
Com estes evidentíssimos julgamentos da espada e do fogo, Elias mostrou aos incrédulos que o Deus verdadeiro era o que ele adorava no monte Carmelo e não Baal, a quem o pérfido Acab dava culto com o povo de Israel, nem Belzebu a quem o sacrílego rei. Ocozias mandou consultar, desprezando o verdadeiro Deus.
*Livro da Instituição dos Primeiros Monges Fundados no Antigo Testamento e que perseveram no Novo por Juan Nepote Silvano, Bispo XLIV de Jerusalém. Traduzido do latim por Aymerico, Patriarca de Antioquia e do latim para o castelhano por um Carmelita Descalço e Carta de São Cirilo Constantinopolitano Traduzida para o castelhano. (Ávila Imprensa e Livraria Vida de Sigirano-1959. Censura da Ordem Imprima-se. Madrid, 6 - XII - 1958.
*CARMELITAS: Elias e Maria, figuras inspiradoras
- Detalhes
25.Tudo o que desejamos e pretendemos ser na realidade da hora presente vemo-lo realizado na vida do profeta Elias e da bem-aventurada Virgem Maria, que, cada um a seu modo, «tiveram o mesmo espírito, [...] a mesma formação, o mesmo mestre: o Espírito Santo». Olhando para Maria e Elias, podemos mais facilmente compreender, interiorizar, viver e anunciar a verdade que nos torna livres.
- Elias é o profeta solitário que cultiva a sede do Deus único e vive na sua presença. Ele é o contemplativo possuído (raptado) pela paixão ardente pelo absoluto de Deus, cuja «palavra ardia como fogo». É o místico que, depois de um longo e penoso caminho aprende e lê os novos sinais da presença de Deus. É o profeta que se envolve na vida do povo e, lutando contra os falsos ídolos, o reconduz à felicidade da Aliança com o único Deus. É o profeta solidário com os pobres e os marginalizados e que defende aqueles que sofrem violência e injustiça.
O Carmelita aprende, pois, com Elias a ser homem do deserto, de coração indiviso, que está todo diante de Deus, todo entregue ao serviço de Deus, o homem que fez uma escolha sem compromissos pela causa de Deus e por Deus arde de paixão. Como Elias, crê em Deus, deixa-se conduzir pelo Espírito e interioriza a Palavra no próprio coração, para testemunhar a presença divina no mundo, aceitando que ele seja realmente Deus na sua vida. E enfim, vê em Elias, unido ao seu grupo profético, a fraternidade vivida na comunidade, e com ele aprende a ser canal da ternura de Deus para com os indigentes e os humildes.
- Maria, envolvida pela sombra do Espírito de Deus, é a Virgem do coração novo, que dá um rosto humano à Palavra que se faz carne. É a Virgem da escuta sapiente e contemplativa, que conserva e medita no seu coração os acontecimentos e a palavra do Senhor. É a discípula fiel da sabedoria, que busca Jesus –Sabedoria de Deus– e pelo seu Espírito se deixa educar e plasmar para assimilar na fé o estilo e as opções de vida. Assim educada, Maria é capaz de ler as "grandes coisas" que Deus realizou nela para a salvação dos humildes e dos pobres.
Maria, sendo também a Mãe do Senhor, torna-se a discípula perfeita dele, a mulher de fé . Segue Jesus, caminhando juntamente com os discípulos, e com eles compartilha o penoso e comprometedor caminho que exige acima de tudo o amor fraterno e o serviço mútuo. Nas bodas de Caná ensina-nos a acreditar em seu Filho; aos pés da Cruz torna-se a Mãe de todos os crentes e com eles experimenta a alegria da ressurreição. Une-se com os outros discípulos em «oração contínua» e recebe as primícias do Espírito, que enche a primeira comunidade cristã de zelo apostólico.
Maria é portadora da boa nova da salvação para todos os homens. É a mulher que cria relações de comunhão, não só com os círculos mais restritos dos discípulos de Jesus, mas também com o povo: com Isabel, os esposos de Caná, as outras mulheres e os "irmãos" de Jesus.
Na Virgem Maria, Mãe de Deus e modelo da Igreja, os Carmelitas encontram tudo aquilo que desejam e esperam ser. Por isto, Maria foi sempre considerada a Padroeira da Ordem, da qual é também chamada Mãe e Esplendor, e tida sempre pelos Carmelitas, diante dos olhos e no coração, como a "Virgem Puríssima". Olhando para ela e vivendo em familiaridade de vida espiritual com ela, aprendemos a estar diante de Deus e juntos como irmãos do Senhor. Maria, de facto, vive no meio de nós como mãe e como irmã, atenta às nossas necessidades, e junto a nós atende e espera, sofre e alegra-se.
O escapulário é sinal do amor materno, permanente e estável, de Maria para com os irmãos e as irmãs carmelitas.
Na sua tradição, sobretudo a partir do século XVI, o Carmelo manifestou a proximidade amorosa de Maria ao povo de Deus, mediante a devoção do escapulário: sinal de consagração a ela, meio da agregação dos fiéis à Ordem e mediação popular e eficaz de evangelização.
*CONSTITUIÇÕES DA ORDEM DOS IRMÃOS DA BEM-AVENTURADA VIRGEM MARIA DO MONTE CARMELO.
O chamado misterioso de Deus
- Detalhes
*Dom Frei Vital Wilderink, O , Carm. In Memoriam
Uma vocação não passa por cima de uma biografia da qual pode, inclusive, receber determinadas acentuações. O que ela não dispensa é sem uma abertura interrogante para um horizonte ao qual não se sabe dar um nome. É o “espaço” que perpassa a própria história concreta do ser humano, mas não coincide com ela. Certos textos da literatura, especialmente certas poesias, de autores modernos, deixam entrever esse espaço fazendo com que o próprio leitor se sinta atraído por esses textos, não por meras razões estéticas, mas porque reconhece neles algo de si mesmo. São frequentemente determinados acontecimentos ou fatos, para outros talvez insignificantes, cujo impacto desfecha o espaço da auto transcendência que é inerente ao ser humano. Em termos religiosos corresponde ao “Tu nos fizeste para ti, Senhor” de santo Agostinho, embora esta dimensão nem sempre esteja presente de maneira consciente. No entanto, mesmo assim, não deixa de ser uma descoberta elementar do Mistério desta simples presença-a-si-mesmo e do existir-no-mundo.
Mas o homem que na sua história abre o espaço da sua auto transcendência ao Mistério sem nome, deixando aflorar a sua aspiração ontológica a uma plenitude, não tem como exigir a revelação desse Mistério. É como a águia que tem a capacidade de voar muito alto, mas é incapaz de voar acima de si mesma. O chamado de Deus é sempre uma iniciativa gratuita de Deus. Tradicionalmente a teologia sempre faz a distinção entre natural e sobrenatural, e com razão. Mas é uma distinção que afeta o ser humano; certamente não pretende definir o Mistério atuante de Deus. A iniciativa gratuita de Deus em se comunicar, ou seja a graça incriada não é, em si, natural nem sobrenatural: ela é presença do próprio mistério divino. Embora a sua aspiração ontológica a uma plenitude faça o homem estender os braços para uma presença desse Mistério – ainda sem nome -, a revelação dessa presença – um chamado - é sempre nova, inesperada. É sempre um início que dá sentido ao tempo, fazendo nele acontecer a história de uma vocação.
A busca do homem e a oferta gratuita de Deus encarnaram-se em Jesus Cristo. É por Ele, com Ele e n’Ele que a nossa vocação transcorre no tempo e no espaço para testemunhar essa Boa Nova da presença da graça de Deus revelada na glória humana de Jesus na história. Vocação é para fazer ver Jesus Cristo, ela é uma cristofania. É claro que ao falar de uma cristofania, não podemos deixar de considerar o mundo em que estamos inseridos. Não existe uma língua universal para a vocação O que há de único e universal nela é a caridade.
Como discernir o chamado de Deus onde o humano e o divino parecem mesclar-se? Normalmente deve ser feito um discernimento para ver se trata realmente de um chamado de Deus, levando em atenta consideração os impulsos e motivações que induzem alguém a determinadas opções. Ou, em sentido inverso, se não há uma inércia que impede de deixar-nos levar pelo Espírito. É conhecido o itinerário de discernimento que Inácio de Loyola traçou nos seus Exercícios espirituais. Um dos critérios mais destacados para discernir que uma opção é feita para maior glória de Deus, e quando a pessoa experimenta uma profunda consolação cuja causa não sabe explicar. Outro critério: vocação sem abertura aos outros é um contra-senso. Mas é bom lembrar que o caminho de encontro e relação com o mundo, não é um só. No discernimento vocacional deve-se levar em séria consideração o seu caráter eclesial. A Igreja, ela mesma, é Mistério como professamos no símbolo da nossa fé: creio na Igreja. O que não impede que ela possa ser uma provação. Quanto mais misturado com o concreto da história, tanto mais difícil torna-se uma opção vocacional. Os mistérios da Divindade encontram-se, de certa maneira, mais distantes e, por isso, perturbam menos, embora não seja tão raro alguém dizer que Deus às vezes desconcerta. O mistérios do Verbo encarnado já são mais difíceis a crer. Haja visto as inúmeras publicações que nos últimos anos tentam reduzir o paradoxo fundamental da fé cristã que é o mistério da encarnação. O que dizer então da fé referente a uma Igreja em que o divino e o humano não somente existem unidos, mas onde o divino nos é oferecido através de situações humanas negativas? Certo é que a Igreja jamais poderá aplicar a ela mesma as palavras de Jesus que ela anuncia: “Quem de vós pode acusar-me de pecado” (Jo 8,46). Insistindo no caráter eclesial da vocação, não pretendemos voltar à dicotomia entre sagrado e profano, dicotomia de uma visão da Igreja voltada unilateralmente ad intra. A Igreja é sacramento da auto comunicação de Deus. Quando se fala do sacramento da Igreja, geralmente se pensa nos sete sacramentos. O mysterion do Novo Testamento é mais vasto e profundo que o sacramento latino. Os Padres gregos, quando falam da Igreja, eles se referem ao divino mistério do cosmos. A visão deles é que Deus criou o mundo para a Igreja, para deificar, divinizar sua criação, fazendo-a tornar seu próprio corpo cuja cabeça é Jesus Cristo e nós, os seres humanos, o resto do corpo. Esta visão já reaparece um pouco nos documentos do Concílio Vaticano II, e permite colocar a vocação eclesial em outra perspectiva.
*Dom Frei Vital Wilderink, O Carm- Eremita Carmelita- foi vítima de um acidente de automóvel quando retornava para o Eremitério, “Fonte de Elias”, no alto do Rio das Pedras, nas montanhas de Lídice, distrito do município de Rio Claro, no estado do Rio de Janeiro. O acidente ocorreu no dia 11 de junho de 2014. O sepultamento foi na cidade de Itaguaí/RJ, no dia 12, na Catedral de São Francisco Xavier, Diocese esta onde ele foi o primeiro Bispo.
NOSSA SENHORA DO CARMO: Histórias que o povo conta-01.
- Detalhes
Mãe e Irmã dos Carmelitas: Um Padre, a Morte e Nossa Senhora.
*Aparecido Antunes, sou ex-frade carmelita,
O ano é 2002, decorriam as festividades dos 750 anos do escapulário, e fui convidado para participar da visita da Imagem peregrina na cidade de Pouso Alegre, juntamente com outros frades e as irmãs carmelitas do Divino Coração.
Durante uma semana, visitamos várias paróquias, escolas e o Carmelo das monjas de clausura, fizemos carretas e muitas homenagens.
Mas uma visita me marcou muito, foi quando a Imagem peregrina visitou um hospital público e lá podia se sentir a fé e o carinho com que as pessoas acolhiam a Mãe de Jesus em suas vidas naquele momento de dor e sofrimento. Mas um fato faria compreender concretamente o que é ser Carmelita.
De quarto em quarto, eu e a Ir. Lúcia levávamos uma pequena imagem de Nossa Senhora. Visitávamos os acamados impondo o Santo escapulário e levando uma palavra de esperança. Em um desses quartos vimos uma família conversando e num quanto do quarto uma cama com um senhor muito idoso, muito debilitado. Fomos até ele e sua aparência não era tranquila e sim longe e dispersa, mas ao ver a imagem de Nossa Senhora uma força brotou dentro de seu coração e com dificuldades ele quis pegar a imagem e abraça-la como quem encontra alguém muito querido.
Perguntamos se ele queria receber o escapulário, acenou com a cabeça que sim e assim o fizemos. Neste momento a família se deu conta que estávamos ali, parece que estavam já conversando como seriam aquelas próximas horas. Então uma moça se aproximou, perguntei se aquele senhor seria parente dela, ela disse que sim, era tio. E que ele era padre. Imagine o nosso espanto!
Segundo ela, ele morava num povoado próximo de Pouso Alegre e que por muito tempo viveu nesse povoadinho isolado e longe da agitação. E tinha a fama de ser muito duro, rígido, bravo e isso o afastou do convívio dos padres da região.
Após essa conversa, pedimos ao padre se ele poderia nos dar uma benção e traçando uma cruz na nossa frente, já com o olhar radiante. Fomos embora, consternados e pensativos!
Durante a noite, vinha na minha cabeça à imagem daquele padre, ali não inteiramente só, mas como se aqueles parentes estivessem ali só para dar sequência nos fatos que poderiam acontecer naquela noite presentes ali, mas nenhum sinal de afeto, frios. Logo de manhã participei da missa na capela das monjas, e no final da celebração o padre que presidia disse que tinha um aviso.
“Nesta madrugada, faleceu o padre... os mais velhos devem conhecê-lo e sabem do seu temperamento e de sua rigidez, mas um fato talvez poucos saibam. Quando ainda era seminarista em Mariana, o diretor espiritual chamou todos os seminaristas para uma conversa e disse que era importante que seguissem um itinerário espiritual e sugeriu que todos passassem a seguir aos ensinamentos da Ordem Terceira de São Domingos, dos Padres Dominicanos. E assim os seminaristas fizeram, menos um Padre.... Esse teimou com seu diretor espiritual que não queria ser da Ordem Terceira Dominicana, mas da Ordem Terceira do Carmo. E assim, a contra gosto do seu diretor espiritual ele se consagram na Ordem Terceira do Carmo. Assim, um pacto estaria selado, uma aliança duradoura entre ele e a Irmã dos Carmelita.
Aliança, que não se rompeu apesar da distancia entre aquele dia e o desta madrugada, pois antes da aurora da vida nova, Nossa Senhora confirma sua promessa e vem ao encontro de seu irmão, juntamente com um frade e uma irmã. Tem sinal mais claro que ser Carmelita é pertencer a uma família?”.
Naquele momento, entendi o que é Ser Carmelita, é pertencer a uma família, terrena e Celestial.
*Chamo-me Aparecido Antunes, sou ex-frade carmelita, casado com Josely, pai do João, da Maria e da Júlia.
*MARIA E O CARMELO: Origens e desenvolvimento do carisma Mariano Carmelitano.
- Detalhes
Frei Christopher O’Donnell, O. Carm.
(Texto para o programa, " A Palavra do Frei Petrônio", de hoje, terça-feira dia 4, logo mais às 20h. Para interagir ao vivo, Adicione o Frei na página: www.facebook.com/freipetros Acompanhe também aqui no Olhar).
A Escravidão de Maria
Podemos lembrar o surgimento, no século XI, do que se chamaria mais tarde de “escravidão de Maria”. São Bernardo, por exemplo, chamava-se de pajem de Maria (servuli). Isso pode ser significativo para a difundida ideia carmelitana da vassalagem, que encontraremos posteriormente.
Não só os Carmelitas
Como veremos, os carmelitas que foram para a Europa assumiram muitas dessas práticas e crenças existentes. Se nos restringirmos a estudar apenas o que é carmelitano, corremos o risco de subestimar e mesmo de negligenciar uma parte considerável de nossa herança mariana. Em vez disso, devemos tentar ver toda vida mariana dos primeiros frades carmelitanos, das quais apenas algumas partes serão específicas deles mesmos.
Existem diversos paralelos com outras ordens, tais como os cistercienses, os cônegos premonstratenses e, é claro, os dominicanos. Precisamos em primeiro lugar, levantar a questão da identidade carmelitana, descrita particularmente nas primeiras Constituições e títulos da Ordem.
O Século XX
No século XX tivemos o chamado “Movimento Mariano”, um tempo de grande entusiasmo, congressos, escritos, crescimento devocional.[i] Esse tempo culminou na definição do dogma da Assunção (1950) e no Ano Mariano (1954). Depois disso houve um declínio, apesar do significativo ensinamento do Vaticano II. Com o importante documento de Paulo VI, Marialis cultus (1974) e de João Paulo II, Redemptoris Mater (1987) houve uma gradual recuperação. A partir da metade de 1970 houve uma abundância de trabalhos eruditos, essenciais sob todos os aspectos, de mariologia.
Na ordem, o ano de 1950 também foi um clímax do século XX com o caloroso endosso do Escapulário por Pio XII na carta Neminem profecto latet. Mas os anos seguintes testemunharam algum declínio e falta de energia da parte da Ordem. A historicidade da visão do Escapulário foi submetida a um minucioso exame. Apesar da evidência desta visão ser considerada inadequada por severos estudiosos como Jean de Launoy (+ 1678) e Herbert Thuston (+ 1939), suas opiniões não influenciaram muito a apreciação que a Ordem tinha do Escapulário. Mas os valentes esforços de B. M. Xiberta em defender a autenticidade da visão do Escapulário[ii] foram gradualmente colocados em dúvida. Foram feitas afirmações mais específicas, que não confortaram aqueles cuja tranquila certeza anterior sobre a visão do Escapulário tinha sido perturbada. O Privilégio Sabatino, baseado numa suposta visão de João XXII foi considerado como uma mentira medieval. No Próprio da Missa Carmelitana de 1972 não houve festa ou memorial para Simão Stock. A revisão inicial do Calendário para a Igreja Universal, posteriormente, omitiu a festa de Nossa Senhora do Monte Carmelo.
Mas também houve uma recuperação, um tanto irregular, da consciência mariana carmelitana datando do capítulo geral extraordinário de 1968. Tal capítulo apresentou Maria nos termos do Vaticano II e defendeu o significado do Escapulário.
Estas questões encontram-se por trás do capítulo geral de 1971 e são, de certo modo, percebidas em alguns encontros do conselho das províncias, congregações gerais e capítulos. A revisão do Missal Romano em 1969 restaurou a celebração de Nossa Senhora do Monte Carmelo. Para a Ordem Carmelitana a Missa e o Ofício de São Simão Stock foram reintegrados pela Santa Sé em 1979.
Junto a esses desenvolvimentos podemos ver na bibliografia anual no Carmelus que tem havido um crescente interesse na mariologia carmelitana e nos escritos realizados pelos membros da Ordem sobre a Virgem Maria. Em 1989 aconteceram três congressos marianos na Ordem: no Centro Santo Alberto em Roma, Sassone fora de Roma e Nova Iorque. Uma conferência em Reno (1998) foi celebrada pela grande família carmelitana nos Estados Unidos.
Portanto, o tempo atual é apropriado para abordarmos novamente o carisma mariano da Ordem e para apresentá-lo em termos apropriados à Igreja contemporânea. Esse breve trabalho quer examinar as origens e o desenvolvimento do carisma mariano carmelitano.
*Comunicações Carmelitanas-Melbourne Austrália. 2000.
[i] Roschini, Maria 4:425-495; R. Laurentin, La question mariale (Paris: Seuil, 1963) = Mary’s Place in the Church (London: Burns and Oates, 1965) cap. 2.
[ii] De visione sancti Simonis Stock (Roma: Carmelite Institute, 1950).
OLHAR CARMELITANO-MARIANO: Doutrina e Devoção a Nossa Senhora.
- Detalhes
Frei Christopher O’Donnell, O. Carm.
Doutrina
As grandes verdades sobre Maria foram defendidas no século XIII. O dogma de sua Maternidade Divina tem sido celebrado desde o Concílio de Éfeso (431). A Assunção de Maria está presente na liturgia desde o século VI e sua festa litúrgica teve uma oitava a partir de Leão IV (+ 855). A Virgindade Perpétua de Maria é questão pacífica desde o tempo do Concílio não-ecumênico Lateranense de 649. O quarto Concílio Lateranense usou a frase “Maria sempre virgem” em sua fórmula do Credo para os albigenses e cátaros. Acreditava-se também na Imaculada Conceição, mas muitos teólogos tinham sérias reservas, principalmente os seguidores de Tomás de Aquino. Sua festa começa a ser celebrada na liturgia a partir do século XII. Foi o papa siro-siciliano Sérgio (+ 701) quem estabeleceu uma procissão solene em Roma para quatro grandes festas marianas: o Nascimento de Maria (08 de setembro), a Apresentação (02 de fevereiro), a Anunciação (25 de março) e a Assunção (15 de agosto).
Além dessas verdades de fé, existia uma ampla crença em outras verdades sobre Maria. Em distintos lugares encontramos importantes afirmações sobre a união de Maria com seu Filho na Redenção. Em São Bernardo e, mais tarde, em Santo Alberto Magno e em São Boaventura, encontramos esboços da doutrina da mediação de Maria. O Memorare, atribuído a São Bernardo, tem algumas frases dele mesmo, apesar de em sua forma atual ser do século XV ou mesmo anterior. A maternidade espiritual de Maria, afirmando que ela é nossa Mãe e Mãe da Igreja, foi ensinada com muito mais clareza a partir do século XI, quando teólogos como Anselmo de Lucca (+ 1086) e Rupert de Deutz (+ 1130) começaram a aprofundar a verdade latente na cena aos pés da cruz relatada por João (19,25-28a). A apresentação de Maria como Rainha já estava presente com freqüência nos sermões e nos hinos do século VI. Foi encontrada há muito tempo nas liturgias, tanto do Oriente quanto do Ocidente e tornaram-se marcantes no século XIII.
Devoção
Quando olhamos para as orações e devoções marianas no século XIII encontramos uma grande riqueza. Já existiam então muitos santuários e lugares de peregrinação marianos. Por exemplo, na Inglaterra foram fundados dois antigos santuários: Walsingham (1061) e Glastonbury (do século VII, reconstruído em 1186). O santuário de Einsiedeln, na Suíça, data do século X. Poemas em língua vernácula são encontrados especialmente a partir da metade do século XII.
Existiam muitas devoções a Maria naquele tempo. A coleção de orações de diversos tipos começou no período carolíngio. Uma das mais conhecidas era o Livro das Orações Sagradas (Libellus sacrarum precum), datado do final do século IX, contendo várias orações marianas. Mais tarde, encontramos os Livros das Horas, cuja essência foi o Pequeno Ofício da Bem-aventurada Virgem. Sua origem foi uma devoção adicional (cursus) acrescentada ao Ofício canônico assim como aos ofícios votivos da Bem-aventurada Virgem, que surgiram com os carolíngios. Este material foi reorganizado por São Pedro Damião (+ 1072) e recomendado por ele para uso diário.
Existiam muitos hinos e orações marianas circulando no século XIII, que foram incorporados à liturgia e às orações comunitárias carmelitanas. A primeira parte da Ave Maria já existia mais ou menos a partir do século VII. Era um elemento do Pequeno Ofício e foi recomendada por Pedro Damião para recitação freqüente. O acréscimo do nome “Jesus” pode vir do tempo de Urbano IV (+ 1264), mas a segunda parte da oração (“Santa Maria...”) é do século XV. Os hinos comuns durante esse período incluíam o Ave maris stella que data do século IX. As quatro grandes antífonas marianas já eram conhecidas: Alma redemptoris mater (século XII), Salve regina (talvez do século XI), Ave regina caelorum (século XII) e o Regina coeli (provavelmente do século XIII).
Outras formas mais populares de oração foram encontradas nesta época. As ladainhas marianas surgem mais ou menos no século XI com a Ladainha de Loreto, datando do final do século XII, com 73 invocações. Uma ladainha irlandesa com 76 invocações pode datar do século XII. Da mesma forma, saudações a Maria, muitas vezes repetidas 150 vezes correspondendo ao Saltério (Grusspsalter), começaram a ser usadas a partir de 1130. Estas últimas teriam dado origem ao Rosário, que tomou sua forma atual no começo do século XV. Coleções das Alegrias (cinco) e Dores (sete) de Maria (Marienklagen) também são do século XII. A grande seqüência Stabat Mater é provavelmente do final do século XIII, talvez do franciscano Jacopone da Todi (+ 1306). O costume de dizer três Aves Marias à noite pode datar do século XI. Gregório IX (+ 1241) ordenava que os sinos tocassem para que o povo pudesse oferecer as Aves Marias às Cruzadas. A primeira coleção de legendas sobre Maria apareceu no século XI, o Liber de miraculis santae Dei genetricis Mariae.
As vidas de Maria, muitas vezes baseadas vagamente nos Ofícios, tornaram-se populares no século XII. Irmandades marianas são encontradas a partir da primeira metade do século XIII, especialmente na França e na Itália.
Uma importante área de interesse para a antiga mariologia carmelitana foi ressaltada por E. Boaga. Ela lembra o número de santuários e de lugares sagrados na Palestina que foram associados à Maria nas escrituras, nos apócrifos e nas tradições orais. Posteriormente, eles nos ajudarão a compreender mais plenamente o significado da escolha de Maria como Protetora do oratório do Monte Carmelo.
*UMA PRESENÇA AMOROSA: MARIA E O CARMELO. Um Estudo da Herança Mariana na Ordem. Comunicações Carmelitanas-Melbourne Austrália. 2000
SÃO JOÃO DEL REI: Ordem Terceira do Carmo.
- Detalhes
No vídeo, imagens da celebração eucarística de entrada dos irmãos e irmãs da Venerável Ordem Terceira do Carmo de São João del Rei-MG. A Missa foi celebrada por Frei Petrônio de Miranda, O. Carm. Delegado Provincial para Ordem Terceira do Carmo. São João del Rei-MG. 1º de julho-2017.
10 ANOS DE CARMELITA: Um Testemunho.
- Detalhes
FREI PETRÔNIO EM SÃO JOÃO DEL REI: Um olhar...
- Detalhes
SEXTA-FEIRA, 30 DE JUNHO: Encontro com a Venerável Ordem Terceira do Carmo de São João del Rei-MG.
(PROGRAMAÇÃO: Hoje, dia 1º: 10 hs. Confissão. 16h e 17h 30m. Missa (Rito de entrada no Noviciado). Amanhã, dia 2. 8h. Missa e Rito de 18 irmãos e irmãs que fazem os Votos Perpétuos.
Ordem Terceira do Carmo de São João del Rei-MG (Sexta-feira, 30 de junho-2017): NOITE DE FORMAÇÃO.
- Detalhes
VENERÁVEL ORDEM TERCEIRA DO CARMO DE SÃO JOÃO DEL REI-MG.
-Sexta-feira, 30 de junho-2017. Noite de formação-
Encontro de formação sobre a Espiritualidade do SER Carmelita.
Frei Petrônio de Miranda, O. Carm. E-mail: Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.
1º- BEATO TITO BRANDSMA
Frei Emanuele Boaga, O. Carm. In Memoriam, e Irmã Augusta de Castro Cotta, Cdp e Dom Frei Vital Wilderink, O Carm, In Memoriam.
Frei Tito foi escritor por vocação. Somando-se os livros, artigos em jornais e contribuição em enciclopédias, seus escritos chegam a 796 trabalhos. A sua primeira publicação foi aos 20 anos de idade. O tema: “Antologia de textos extraídos das obras de Santa Teresa de Jesus” (editada em 1901). O último escrito foi uma nota ou apontamento para a reflexão da Sexta-feira Santa de 1942 no campo de concentração de Amersfoord, sobre a Mística da Paixão. Como se vê, para Frei Tito, em qualquer lugar se pode anunciar o Deus vivo e verdadeiro!
É compreensível que uma primeira imagem que se formou de Tito Brandsma, principalmente na sua pátria, foi a de um herói da resistência contra o nazismo. Já na década dos anos 30, através de cursos e palestras, Tito havia combatido fortemente a ideologia nazista que ganhava terreno na Alemanha e não deixava de suscitar partidários na própria Holanda. Arrestado pela polícia do Serviço de Segurança em janeiro de 1942, Tito fez uma dolorosa peregrinação por várias cadeias e campos de concentração para morrer no campo de Dachau onde lhe administraram uma injeção de ácido fenico, metodo più sbrigativo per stroncarne l'ultimo filo di vita. A enfermeira que executa o serviço, convertida mais tarde, será uma testemunha importante no processo de beatificação.Em mais de 35 cidades como gesto de homenagem civil ao herói da resistência, existe uma praça ou uma rua que tem o seu nome. É provável que, ao passar das gerações, o nome da rua vai servir mais para identificar os moradores do que o herói de um passado sempre mais longínquo..
Já em 1944, quando a ofensiva dos aliados consegue libertar o sul da Holanda da ocupação inimiga, é publicada uma oração escrita em forma de poesia por Tito na prisão de Scheveningen. A tiragem de 50.000 exemplares se esgota em pouco meses. Alimento para a devoção popular, a poesia não deixa de irradiar uma proximidade escondida: O Gesù quando te guardo/sento rivivere il mio amore per te/e che anche il cuor tuo mi ama/perfino come a un grande amico.... São palavras que traduzem uma certeza que fazem supor a ameaça do incerto que lhe espreitava de todos os lados. Afinal as palavras de Cristo para os que querem segui-lo,são normalmente traduzidas em situações não esperadas: "Le volpi hanno tane e gli uccelli del cielo nidi, ma il Figlio dell'uomo non há dove reclinare il capo" (Mt 8,20)
Aparecem depois as primeiras biografias. Algumas, principalmente na Itália, Espanha e em paises de língua inglesa acentuam, pelo menos no seu título, o papel de Tito junto aos jornalistas e à imprensa católicos na Holanda[10]. Ele estimava muito a carteira pessoal de jornalista, que lhe foi conferida pela Federation Internacionale des Journalistes. Aliás foi por causa de sua atuação como assistente eclesiástico nacional dos jornalistas que Tito foi preso. Em acordo com o Arcebispo de Utrecht, ele procurou convencer as direções e redações dos jornais católicos a não publicar material do Movimento Nacional Socialista Holandês como lhes havia sido imposto.. E não hesitou em confirmar durante os interrogatórios, mesmo por escrito, as razões por que o povo holandês, especialmente a parte católica, se opunha ao Movimento Nacional Socialista Holandês.
A Família carmelitana identifica nele a herança de sua tradição. Na estátua de bronze que a Universidade Católica de Nijmegen lhe ergueu, Tito aparece vestido do habito de carmelita e segurando no braço esquerdo sua beca de professor catedrático.
Outros, interessados em cultura no sentido tradicional da palavra, preferem concentrar-se na atuação de Tito no mundo do ensino, dos estudos, nas reuniões de estudiosos da mística, na edição de textos manuscritos, em projetos para instituições universitárias, etc. Não é de admirar que na Holanda cerca de 35 escolas têm o nome de Tito Brandsma nas suas portas de entrada.
Para o próprio Tito cultura era também entrar em contacto com pessoas concretas, dialogando sobre suas alegrias e tristezas, sobre seu desânimo e esperança. Era escutando que ele conseguia discernir os valores presentes na fé do povo simples, muitas vezes desprezados pelos intelectuais.
Tito Brandsma é mais que herói da resistência, é mais do que professor universitário. Outros já o disserem. Principalmente em torno da sua beatificação, em 1985, o acento começa a cair na dimensão mística da vida de Tito. O impulso nesta direção se deve em grande parte ao Instituto de Espiritualidade Tito Brandsma, ligado à Universidade de Nijmegen. Meio ano antes da beatificação o Instituto organiza um simpósio: Tito Brandsma e a Mística.
2º-O HÁBITO DO CARMO E O ESCAPULÁRIO: Simbolismo Bíblico
Escapulário do Carmo, escapulário de Nossa Senhora do Carmo, O HÁBITO DO CARMO, O hábito religioso,
Já no Antigo Testamento a veste - e de maneira especial, o manto - era símbolo dos benefícios divinos, da proteção do Alto, do poder transmitido a um enviado de Deus.
A veste especial de José foi símbolo da predileção (Gn 37,3); a capa de Jônatas presenteada a Davi foi um símbolo da amizade (1Sm 18,4). Em Isaías lemos: "Alegro-me imensamente no Senhor, a minha alma exulta no meu Deus, porque me revestiu com as vestimentas da salvação e envolveu-me com o manto da justiça" (Is 61,10). Quando Elias, o Profeta, foi arrebatado da terra, o seu manto caiu sobre Eliseu, seu discípulo, transmitindo-lhe o espírito do mestre (2Rs 2,14ss).
No Novo Testamento até as fímbrias do manto de Jesus tocadas com fé comunicam o seu poder benfazejo (Mc 5,25ss). São Paulo, mais de uma vez, apresenta a vida em Cristo como um revestir-se de Cristo (Rm 13,14; Gl 3,27); assumir os mesmos sentimentos de Jesus, isto é, a vida da graça filial do cristão, se descreve com a imagem da vestimenta. O hábito religioso, do qual o Escapulário é uma parte e um símbolo, significa de modo particular este seguimento de Jesus.
3º- LEIGOS CARMELITAS
Fr. Joseph Chalmers O.Carm. Ex- Prior Geral.
No 550º- Quingentésimo Quinquagésimo aniversário da Bula Cum Nulla, também celebramos a incorporação dos leigos à Família Carmelitana. A grande maioria de leigos carmelitanos pertencem ao que ainda é geralmente chamado de “Ordem Terceira”. Os termos “Primeira”, “Segunda” e “Terceira” são tirados da Ordem Servita do começo do século XVI. Eles nunca tiveram a intenção de fazer referência a uma hierarquia, mas simplesmente refletiram a realidade histórica de que alguns grupos foram fundados oficialmente antes de outros.
Em algumas Províncias, os membros da Ordem Terceira são chamados pelo nome genérico de “leigos carmelitanos”, apesar deste termo cobrir muitas outras realidades e grupos. Em diversos países existem antigas Fraternidades e Confraternidades Carmelitanas. Também existem muitos grupos novos surgindo em várias partes do mundo. Estes novos grupos dão testemunho da energia criativa que existe dentro da Ordem. Não devemos esquecer, é claro, dos milhões de pessoas que usam o escapulário de Nossa Senhora do Monte Carmelo. O caminho carmelitano tem inspirado muitos leigos pelo mundo a viverem o Evangelho de forma profunda e, às vezes, heróica.
Quero enfocar particularmente nesta carta os membros da Ordem Terceira, ou qualquer que seja o termo usado em diferentes países. Acredito fortemente que os leigos carmelitanos, no sentido de membros da Ordem Terceira, têm uma verdadeira vocação e são portadores de um carisma carmelitano para os outros assim como os frades, as monjas e as irmãs.
Os elementos principais do carisma carmelitano são bem conhecidos: oração, fraternidade e serviço. Estes três elementos são cimentados pela contemplação. Acima de tudo, os carmelitas são chamados a seguir Jesus Cristo e a viver o Evangelho na vida diária. Em nosso seguimento de Cristo, somos inspirados por duas figuras bíblicas: Nossa Senhora e o Profeta Elias. Todo carmelita, religioso ou leigo, é chamado a viver este carisma. O modo como juntamos estes elementos vai variar de acordo com nossa situação na vida. Os leigos devem viver o carisma carmelitano precisamente como leigos. Jesus disse que não estava pedindo ao Pai para tirar seus amigos do mundo, mas para guardá-los do Maligno (Jo 17,15). Todos os carmelitas estão no mundo de alguma forma, mas a vocação dos leigos é precisamente transformar o mundo secular.
A Regra e os Leigos Carmelitanos
A Regra de Santo Alberto é um documento carismático que está no princípio de todas as formas de vida carmelitana. Neste breve texto estão os elementos essenciais do carisma carmelitano em sua fase inicial. Estes elementos foram plenamente trabalhados através dos anos seguintes e a tradição carmelitana foi enriquecida pelas vidas de um grande número de pessoas e especialmente por nossos santos. Toda pessoa que é chamada a viver de acordo com o modo carmelitano dá sua contribuição para a tradição e a transmite para os outros.
Os religiosos carmelitanos têm Constituições por meio das quais a Regra de Santo Alberto é aplicada às condições dos dias de hoje. Do mesmo modo, a Ordem Terceira tem a sua regra. A primeira versão que conhecemos foi publicada em 1675 por Filipe da Visitação. Existem rumores de que, originalmente, ela foi redigida pelo Bem-aventurado João Soreth em 1455, o que é improvável. A atual regra da Ordem Terceira, como as Constituições dos religiosos, busca fazer a ligação entre o ideal carmelitano e a realidade atual daqueles que se empenham em vivê-la. Nestes últimos anos houve discussões e estudos, a nível nacional e internacional, com o objetivo de atualizar a regra da Ordem Terceira. Espero que, em breve, estejamos em posição de apresentar um texto adequado à Santa Sé, para posterior aprovação e publicação.
Por todo mundo existem muitos padres diocesanos e diáconos permanentes que são membros da Ordem Terceira. A vocação deles é diferente da maioria dos leigos. No entanto, para todos os membros, a espiritualidade carmelitana é a inspiração na vivência que eles têm da mensagem do Evangelho em sua vida diária.
A regra da Ordem Terceira define a missão dos leigos carmelitanos, que está enraizada no batismo e pelo qual cada cristão partilha no mesmo sacerdócio de Cristo, na sua dignidade real e em seu ministério profético. Os leigos exercem estas funções participando plenamente da vida da Igreja e aplicando os benefícios da liturgia em sua vida diária. Desta forma eles contribuem para a santificação do mundo.
Dentro desta vocação batismal comum, alguns leigos são chamados a participar do carisma de uma família religiosa particular. Professar como membro leigo carmelita é uma repetição intensificada de nossas promessas batismais. Entrando na Ordem eles assumem para si o carisma carmelitano, que é profundamente marcado pela oração. Portanto, a oração, tanto litúrgica quanto pessoal, é uma parte vital e integrante da vida do leigo carmelita. A participação, diária se possível, na celebração da Eucaristia, é a fonte da vida espiritual e da fecundidade apostólica. O ofício divino, como uma partilha na oração de Cristo, é encorajado pelo leigo carmelita e também é uma fonte de grande ajuda na jorna espiritual. A oração pessoal é vital para a vida dos leigos carmelitas e os meios tradicionais, encontrados na espiritualidade carmelitana, são especialmente enfatizados. Acima de tudo temos a lectio divina, a escuta orante da Palavra do Senhor, que quer nos abrir para um relacionamento íntimo com Deus, em e através de Jesus Cristo. A devoção a Nossa Senhora é marcante para o leigo carmelitano, porque ela é a Mãe do Carmelo.
Como todos os carmelitas, o leigo carmelitano é chamado a alguma forma de serviço, parte integrante do carisma dado à Ordem por Deus. Os leigos têm a missão de transformar a sociedade secular. Eles podem fazer isto de diferentes formas, de acordo com suas possibilidades. O grande exemplo para a ação profética é Elias, cuja atividade se origina numa profunda experiência de Deus.
A fraternidade também é um elemento essencial do carisma carmelitano. Os leigos carmelitanos podem criar comunidade de várias formas: em suas próprias famílias, onde a igreja doméstica pode ser encontrada; em suas paróquias, onde cultuam a Deus com seus companheiros e companheiras, tomando parte plenamente nas atividades da comunidade; em sua comunidade carmelitana leiga na qual encontram apoio para a jornada espiritual; no local de trabalho e no lugar onde moram. Este último necessita do testemunho daqueles que estão comprometidos com o amor ao próximo, como Cristo nos ensinou, contribuindo assim para a transformação do mundo de acordo com o plano de Deus.
A contemplação é o que cimenta os outros elementos do carisma. Como todos os membros da Família Carmelitana, os leigos carmelitanos são chamados a crescer no relacionamento com Cristo até se tornarem seus amigos íntimos e, como tais, ser uma poderosa influência transformadora no mundo. A assistência tradicional para o desenvolvimento da contemplação está muitas vezes ausente de nosso mundo, que é marcado pela atividade frenética. Portanto, os leigos carmelitanos devem encontrar tempo, para deixar de lado os cuidados da vida diária por um instante e permitir que Deus fale a seus corações em silêncio. Fortalecidos por este alimento, eles podem continuar sua jornada e olhar para o mundo com novos olhos. Os contemplativos podem ver a presença de Deus em situações improváveis. Deus sempre nos precede e está presente em qualquer situação antes de chegarmos. É nosso dever descobrir a presença de Deus nas coisas que nos rodeiam e proclamar esta presença para nosso mundo.
O Desafio
Ser um leigo carmelitano não é apenas uma vocação acrescentada à vida. É uma vocação. Por isso, uma formação sólida é essencial assim como para os frades, as monjas e as irmãs. O desafio principal que os leigos carmelitanos encaram é traduzir os elementos essenciais do carisma carmelitano para a vida diária. Vamos tomar como exemplo a devoção à Nossa Senhora. Esta é uma parte profunda da tradição carmelitana. O que esta devoção significa no início do século XXI? No ano de 2001, a Ordem celebrou o 750º aniversário do escapulário. O papa lembrou, em sua carta pelo ano mariano carmelitano, que o escapulário era essencialmente o hábito da Ordem e, por isso, aquele que o usa deve ter alguma ligação com a Ordem e com sua espiritualidade. O escapulário é um símbolo poderoso da presença de Nossa Senhora não apenas nesta vida, mas também na transição desta vida para a vida eterna com Deus. O escapulário também implica num duplo compromisso. Nossa Senhora é a Padroeira, a Irmã e a Mãe dos carmelitas e, como tal, cuida de nós. Por outro lado, devemos colocar em prática as virtudes de Maria em nossa vida diária. Portanto, uma devoção carmelitana à Nossa Senhora não é realizada simplesmente pela recitação de algumas orações, sejam elas poucas ou muitas.
Sendo uma Ordem, redescobrimos, nestes anos recentes, a Lectio Divina como um poderoso caminho de oração e de vida. A Lectio Divina é a escuta orante da Palavra de Deus que, como toda oração, busca abrir-nos à contemplação. Nossa Senhora é o modelo daquela que escutou a Palavra de Deus. É claro que não é suficiente apenas ouvir a Palavra. Maria a colocou em prática e nós também devemos fazer isso (cf. Lc 8,21). Na proposta tradicional da Lectio Divina, existe um tempo para a meditação sobre a Palavra que escutamos e esta ponderação deve levar-nos à oração que, por sua vez, leva ao silêncio, um silêncio profundo e aberto à contemplação. São João da Cruz escreveu, “Busque na leitura e você encontrará na meditação. Bata na oração e ela se abrirá para você na contemplação” (Máximas e Conselhos, 79).
Maria, a Mãe do Carmelo ouvir e viveu a Palavra. Ela acolheu a Palavra e a meditava da maneira como a Palavra chegava até ela, nos acontecimentos de sua vida. Na Anunciação, ela aceitou e cooperou com a vontade de Deus que lhe foi trazida pela mensagem do Anjo. Aos pés da cruz ela aceitou e cooperou com a vontade de Deus através de sua dor. Nas palavras do Magnificat encontramos Maria, a contemplativa a olhar para o mundo através dos olhos da fé e glorificando a Deus pela realização do plano divino.
Todos os carmelitas têm um relacionamento pessoal com Maria. Os carmelitas leigos têm que viver este relacionamento, imitando suas virtudes, ouvindo a Palavra de Deus na vida diária. O mundo em que vivemos nos encara com muitos desafios. As estruturas sociais que amparam a fé desapareceram em muitas áreas e a opção de seguir a Cristo precisa de coragem. A vocação dos leigos cristãos, acima de tudo, é a de ser fermento no coração do mundo secular. Os leigos carmelitanos vivem esta vocação, inspirados pela tradição carmelitana. No Magnificat, Nossa Senhora dá glória a Deus porque ela está consciente que Deus está agindo na transformação da realidade mesmo que as aparências evidenciem o contrário. Os leigos carmelitanos também permanecem com Maria aos pés da cruz, cooperando com a misteriosa vontade de Deus que deseja salvar todos os homens e todas as mulheres. Vivendo o Evangelho diariamente como Maria, nossa Padroeira, Irmã e Mãe, os leigos carmelitanos exercem seu papel na transformação do mundo.
Conclusão
Nos últimos anos o conceito de “Família Carmelitana” tornou-se parte de nosso modo normal de pensar. Todos os carmelitas, religiosos e leigos, são membros da mesma família e vivem a mesma vocação de modos diferentes de acordo com os diferentes estados na vida. Somos herdeiros de uma grande tradição e temos o dever sagrado de passar esta tradição aos outros. Temos de fazê-lo de uma forma harmoniosa, através nossas vocações pessoais.
Como membros da mesma Família, estamos unidos uns aos outros através de nossa oração feita uns pelos outros, e também por nossa assistência mútua. Deste modo, seremos testemunhas poderosas, na Igreja e no mundo, de que o carisma carmelitano está vivo e inspira continuamente as pessoas a viver a mensagem de Jesus Cristo. Através dos séculos da existência da Ordem, existiram muitas formas pelas quais as pessoas encontraram inspiração no carisma carmelitano. A Igreja aprovou oficialmente algumas destas formas enquanto outras pessoas preferem uma ligação mais livre com a Família. Algumas destas novas formas de ser carmelita, que estão emergindo nos dias de hoje em diversas partes do mundo, podem ser o começo de um novo trabalho do Espírito. Permaneçamos abertos à inspiração do Espírito e, com discernimento, saibamos ler os sinais dos tempos. O carisma de nossa Ordem encerra uma grande criatividade. Demos graças a Deus por sermos chamados ao Carmelo e agradeçamos a Deus por todos os nossos irmãos e irmãs.
Que Deus abençoe nossa Família e nos leve a todos e todas para nossa terra celestial. Que Nossa Senhora do Monte Carmelo nos ensine a ouvir a Palavra de Deus e saibamos colocá-la em prática em nossa vida diária.
*25 de maio de 2002. Festa de Santa Maria Madalena de’ Pazzi
UNAÍ-MG: Festa Junina.
- Detalhes
SÃO JOÃO DA CRUZ, CARMELITA: A Noite Escura.
- Detalhes
Frei John Welch, O. Carm. Whitefriars Hall, Washington
A metáfora da noite escura de João da Cruz nos lembra que a experiência de amor de Deus, não é sempre uma experiência pronta da união de toda criação. Na noite escura o amor de Deus se aproxima de uma maneira que parece negar-nos, parece que Deus está contra nós. Mas João afirma que nada no amor é escuro ou destrutivo, mas por causa da nossa necessidade de purificação, é que experimentamos o amor como escuro.
João nos dá uma descrição convincente sobre os momentos da vida em que se desvanecem as consolações e orar é impossível. O desejo está ainda presente, mas se esgotou no esforço para libertar-se dos ídolos. O teólogo Karl Rahner comentou que todas as sinfonias da vida permanecem sem conclusão. Em cada relação, em cada posse sempre haverá um momento em que surgirá a sensação de carência . Esta frustração do desejo e a atração por algo mais além, é a inquietude que causa o contínuo convite de Deus para uma união mais profunda.
Quando os deuses morrem durante a noite, se eclipsa a personalidade. Carl Jung, o psicólogo, disse que não podia distinguir os símbolos dos deuses que representam o ser humano. Quando uma pessoa perde seu Deus-símbolo a personalidade começa a desintegrar-se. Esta afeição obscura permanece até que emerja um novo símbolo-Deus antigo.
O conselho que dá João da Cruz durante esta crise na vida é de muita ajuda. Ele nos dá certeza de que o amor de Deus está em algum lugar presente no meio dos restos da vida, mas que inicialmente não será experimentado como amor. João aconselha paciência, confiança e perseverança. Esta atividade amorosa de Deus nos liberta dos ídolos e restabelece a saúde de nossas almas. Os “deuses” morrem na noite e a alma necessita passar por um processo de sofrimento. O caminho incorreto seria solucionar ou curar esta condição artificialmente, ou nega-la totalmente. João aconselha a enfrentar a condição, entrar nela com paciência, e ali onde o coração estiver lutando com mais força, ficar atentos à chegada do amor. João nos convida a uma “atenção amorosa” na escuridão; é tempo de ser um guardião na noite. A contemplação é uma abertura ao amor transformante de Deus, especialmente quando Ele aparece disfarçado .
A intensa experiência que João chama a noite do espírito é simultaneamente uma forte experiência de nosso pecado, da finitude de nossa condição humana, e a sempre emergente transcendência de Deus. Enquanto se está nesta condição as palavras carecem de significado. João escreve que é tempo de “moer o pó”. Tudo o que cada um pode fazer é realizar o próximo ato de amor que se apresente. No deserto o peregrino continua sua viagem existencial, apoiado numa verdadeira fé bíblica. João está convencido de que somente no contexto desta fé purificada é pode acontecer a relação com Deus. Como aconteceu com Teresa de Lisieux que seu pensamento sobre o céu se desvaneceu, ao peregrino que já não possui o objeto de sua esperança, recorda que a esperança é aquilo que ainda não se possui.
Os escritos de João não se limitam ao sofrimento. Sua poesia e seus comentários, foram escritos a partir do outro lado das lutas. A noite se converteu numa experiência iluminadora e num guia mais seguro que o dia. A chama que uma vez doeu agora é cauterizada e curada . E a ausência que o levou `a procura do Amado se revela como uma Presença compassiva escondida no seu desejo.
OLHAR CARMELITANO: A Venerável Ordem Terceira em Portugal
- Detalhes
Pelo que sabemos, o primeiro núcleo da Ordem Terceira do Carmo surgiu em Lisboa, na Igreja de Santa Maria dos Carmelitas, em 28 de novembro de 1629, como sugere um letreiro na primitiva capela do convento. A expansão dos terceiros está intimamente ligada à entranhada devoção mariana do povo português, particularmente no que se refere ao Escapulário do Carmo.
O organizador da Ordem terceira lusitana foi frei Pedro de Melo (+1635), que publicou a primeira Regra dos Terceiros em língua portuguesa (1630), contido num devocionário destinado a eles, obra que, infelizmente, se perdeu. Provavelmente frei Pedro deixou se orientar pela Regra de Terceiros do Prior-geral da Ordem, Teodoro Straccio, oficialmente publicada somente em 1637. Interessante notar que uma das fontes do livro de Straccio foi precisamente um tratado composto por frei João Silveira (1592-1687), por ordem do provincial de Portugal. Diversas foram as Regras para Terceiros publicadas em anos posteriores. Destacamos a de frei José de Jesus Maria, no seu Tesouro Carmelitano, cuja primeira edição é de 1705. Teve grande influência em todo o território lusitano e suas colônias. Conserva os votos, mas no final da Regra, ao tratar das obrigações, não faz mais menção dos votos! Tudo que a Regra contém — diz frei José de Jesus Maria — são conselhos e diretrizes para facilitar o caminho da salvação. O texto de frei Miguel de Azevedo (+1811), editado em Lisboa, no ano de 1778, consagra uma outra concepção dos votos de Terceiros. São considerados simples propósitos que não implicam nenhuma obrigação moral. Influenciou fortemente a vida da Ordem terceira, tanto em Portugal quanto no Brasil.
Notamos, assim, uma significativa evolução da Ordem terceira do Carmo: de uma associação só para mulheres, com voto expresso de ‘castidade perfeita’, chega-se a uma associação com voto de castidade ‘segundo o próprio estado’. Por volta de 1600 vemos surgir o que será chamada depois de ‘Ordem Terceira Secular do Carmo’, isto é, uma associação de fiéis que vivem no mundo e que, sob a obediência da Ordem do Carmo e segundo o seu espírito, se esforçam por alcançar a perfeição cristã pela observância da Regra terceira. O fim principal, portanto, é ‘uma vida mais perfeita, segundo o ideal carmelitano’, ou seja, união íntima com Deus pelo espírito de oração e uma terna devoção à Virgem Puríssima do Carmo. Semelhante estilo de vida deve contribuir para promover, no próprio ambiente em que vive o terceiro, o bem da Igreja e a salvação das almas.
Foi a Ordem Terceira que, em Portugal, manteve viva a devoção de Nossa Senhora do Carmo e o culto ao Santo Condestável durante a supressão da Primeira Ordem em terras lusitanas.
CARMELITAS: UMA COMUNIDADE CONTEMPLATIVA NO MEIO DO POVO
- Detalhes
Frei Joseph Chalmers, O. Carm.
Somos os irmãos da Virgem Maria do Monte Carmelo. Nossa Ordem começou porque os eremitas latinos no Monte Carmelo quiseram reunir-se como uma comunidade de irmãos. Eles já haviam vivido juntos bastante tempo para experimentar a proposta do estilo de vida que eles levaram a Santo Alberto, Patriarca de Jerusalém, para que ele pudesse dar-lhes a aprovação eclesiástica. Quando a “ formula vitae” de Alberto foi formalmente aceita como uma Regra pelo Papa Inocêncio IV em 1247, os eremitas foram inseridos no novo movimento dos mendicantes que era muito forte na Europa daquele tempo. Os eremitas Carmelitas se tornaram frades chamados ao serviço do povo. Uma das características dos mendicantes era que eles viviam no meio do povo e não em grandes mosteiros como os monges.
Apesar do fato de que a Ordem é claramente chamada ao apostolado ativo, a contemplação continua sendo um elemento fundamental de nossa vocação. Nós nos entendemos como comunidades contemplativas a serviço do povo de Deus no meio do qual vivemos. Graças a Deus já passamos dos tempos em que nós buscávamos nossa identidade. Nossa identidade está clara! Agora temos que viver as implicações de nosso carisma na vida de cada dia.
Temos que viver uma vida de obediência a Jesus Cristo e servir-lhe fielmente com um coração puro e reta consciência e fazemos isto através do compromisso de buscar o rosto do Deus vivo (a dimensão contemplativa da vida), em fraternidade, e no serviço (diakonia) no meio do povo (Const, 14). Estes três elementos estão estreitamente ligados entre si pela experiência do deserto que é a experiência da ação purificadora de Deus em nossas vidas. A contemplação determina a qualidade da nossa vida fraterna e do nosso serviço no meio do povo de Deus (Const, 18). A meta da contemplação é a de ser transformados em Deus e assim veremos a realidade com os olhos de Deus e amaremos com o seu coração (Cf. Const, 15).
Uma atitude contemplativa nos permite descobrir a presença de Deus nos outros e apreciar o mistério daqueles com quem partilhamos nossas vidas (Const, 19). Somos chamados a viver em comunidade, para partilhar nossas vidas com os outros, mas sobretudo com nossos irmãos e é isto em si mesmo um testemunho para outros, que Deus está presente em nosso meio e através deste testemunho Deus tocará os corações de muitas pessoas.
Pode-se falar coisas bonitas sobre a comunidade e seu significado teológico, mas todos sabemos que a realidade de uma comunidade religiosa é algo muito diferente. Nossas comunidades refletem a realidade da Igreja e do mundo em que vivemos. Somos pecadores redimidos e tentamos fazer a vontade de Deus. Não somos perfeitos como individuos e por conseguinte ainda não podemos ter comunidades perfeitas.
Há uma sede de se viver em comunidade em nosso mundo e todavia ao mesmo tempo o individualismo está desenfreado. Esta tensão está presente em nossas próprias vidas, porque claramente somos afetados pelo mundo em que vivemos. Somos atraídos pela comunidade, mas ao mesmo tempo somos tentados a colocar nossas próprias necessidades e desejos sobre todas as coisas, a julgar tudo pelo modo como nos afeta. Viver em comunidade não é fácil e ainda que estamos comprometidos a viver em comunidade, é crucial reconhecer a tendência que existe em todos nós de iludir suas demandas e encerrar-nos em nossos próprios egoísmos. Esta é a realidade de pecado em nossas vidas, mas somos redimidos. Claramente a redenção alcançada por Cristo para nós não nos fez santos ainda; estamos a caminho. Cristo nos oferece uma maneira de crescer além de nossas limitações, devemos, porém, aceitar a salvação que ele oferece. A primeira fase é reconhecer que não está tudo bem.
Como está a experiência de vida em nossas comunidades carmelitas? “A multidão dos que creram tinha um só coração e um só alma e nenhum tinha por própria coisa alguma, mas tinham tudo em comum.” (Atos 4,32). Se esta é experiência de vida na comunidade de vocês, vocês são verdadeiramente felizes, mas suponho que esta não é experiência de vocês. Eu diria que o melhor que se pode dizer é que a comunidade é bastante agradável e que vocês chegaram entre si a uma aceitação mútua de uns aos outros. Na pior das hipóteses.. pode ser muito difícil e uma realidade muito diferente da que buscamos e que escapa em cada oportunidade. Por que nossa comunidade não é perfeita? Podemos jogar a culpa no Provincial e seu Conselho ou colocar-nos nesta situação terrível, ou culpar ao irmão X de nossa comunidade, culpamos os nossos irmãos com quem é impossível formar uma verdadeira comunidade apesar de nosso desejo. Poderíamos também tentar culpar a Deus, mas se nos encontramos culpando a todos com a exceção de nós mesmos, temos que pensar que pode existir um outro problema. Pode ser possível também que outros nos achem difíceis e em seus corações estão culpando-nos pela falta de comunidade real.
Nós vivemos juntos, mas temos experiências muito diversas. Entramos na comunidade com nossa própria experiência particular de vida que nos marcou para bem ou para mal. Chegamos na comunidade com nossa própria carga e comumente com expectativas muito diferentes. Podemos usar a mesma palavra, “comunidade”, mas podemos querer dizer coisas muito diferentes. Eu creio que o primeiro passo para melhorar nossa vida de comunidade é aceitar que nós somos diferentes e que buscamos coisas diferentes. Necessitamos aceitar-nos em toda nossa diversidade e tentar ver nesta realidade humana algo da riqueza de Deus. Cada individuo é na verdade um mistério. Precisamos aceitar o fato de que alguns indivíduos estão tão profundamente marcados pelos vaivéns da vida que não podem viver uma vida normal. Quando sua conduta causa danos à vida da comunidade, alguém tem que falar honestamente e os responsáveis devem oferecer a estes indivíduos a possibilidade de encontrar uma ajuda para viver uma vida mais equilibrada. Sei que isto não é fácil, mas o resultado de não desafiar a conduta imprópria é que o indivíduo “difícil” acabará por infernizar a vida da comunidade. Pessoas como estas são uma minoria, mas todos nós precisamos, de vez em quando ser desafiados para ser fiéis à vocação a que fomos chamados. Este desafio pode vir constantemente a nós através da vida diária com os outros. Pregamos o Evangelho, mas a comprovação de nossas palavras estão em nossos feitos. É muito fácil amar a um vizinho se não temos vizinhos. A forma como realmente vivemos em comunidade, nos dirá se realmente somos homens de oração e manifestará a verdade aos demais. A autenticidade de nossa oração será óbvia através de nosso contato diário com nossos irmãos.
Ainda que viver a realidade da comunidade não é tarefa fácil, é a maneira que Deus escolheu para nós. Se a vocação não é algo imposto em nós desde o exterior e sim parte de nossa realidade interior, que descobrimos pouco a pouco, então o desejo ardente da comunidade e a habilidade de vivê-lo está escrito no profundo de nosso ser. Por causa da nossa natureza decaída, temos coisas fora de equilíbrio mas os elementos da vida de comunidade podem ajudar-nos a crescer, se desejamos seguir a Cristo no deserto.
Não há ganho sem dor. Crescer é doloroso, mas a dor nos torna homens maduros. Há um sério perigo na vida religiosa de se permanecer imaturo por toda a vida. Recebemos o que necessitamos da comunidade e tanto faz se trabalhamos ou não. Se somos pessoas difíceis, receberemos tudo para assegurar que permanecemos felizes e para que os outros possam ter alguma paz. Então podemos ser como crianças mimadas. Seguir Cristo leva inevitavelmente à cruz de uma forma ou de outra. Isto não é um castigo, mas é a maneira pela qual Deus nos ajuda a tornar-nos o que Ele sabe que podemos ser. Através de nossa experiência de vida, Deus nos purificará e aparará nossas arestas. Não vamos gostar no momento, mas o resultado final vale a pena. Uma parte desta purificação terá lugar através de nossa vida em comunidade. Queremos permitir a ação de Deus em nossas vidas ou queremos rechaçá-la e seguir a nossa vontade. Esta é a diferença entre trabalhar para Deus e fazer o trabalho de Deus. Trabalhar por Deus significa fazer o que queremos e assumimos que isto também deve ser o que Deus quer. Fazer o trabalho de Deus pode ser muito diferente - ou fazer o que Deus realmente está buscando de nós, requer um discernimento cuidadoso e um escutar silencioso da voz sutil e doce de Deus que nos fala através das pessoas mais inesperadas.
As Constituições assinalam os principais elementos de nossa vida que podem ajudar-nos a crescer como indivíduos e como irmãos (31). O primeiro está “na participação comum na Eucaristia, através da qual nos tornamos um só corpo, e que é fonte e cume da nossa vida e, dessa forma, sacramento da fraternidade.” Celebramos a Eucaristia em comum em nossas comunidades? Isto está prescrito em nossa Regra e era um exigência muito rara para os eremitas. Estou propondo uma Eucaristia comum não porque é parte de nossa Regra e sim porque é a maior ajuda que nós temos para construir a nossas comunidades. Eu estou bem consciente de que se pode alegar todas os tipos de razões pelas quais a Eucaristia comum não é conveniente, mas onde há a vontade, encontra-se uma forma. Às vezes pode-se usar as necessidades do apostolado como uma desculpa para não se participar de atividades comunitárias. Neste caso necessitamos olhar nossas vidas com grande honestidade e perguntar-se: Que estou buscando? Que quero fazer com minha vida e que Deus quer de mim? Como se adapta meu estilo de vida com minha vocação Carmelita?
O segundo elemento mencionado nas Constituições é similar ao primeiro, é a celebração comum da Liturgia das Horas. Pode ser que alguns de nós todavia estamos padecendo da experiência do passado onde em alguns casos, a comunidade reunida dizia muitas orações mas os membros individuais não se entendiam uns com os outros. Podemos utilizar a oração para “massagear” nosso próprio ego em lugar de ser uma abertura para a purificação e para a ação curativa de Deus, mas esse perigo não é uma razão para deixar a oração como indivíduos ou como comunidades. Santa Teresa de Ávila disse que com respeito à oração necessitamos ter uma determinação muito grande para seguir fazendo-a e nunca render-se. Se queremos louvar a Deus juntos como irmãos, a Igreja nos tem dado uma oportunidade preciosa por meio da Liturgia das Horas com a qual nos unimos com a Igreja inteira para oferecer a Deus o sacrifício de louvor. É por conseguinte possível reavivar nossas celebrações litúrgicas para que não se tornem rotineiras.
O elemento seguinte mencionado nas Constituições para a edificação da comunidade é a escuta orante da Palavra. Esta é portanto parte da celebração da Eucaristia e da Liturgia das Horas, mas também se recomenda por meio da Lectio Divina, onde juntos lemos e refletimos a Palavra de Deus, damos nossa resposta a esta Palavra em nossas próprias palavras e em silêncio, onde permitimos à Palavra formar nossos corações e unificarmos. Não podemos ter comunidades orantes se nós não somos indivíduos orantes. Cada um de nós é responsável pela saúde da comunidade. Ser piedoso não significa necessariamente dizer muitas orações, mas permitir que nossa oração nos transforme a nós e ao modo como nós nos relacionamos com os outros.
As Constituições reconhecem que necessitamos discutir preocupações comuns e por isto a reunião comunitária é um elemento importante na vida da comunidade. Se não discutimos coisas que nos envolvem, elas se tornarão problemas que podem destruir a harmonia de qualquer comunidade. Na reunião comunitária tem que se tratar das coisas de cada dia, mas também os aspectos espirituais da vida da comunidade. Certas habilidades básicas são importantes para uma reunião da comunidade. Se vocês sabem que não as têm, ou desconfiam disto, por que um dos outros irmãos não pode organizar a reunião?
Também as Constituições nos animam a partilhar a mesa e recreação em comum. Se nunca estamos juntos, nunca cresceremos em unidade. Se estamos juntos, por certo há um risco de conflito, mas se existe boa vontade para dialogar, estes problemas podem ser superados e podem ser de fato um elo de unidade entre nós. Cada um de nós deve examinar nossa própria consciência. Eu estou pronto a dialogar de verdade com meus irmãos? Tenho sempre razão e os outros nunca? É possível que algumas de suas críticas tenham algo de verdade? Neste caso que faço?
Finalmente as Constituições nos animam a trabalhar juntos e partilhar nossas alegrias, nossas ansiedades e amizades. É importante celebrar as datas ordinárias juntos, como por exemplo: aniversários de nascimento, votos, ordenação, etc. Também é importante estarem ali quando temos problemas. Sempre salvaguardando o direito da comunidade a sua vida privada, é muito bom partilhar os nossos próprios amigos pessoais com a comunidade.
A comunidade religiosa é uma realidade humana e por conseguinte não é perfeita, mas é o ambiente em que somos chamados para responder ao amor gratuito de Deus para conosco. É o lugar privilegiado onde podemos crescer como seres humanos, como cristãos e como religiosos. Aceitemo-nos com todas nossas faltas, esforcemo-nos para amar-nos como Cristo nos amou e a valorizar os demais como irmãos e co-herdeiros do Reino de Deus. De vez em quando, por certo, não manteremos nossos ideais altos, mas essa não é uma razão para deixar estes ideais e conformar-nos com a mediocridade. Cristo prometeu estar conosco e podemos confiar nessa promessa. Se o permitimos, ele amará a nossos irmãos através de nós. Se nossa experiência de comunidade não tem sido boa, por que não tentamos seguir o princípio de nosso irmão, São João da Cruz que disse, “Onde não há amor, coloque amor e encontrará amor?” Se há amor dentro de uma comunidade, todos os obstáculos podem ser superados. A vida comunitária não será perfeita, mas saberemos que somos aceitos pelo que somos, o qual nos dará a confiança para ir ao encontro dos outros e partilhar esse amor com eles. Nossa vida comunitária levará o testemunho da verdade do Evangelho que Cristo rompeu as barreiras que separavam as pessoas entre si e que seu amor pode curar.
Se desejamos correr o risco de amar a nossos irmãos, cumprimos o artigo de nossas Constituições que diz “A fraternidade, segundo o exemplo da comunidade de Jerusalém, é uma encarnação do amor gratuito de Deus e interiorizado através de um processo permanente de esvaziamento do ego centrismo – também possível em comum – para uma centralização autêntica em Deus. Assim, podemos manifestar a natureza carismática e profética da vida consagrada do Carmelo e podemos inserir harmonicamente nela o uso dos carismas pessoais de cada um a serviço da Igreja e do mundo.” (30).
Leia em espanhol. Clique aqui:
*OLHAR CARMELITANO: A Autoridade no Carmelo
- Detalhes
FREI CARLO CICCONETTI, O.CARM.
O grupo de eremitas, "moradores do Monte Carmelo junto à Fonte", apresenta-se logo sob o signo da Autoridade-Obediência: estão sob a obediência de Brocardo e desejam exprimir a sua voluntária e total "obediência" a Cristo Jesus, reconhecendo-Lhe a "Soberania" universal (Regra 1 e 2), sacramentalmente manifestada na sua Igreja e nos seus Pastores. Desde os inícios procuram a aprovação da Igreja. "Alberto, por graça de Deus chamado a ser Patriarca da Igreja de Jerusalém, aos amados filhos Brocardo e outros eremitas, que vivem debaixo da sua obediência junto à Fonte, no Monte Carmelo, saúde no Senhor e bênção do Espírito Santo" (Regra 1).
A Autoridade - um conceito tão irritante e dissonante para a nossa mentalidade - qualificada como "graça de Deus e vocação" desde as primeiras linhas da nossa Regra. O poder de governar é "graça" ou Charis em grego, donde "carisma", "dom" de Deus. Con-corre junto com os outros múltiplos "carismas" para a edificação da sua Igreja (1Cor 12,4-11.28; Ef 4,7.11-16). Aprofunda as suas raízes na Ágape Divina; é expressão de amor. A graça, por defini-ção, é "participação e comunicação da vida divina".
É VOCAÇÃO, posto que ninguém se arroga a autoridade (na Igreja), como o ministério sacerdotal, se para ele não for chamado por Deus. Dele vem toda a paternidade no céu e na terra (Ef 3,15: Jo 19,10-11; Hb 5,1-10). Concretamente, Alberto foi "chamado", isto é, eleito pelos que tinham voz no Capítulo dos Cônegos Regulares do Santo Sepulcro de Jerusalém; mais tecnicamente: o "postula-ram", porquanto não teria tido voz passiva naquela Igreja.
Mas a Vocação, por último, vem de Deus. Deus chama e dá a cada um "um Carisma ou uma diaconia" (1Cor 12,4-11; Ef 4.7.11-16), inclusive, "o carisma do governo" ou a "chamada" ao governo (1Cor 12,28), por meio da Igreja e a favor do Povo de Deus. Esta é a fonte primeira da legitimidade da Autoridade de Alberto, mas não seria suficiente se os eremitas não estivessem eles próprios "em Cristo", isto é, batizados e membros da Igreja, ou melhor, membros desta Igreja particular, a Igreja de Jerusalém. Na sauda-ção-bênção vem expressa a finalidade da Autoridade, a salvação (ou saúde) no Senhor, os dons do Espírito Santo para o "homem novo".
A Tradição dos Padres da Igreja e da vida monástica mencionada logo em seguida e também ao falar da Oração Litúrgica (2.11) completa esta visão das relações intra-eclesiais, que são parte da experiência fundacional do Carmelo.
A Ordem do Carmo, apresentando a Regra, segundo a qual promete viver na obediência a Cristo, e explicitando de vários modos o seu serviço ou carisma peculiar conforme ao qual se compromete com a Igreja, subscreveu com a Igreja um Pacto público; por isto recebe da Igreja a Autoridade para o exercício fiel do seu carisma. Na ótica do Pacto bíblico que, em união com as promessas de Deus, provê a um "capitulado" (confirmado em "capitulares") da Aliança, a Torah, este "Pacto" também significa a assunção de deveres nos relacionamentos com toda a Igreja. Será sancionado a nível universal nas várias intervenções dos Papas a favor da Ordem e garantido com a observância das suas leis fundamentais. Cada irmão, que com a Profissão religiosa se compromete perante a Igreja e com a Ordem, entra na ótica desta Aliança.
Alberto, Patriarca de Jerusalém, laureado "in utroque jure", na nossa Regra une em um triângulo ideal, com sábio equilíbrio, Bíblia, Teologia (a Eclesiologia recebida dos Santos Padres da Igreja) e o Direito, como código e instrumento de comunhão; não apenas nesta saudação inicial, mas, aqui e ali, em toda a sua "Forma vitæ".
Evocada a fonte da sua Autoridade em relação aos eremitas de junto à Fonte, "estabelece", quer dizer, ordena com Autoridade o que segundo a tradição da igreja é necessário para viver "con-cretamente" em obediência a Cristo. Com evidente ênfase no latim, quer uma Autoridade, um Prior, "um eleito entre eles": "illud in primis statuimus...", porque se queres viver realmente "debaixo da Soberania de Cristo", no seu "obséquio", deves começar por reconhecer, "acima de ti, alguém que o representa", que Lhe faz as vezes (Regra 4.23: cf. Rm 13,1), para que inicies o caminho ao inverso daquele de Adão (Regra 4). A Autoridade do Prior é meio, não é fim: o Prior não visa impor a sua vontade, mas "guiá-los à obediência a Cristo" (Const. n.48).
Nós não temos de ter medo de falar de potestade-poder ou de Autoridade quando sabemos que autoridade "entre nós" não é igual à que "de fato" exercitam os "poderosos" do "mundo" (Regra 22 - cf.Mt 20, 25-26), mas está revestida das qualidades do serviço evangélico.
Ninguém trate de impor um Prior à Comunidade (Gregório IX), por que entre a Autoridade e aqueles sobre os quais preside se contrai um pacto bilateral: os irmãos elegem: eles também exercem desta maneira um poder, uma Autoridade; a pessoa "eleita" aceita e de qualquer maneira exerce um direito, um poder; só então, pelo mútuo consentimento confirmado pela Autoridade Superior, se estabelece a aliança entre a pessoa que foi chamada a se revestir da Autoridade e os irmãos que prometeram obediência. Os teólogos-juristas do tempo enxergavam a eleição para um cargo por parte de uma comunidade, e não apenas a do Bispo na sua Igreja Diocesana, como um "pacto esponsal", uma relação, portanto, ditada pela Caridade, pelo Amor.
A Autoridade "vém de Deus", "os Superiores fazem as vezes de Deus", são um "serviço" e um "ministério" (PC14: câns 618,619). Estas são afirmações válidas até o dia de hoje e que aprofundam as suas raízes na concepção teológica e antropológica da Bíblia, recebida da Patrística e da Tradição da Vida Monástica. Pressupõe-se, naturalmente, a fé, que leva à esperança e ao amor. Para a teologia cristã isto inclusive é válido para a autoridade ci-vil: o homem é o fim e a medida de todas as instituições huma- manas e divinas.
Na Ordem do Carmo, como em outros Institutos Religiosos, a Autoridade está orientada para o bem e o serviço da própria Igreja e, mais diretamente, para o "serviço" daqueles fiéis-súditos que com a profissão religiosa abraçam a vida e a santidade da Igreja na "Forma de Vida" carmelita, aprovada canonicamente pela própria Igreja. A profissão entra na ótica daquela Aliança Esponsal da Igreja, pacto de amizade e de plena identificação com o seu mistério" (1Tm 5,9-15). A Regra e as Constituições são o "capitulado" desta Aliança, o "Código de Comunhão". Vivido e interpretado no interior das ordenações da Igreja. Não quer dizer que se trancam os espaços para a "liberdade de consciência", que permanece sempre a última instância, ou da liberdade "profética" autenticamente tal.
*XVº CONSELHO DAS PROVÍNCIAS. [REFLEXÕES TEOLÓGICAS SOBRE O PODER DE GOVERNO NA ORDEM DO CARMO]
OLHAR CARMELITANO: Fatos da Vida de Teresinha
- Detalhes
A visão da Igreja
No tempo de Santa Teresinha, no fim do século passado, na França, a visão de igreja que predominava era proveniente do rigorismo do Jansenismo. Deus ficou distante. Um Deus exigente e moralista. A vida comunitária do Carmelo era marcada por esta visão de Deus. Havia um manual, feito em 1842, chamado “O Tesouro do Carmelo”. Era um resumo da espiritualidade dos mosteiros da França. Mistura proveniente de Santa Teresa e do Cardeal Bérulle. Tinha forte influência do rigorismo de Jansênio. O uso frequente deste manual fez com que não se liam os grandes mestres espirituais. De S. João da Cruz só se lia a Subida do Monte Carmelo. Espiritualidade rigorista, ascética, moralista e individualista. Na Biblioteca do mosteiro de Lisieux só havia um único exemplar da Bíblia traduzida para o francês e este nem sequer era completo, pois faltavam os livros deuterocanônicos. Para uma irmã poder ler a Bíblia precisava de licença da superior.
Teresinha nasce e cresce dentro deste contexto. Quando ela está no fim da sua vida, a gente capta dos escritos dela uma visão de igreja que significa uma ruptura com este modo de ser e de viver. Para avaliar a novidade de tudo isto que apareceu na vida dela, convém não esquecer que ela era uma moça de apenas 15 anos quando entrou no convento. Ela nunca frequentou escola nenhuma. Tinha vários problemas, mas decidida em seguir a vocação que sentia dentro de si mesma.
Deus como amor e ternura.
Em Teresinha transparece uma nova imagem de Deus, fruto da sua experiência. O seu jeito de lidar com Deus era uma crítica ao jansenismo. Na história de uma alma a gente consegue seguir mais ou menos a gênese desta novidade. A experiência da vivência do próprio pai, o trauma que viveu com a perda da mãe. A experiência vivida na noite de Natal em que de repente conseguiu superar o seu problema afetivo e ter um domínio maior.
Ela soube viver todos estas aspectos da sua vida em estreita ligação com a sua fé. Ela fazia da sua vida pessoal o que nós tentamos fazer hoje: ligar fé e vida. E houve uma iluminação mútua. Talvez aqui esteja uma das maiores contribuições de Teresinha: a nova imagem de Deus e a repercussão que isto tem na vida pessoal e comunitária das pessoas.
No coração de minha mãe a igreja eu serei o amor
Por exemplo, lendo sua vida, como jovem, sentia impulsos grandes e desejos enormes. Ela queria ser tudo ao mesmo tempo e percebia que isto não era possível. Mas por outro lado pensava, se este desejo existe em mim, deve haver um caminho para realiza-lo. Lendo a Bíblia, ela descobriu: “No coração de minha mãe a Igreja, eu serei o amor!”.
O CORAÇÃO DE JESUS: Santa Maria Madela de Pazzi, Carmelita
- Detalhes
O Presente artigo quer trazer uma contribuição modesta à história da devoção ao Sagrado Coração de Jesus, na época anterior ás revelações de Paray-le-Monial, pondo à luz aquilo que a respeito do Sacratíssimo Coração de Jesus têm de mais relevante os êxtases de Santa Maria Madalena de' Pazzi. Esta grande Santa do Carmelo, de fato, no que diz respeito à devoção ao Sacratíssimo Coração de Jesus, foi desmerecidamente deixada no esquecimento. J. Bainvel, por exemplo, no seu artigo sobre o Coração de Jesus no Dictionnaire de Théologie Catholique (t.III, col.271-351) sobre a nossa Santa refere apenas o seu testemunho sobre a devoção de São Luís de Gonzaga ao Sacratíssimo Coração de Jesus (col. 314 - veja I, 118).
A Santa do Carmelo foi conduzida a outras contemplações profundas, que talvez poderiam facilmente juntar-se ao seu referido assunto; de fato mais de uma vez foi arrebatada em êxtase na contemplação da chaga do Lado Sagrado do Redentor. Todavia no presente artigo foram tomados em consideração os traços dos seus êxtases, que se referem diretamente ao Sacratíssimo Coração de Jesus.
Prelúdio das maravilhosas revelações de Paray-le-Monial foram aquelas que, um século antes, o Senhor se dignava fazer à mística Santa do Carmelo, Santa Maria Madalena de' Pazzi.
A esta alma eleita, para quem parecia que não existiam mais as barreiras entre o tempo e a eternidade diante dos êxtases constantes, durante os quais mergulhava na contemplação do mistério de Cristo, muitas vezes o Senhor mostrou o seu Coração divino. Entre ardentes chamas e raios brilhantes, como símbolo do imenso amor que trazia pelos homens, a Santa viu o Coração de Jesus, aquele Coração de carne, ferido pela lança, que então a ela se revelava assim como um século mais tarde se revelou a Santa da Visitação, Santa Margarida Maria Alacoque: era como "o ninho" do amor de Jesus pelos homens (II 346), amor imenso, que se fez patente pela chaga que nele abriu a lança do centurião (II 431).
Brilhante como o sol, chamejante como uma fornalha ardente, lançando raios de fogo, Jesus mostrou o Seu Coração a Santa Margarida Maria (Vie et oeuvres 2e ed. T.II p.381).
De visão semelhante gozou Santa Maria Madalena: "Ó humanidade do meu Cristo!... Flores estão nos teus pés, nas tuas mãos frutos e pedras preciosas, mas no Coração flechas em grande abundância!" ─- exclama um dia a Santa arrebatada em êxtase (II 441). Em outra ocasião "via sair do Coração de Jesus uma grandíssima fornalha de amor, que continuamente emitia setas e raios de fogo sobre os corações dos seus eleitos" (II 259).
As místicas elevações sobre o Coração de Jesus, que a Santa do Carmelo proferia, arrebatada em êxtase, são um comentário antecipado e admirável das mensagens de misericórdia transmitidas desde Paray-le-Monial.
"As almas fervorosas chegarão em breve tempo a grande perfeição", dizia o Coração de Jesus a Santa Margarida Maria. A Santa Maria Madalena Jesus concedeu contemplar a perfeição que alcançam estas almas fervorosas ─- as verdadeiras esposas que repousam no Teu divino beneplácito ─- entrando no divino Coração pela chaga do Lado sagrado, que ficou aberta, diz a Santa, como "porta (...), para que pudessem entrar com o desejo de repousar naquele Coração" (II 431). A linguagem que a Santa no rapto do êxtase usa ao descrever-nos a perfeição alcançada pela alma no Coração de Jesus é a linguagem da mais alta mística, feita de contrastes e paradoxos, visto que deseja exprimir experiências inefáveis de um modo inacessível aos sentidos. Vede: "Bem-aventurada pelo amor se inebria e não fica saciada; sacia-se e sempre tem sede; consuma-se e não é destruída; morre pela doçura numa vida eterna e é uma vida como uma morte, porque nada sente de si mesma, mas tudo de Deus; e é uma morte toda vida, porque é completamente bem-aventurada sem nunca ver o fim. «In nidulo meo moriar» desta morte, que é vida, mas «multiplicabo dies», pois viverei sempre felicíssima e por toda a eternidade que há de seguir-se" (II 431). A alma vive de amor "com um total abandono que faz de si mesma, em tudo e através de tudo, (estar) em Deus" (II 169), amor com o qual ama ao seu próximo também e "não ama somente as criaturas próximas dela e as ajuda, mas extende-se o seu amor às almas do Purgatório e as ajuda com sufrágios, esmolas e outras orações e obras de piedade" (II 169). É a perfeição enfeixada na caridade.
Nas revelações de Paray-le-Monial Jesus prometeu aos devotos do Seu Coração divino a paz às suas famílias, a consolação nas suas penas, prometeu ser o seu refúgio seguro na vida e na morte; à Sua esposa fiel do Carmelo o Senhor revelou quanta paz, consolação, segurança encontrariam as almas no seu Coração! Mostrou, de fato, à Santa extática o Seu Coração divino como um precioso vaso que continha um "puro, atraente, doce e delicado licor" que - como entendeu a Santa ─- era o "puríssimo e simplicíssimo amor de Deus". Pois bem, este licor precioso, que a alma hauria do Coração de Jesus, a confortava de um modo maravilhoso, porque ele "sacia todos os desejos, cura todas as enfermidades, tranqüiliza nas tribulações e pacifica a alma com Deus; daí, encontrando-se a alma tão pacificada com Deus, não se aquieta se não vê ainda os próximos na mesma paz: e esta é aquela paz que supera todos os sentidos (...). A alma que possui tal precioso licor recebe na terra um penhor do Paraíso e está adornada de todas as virtudes" (III 389).
"A devoção ao Meu Coração afervorará as almas tíbias", confiava Jesus a Santa Margarida Maria. Santa Maria Madalena foi arrebatada um dia em êxtase, quando contemplava o Seu Senhor. Viu então como do Seu Coração borbulhava "uma fonte belíssima", cuja água bebida pelas almas produzia nelas dois efeitos: "refrescava e aquecia: primeiro refrescava aquelas que estavam queimadas pelo fogo da soberba; depois aquecia os tíbios, fazendo-os todos fervorosos de amor no serviço de Deus" (II 269).
"No Meu Coração os pecadores hão de encontrar a torrente e o oceano da misericórdia", dizia Jesus nas aparições de Paray-le-Monial. A Santa do Carmelo compreendeu qua a chaga aberta do Coração de Jesus era "uma porta, por onde poderemos entrar à vontade para recolhermos os mais ricos tesouros da divina misericórdia, se tivermos vontade" (II 431).
Este amor de Jesus ─- como foi contemplado pela Santa do Carmelo e pela Santa da Visitação e cujo símbolo era o Coração de Jesus que elas viam brilhante como um sol em meio de raios e de chamas ─- era, sem dúvida, um amor glorioso, mas Jesus quis que Santa Margarida Maria ouvisse os tristes lamentos do Seu Coração amargurado ─- dizia Ele ─- com a ingratidão dos homens, daqueles, principalmente, que mais deviam amá-Lo. Pois bem! Nem mesmo esta nota característica das revelações de Paray-le-Monial faltou nas revelações do Carmelo. Um dia, encontrando-se em oração diante do Santíssimo Sacramento exposto para as Quarenta Horas, Santa Maria Madalena foi arrebatada em êxtase: apareceu-lhe Jesus "derramando grande quantidade de sangue pelas suas sagradas Chagas abertas", demonstrando "um tão grande amor por todas as criaturas" e do Seu Coração saíam "algumas chamas como pequeninos fachos". À vista de tanto sangue, exclamou a Santa: "É desprezado pela criatura ingrata o Sangue que pelas suas cinco Chagas derrama o Verbo Humanado; é desprezado o amor que, ao derramá-lo, ele está demonstrando". Convidou-a então Jesus a contemplar os pecados das almas, que eram mais obrigadas a amá-Lo e que são a causa dos tormentos que padece" (II 171).
O Coração de Jesus reservou para Santa Margarida Maria a missão de transmitir a todas as almas as mensagens de misericórdia e revelar-lhes os tesouros de amor, que Ele encerra, para atraí-las todas para junto de si.
As místicas elevações da Santa do Carmelo, arrebatada em êxtase na contemplação do Sacratíssimo Coração de Jesus, preludiam as harmonias de Paray-le-Monial. Umas e outras se fundem na mesma visão do Coração de Jesus, que nos pede o nosso pobre coração e nos dá em troca o Seu, que é fonte de todo o bem pelo tempo e pela eternidade.
OUVIR O INAUDÍVEL É IMPRESCINDÍVEL
- Detalhes
Frei Gilvander Luís Moreira, O. Carm
Um amigo me confidenciou, em São Paulo: "Outro dia eu estava parado no semáforo. Chegou um mendigo para pedir dinheiro. Eu disse para ele todo cheio de moral:"- Se você não fosse beber pinga, eu te daria dinheiro." O mendigo, sorrindo e de braços abertos, me disse: "- Você disse que não me dá dinheiro, porque sou um vagabundo cachaceiro. Se você viesse dormir comigo umas duas noites aqui na calçada, neste frio lascado, você veria que a pinga é o meu cobertor. Bebo para esquentar meu corpo. Senão não agüento o frio e morro, como muitos outros colegas já morreram. Mas como você dorme no seu quarto quentinho, com ar condicionado, com 2 ou 3 cobertores, é muito fácil para você me chamar de cachaceiro. Bem dizia meu amigo: "Vemos o mundo a partir de onde estão os nossos pés. "Os seus pés estão num bom apartamento e de lá você contempla o mundo."
Eu estava visitando os barracos na favela Massari, no Parque Novo Mundo, em São Paulo. Entrei num barraco, onde Adriana estava lavando roupa e com o som ligado no último volume. Achei muito alto e perguntei: "- Adriana, por que você gosta do som assim tão alto?" Ela baixou o Som um pouquinho e me respondeu: "- Gosto do som muito alto, porque se abaixo o Som, eu penso e se eu penso, choro, porque a vida para nós favelados é muito dura. Escutar música, no último volume, foi um jeito que encontrei para driblar o monte de problemas que a vida nos oferece; um jeito para sobreviver, já que não temos o direito de viver." Adriana e aquele mendigo lá de São Paulo despertaram em mim a seguinte reflexão: Ouvir o inaudível é imprescindível para quem quer guiar o povo.
Apenas quando se aprende a ouvir o coração (e estômago, pés, mãos...) das pessoas, seus sentimentos mudos, os medos não confessados e as queixas silenciosas, um líder pode inspirar confiança em um povo, entender o que está errado e atender às reais necessidades dos cidadãos. A morte de um país começa quando os líderes ouvem apenas as palavras pronunciadas pela boca, sem mergulhar a fundo na lama das pessoas para ouvir seus sentimentos, desejos e opiniões reais.
ESPIRITUALIDADE CARMELITANA: João de São Sansão
- Detalhes
Maria Valabek. O. Carm
A alma da Observância, um místico que foi chamado do João da Cruz francês, é o irmão leigo cego João de São Sansão (1571-1636). Espelhando os místicos Renanos como Ruysbroek e Herp, João alcançou o mais alta da união transformante; em contraste com seu confrade João da Cruz, ele tentou descrever esta mais alta, experiência pessoal da oração Cristã. Incansavelmente, ele ensinou que todos são chamados à vida mística, isto é, experienciar de algum modo mesmo aqui na terra o próprio Deus e sua real/atual presença. Para os Carmelitas, saborear a presença de Deus mesmo aqui na terra é mais importante que qualquer outra tarefa ou trabalho: “O ponto mais importante... é vacare Deo continuamente.”[1] Ou mais precisamente: “Em completa pureza de espírito e corpo, em uma viva, atual e constante presença de Deus... nisto consiste a base do espírito da nossa Ordem.”[2]Ele insiste na oração contemplativa para os jovens estudantes, com a idéia que se eles fossem enraizados nela, mais tarde, quando lhes fossem dadas responsabilidades pastorais, eles estariam habituados a viver pela essência de sua vida no Carmelo. Tão frequentemente se vive em um nível externo mesmo em seu próprio cuidado/own regard; sua luta espiritual deve ser de uma constante interiorização.[3] Ele resolutamente insiste que esta vida mística não é acima de tudo trabalho nosso, mas pelo contrário a constante iniciativa de Deus. No entanto, Deus tem dado à nossa natureza uma suscetibilidade para esta vida de intimidade com Ele. O espírito de João é evidente nas Constituições da Reforma Turonense.
“É necessário que um tempo conveniente e lugar sejam dados aos neo-professos, assim que eles possam estar mais profundamente imbuídos com o espírito do nosso Instituto, e implantar virtudes em suas mentes, e transferir todos os seus afetos em Deus, para que em tempo {so thet in time} eles possam avançar em conversações interiores com Deus e na doce presença de Deus, que fora de dúvida constitui e faz o verdadeiro Carmelita.[4]
Indubitavelmente, a vida interior de oração de cada carmelita seguirá as potencialidades de sua personalidade, de seus dons naturais e sobrenaturais. O que é importante em todas as formas de oração é o afeto de suas potências internas a Ele com quem um diálogo se instala. Mesmo no Ofício Divino o que é importante é estar inflamado com o amor divino.[5] Na meditação, também, há a necessidade de “escutar mais que falar, não trabalhar demais com o intelecto, mas também não ficar negligente ou relaxado/preguiçoso.”[6] Deveria haver tanta reflexão quanto fosse necessária para surgir afetos e amor pelo Senhor.
A forma de oração preferida pelo irmão leigo cego era a aspirativa. Esta não é o que comumente é chamada de oração jaculatória. Ele mesmo dá a exata descrição:
“ Uma aspiração não é meramente qualquer tipo de diálogo afetivo, mesmo que em si este último seja um bom exercício, e dele nasça e proceda a aspiração. Ela é uma amorosa e inflamada confiança (élancement) do coração e do espírito, pelo qual a alma supera-se a si mesma e todas as coisas criadas e une a si mesmo com Deus na vividez/vivacidade de sua amorosa expressão. Esta expressão supera todo sensível, racional, intelectual, ou compreensível amor. Pela impetuosidade do Espírito de Deus e seu próprio esforço, ela alcança a divina união, não em sua completa essência, mas por uma espécie de transformação pelo Espírito de Deus.”[7]
Esta confiança interior para a comunhão com o Senhor no amor pressupõe uma vida de constante purificação dos amores nocivos/doentios puramente humanos, e isto inclui todos os meios normais para preservar um coração puro, como o silêncio e a solidão. É inútil forçar este tipo de oração; é Deus mesmo que enche-nos com o seu Espírito. A plenitude do dom do Espírito faz-nos ansiar/esperar/desejar por sua presença ainda mais. Não é uma questão de sentimentos ou desejos, mas uma direta comunhão com Deus. Quatro passos podem ser distinguidos nesta oração. 1) Tudo de si mesmo e tudo da criação é sacrificado por causa do Senhor que é o centro da atenção; 2) A Deus se suplica que ele nos envie seus maravilhosos dons; 3) todos os passos imagináveis são dados para tornar-nos semelhantes a Deus, acolhendo Deus no modo como ele se digna dar-se a si mesmo a nós; 4)sendo unido a Deus de um modo mais elevado. Este não é um exercício fácil que é assimilado em um único dia. Há a necessidade de um esforço perseverante, combinado com uma profunda vida interior, em vista de ir além de todas as imagens e repousar somente em Deus. Nos últimos estágios, a oração aspirativa será mais simples.[8]
Devido à extrema pobreza de imagens devido à sua cegueira, a linguagem de João é difícil às vezes; contudo, ele tenta descrever que a contemplação abarca, supera, vai além de todas as outras coisas. A um certo ponto a alma que foi deixada a si mesma uma presa para Deus, não pode resistir à supereminente bondade, verdade e beleza de Deus. Ela permite-se ser totalmente permeada e possuída por Ele. Esta experiência deixa a alma confusa, porque de suas outras experiências, tão parciais e limitadas, ela acha esta tão difícil de descrever sua comunhão com o Objeto-Tudo. O contemplativo está convencido que para conhecer Deus nesta toda envolvente experiência é “não conhecer” a Ele no sentido ordinário. Há uma frustração na tentativa de expressar a experiência contemplativa. Por esta razão, o contemplativo por um lado esta cheio de luz mas, por outro lado cheio de escuridão. Aqueles que chegam a este alto degrau de oração dizem coisas que fazem sentido somente a outros que tiveram experiências similares.
João de São Sansão constantemente relembra aos Carmelitas por sua vez a voltarem-se para dentro de si para repararem na {se dêem conta de} sua inclinação para Deus ao nível do consciente. Ele refere-se ao scintilla animae, aquela centelha central da alma onde Deus habita em nosso ser, nossa vida verdadeira e razão de ser de nossa pessoa inteiramente. Tudo o mais é julgado e submetido a esta comunhão que transforma a alma e tudo que ligado à alma de acordo com a Vontade Dele que é Tudo.[9] Não é mais uma questão da aspiração, mas do ser completamente vencido e possuído desde o Alto, pela infinita Beleza e Essência de Deus. Isto não é nada mais do que o céu na terra que Deus prodigaliza seus amigos mais queridos.[10] A alma é deificada e transformada.
[1] Oeuvres spirituelles, ed. Donatien de S, Nicolas, Rennes, 1659; II, 857
[2] Ibid., II, 850.
[3] Cfr. SUZNNE-MARIE BOUCHEREAUX, La Reforme dês Carmes en France et Jean de Saint-samson, Paris, 1950, 184-185.
[4] Regula et Constitutiones, Paris, 1636, II chap. 6, citado por KILIAN HEALY, Methods of Prayer in the Directory of the Carmelite Reform of Touraine, Rome, 1956, 17.
[5] Observations sur la Règle, chap. VII, 684, cited by BOUCHEREAUX, La Réforme, 213.
[6] Exercise journalier, cited by BOUCHEREAUX, La Réforme, 215.
[7] Lê Miroir et lês flammes de l’amour divin, D. 321, cited by and commentede on by CANISIUS JANSEN, O.CARM., L’Oraison aspirative chez Jean
[8] Cfr. BRANDSMA, Beauty of Carmel, 109-110.
[9] Ibid., 111.
[10] Cfr. Lês Contemplatives IV, 405 in BOUCHEREAUX, La Reforme, 217.
Pág. 581 de 664