OLHAR CARMELITANO: NOSSO DESEJO DE DEUS
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*Frei John Welch, O. Carm. Whitefriars Hall , Washington
Queremos tudo
“Nossos corações estão inquietos”, escreveu Santo Agostinho, e esta verdade permanece como algo fundamental à condição humana. A inquietude, o desejo humano parece que nunca serão completamente satisfeitos. Podemos ver a inquietude humana expressa na imagem de um bebê que começa a engatinhar e a explorar seu ambiente. A viagem dos primeiros carmelitas que deixaram suas casas para congregar-se num Vale do Monte Carmelo foi movida por este mesmo desejo. Somos verdadeiramente peregrinos.
Nós, os humanos, nunca estamos satisfeitos com o que temos pois, como diz Santa Tereza de Lisieux, queremos tudo. E não descansaremos até consegui-lo. A tradição carmelitana reconhece esta fome do coração humano e diz que fomos feitos desta maneira. Fomos feitos para procurar e explorar, desejar e sofrer até que o coração finalmente encontre algo ou alguém que possa harmonizar ou estar em consonância com a profundidade do seu desejo, até que o coração possa encontrar alimento suficiente para satisfazer sua fome. Chamamos a este alimento, a esta realização, a esta meta do desejo humano, Deus. Durante oitocentos anos os carmelitas têm intencionalmente perseguindo esta realização misteriosa e difícil de encontrar. “desejava viver” escreveu Santa Teresa de Ávila, “e não tinha quem me desse vida...”
Acreditamos, ainda que não o digamos, que todo ser humano está nesta procura. Podemos afirmar isto: cada estudante de nosso colégio, cada membro de nossa paróquia, cada peregrino a nosso santuário, cada candidato em nosso instituto está aberto ao mistério transcendente a que chamamos Deus. Por algum tempo o desejo pode ser negado, a fome temporariamente satisfeita, o desejo afogado, atordoado, debilitado. Mas sabemos que está aí e que de um momento a outro aparecerá. Nossa tradição tem a força, a linguagem, as imagens que nos ajudam a iluminar o que as pessoas estão experimentando no profundo do seu ser.
A tradição carmelitana tenta dar nome a esta fome, dar palavras ao desejo e expressar que o final da viagem está em Deus. O coração humano precisa ter clareza sobre estes seus desejos. O Carmelo sempre tem desejado o mesmo e está disposto a caminhar e acompanhar aqueles com os quais se encontrar neste caminho. Não podemos satisfazer sua fome, mas podemos ajudá-los a encontrar palavras para ela e saber para onde aponta. Temos feito isso na arte, na poesia e na canção, no aconselhamento e no ensinamento, na simples escuta e compreensão. E podemos advertir as pessoas que, no final, as palavras falham e somente fica o desejo em si mesmo.
Um autor contemporâneo diz que o problema sério da espiritualidade hoje em dia é a ingenuidade a respeito do desejo ou da energia que nos move. Nosso desejo espiritual dado por Deus, que pode expressar-se de diversas maneiras, incluindo a energia criadora e erótica, pode ser perigoso para nós se não o soubermos conduzir com cuidado. Somos muito engenhosos a respeito deste nosso profundo desejo e não estamos muito atentos ao perigo. Sem uma atitude de respeito para com esta energia, buscando o modo adequado de assumi-la e administrá-la, muitos adultos se movem entre a alienação deste fogo, isto é, ignoram a existência do desejo e vivem em depressão, ou se deixam ser consumidos por ele e vivem num estado de inflação.
Depressão, neste sentido, significa a incapacidade de desfrutar da vida como um menino, de sentir o verdadeiro prazer. A inflação se refere a nossa tendência de, por momentos, nos identificar-nos com este fogo, com este poder dos deuses. “...Estamos tão cheios de nós mesmos que somos uma ameaça para nossas famílias, amigos, comunidades e para nós mesmos.” Incapazes de conduzir esta energia, ou nos sentimos mortos interiormente ou, pelo contrário, somos hiper-ativos e inquietos . “A espiritualidade trata sobre as maneiras como podemos ter acesso a essa energia e como podemos contê-la.”
* Do livro; AS ÉPOCAS DO CORAÇÃO: A DINÂMICA ESPIRITUAL DA VIDA CARMELITANA
OLHAR CARMELITANO: SANTA MARIA MADALENA DE PAZZI +1607
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No século XVII o Mosteiro de Santa Maria dos Anjos em Florença é centro de fervorosa espiritualidade. Entre as várias pessoas que foram sublimes no caminho espiritual encontrados Santa Maria Madalena de’ Pazzi da qual se escreveu que “foi uma contemplativa eminentíssima ainda que não tenha uma doutrina sobre a contemplação e tão pouco sobre a meditação.” Ela vivia a CARIDADE para com Deus e o próximo, basca ler as suas obras.
O trecho seguinte constitui uma série inteira de ensinamentos do que ela afirma sobre o “trato e a união com Deus.”
TRATO E UNIÃO COM DEUS
De: Santa Maria Madalena de Pazzi, “Ensinamentos”
Mantende a vossa mente ocupada em Deus. Esta ocupação em Deus me parece ser a bem-aventurança da alma na terra”. “Realmente e impossível pensar atualmente em Deus... mas estar sempre unida com Deus, tendo sempre a Ele em vista, isto é possível; porque se quando trabalhais para ele, quando vos fatigais, fatigai-vos para ele, para agradar a ele e dar a ele glória e para honrar a ele, isto e estar sempre unida a Deus.” Diz que com o conhecia mento de Deus faremos com ele uma estreita amizade e ele nos trata como seus íntimos; então nos e ele faremos como fazem os amigos Íntimos. “Em primeiro lugar os amigos se contemplam um ao outro com grande amor... assim faz Deus que nos olha continuamente coro grande amor: e nos olhamos a ele... Os amigos costumam contar-se mutuamente os seus segredos; assim Deus manifesta a eles todos os seus segredos e eles manifestam a Ele os seus por não confiar em outros senão n’Ele.”
O amor também ao próximo e o fim da contemplação e a Santa via nesta chave o fim da Ordem: “Nos somos chamados a cousas maiores, somos chamados a uma vida maior, a qual não é de Marta nem de Maria separadas, porque no amor estão contidas uma e outra juntas.
Para ela o espírito da Ordem é “amar tudo e levar a amar, observando principalmente quanto isto agrada a Deus e quanto importa atender as obras internas e tratar interiormente com Deus”, como é prescrito na Regra Carmelitana, na redação da qual “os santos padres... tiveram mais atenção para a perfeição interior do que para a penitência e cousas externas.” “Eu vejo a meu Deus! ... Ele tem duas línguas... uma das quais é o louvor de Deus e a outra é a caridade e as duas clamam ao mesmo tempo. O que estou a ouvir, meu Senhor? A uma me obriga a minha profissão e a outra tu me a mandas estritamente. Ela procurava observar ambas.
Do seu mosteiro, que ela chama de “habitação de Maria”, nos diz que Deus quer “que assim como Maria foi um meio entre Deus e o homem, nos sejamos meio entre este Deus e o homem pelo zelo e desejo contínuo de ajudar as almas e conduzi-las a Deus... Estar separadas do mundo, mortas viver em Deus, nada querer a não ser este Deus, em ansioso e contínuo desejo da salvação das almas.
“A alma unida a Deus fica toda amarrada por dentro e por fora o que a faz aparecer com semblante sereno sem jamais perturbar-se por qualquer contingência”. “Em tudo o que tende a fazer, seja interna ou externamente, lembrai-vos de vos voltar para Deus com olhares vivos e amorosos. Com tais olhares amorosos implorai o socorro das suas graças”.
“As obras exteriores devem ser feitas prontamente e com cuidado sem perda de vida interior”. “A oração é o espírito da religião, nas nunca ela deve servir de pretexto para qualquer dispensa, porque todos os exercícios da religião e da obediência, feitos na presença de Deus, são outras tantas orações.” A paz interior e um efeito da oração mental e é uma recompensa da união com Deus. “A verdadeira prudência dum religioso ou duma religiosa depende da íntima união que tem com Deus. E todos os nossos esforços e zelos devem originar-se do Sangue de Jesus Cristo.” Alem disto anota: “Se não gostais do doce silêncio é impossível deleitar-vos nas cousas de Deus.”
VEM, Ó ESPÍRITO SANTO
Das Obras de Santa Maria Madrilena de Pazzi
Vem, Espírito de Verdade, Luz das trevas. Riqueza dos pobres,
Consolação dos Peregrinos.
Oh! Vem, Tu, refrigério, alegria e alimento de nossa alma.
Oh! vem e toma aquilo que e meu e infunde em mim somente aquilo que e teu.
Oh! vem, Tu que és alimento de cada pensamento puro,
plenitude de toda a bondade e cumulo de toda pureza.
Oh! vem, e queima em mim tudo aquilo que impede que eu seja, tomada por Ti
Oh! vem, Espírito que estas sempre com o Pai e com o Esposo, Jesus Cristo!
*Do Livro; A ORAÇÃO NA VIDA CARMELITANA. Reflexões e textos de autores carmelitanos sobre a Comunhão com Deus e a Oração no Carmelo. Textos preparados por Frei Emanuele Boaga, O.Carm. (Para Encontros de Espiritualidade Carmelitana Das Irmãs Carmelitas da Divina Providência. JULHO - 1986 - Rio Janeiro)
CARMELITAS: A Venerável Ordem Terceira em Portugal
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Pelo que sabemos, o primeiro núcleo da Ordem Terceira do Carmo surgiu em Lisboa, na Igreja de Santa Maria dos Carmelitas, em 28 de novembro de 1629, como sugere um letreiro na primitiva capela do convento. A expansão dos terceiros está intimamente ligada à entranhada devoção mariana do povo português, particularmente no que se refere ao Escapulário do Carmo.
O organizador da Ordem terceira lusitana foi frei Pedro de Melo (+1635), que publicou a primeira Regra dos Terceiros em língua portuguesa (1630), contido num devocionário destinado a eles, obra que, infelizmente, se perdeu. Provavelmente frei Pedro deixou se orientar pela Regra de Terceiros do Prior-geral da Ordem, Teodoro Straccio, oficialmente publicada somente em 1637. Interessante notar que uma das fontes do livro de Straccio foi precisamente um tratado composto por frei João Silveira (1592-1687), por ordem do provincial de Portugal. Diversas foram as Regras para Terceiros publicadas em anos posteriores. Destacamos a de frei José de Jesus Maria, no seu Tesouro Carmelitano, cuja primeira edição é de 1705. Teve grande influência em todo o território lusitano e suas colônias. Conserva os votos, mas no final da Regra, ao tratar das obrigações, não faz mais menção dos votos! Tudo que a Regra contém — diz frei José de Jesus Maria — são conselhos e diretrizes para facilitar o caminho da salvação. O texto de frei Miguel de Azevedo (+1811), editado em Lisboa, no ano de 1778, consagra uma outra concepção dos votos de Terceiros. São considerados simples propósitos que não implicam nenhuma obrigação moral. Influenciou fortemente a vida da Ordem terceira, tanto em Portugal quanto no Brasil.
Notamos, assim, uma significativa evolução da Ordem terceira do Carmo: de uma associação só para mulheres, com voto expresso de ‘castidade perfeita’, chega-se a uma associação com voto de castidade ‘segundo o próprio estado’. Por volta de 1600 vemos surgir o que será chamada depois de ‘Ordem Terceira Secular do Carmo’, isto é, uma associação de fiéis que vivem no mundo e que, sob a obediência da Ordem do Carmo e segundo o seu espírito, se esforçam por alcançar a perfeição cristã pela observância da Regra terceira. O fim principal, portanto, é ‘uma vida mais perfeita, segundo o ideal carmelitano’, ou seja, união íntima com Deus pelo espírito de oração e uma terna devoção à Virgem Puríssima do Carmo. Semelhante estilo de vida deve contribuir para promover, no próprio ambiente em que vive o terceiro, o bem da Igreja e a salvação das almas.
Foi a Ordem Terceira que, em Portugal, manteve viva a devoção de Nossa Senhora do Carmo e o culto ao Santo Condestável durante a supressão da Primeira Ordem em terras lusitanas.
ORDEM DO CARMO: A Reforma de João Soreth
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Como Prior-geral da Ordem de 1451 a 1471, João Soreth promoveu uma reforma interna da Ordem, com o objetivo de funcionar como fermento renovador das respectivas províncias. Os adeptos renunciaram a qualquer bem temporal, privilégio ou exceção. Comiam à mesa comum e não se permitia visitantes no convento sem expressa autorização do prior, exatamente para conservar o clima de recolhimento interior e exterior. A reforma atingiu — como já vimos em páginas anteriores — principalmente as regiões da França, Países Baixos e Alemanha.
Teve significativa influência da ‘Devoção Moderna’, movimento espiritual iniciada nos Países Baixos por Geert Grote (1340-1384), tendo como seu fruto mais maduro e duradouro a coletânea ‘A Imitação de Cristo’, escrito por Tomás de Kempis (1380-1471). Trata-se de uma corrente de renovação interior, a partir de uma vida cristiforme.
Soreth insiste na restauração da vida em comum, de acordo com o relato da Igreja Primitiva (At 2,44-47; 4,32-35). Na interpretação da Regra privilegia a ‘mística da cela’, apresentando-a como “lugar sagrado no qual Deus e seu servo se entretêm em segredo, assim como alguém fala com seu amigo. Nela a alma fica unida a Deus como a esposa ao esposo. A cela é, assim, o templo onde se realizam os mistérios sacros”. Seu promotor faz distinção entre ‘cela exterior’ e ‘cela interior’, e considera a primeira o símbolo da segunda. A cela interior representa a consciência imersa em Deus e que envolve todas as energias interiores. Valoriza deste modo o ‘deserto’ da tradição monástica, espaço privilegiado de encontro com Deus, onde experimentamos, realisticamente, nossos próprios limites e sentimos, mais intensamente, a necessidade de Deus. É, por excelência, o recinto do despojamento-purificação e da acolhida-escuta da Palavra. Juntamente com isso aparecem aqui os temas de cruz-morte, libertação da escravização a si mesmo e desejo de aderir a Cristo no amor.
Como extensão e aprofundamento da reforma soretiana surgiram — como foi mostrado em outra parte — mosteiros de monjas carmelitas, entre os quais a fundação promovida pela Duquesa de Bretanha, na França, a Beata Francisca d’Amboise (1427-1485), que se tornara carmelita em 1468.
CARMELITA: PEREGRINO DO ABSOLUTO NUM MUNDO MARCADO PELO RELATIVISMO- 2ª Parte
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*Dom Vital Wilderink, O . Carm. In Memoriam
O ABSOLUTO É DESTRONADO
Há um outro fenômeno que devemos considerar: a modernidade. Todos nós podemos perceber como ela entra cada vez mais no Brasil. Uma das suas características é a procura do imediato, do relativo. Inclusive a ciência, que caracteriza a modernidade, acentua, torna mais aguda a consciência da relatividade, da provisoriedade das hipóteses. Pois a própria ciência e tecnologia, embora exaltadas como algo absoluto, progridem a partir da descoberta do relativo. Portanto, a modernidade é muito caracterizada por esta procura do relativo e não pela procura do absoluto, porque acha que o absoluto, se existe, é inascessível.
É bom colocarmos a nossa reflexão sobre o Absoluto de Deus num contexto concreto. Assim não trabalharemos com imagens do Absoluto, mas poderemos descobrir o risco de sua busca. Dizia João Guimarães Rosa: “Viver é muito perigoso”. Graças a Deus é perigoso viver, porque na vida de cada dia existe o risco do Absoluto. No fundo, o relativo nunca pode significar um risco, nunca assusta tanto. O que assusta é precisamente o Absoluto. Desconfio daquele que fala com a maior facilidade do Absoluto que está presente em sua vida. Onde está esse Absoluto?
Vamos esclarecer o termo do ponto de vista filosófico: Absoluto é o que se entende como ser “ por si mesmo”. Determina uma coisa por sua substância ou essência, portanto sem referências de fora.
Na nossa cultura ocidental, o absoluto sempre esteve muito presente, até o século passado quando surgiu o positivismo na França e que., depois, teve muita influência aqui no Brasil. Mas podemos dizer que o Absoluto foi destronado pelo seu contrário que é o relativo, com a vinda do positivismo que está na raiz da modernidade. No nosso século, e a gente percebe isso muito mais vivamente agora, o absoluto é destronado. É bom que tomemos consciência disto. Como Carmelitas, peregrinos do Absoluto, temos que encontrar, na nossa missão um jeito que responda a este mundo da modernidade que invade cada vez mais a América Latina. Até nas estruturas da convivência humana o absoluto desapareceu. Do absolutismo político chegamos ao liberalismo. Parece uma coisa que não tem nada a ver com a espiritualidade, mas tem sim. Aparecem temáticas como: tolerância, liberdade, individualismo, antidogmatismo. São todos sintomas que fazem perceber como o absoluto, nas suas várias expressões culturais, foi destronado pelo relativismo.
Há um espírito crítico hoje muito mais forte que antigamente. A recusa de aceitar uma verdade definitiva é muito forte. Nos nossos retiros antigamente ouvia-se muitas vezes aquela frase: “ O que é isto em comparação com a eternidade?” Pulava-se do cotidiano para a eternidade, cuja definição ficava meio no ar, pois não havia aquilo que hoje caracteriza o nosso dizer, o nosso experimentar o Absoluto, esta questão da busca. Diante de um problema, uma dificuldade, uma decepção... devíamos dizer: “ mas o que significa isto em comparação com a eternidade?” Pulava-se !... Hoje, ao admitir o eterno, o absoluto, temos muitos mais consciência de uma busca. O eterno não é uma hipoteca que pesa sobre o temporal, como era antigamente. Hoje o eterno, o absoluto são mais uma busca.
É sintomático o interesse que se tem, principalmente nos países do 1º mundo, por questões problemáticas, parece que existe um certo prazer em abordá-las. Isto é muito significativo porque faz perceber como o absoluto foi destronado pelo relativo. É sintomático também o gosto pela pluralidade de experiências. Isto faz com que o movimento em linha reta para cima se mude para horizontal. A noção de hierarquia cedeu lugar à noção de relatividade. Relatividade que significa, às vezes, relacionamento por oposição. São sintomas que devemos levar em conta para que não sejamos simplórios, quando pretendemos ter, como Carmelitas peregrinos do Absoluto, uma missão no nosso mundo, caracterizado por todos esses traços que tentei explicar.
*Dom Frei Vital Wilderink, O Carm- Eremita Carmelita e 1º Bispo de Itaguaí/RJ - foi vítima de um acidente de automóvel quando retornava para o Eremitério, “Fonte de Elias”, no alto do Rio das Pedras, nas montanhas de Lídice, distrito do município de Rio Claro, no estado do Rio de Janeiro. O acidente ocorreu no dia 11 de junho de 2014. O sepultamento foi na cidade de Itaguaí/RJ, no dia 12, na Catedral de São Francisco Xavier, Diocese esta onde ele foi o primeiro Bispo.
OLHAR CARMELITANO: NICOLAU “GALLUS” +1270
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Nicolau “Gallus” foi prior geral da Ordem e se retirou para um eremitério onde terminou os seus dias. É uma figura representativa da corrente do novo eremitismo dentro da Ordem, em sua época. Na polemica contra os adeptos do apostolado ativo, ele na sua Obra “A flecha de fogo” da primazia aos valores da solidão e do recolhimento.
Oferecemos alguns trechos que possuem um amplo conteúdo que superam as fronteiras da própria vida eremítica, em particular a página sobre o convite da natureza para louvar ao Criador.
CONDUZI-LA-EI À SOLIDÃO E FALAR-LHE-EI AO CORAÇÃO de: “A flecha de fogo”, de Nicolau “Gallus” (ano 1270)
Porventura o Senhor e Salvador nosso não nos conduziu benevolamente à solidão, onde, com uma especial familiaridade, falou ao nosso coração? Aquele que para nossa consolação se mostra aos seus amigos e revela os seus mistérios, não em público, não nas praças, não no meio do ruído, mas no segredo.
A solidão do monte, por mandato do Senhor, subiu Abraão, que, por obediência, não hesitando na fé, mas pela sua esperança antevendo o fruto, quis sacrificar o seu filho Isaac, pelo que foi significada a paixão de Cristo, o verdadeiro Isaac. Foi dito também a Lot, sobrinho de Abraão, que saindo de Sodoma salvaria a sua vida na solidão do monte.
Ainda na solidão do Monte Sinai a Lei foi dada a Moisés, que aí foi revestido de tal fulgor que, quando desceu do monte, não puderam contemplar a sua face resplendente.
Eis que na solidão de uma cela, dialogando Maria e Gabriel, verdadeiramente incarna o Verbo do Pai Altíssimo. Eis que Deus feito homem, querendo transfigurar-se, mostrava a sua glória na solidão do Monte Tabor. Eis que o nosso Salvador subiu sozinho à solidão do monte para orar. Na solidão do deserto jejuou continuamente quarenta dias e quarenta noites. Aí quis ser tentado pelo demônio, para assim nos mostrar um lugar mais apto para orar, fazer penitência e vencer as tentações. A solidão do monte ou do deserto subiu o Salvador para orar; mas quando quis pregar ao povo ou manifestar os suas obras desceu do monte.
Eis que Aquele que plantou os nossos pais na solidão do monte, a Si mesmo se lhes deu como exemplo e aos seus sucessores, querendo que os suas obras, que nunca estão isentas de mistério, fossem transcritas para exemplo.
Outrora, diversos dos nossos antecessores seguiram esta regra verdadeiramente santíssima do nosso Salvador: conhecendo a própria imperfeição moravam longo tempo na solidão do ermo, mas querendo ajudar o seu próximo, embora sem com isso sofrerem dano, desciam algumas vezes do ermo, se bem que raramente, para semearem prodigamente o grão que na solidão colheram com a fouce da contemplação.
*A ORAÇÃO NA VIDA CARMELITANA. Reflexões e textos de autores carmelitanos sobre a Comunhão com Deus e a Oração no Carmelo. Textos preparados por Frei Emanuele Boaga, O.Carm. (Para Encontros de Espiritualidade Carmelitana Das Irmãs Carmelitas da Divina Providência. JULHO - 1986 - Rio Janeiro)
CARMELITA: PEREGRINO DO ABSOLUTO NUM MUNDO MARCADO PELO RELATIVISMO (1ª Parte)
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* Dom Vital Wilderink, O . Carm. In Memoriam
Ao preparar esta palestra que vocês me pediram, encontrei inspiração em dois artigos que li recentemente. O primeiro na Revista “ 30 dias”, escrito pelo Mons. Giussani, fundador do Movimento Comunhão e Libertação. O segundo no Dicionário de Espiritualidade. Os três temas pedidos: Absoluto, Fraternidade e Missão estão intimamente ligados, como poderão observar no decorrer desta exposição.
I - O ABSOLUTO DE DEUS
1 . PEREGRINOS DO ABSOLUTO
Todos nós, Carmelitas das várias ramificações, de carias famílias, de várias folhas e flores, tivemos desde o início de nossa formação para a vida religiosa um contato mais ou menos profundo com aquilo que se chama Espiritualidade Carmelitana. E este contato se fez através de pessoas ( nossos formadores ), através também de livros de autores da nossa Ordem. Aos poucos foi se formando um clima que podemos chamar de clima carmelitano e que nos deu um quadro de referência para interpretarmos a vida espiritual, a vida religiosa, a vida pastoral e a própria vida humana que recebemos como dom de Deus. São coisas imperceptíveis. Não é quadro de referência feito de definições muito claras, muito cartesianas, mas é um clima, cujos fatores preponderantes conseguimos descrever. É mais uma questão de experiência, de vivência, que nós herdamos.
Ao percorrer um pouco a Espiritualidade Carmelitana a gente percebe que há uma insistência na busca do Absoluto. É difícil defini-la, mas quando lemos nossos autores, percebemos sempre esta busca, tanto assim que os carmelitas são chamados: Peregrinos do Absoluto.
Tudo aquilo que se diz do carmelita, se aplica também ao cristão. Aí é que está o critério da autenticidade de uma espiritualidade. Mas é uma questão de clima, do ar que a gente respira, de certas acentuações que sempre voltam de novo e que são revolvidas como a enxada revolve a terra para fazer sempre novas descobertas. São coisas que dão sentido à vida pela qual a gente optou quando entrou na vida religiosa.
À primeira vista essa busca do Absoluto pode aparecer como um distanciamento daquilo que é relativo, que é histórico. Por isso muitas vezes, quando nos identificam como carmelitas, dizem: “ Carmelita! Lá em cima! Lá nas alturas! Os contemplativos!” Quase como sinônimo de alienados. Depois, conversando, mudam de opinião. A própria contemplação, muitas vezes, é interpretada como alguma coisa pela qual a gente entra em contato com o Absoluto. E na medida em que vamos entrando em contato com o Absoluto, vamos nos afastando, nos distanciando daquilo que é relativo, histórico, contingente. É assim que pensam.
O que é contingência? A contingência marca profundamente o ser humano. Eu sou contingente porque poderia não ser. A experiência da contingência é algo muito profundo na nossa experiência, no nosso itinerário, na nossa vida humana. Se a contemplação, como movimento em direção ao Absoluto, for considerada como algo distanciado do histórico, a missão e a fraternidade seriam como anexos, acessórios e não o motor da vida carmelitana. Seriam meios externos à própria contemplação e deveriam, como meios, como recursos, ajudar aquilo que é principal: a contemplação. Nesta visão porém a fraternidade e a missão ficariam prejudicadas.
Que chance tem no nosso mundo hodierno a vida e a espiritualidade carmelitana que de fato acentua a busca do Absoluto, da contemplação? Que chance temos neste nosso mundo aqui da América Latina que exige de nós uma presença que se debruça sobre as feridas abertas pela pobreza, pela fone, pela perseguição, pela opressão, pela corrupção...? Basta ver todos estes cartazes sobre a realidade que vocês colocaram aí na parede.
*Dom Frei Vital Wilderink, O Carm- Eremita Carmelita e 1º Bispo de Itaguaí/RJ - foi vítima de um acidente de automóvel quando retornava para o Eremitério, “Fonte de Elias”, no alto do Rio das Pedras, nas montanhas de Lídice, distrito do município de Rio Claro, no estado do Rio de Janeiro. O acidente ocorreu no dia 11 de junho de 2014. O sepultamento foi na cidade de Itaguaí/RJ, no dia 12, na Catedral de São Francisco Xavier, Diocese esta onde ele foi o primeiro Bispo.
*ESPIRITUALIDADE CARMELITANA: Desejos dos Carmelitas
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Este dilema encontrará sua compreensão nos santos do Carmelo. No encontro com esta chama profunda os santos se deixaram queimar e purificar por ela. Teresa de Ávila a entende como a água que Jesus ofereceu à samaritana. Mais fogo que água, esta chama inflama o desejo. “Mas com que sede se deseja ter esta sede!” João da Cruz começa seu poema do Cântico Espiritual com uma queixa: “Onde é que te escondeste, Amado, e me deixaste com gemido? Como o cervo fugistes, Havendo-me ferido; Saí, por ti clamando, e eras já ido.” João da Cruz compreende nossa humanidade como o despertar no meio de uma história de amor. Alguém tocou nossos corações ferindo-os e fazendo-os penar por causa disto. Quem tem nos fez tal coisa e para onde foi? Estas perguntas perseguem a cada ser humano ao longo de sua viagem e o impulsionam a cada passo, desde o engatinhar do bebê à peregrinação do papa à Terra Santa, incluindo todo o esforço humano que é feito nesta busca.
João da Cruz diz que nossos desejos são como meninos. Se lhes damos atenção, acalmam-se por algum tempo. Mas logo despertam e rompem com seu barulho a paz do lar. Nossos desejos são também como um dia longamente desejado de estar com o amado; mas esse dia termina numa grande desilusão. Nossa humanidade tem uma fome que somente Deus pode satisfazer.
Teresa de Lisieux procurou explicar seus profundos desejos com a imagem do céu: o céu como o Domingo sem fim, o retiro eterno, a fonte eterna. A ribeira eterna é uma expressão particularmente evocadora do desejo do seu coração. ela queria tudo na sua vida, e esta imagem é expressão de todos os seus desejos. Mas não há imagem ou conceito que possa expressar seus desejos: Sinto o quanto sou impotente para expressar em linguagem humana os segredos do céu, e depois de escrever página após página vejo que ainda não comecei . Há tantos horizontes diferentes , tantos nuances de infinita variedade... (SS. 189)
Saímos ao encontro disto ou daquilo seduzidos por uma promessa de realização, mas terminamos por ser decepcionados mais uma vez. Usando a imagem de Terezinha chegamos a muitas fontes, mas não percebemos que não é a fonte eterna .
O espírito e a psique habitam a mesma região da mente. O espírito é esse dinamismo que há em nós, que nos impulsiona à plenitude do ser, ao conhecer tudo, ao amar tudo, a ser um com todos. A psique expressa estes desejos com imagens primordiais tiradas do corpo e do mundo. A psique conecta os órgãos do corpo com seu enraizamento no cosmos, com a transcendência do espírito e seu desejo de plenitude. Nossas imagens esperançosas, tais como “a ribeira eterna”, são expressão tanto da psique como do espírito .
As imagens da psique são movidas pelos desejos do espírito. Elas podem mover e expressar nossas ânsias de paz e de justiça, podem nos abrir a um profundo arrependimento, podem lançar luz sobre nossa existência e iluminar o nosso caminho, podem criar cenários de esperança sobre nosso futuro depois desta vida, como fez Teresa de Lisieux. Mas nenhuma delas é suficiente para expressar completamente nossos desejos mais profundos, sobretudo o desejo que somos. Nosso desejo profundo de conhecer e amar, de ser unificado com tudo o que se é, nunca será realizado. Nossa fome profunda nunca encontra suficiente alimento nesta vida. Expressamos nossas necessidades, mas, o que queremos na realidade?
O teólogo Bernard Lonergan acreditava que se nós seguirmos o caminho de nossos desejos profundos, expressando-os na verdade, confrontando-nos com eles e respondendo ao seu apelo em nossas vidas, dessa forma poderíamos experimentar conversões. Nossas necessidades e nossos desejos se purificarão na medida em que desejemos o que Deus deseja até que nosso desejo seja harmonizado com o de Deus.
Que desejam os homens e mulheres de nossas paróquias, de nossas casas de retiro, que buscam nossos conselhos e orientação? Tudo! Contem com isto e isto lhes dêem. Nós dizemos a nós mesmos e dizemos a eles que a fome dentro de nós é tão profunda e poderosa que, reconhecida ou não, só Deus é o alimento que a pode saciar. Quando Jesus pregou sobre o Reino de Deus presente e vindouro, se referia precisamente aos desejos profundos , ao santo desejo que aninhava o coração de seus ouvintes.
Em 24 de março de 2000 foi celebrado o vigésimo aniversário do assassinato do Arcebispo Oscar Romero em El Salvado. Foi assassinado durante a celebração da Eucaristia em uma capela carmelita. Enquanto celebrava os funerais daqueles que tinham sido assassinados pelos poderosos e lia os nomes dos desaparecidos, percebeu que era seu dever emprestar sua voz aos sem voz. E assim se produziu sua conversação de um padre tradicional, profissional e piedoso se converte num pastor valente e defensor de seu povo. Entregou-se à tarefa de denunciar os desejos oprimidos do povo e assim com sua presença valiosa dar vida ao desejo santo que viu refletido nos rostos das pessoas do povo salvadorenho .
Escutar as pessoas, expressar seu desejo profundo e ajudá-las a dar nome ao seu desejo, é parte do ministério carmelita. Os primeiros carmelitas estabeleceram em seu pequeno vale as condições que colocariam ordem em seus múltiplos desejos. Cada um habitava em uma cela e estas rodeavam a capela na qual recordavam diariamente o desejo de Deus para eles. Teresa de Ávila fundou comunidades de clausura nas quais as freiras puderam abrir-se completamente à força de seus desejos numa amizade afetuosa com o Senhor e entre elas. Ela as animou a que se deixassem seduzir pela atração de suas profundidades enquanto seus desejos fragmentados iam encontrando sanção e reorientação. Tanto ela como Teresa de Lisieux acreditavam firmemente que se Deus nos havia dado esses desejos, Ele mesmo os levaria à sua plenitude.
Resumo
A tradição carmelitana reconhece que há uma fome de Deus muito profunda no coração do homem. Este desejo e esta ânsia nos impulsiona ao longo de toda nossa vida enquanto buscamos a realização do desejo de nosso coração. Este desejo profundo de Deus em nossas vidas é o fruto do seu amor primeiro, do seu desejo anterior por nós. Deus, o primeiro contemplativo, nos olhou e nos fez encantadores e atraentes para Ele. A tradição carmelitana não fala do aniquilamento do desejo, mas sim da transformação dos desejos para que mais e mais desejemos o que Deus deseja, numa consonância de desejo. Como Teresa de Ávila disse simplesmente, Eu quero o que Você quer .
Perguntas para reflexão
1-Como experimento esse desejo, esta ânsia, esta fome que no fundo é de Deus ? Estou consciente dessa inquietude fundamental? Encontro um lugar na minha vida em que este desejo esteja se expressando?
2-O que produz em mim gozo e prazer profundo ? Em que momento me sinto mais criativo e mais vivo? Tento rejeitar, ignorar, suprimir o fogo dentro de mim ou procuro formas de valorizá-lo ?
3-Como expresso os meus desejos mais profundos? Que atividades os incluem e me deixam desejando sua realização profunda ?
4-Como as pessoas com as quais trabalho expressam os desejos profundos do seu coração ? Como eu, junto com elas, encontro a linguagem para este desejo e o celebro como um dom que eleva até Deus?
* Do Livro; AS ÉPOCAS DO CORAÇÃO: A DINÂMICA ESPIRITUAL DA VIDA CARMELITANA
VAMOS CANTAR? Vai Elias, do CD- Levanta Elias
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Vai Elias
Letra e música: Irmã Natalina Grande, O. Carm e Victor Octávio Kruger Júnior, O. Carm.
Vai, Elias, vai!: Vai, Profeta do Senhor, Elias, vai! Noite e dia, vai! Vai falar do seu amor, vai, falar!
1-Vai, Elias e anuncia: Que só Deus é o Senhor, de bondade enche a terra, pois eterno é seu amor: Elias, vai!
2-Vai, Elias e anuncia, a Palavra do Senhor, dos pequenos e oprimidos: Deus é seu libertador: Elias, vai!
3-Vai, Elias e anuncia, nuvem branca sobre o mar: É figura de Maria, desde longe a brilhar: Elias, vai!
4-Vai, Elias e anuncia, a Palavra do Senhor, aos teus filhos Carmelitas, que te seguem com fervor: Elias, vai!
ASSEMBLEIA DOS CARMELITAS EM CAMPOS DO JORDÃO: Um Olhar
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Imagens da Assembleia da Província Carmelitana de Santo Elias-Carmelitas. De 4-8 de fevereiro-2019 na Vila Dom Bosco- Casa de Encontros e Retiros- em Campos do Jordão, São Paulo.
OLHAR DO DIA. Segunda-feira 4- Assembleia dos Carmelitas. 1º Dia.
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Freis; Marcelo, do Carmo de Mogi das Cruzes e Reinaldo, do Carmo de Vicente de Carvalho, Rio de Janeiro.
VENHA PARA O CARMELO
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Venha para o Carmelo.
Letra e música: Frei Petrônio de Miranda, O. Carm.
Venha, venha, venha, venha conhecer, entre pro Carmelo, aqui você crescer.
1-Não somos anjos, somos humanos, não somos santos, somos humanos. A nossa humanidade, vai te ajudar crescer, subir no Carmelo, desta fonte vai beber.
2- Com Teresinha, eu vou amar, com Tito Brandsma, eu vou falar. E com o Profeta Elias, eu vou profetizar, subir no Carmelo e na brisa contemplar.
3- Com Santo Nuno, eu vou rezar, com Santo Alberto, vou adorar. E com Izodoro Bakanja, o Escapulário vou usar, servir na comunidade, para o mundo transformar.
4- Com Simão Stock, vou confiar. Com João Soreth, vou renovar. E com Madalena de Paz, com Jesus eu vou encontrar, mudar a minha vida, para saber amar.
5-Com Edith Stein, vou escolher, com João da Cruz, eu vou viver. Com Teresa de Jesus, vou sempre caminhar, renovando a vida, para o Cristo encontrar
6- Com Santo Ângelo, vou testemunhar. Com André Coursini, vou ajudar. Com Santo Eliseu, o manto vou pegar, no corre-corre da vida vou evangelizar.
7- Na Ordem primeira, eu vou chegar, na Ordem segunda, vou meditar. Na Ordem Terceira, vou evangelizar, este é o Carmelo, para todos há lugar.
Silêncio e Ação contemplativa no contexto da América Latina
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*Dom Frei Vital Wilderink, O. Carm In Memoriam
1-Para você o que significa o silêncio e a ação contemplativa?
Faço uma distinção entre vida de silêncio e silencio da vida. A Regra do Carmelo fala do silêncio enquanto exercício e do silêncio e enquanto é algo do próprio Deus. O silêncio como exercício tem a finalidade de chegar a uma interiorização. Interiorização significa que a pessoa vive, trabalha, se relaciona não a partir da periferia da sua vida, mas a partir do seu centro. Para isto é necessário que o silêncio abra um caminho para dentro que atravessa todas as camadas da nossa personalidade para chegar ao centro, ao coração. Coração no sentido bíblico indica o centro onde nascem as nossas opções fundamentais. É no coração que habita a Palavra de Deus..
A meta do silêncio como exercício é chegar ao silêncio do próprio coração para que nele a Palavra possa encontrar a sua morada. Se acontecer essa transformação, objetivo de toda espiritualidade, as nossas próprias palavras, trabalhos, relacionamentos,e atitudes, tornam-se grávidas do Silêncio da Vida, daquela vida de que Jesus fala: “Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em abundancia”. Uma palavra autêntica só pode sair do silêncio. Com isto fica também claro que o silêncio é um processo que aos poucos nos despoja do nosso egocentrismo que freqüentemente está escondido nos nossos pensamentos, nas nossas palavras, nossas ações, e nos nossos relacionamentos.
È assim que a nossa ação se torna contemplativa, brota da contemplação. A Regra, recorre a vários textos bíblicos para falar do silêncio: “Temos ouvido falar que entre vocês há alguns que levam uma vida irrequieta, sem fazer nada. A esses tais ordenamos e suplicamos no Senhor Jesus Cristo, que trabalhem em silêncio e, assim comam o seu próprio pão (2 Ts 3,7-12). Este caminho é santo e bom. É nele que devem andar” (cf Is 30,21). “O cultivo da justiça é o silêncio” (Is 32,17). “No silêncio e na esperança estará a força de vocês” (Is 30,15).
A palavra “contemplação” (e o adjetivo “contemplativo”) teve ao longo dos séculos diversos sentidos. Limito-me aqui a dizer que tem a ver com um certo “face a face com Deus”. Trata-se portanto de uma graça , ou seja de uma comunicação que Deus faz de si mesmo e que a pessoa humana, por si mesma, não pode provocar nem produzir. Por isso é difícil dizer em que consiste uma ação contemplativa. Seria uma ação que brota de uma união com Deus. Santo Inácio, falava de ser contemplativo na ação. De Santa Teresinha se diz que ela foi uma contemplativa ativa: porque a contemplação é vista como ação. Ação contemplativa consiste em ser ativo a partir da plenitude da contemplação. Em todo caso a expressão ação contemplativa acentua a relação que deve existir entre ação e contemplação.
Contemplação nos coloca no nível do ser; ação no nível do fazer. Os antigos filósofos e teólogos diziam: O fazer segue o ser. A ação brota do ser. Entre contemplação e ação deve existir um vínculo. Este deve ser salvaguardado porque sem ele a nossa ação acaba se reduzindo a “lenha, feno ou palha” (1 Cr 3,12).
2-Estar em silêncio é a mesma coisa que estar calada ou contemplando? Justifique!
Na linguagem cotidiana ficar em silêncio e ficar calado geralmente significam a mesma coisa. Mas devemos distinguir. No campo da espiritualidade, silêncio é uma atitude de receptividade, de escuta. Ficar calado não é necessariamente uma atitude de escuta; pode ser sinal de protesto, de raiva, de mal-estar, uma atitude de fechamento. Quando você recebe uma reprovação ou uma ofensa, a sua reação pode ser “ficar calado”. Não quer dizer que seu coração está em silêncio. Ficar calado pode ser até sinal de falta de silêncio. Quando você vê uma paisagem muito bonita você fica calada ou mantém um silêncio contemplando a beleza? Alguém se expressou assim: O silêncio é a adoração da verdade de Deus.
É pena que não existem escritos da Madre Maria das Neves para ver como ela fazia da contemplação fonte da sua ação. Mas a partir daquilo que ela vez podemos vislumbrar o que ela era. Na minha opinião a “consciência tranqüila” que ela recomendava às suas filhas para que “tivessem o céu perto delas” faz adivinhar a dimensão contemplativa da vida dela. É essa dimensão que se traduzia na sua ação.
3-Na sua opinião o que esses dois valores (silêncio e ação contemplativa) exigem de nós religiosas carmelitas da Divina Providência?
A dimensão contemplativa não é somente um dos elementos do carisma do Carmelo, mas é o elemento dinâmico que unifica todos os elementos: oração, vida comunitária, serviço. Cultivar a dimensão contemplativa leva a um “saber-se” tocado pelo mistério da livre iniciativa de Deus. Isto provoca um processo interior de transformação na nossa existência. Processo que encaminha a nossa vida para uma unidade de amor com Ele: “Vivo é o Senhor em cuja presença estou”. Se a iniciativa parte de Deus, é preciso que em nós haja uma atitude de escuta, com outras palavras uma atenção ao importante, ao que é fundamental., essencial. Uma atitude de escuta que se faz valer também no nosso pensar, agir e amar.Há tantas coisas para fazer na nossa vida, no nosso apostolado. São coisas urgentes. Mas se não houver a consciência do que é fundamental, a nossa vida vai mover-se unicamente no ritmo das coisas urgentes. Chamamos isto de ativismo que faz bater o nosso coração no ritmo de pré-ocupações. Um coração constantemente pré-ocupado não deixa espaço livre para o que é importante. A pessoa não vive no “Hoje silencioso” de Deus, mas estica o pescoço continuamente para o passado e para o futuro. Isto provoca “torcicolo”,não só em sentido físico e psíquico (estresse) mas também em sentido espiritual.
O silêncio e a ação contemplativa exigem que a pessoa e a comunidade façam de vez em quando uma revisão de vida, um discernimento em vista da “salvação das almas” como diz a Regra.. Discernimento é para ver o que está em jogo na nossa vida. Programamos a nossa vida só em função do urgente (questão de tempo) deixando de lado o importante (questão de peso)? Não se trata de negar a importância das atividades da vida. Não há dicotomia entre contemplação e ação. Mas recorrendo constantemente às “coisas” da vida, identificando-nos com elas, a vida fica privada da sua fonte, tornando-se pobre, triste e medíocre.
Afirma-se freqüentemente que somos é peregrinos do Absoluto. Isto não significa que deve estabelecer uma separação entre o essencial (que é invisível) e o relativo (que é palpável). O relativo não tem a ver com relativismo, mas com relatividade no sentido de relação..Trata-se de descobrir que o essencial é essencial porque eu o experimento unicamente a partir do relativo. E o relativo é relativo porque descubro que existe uma relação que me permite estar em silêncio a partir do essencial.
Autores espirituais da Idade Média diziam que temos três olhos; O olho dos sentidos, o olho da razão, e o olho da fé contemplativa. Este último nos abre à uma dimensão da realidade que o olho dos sentidos e o olho da razão, não conseguem ver. Sem o silencio dos sentidos e da razão o terceiro olho ficaria atrofiado.
O que é necessário é programar tempos de silencio. Não se trata necessariamente de uma vida de silêncio como tem o monge no deserto. Mas fazer calar as atividades da vida que não são a Vida. Trata-se de harmonizar o urgente com o importante, o relativo com o essencial.
4-Como o silêncio e a contemplação podem ajudar-nos a vivenciarmos a ação evangélica, hoje, no contexto político, sócio-econômico, cultural e religioso da América Latina?
Em primeiro lugar é importante que tenhamos uma visão da realidade latino-americana. Essa visão adquire-se por meio de análises sociológicas, e análises da conjuntura. É claro que nem todo mundo pode ser profissional nessas análises. Essas análises, mostram os desequilíbrios que existem. Por exemplo, uma recente pesquisa da ONU mostrou que a metade da população mundial, não só da América Latina, vive na pobreza. Como isto se explica? Sabemos que o sistema econômico, a “globalização”, faz vítimas e leva a uma grande cisão entre povos, países e mesmo dentro de uma mesma sociedade. Uma sociedade que tem como único ponto referência a eficiência econômica, a produção, o consumo, gera sempre competição e individualismo. A vida torna-se uma questão de tecnologia. Fato é que o mundo é marcado pelo conflito entre interesses contrários e quem pretende resolver definitivamente essa situação complexa a partir dos seus interesses facilmente pode justificar a sua atuação inclusive recorrendo a argumentos religiosos. Isto temos visto na guerra “preventiva” contra o Iraque e nos movimentos fundamentalistas islâmicos. Em nome da corrupção ou da mesquinhez da natureza humana insistem na necessidade de um poder contrário que acaba com essa situação viciada. Acontece, porém, que não se leva em conta que os homens que detêm o poder contrário, são marcados pela mesma mesquinhez e corrupção de todos os outros. Santo Agostinho já percebia claramente esse círculo vicioso. Mas como sair dela?
Tratando-se de uma característica universal do comportamento humano muitos consideram essa situação como normal e até normativa. Embora o egoísmo esteja espalhado pela humanidade, como cristãos não podemos considerá-lo como algo que é conforme à natureza humana. Desde que o Filho de Deus assumiu a natureza humana no ventre daquela menina, chamada Maria de Nazaré, o amor se reacendeu. No silêncio da sua vida “ Maria “concebeu do Espírito Santo”. Pois bem, Maria é a Senhora do lugar que é o Carmelo, ou, como diziam os carmelitas do século XV, Maria é nossa irmã. A nossa ação evangelizadora tem tudo a ver com a vida dessa nossa irmã. Evangelizar significa viver segundo o Espírito para que Ele através da nossa vida faça acontecer a concepção do Filho de Deus na humanidade de que fazemos parte..
A Palavra se faz carne, se faz história.. Como fazer acontecer isso no nosso ambiente? Somos tão pequenos, limitados! É verdade! Uma coisa é certa: para evangelizar é necessário que a Palavra habite em nós. Por isso a Regra nos exorta a meditar dia e noite na Palavra do Senhor.Como acolher essa Palavra sem atitude nossa de silêncio e contemplação para vivermos “em obséquio de Jesus Cristo e servi-lo fielmente com coração puro e boa consciência”? O coração puro é um coração despojado do nosso egocentrismo, detentor de poder que tem seus interesses. Estamos no meio da humanidade, não isentos do egoísmo universal. Na nossa vida deve reacender-se o amor que salva. E assim, deixando de comparar-nos com os outros como se fôssemos superiores a eles (o que seria falta de humildade), vamos ao encontro de situações concretas onde o amor não penetrou. Foi assim que agiu Madre Maria das Neves em Saquarema, em Campos, dois pontinhos no mapa da América Latina. Outras jovens mulheres seguiram essa centelha e fizeram nascer a Congregação das Carmelitas da Divina Providência.
5-Qual é a sua mensagem para nós junioristas, a respeito desses valores?
Vou contar uma espécie de parábola escrita por Charles Péguy, um escritor francês do século passado. Havia uma menina, criança ainda, que se chamava Esperança. Estava no primeiro ano do ensino básico. Sempre passeava com suas irmãs mais velhas, chamadas Fé e Caridade. A todos parecia que as duas mais velhas conduziam a menina que andava no meio delas de mãos dadas. Na realidade, era a pequena que puxava as duas.
Permito-me comparar você, juniorista, à irmãzinha caçula. Você vai caminhando com as irmãs mais velhas, já experimentadas na vida religiosa. Parece que uma brisa que vem lá detrás do horizonte visível brinca com os cabelos da caçula. O que lhe dá vontade de apressar os passos e puxar as suas irmãs.
Junioristas,
Sejam, em fidelidade criativa, a Esperança na Família Carmelitana de Madre Maria das Neves.!
Festa de Pentecostes de 2003
*Dom Frei Vital Wilderink, O Carm- Eremita Carmelita- foi vítima de um acidente de automóvel quando retornava para o Eremitério, “Fonte de Elias”, no alto do Rio das Pedras, nas montanhas de Lídice, distrito do município de Rio Claro, no estado do Rio de Janeiro. O acidente ocorreu no dia 11 de junho de 2014. O sepultamento foi na cidade de Itaguaí/RJ, no dia 12, na Catedral de São Francisco Xavier, Diocese esta onde ele foi o primeiro Bispo.
CARMELITAS. OS VOTOS- UM CHAMADO À TRANSFORMAÇÃO: O VOTO DE OBEDIÊNCIA.
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Frei Quinn R. Conners, O. Carm.
Obediência – A Escuta como Transformação
A forma mais radical de obediência na Bíblia é a escuta fiel da voz de Deus que vem a nós através da comunidade, através de nossos mestres e líderes e através dos fatos da história. Deuteronômio 6,4-9 é a expressão perfeita da virtude bíblica da obediência.
Ouça, Israel! Javé nosso Deus é o único Javé. Portanto, ame a Javé seu Deus com todo o seu coração, com toda a sua alma e com toda a sua força. Que estas palavras, que hoje eu lhe ordeno, estejam em seu coração. Você as inculcará em seus filhos, e delas falará sentado em sua casa e andando em seu caminho, estando deitado e de pé. Você também as amarrará em sua mão como sinal, e elas serão como faixa entre seus olhos. Você as escreverá nos batentes de sua casa e nas portas da cidade.
Este credo, o famoso Shema, capta concisamente a noção judaica de como a vida dos judeus é totalmente centrada em Deus. Por Israel estar tão convencido da presença amorosa de Deus na história, por estar tão agarrada à realidade de Deus, sua única resposta é aquela de obediência reverente e de abertura confiante na direção amorosa de Deus feitas diariamente.
As grandes figuras do Antigo Testamento nos mostram que este tipo de obediência é um desafio. O exemplo de obediência radical destas figuras pode coexistir com a confusão e a ira diante dos caminhos misteriosos de Deus. Por exemplo, Moisés, que tira suas sandálias em reverência diante da presença de Deus na sarça ardente, também pode quebrar as tábuas de Deus com ira diante da estupidez do povo de Deus e dos confusos caminhos de Deus. O Salmista, cuja poesia lírica louva o poder e a grandeza criadora de Deus, também pode captar a raiva e a frustração diante das exigências de Deus. Jeremias, o profeta que fala de Deus como um fogo ardente em seus ossos, também pode chamar Deus de um rio enganador que corre para o deserto apenas para desaparecer em terras áridas. A obediência é uma experiência humana e multidimensional.
No Novo Testamento, Jesus se torna a plena expressão da obediência. Ele conhecia o poder da fé bíblica. Jesus foi o único Filho em quem Deus permaneceu. Ele foi plenificado com o Espírito de Deus, buscando muitas vezes a comunhão silenciosa com seu “Abba”. No evangelho de João ouvimos muitas vezes sua confiança de conhecer Deus e de ser conhecido por Deus. Contudo, antes do mistério da paixão e da morte, Jesus também se tornou o Filho obediente de Deus, enquanto esbravejava contra a escuridão e o silêncio da voz de Deus: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Sl 22,1).
Jesus lutou para ser fiel ao Pai: “Embora sendo Filho de Deus, aprendeu a ser obediente através de seus sofrimentos” (Hb 5,8). Ele fez muitas orações para se tornar capaz de conquistar esta posição (Hb 5,7; Lc 22,41-6). Mas ele não foi conquistado. Ninguém, nenhuma autoridade em qualquer época foi capaz de interferir neste segredo mais profundo de Jesus. Aqueles que tentaram interferir chocaram-se com uma parede impenetrável. Ele foi obediente até a morte, e morte de cruz (Fl 2,8).
A comunhão entre Jesus e o Pai não foi automática, mas sim o fruto da luta que Jesus travou dentro de si mesmo para obedecer ao Pai em tudo e para estar sempre unido a ele. Jesus disse: “Eu não posso fazer nada por mim mesmo. Eu julgo conforme o que escuto” (Jo 5,30). “O Filho não pode fazer nada por sua própria conta; ele faz apenas o que vê o Pai fazer” (Jo 5,19). Como e onde Jesus viu e ouviu o que o Pai queria dele? Como a vontade do Pai se manifestou a Jesus?
Em primeiro lugar, Jesus descobriu a vontade do Pai assumindo sua condição de pobre. O que para alguns era a condenação do destino, para Jesus era a manifestação da vontade do Pai. Jesus nasceu pobre. Continuar ao lado dos pobres foi a decisão do Filho querendo ser obediente ao Pai até a morte e “morte na Cruz”.
Em segundo lugar, Jesus descobriu a vontade do Pai nas Sagradas Escrituras e na história de seu povo. Jesus buscou as Escrituras como a fonte da autoridade (Lc 4,18). Ele se orientou através das profecias do Servo de Deus e do Filho do Homem para realizar sua missão como Messias (Mc 1,11; 8,31). Foi nas Escrituras que ele encontrou as respostas contra as tentações que experimentou. “Não faço nada por mim mesmo, pois falo apenas aquilo que o Pai me ensinou” (Jo 8,28). A Boa Nova do Reino foi e continua sendo, antes de mais nada, a face do Pai a ser revelada ao povo, especialmente aos pobres.
Assim, a obediência bíblica é elaborada no contexto das escolhas da vida real. O sofrimento, as frustrações, a aridez espiritual, são preços a serem pagos. Mas o povo das Escrituras apega-se ferozmente à sua fé na realidade da presença de Deus na história, sua história pessoal.
Os carmelitas entram nesta tradição bíblica da obediência em seu voto. Pelo voto, que está enraizado no chamado para a obediência absoluta dirigida igualmente a cada cristão no batismo, o religioso carmelitano situa seu total compromisso com a vontade de Deus no contexto de uma comunidade que caminha nas pegadas de Jesus Cristo.
A Regra (n.º 22 e n.º 23) propõe como assumir esta obediência. Alberto se refere ao ofício do prior, que é apresentado primeiramente no n.º 4. Aqui o ofício do prior foi estabelecido num nível estrutural para a boa ordem da comunidade. Contudo, nos nn. 22 e 23 o prior e a comunidade têm que descobrir Cristo na “mútua co-responsabilidade da obediência”.[i] Alberto nos recomenda ver Jesus Cristo como o único centro de nossas vidas. Permanecer em nossas celas é “permanecer na vinha”. Aprendendo a não possuir nada, experimentamos como Jesus não possuía lugar para recostar sua cabeça. Celebrando juntos a Eucaristia, nos tornamos pedras vivas com Cristo como a pedra fundamental. Quando nos reunimos no capítulo e na correção fraterna, ele está em nosso meio.[ii] Basicamente, somos obedientes ao poder do Espírito de Cristo manifestado em nós mesmos, em nossa comunidade e sob sua liderança.
No nível do humano, o voto de obediência levanta a questão de como usamos nosso poder e nossa liberdade, tanto comunitária como pessoalmente. A última metade do século XX viu a queda do patriarcado como vimos nos anos 60 e 70 com as revoltas estudantis, nos blocos comerciais unindo muitas nações ocidentais, o fim dos regimes coloniais, militares e outros regimes repressores e o crescimento do feminismo. Concomitantemente, este período também testemunhou um individualismo excessivo e uma obsessão pela auto-realização, especialmente no hemisfério ocidental, que causou forte impacto em muitas partes do mundo.
Estes fatores históricos e culturais influenciam nossa compreensão e o exercício do poder,[iii] a esfera política da vida, que interfere no voto de obediência. Ao assumir este voto nos confrontamos com as mesmas perguntas que qualquer outro ser humano faz. Que poder tenho sobre os outros? Que esforço comum posso utilizar? Qual minha contribuição para a vida da sociedade e da comunidade? Qual minha influência em determinar direções comuns? Embora todos os cristãos se engajem nestas questões, o contexto em que elas se realizam varia muito. Para os religiosos, o contexto é a comunidade com a qual estão comprometidos.
Professando a obediência os religiosos dizem que querem usar sua capacidade de dialogar com os outros na busca pela vontade de Deus. O poder deles é mais humano e eficaz quando ouvem e agem de acordo com as inspirações pessoais que Deus lhes oferece. Estas inspirações vêm através de muitos meios. Basicamente, a obediência vem pela ponderação da Palavra de Deus e pelos sinais da presença de Deus em nosso mundo, de acordo com nossos irmãos e irmãs no Carmelo e com aqueles que escolhemos para liderar a comunidade.
Em primeiro lugar, a obediência exige um confronto contínuo com a Palavra de Deus. As Escrituras, refletidas individual e comunitariamente, nos dão acesso à revelação da presença de Deus no meio das comunidades judeu-cristãs do passado. É a revelação de como Deus se comunicou com seu povo e é uma fonte de discernimento da presença de Deus entre nós hoje. Devemos conhecer as Escrituras com nossos corações e nossas mentes para penetrar no coração e na mente de Deus.
Em segundo lugar, a vontade de Deus também está presente nos sinais dos tempos. A meditação da Palavra de Deus deve ser feita no contexto de nossa realidade para conhecermos a vontade de Deus. Nossas circunstâncias históricas devem dialogar com as Escrituras, para discernirmos o lugar para onde a obediência nos chama. Estas circunstâncias históricas têm muitos níveis: o individual/pessoal, o apostólico, a comunidade local e provincial, as lideranças locais e provinciais e o social. Qualquer uma destas áreas pode exigir mais atenção e significado numa determinada hora, dependendo da situação. Então a obediência se torna mais desafiadora e o discernimento da vontade de Deus requer maior disciplina e humildade.
Num terceiro ponto vemos que a obediência se realiza no diálogo com nossa comunidade e sua liderança. O chamado para a vida comunitária é fundamental para o carisma carmelitano. Desse modo, acreditamos que o Espírito de Deus se move através da voz coletiva da comunidade e daqueles que escolhemos para liderá-la. Qualquer discernimento da vontade de Deus deve incluir necessariamente nossa escuta da comunidade. Além disso, a obediência religiosa pode ser um verdadeiro testemunho evangélico, pela compreensão do poder que ela transmite, especialmente em nossas estruturas governamentais. Muitas comunidades, principalmente as congregações femininas, estão trabalhando rumo a estruturas mais participativas. Surgem novos modelos de governo, tais como grupos regionais que se encontram regularmente, capítulos onde todos os membros participam ativamente, líderes engajados num processo comunitário de tomar decisões. Desta forma, eles revelam uma maneira diferente de exercer o poder e a autoridade, longe do antigo modelo hierárquico e patriarcal. Estes modelos participativos permitem que cada membro possa discernir a vontade de Deus assim como exercer o poder coletivo na comunidade.
A liderança em tais modelos é realmente um chamado ao serviço (Lc 22,26-27). Ela exige um novo jeito de administrar a complexidade da vida religiosa, a habilidade em conduzir a atenção da comunidade para uma visão partilhada que unirá os esforços individuais, inspirados pela missão da província e da comunidade local, e a capacidade de formular estratégias para alcançar tudo isso.[iv] Esta liderança pede a habilidade de entender as estruturas subjacentes, os modelos e as forças que devem ser avaliados para se ir de um ponto ao outro.
Finalmente, a obediência é realmente o cultivo de uma união amorosa com Deus. Esta união se torna a base de todas as nossas escolhas que, por sua vez, nos une profundamente com Deus. Ao estarmos conscientemente mais unidos com Deus, começamos a ver tudo com os olhos de Deus e a buscar a verdade no amor. Em muitas circunstâncias pode existir apenas uma escolha para nós. No entanto, em outras situações podem existir várias escolhas. Nem sempre existe uma escolha que é melhor do que as outras. Nem é o caso de Deus ter pré-julgado o que devemos fazer. Buscar a vontade de Deus, obedecer a Deus é fazer as escolhas e tomar a decisão mais amorosa que podemos em qualquer momento. A longo prazo, a obediência consiste formalmente no como e no porquê fazemos uma certa escolha, em vez de o que realmente escolhemos.[v]
Como carmelitas caminhando nas pegadas de Jesus Cristo, a obediência deveria nos levar à liberdade para escolher a vida como Jesus o fez. Em qualquer circunstância em que ele se encontrava – na festa de casamento em Caná, com a samaritana junto ao poço, na morte de seu amigo Lázaro ou na sua própria morte – ele escolheu fazer a vontade de seu Pai, mesmo quando ele não a compreendia. O contexto no qual buscamos a vontade de Deus é essencialmente contemplativo. É um meio de sondar e procurar, um modo de escutar e de orar que é transformador. Os anseios do Espírito de Deus em nós, a comunidade, a liderança comunitária, o povo e o tempo ao qual servimos, deveriam nos levar a uma maior generosidade e liberdade, para melhor testemunharmos a presença amorosa de Deus no mundo.
PERGUNTAS PARA REFLEXÃO (Pessoal e em grupo)
1-Que símbolo, história ou provérbio do Antigo ou do Novo Testamento lhe ocorre como uma imagem da obediência? Descreva o que significa para você.
2-Que símbolo, história ou provérbio da história atual, de sua própria experiência ou da experiência de outras pessoas lhe ocorre como uma imagem de obediência? Descreva o que ela significa para você.
3-Que vantagem você percebe na vivência deste voto?
4-Que compromissos você traz para a vivência deste voto?
[i] Kees Waarjman, O.Carm., A identidade carmelitana a partir da perspectiva da Regra, 13º Conselho das Províncias (Nantes). Publicações Carmelitanas: Melbourne, 1994, p. 48.
[ii] Ibid., pp. 48-49.
[iii] Congregação para Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica. Diretivas sobre a formação nos institutos religiosos, # 12. Origens, 19 (20 de março de 1992).
[iv] D. Nygren e M. Ukeritis, ‘O futuro das ordens religiosas nos Estados Unidos’. Origens 22 (1992), 267. Os autores relatam que a incapacidade de formular uma estratégia para alcançar um propósito ou uma missão é a fraqueza mais surpreendente entre os líderes atuais.
[v] S. M. Schneiders, I.H.M. Odres novos: Reimaginando a vida religiosa hoje. Mahwah, NJ: Paulist Press, 1986, p. 142.
QUINTA-FEIRA 31: As nossas orações pelo Frei Tadeu.
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O Padre Provincial dos Carmelitas- Província Carmelitana de Santo Elias- Frei Evaldo Xavier, O. Carm e Frei Antanael, O. Carm, em visita ao Frei Tadeu Passos Camargo, O. Carm, no Hospital Santa Catarina/SP.
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