Assassinato de Mãe Bernadete resume país que nos fragiliza e envergonha
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Assassinato de Mãe Bernadete resume país que nos fragiliza e envergonha
Líder de era símbolo da luta contra a intolerância e o racismo
A líder quilombola Bernadete Pacífico - Facebook
Jornalista e escritor, é autor de 'Carolina, uma Biografia' e do romance 'A Bolha'
Na quarta-feira passada (16), escrevi aqui neste espaço sobre a "experiência dolorosa" da perda de uma pessoa próxima e amiga, me referindo à morte da atriz Léa Garcia (1933-2023).
O estado de abatimento mal saiu de nossas mentes e corações e imediatamente somos afrontados com a notícia do brutal assassinato de Mãe Maria Bernadete Pacífico, ialorixá e líder de uma importante comunidade quilombola, o quilombo Pitanga dos Palmares, e até então coordenadora da Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais de Quilombolas), em Simões Filho, região metropolitana de Salvador. Mãe Bernadete, como era conhecida também por sua liderança religiosa, foi morta aos 72 anos, de forma sorrateira e covarde, por dois motoqueiros encapuzados, praticamente na presença de familiares –seus três netos adolescentes.
Veja como são as coisas. Em 2017, Mãe Bernadete perdeu o filho, Flávio Gabriel Pacífico, conhecido como Binho, liderança do mesmo quilombo, em condições análogas à que agora ceifou a sua vida.
Duas situações devem ser levadas em conta quando falamos do assassinato de Mãe Bernadete e do seu filho: ambos lutavam pela posse definitiva de suas terras –o quilombo Pitanga dos Palmares é apenas certificado pela Fundação Cultural Palmares— e eram adeptos de uma religião de matriz africana.
Esses dois fatores têm levado a seculares conflitos e mortes de lideranças e de religiosos de forma escandalosa no país. No ano do assassinato de Binho, em 2017, o número de mortes violentas em comunidades quilombolas, por exemplo, apenas na Bahia, aumentou 350% em comparação ao ano anterior.
No caso de intolerância religiosa, de acordo com o Ministério Público da Bahia, só em 2019 foram notificadas cerca de 107 denúncias. Já a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, perto do mesmo período, ou seja, entre 2017 e 2018, registrou aumento de 124% desse tipo de crime no estado. Dentro de uma série histórica, com base em seis anos, houve um crescimento de 2.250%.
Associar o assassinato de Mãe Bernadete à questão religiosa não fica fora de contexto, uma vez que a religião sempre foi alvo de perseguição e preconceito, porque atinge pessoas negras e periféricas. O mesmo pode-se dizer da disputa pela terra, sobretudo em territórios quilombolas e indígenas.
Mãe Bernadete, certamente, pode ter sido vítima de um crime encomendado e o mandante do assassinato do seu filho pode ser o mesmo que ordenou o seu. A grilhagem de terras, com todo seu histórico de violências físicas e violações das leis, pode responder por essas mortes, mas sem descartar aí a questão religiosa.
"Ser quilombola é um ato de resistência", disse Mãe Bernadete certa vez. Ela está certíssima. De acordo com o último censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), com base em dados do ano de 2022, o Brasil estima ter 1,3 milhão de pessoas que autodeclaram ser quilombolas, em um universo de 220 milhões de brasileiros. Como são dados inéditos, ainda não sabemos o verdadeiro potencial desses números –se aumentaram, se diminuíram ou se estão estáticos.
Uma fala de Elida Laures, coordenadora de pesquisa da ONG Terra de Direitos, para a Agência Brasil, é bem representativa para atualizar o que vem acontecendo nos territórios quilombolas, especialmente no estado da Bahia.
"Existe um estado de vulnerabilidade dos quilombos que é resultado de uma fraqueza da política pública em assegurar os direitos territoriais quilombolas. E isso cria uma situação de exposição à violência, somada ao racismo institucional da sociedade brasileira, que faz com que os quilombolas sejam vítimas de atrocidades."
Quilombos, desde o tempo de Zumbi, no século 17, sempre foram territórios que povoaram o imaginário do poder dominante e jurídico, no sentido do seu domínio e extinção pela força.
Não é diferente hoje em dia. A acepção de "quilombo", palavra que traz por referência a língua kinbundu, falada em Angola, é ainda aterrador quando vertida para a compreensão da América portuguesa: "Local escondido, no mato, onde se abrigam escravos fugidos", ou "povoação fortificada de escravos negros fugidos da escravidão, dotada de divisões e organização interna –onde também se acoitavam indígenas e eventualmente brancos socialmente desprivilegiados". Também tem o sentido de "toda habitação de negros fugidos".
Não é possível que em pleno século 21 os dicionários brasileiros e os sites de consultas do nosso idioma tragam acepções dessa natureza. A sociedade está adoecida pela má formação, que começa com uma educação baseada no eugenismo, na pureza e superioridade das raças –termo derivado de pensamento colonial.
O assassinato brutal de Mãe Bernadete e de seu filho não podem representar estatística macabra. Há uma sociedade que cada vez mais repudia essas atrocidades e exige, na prática, justiça efetiva. Até hoje não se esclareceu o assassinato de Binho.
Em nota pública, dirigentes da Conaq se referem a Mãe Bernadete como "uma luz brilhante na luta contra o preconceito, o racismo e a marginalização". Mãe Bernadete expôs seu corpo no limite de sua resistência. Mas até quando lideranças como ela precisam resistir para o Brasil mudar? Fonte: https://www1.folha.uol.com.br
Além de fim de remoções forçadas, entenda o que muda com decisão STF sobre população de rua
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Pessoas se agasalham na rua no Pateo do Collegio, na região central de São Paulo - Gabriel Cabral - 13.mai.23/Folhapress
Governo deverá criar plano nacional e diagnóstico de pessoas em situação de rua em 120 dias
SÃO PAULO
O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu, nesta segunda (21), proibir a remoção forçada de pessoas ou de seus pertences da rua. A corte determinou também a elaboração, em até 120 dias, de um plano nacional para atendimento de pessoas em situação de rua, e de diagnósticos locais para saber o perfil e as necessidades desses públicos no Brasil.
As regras haviam sido adiantadas em decisão do ministro Alexandre de Moraes na ADPF (Arguição de descumprimento de preceito fundamental) 976. Além do atendimento a pessoas na rua e questões de zeladoria, o texto estabelece, em outro eixo, obrigações para União, estados e municípios de produzir dados e políticas públicas sobre o tema.
A decisão atende parcialmente a uma discussão da Rede Sustentabilidade, do PSOL e do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto), apresentada em maio do ano passado.
O tema tem provocado embates sobre como colocar em prática os pedidos, e também é visto como oportunidade para induzir mudanças no atendimento em todo o país. Entre as prefeituras, há uma expectativa de que a definição seja feita a partir dos planos do governo federal e dos estaduais.
Entenda os principais pontos da decisão do STF sobre políticas para pessoas em situação de rua.
REMOÇÃO DE PERTENCES
A decisão do STF não define tipos de item, e essa definição pode recair sobre cidades. Para Laura Salatino, coordenadora da Clínica Diretos Humanos Luiz Gama da Faculdade de Direito da USP e pesquisadora da Fiocruz, a obrigação de formar comitês locais para acompanhamento vai fazer os municípios criarem legislação própria, como é o caso de São Paulo.
"Zeladoria é uma coisa municipal, e essa decisão tem que ser olhada como um todo. Os comitês podem demandar uma legislação sobre que pertences podem ou não ser retirados." Ainda, ela diz que, com a decisão, aumenta a margem de defesa das pessoas em situação de rua. "É possível, na Justiça, definir o que é material de trabalho, como carroça, papelão, que não poderia ser retirado".
A capital paulista tem três decretos sobre o tema. O atual é de 2020. "Em ações de zeladoria, somente são retirados os que não são configurados como pertences pessoais, tais como pedaços de madeira, paus, colchões grandes, cadeiras, camas, sofás, barracas montadas e lonas para montar tendas", afirmou a gestão Ricardo Nunes (MDB) em nota.
Por outro lado, colchonetes, travesseiros, tapetes, carpetes, cobertores, mantas, lençóis, toalhas e barracas desmontáveis são considerados itens pessoais.
Segundo o decreto, não é permitida a ocupação que caracterize o uso permanente em local público. "Principalmente quando impedir a livre circulação de pedestres e veículos, tais como os objetos supramencionados."
ARMAZENAMENTO DE PERTENCES
Hoje, em São Paulo, caso algum item seja apreendido, a pessoa deve receber um contra-lacre e retirar o item no depósito da subprefeitura da região em até 30 dias corridos.
Segundo Saltino, a Clínica acompanhou uma tentativa de retirada, e a pessoa precisou ir a uma central com documentos e o contra-lacre para agendar a retirada em outro dia em um dos depósitos. "Isso é incompatível com o modo de sobrevivência na rua, porque tem horário de pedir dinheiro, fazer bico, entrada em centro de acolhida, toda uma circulação na cidade." A prefeitura não explicou esse processo de recuperação.
Por outro lado, os governos devem disponibilizar bagageiros para que as pessoas possam guardar seus pertences caso precisem. Em São Paulo, há 272 compartimentos no Bagageiro da Secretaria Municipal de Assistência Social e Desenvolvimento, que fica na rua Visconde de Parnaíba, 700, no Brás.
REMOÇÃO E TRANSPORTE COMPULSÓRIO DE PESSOAS
O Supremo proibiu que órgãos públicos promovam a remoção ou o transporte de pessoas sem o seu consentimento. Em São Paulo, falhou uma tentativa de direcionar pessoas da cracolândia, atualmente na região da Santa Ifigênia, para uma área sob a ponte Governador Orestes Quércia, conhecida como Estaiadinha, no Bom Retiro (ambos no centro). A medida rendeu críticas e fazia parte de um conjunto de opções para deslocar o público.
Ainda, a corte determinou que as vigilâncias sanitárias sejam acionadas para abrigar os animais de estimação das pessoas encaminhadas a centros de acolhimento.
COMUNICAÇÃO PRÉVIA SOBRE ZELADORIA
Moraes estabeleceu que deve haver ampla comunicação prévia de ações de zeladoria, com horário e local definidos, para que as pessoas possam se preparar e retirar seus pertences. Especialistas ouvidos pela reportagem afirmam que essa comunicação deve ser feita preferencialmente por meio de agentes que abordam as pessoas. Eles poderão indicar, além de bagageiros para guardar pertences, o encaminhamento a algum serviço de acolhida ou saúde.
MAPEAMENTO DE QUEM ESTÁ NA RUA
O Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania do governo Lula (PT), liderado por Silvio Almeida, afirmou em nota publicada em seu site, que pretende se antecipar ao prazo dado pelo STF.
A pasta reconhece, no entanto, o desafio de fazer um mapeamento das populações, e afirmou que assinou um acordo com a pasta de Desenvolvimento Social e o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) para fazer um censo nacional da população de rua. Isso serviria para apontar um problema, segundo especialistas, de quem não é encontrado por não acessar serviços públicos.
O prazo de 120 dias para as cidades, segundo a Frente Nacional de Prefeitos, é viável. "Até porque, todas as cidades acompanham o movimento dessas pessoas", disse Izaias Santana, prefeito de Jacareí (SP) e vice-presidente de Assuntos Jurídicos da Frente.
CRIAÇÃO DE PLANO NACIONAL
A decisão estabelece que a elaboração do plano pelo Executivo federal deverá ter participação de um Comitê intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para População em Situação de Rua (CIAMP-Rua), do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), da Defensoria Pública da União (DPU) e do Movimento Nacional da População em Situação de Rua.
Deve capacitar agentes, desenvolver programas de educação, transferência de renda e saúde para essas populações, com o objetivo de que as pessoas deixem a rua.
Nas cidades, segundo Santana, da Frente Nacional de Prefeitos, o planejamento deve esperar os desenhos do governo federal e dos estados. "Mas quando pensamos em avançar em políticas públicas, [o prazo] é insuficiente. O plano municipal deverá ser realizado a partir dos planos nacional e estadual, porque precisa ser enfrentado com a participação das três esferas."
FIM DA ARQUITETURA HOSTIL
Os governos locais devem vedar as técnicas de arquitetura hostil às populações que estão na rua, assim como dificuldades para acessos a serviços e equipamentos públicos. O tema vem ganhando força inclusive a partir de denúncias do padre Julio Lancellotti, que deu nome a uma lei de dezembro do ano passado que introduz o tema no país.
O ministério de Direitos Humanos discutia, no fim de julho, a regulamentação da lei Padre Julio Lancellotti com a Casa Civil. Fonte: https://www1.folha.uol.com.br
Bernadete Pacífico, líder quilombola, é assassinada a tiros na Bahia
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Governo federal envia equipes ao local do crime, e governador da Bahia promete empenho na investigação; Vítima teve o filho morto há seis anos
Bernadete Pacífico era líder quilombola na Bahia e coordenadora da Conaq (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos) -
Cristina Camargo/ João Pedro Pitombo
SÃO PAULO e SALVADOR
A líder quilombola Bernadete Pacífico, conhecida como Mãe Bernadete, foi assassinada a tiros na noite desta quinta-feira (17) a tiros dentro do terreiro que comandava em Simões Filho, na região metropolitana de Salvador.
Ela era coordenadora nacional da Conaq (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos) e liderava o Quilombo Pitanga dos Palmares, em Simões Filho. Era ialorixá e mãe de Flávio Gabriel Pacífico dos Santos, o Binho, líder assassinado há 6 anos.
A Secretaria da Segurança Pública da Bahia informou que dois homens, usando capacetes, entraram no imóvel de Bernardete e efetuaram disparos com arma de fogo. As polícias Militar, Civil e Técnica da Bahia iniciaram as diligências e a perícia no local para identificar os autores do crime.
A Conaq repudiou o crime em nota divulgada nesta quinta. "Sua dedicação incansável à preservação da cultura, da espiritualidade e da história de seu povo será sempre lembrada por nós", diz o texto. "Sua ausência será profundamente sentida. Seu espírito inspirador, sua história de vida, suas palavras de guia continuarão a orientar-nos e às gerações futuras".
Segundo a organização, a morte de Binho não foi elucidada e Bernadete atuava para solucionar o caso. "Enquanto lamentamos a perda dessa corajosa liderança, também devemos nos unir em solidariedade e determinação para continuar o legado que ela deixou", diz a Conaq.
Na nota, a organização cobra do governo medidas imediatas para a proteção dos outros líderes do quilombo de Pitanga de Palmares e uma investigação rápida para encontrar os responsáveis pelo crime.
Considerada uma das principais líderes da luta quilombola no país, Bernadete foi secretária de Políticas de Promoção da Igualdade Racial de Simões Filho na gestão do então prefeito Eduardo Alencar (PSD), irmão do senador Otto Alencar (PSD).
Em julho, ao lado de outras líderes quilombolas, ela participou de um encontro com a presidente do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, na comunidade Quingoma, na cidade de Lauro de Freitas. Na ocasião, ela afirmou que era ameaçada por fazendeiros.
"É o que nós recebemos, ameaças. Principalmente de fazendeiros, de pessoas da região. Hoje eu vivo assim que não posso sair que eu estou sendo revistada. Minha casa é toda cercada de câmeras, eu me sinto até mal com um negócio desse", afirmou.
O ministro Silvio Almeida determinou o deslocamento de equipes do Ministério dos Direitos Humanos para Simões Filho e expressou solidariedade aos familiares e à comunidade.
Nas redes sociais, a conta do ministério fez uma postagem cobrando rapidez na investigação e punição do crime.
O Ministério da Igualdade Racial também enviará uma comitiva para reunião com órgãos governamentais da Bahia, atendimento aos familiares de Bernadete e proteção ao quilombo.
Outra providência será a convocação de uma reunião extraordinária do Grupo de Trabalho de Enfrentamento ao Racismo Religioso, para que providências sejam tomadas no âmbito interministerial.
"O ataque contra terreiros e o assassinato de lideranças religiosas de matriz africana não são pontuais. Mãe Bernardete tinha muitas lutas, e a luta pela liberdade e direitos para todo o povo negro e de terreiro tranversalizava todas", diz nota do ministério.
O governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), disse que recebeu com indignação a notícia sobre o assassinato e determinou que as polícias Militar e Civil desloquem-se para o local e "sejam firmes na investigação".
Segundo ele, o governo está empenhado no acompanhamento do caso e no apoio à família e à comunidade.
"Deixo aqui meu compromisso na apuração das circunstâncias", afirmou. "Não permitiremos que defensores de direitos humanos sejam vítimas de violência em nosso estado".
Outros políticos baianos lamentarem a morte da líder e pediram justiça. O deputado federal Valmir Assunção (PT-BA) afirmou ter recebido a notícia com tristeza e indignação.
"O governador Jerônimo Rodrigues tem que determinar investigação rigorosa desses crimes abomináveis, que não podem ficar impunes. Uma perda dolorosa e irreparável", afirmou a deputada estadual Olívia Santana (PC do B-BA).
A vereadora Marta Rodrigues (PT), de Salvador, pediu rigor nas investigações.
"Precisamos nos indignar coletivamente. Não podemos aceitar a morte de uma grande defensora de direitos humanos Quem matou Bernadete e a mando de quem?", perguntou a cantora Daniela Mercury.
O Instituto Marielle Franco também divulgou nota pedindo uma investigação rápida e responsável do assassinato da líder, uma mulher negra e ialorixá. Fonte: /www1.folha.uol.com.br
Redes sociais: afinal, o que crianças e adolescentes podem ter de bom?
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Por Carolina Delboni
Já é mais do que sabido que o uso indiscriminado e irrestrito das redes sociais pode ser danoso à saúde mental de crianças e adolescentes. Mas é fato que elas fazem parte do mundo e não tem data para expirarem. Então, afinal, o que crianças e adolescentes podem ter de bom?
Lidar com o tempo e o uso das redes sociais têm sido um desafio. Não só para crianças e adolescentes, mas para os próprios pais que não sabem gerenciar as questões todas que se apresentam. Violência, ansiedade, depressão, baixa autoestima e bullying são alguns dos temas que mais aparecem quando a gente relaciona redes sociais x saúde mental.
Pesquisas recentes apontam os estragos - sim, são estragos - que Instagram e TikTok têm feito na vida de muitos adolescentes. Mas o que fazer? Não é de hoje que as redes sociais dominam nossas vidas e, ao contrário de algumas espécies animais, elas não sumirão no mapa.
A proporção alcançada é tamanha que políticos e especialistas já se mobilizam em torno de estratégias para melhor usar essas ferramentas diante das ameaças que elas podem representar. Globalmente, são quase 5 bilhões de pessoas que possuem contam nas diversas plataformas e elas passam, em média, duas horas de meia do dia rolando a tela para cima.
Para crianças e adolescentes, o cuidado deve ser redobrado, o que não quer dizer que as plataformas digitais não possam apresentar boas oportunidades de aprendizado e de entretenimento.
O TikTok, por exemplo, foi o app mais baixado de 2022, com 672 milhões de downloads pelo mundo, segundo a revista Forbes. Para se ter uma ideia, o aplicativo divulgou que, em 2021, 1 bilhão de usuários visitaram a plataforma todos os meses. Com tanta gente acessando e tanto conteúdo circulando é difícil saber se as publicações de fato são recomendáveis para crianças e adolescentes - o que em si já é um problema.
Um estudo do Centro de Combate ao Ódio Digitai (CCDH, em inglês) feito com contas de jovens de 13 anos interessados em conteúdos de imagem corporal e saúde mental mostrou que o algoritmo do TikTok recomenda conteúdos de suicídio em 2,6 minutos. Pois é.
Enquanto isso o Brasil é o terceiro país com maior número de suicídios entre adolescentes e jovens, segundo dados da OMS, Organização Mundial da Saúde. O mesmo órgão revela um aumento da taxa nos últimos 20 anos, um dado na contramão de estimativas globais.
Mas e aí, o que fazer? Proibir não é a solução e achar que elas vão deixar de existir é ilusão. Daniela Penteado, gerente da WGSN, empresa líder em tendências de comportamento e consumo, porém, é otimista com relação às potencialidades das redes sociais. "O TikTok deixou de ser um espaço de coreografias para se tornar um hub de aprendizado e entretenimento. É um espaço fértil para os criadores". Ela compara o aplicativo à gravidade, em que o usuário se prende a um centro e em sua volta orbitam diversos tipos de conteúdo.
Uma das correntes positivas encontradas nas redes é o aprendizado. Hoje, já é possível encontrar diversos perfis para se aprender temas diversos que vão desde cozinhar até falar outro idioma. A própria plataforma do TikTok já disponibiliza uma seção "Aprender" com conteúdos mais educativos. Assim, o caráter autodidata da geração atual é reforçado. Com isso, o Tik Tok acabou sendo, junto com o Instagram, a ferramenta de pesquisa favorita de 40% da Geração Z, em 2021.
O relatório da Reuters Institute Digital News divulgou relatório que aponta o Tik Tok como ferramenta de busca de 40% dos adolescentes e jovens da Geração Z. Isso revela uma mudança comportamental pela busca de informação e conhecimento e indica plataformas de entretenimento ocupando espaço de veículos de mídia.
Além do acesso ao conhecimento, as redes sociais também ampliaram as interações sociais. Conhecer novas pessoas com interesses em comum, por exemplo, faz com que as redes sociais promovam aspectos de socialização e comunicação. Isso acontece com mais intensidade durante a adolescência, já que essa é uma fase em que há a inclusão social do indivíduo em grupos.
E por que as redes sociais estão ampliando as interações em suas plataformas? Porque elas perceberam que o número de adolescentes e jovens solitários estava aumentando. Perceberam também que este poderia ser um canal de conexão e interação com eles, uma vez que existe um movimento chamado "cura social" em que a Geração Z tem procurado passar menos tempo nas redes sociais e promover mais encontros presenciais. Hoje, 30% dos jovens da Geração Z estão reduzindo o tempo de uso de telas de celular, segundo apontou um relatório do WGSN de 2023.
Sinais de alerta
Mas nem tudo são flores. A adolescência é o momento de construção de identidade e quando o adolescente se vê dependente das redes este processo fica comprometido e a "vida real", com suas interações e conflitos, perde o foco - muitas vezes, o prumo - que é vital nesta fase da vida.
O uso das redes sociais ainda apresenta outros perigos, como falsas informações e discursos de ódio. É por isso que diversos países estão se movimentando para regular o ambiente virtual. No Brasil está em discussão o Projeto de Lei (PL) 2630, de 2020 que propõe a regulação da internet, o que inclui um regramento maior sobre o que circula nas redes sociais.
Para crianças e adolescentes, esse tipo de esforço ganha uma outra dimensão. Isso porque os mais jovens são mais vulneráveis aos efeitos negativos das redes sociais, segundo um estudo das Universidades de Cambridge, Oxford e do Instituto Donders para Cérebro, Cognição e Comportamento, publicado na revista Nature Communications.
No estado americano de Utah, uma lei determinou que menores de 18 anos só podem usar as redes sociais com autorização dos pais. A legislação de países europeus também busca impedir que crianças e adolescentes acessem serviços que geram riscos a elas.
Um outro impacto que aparece junto às redes sociais em crianças e adolescentes se dá nas emoções e comportamentos desse grupo. Por exemplo, uma pesquisa publicada pela Common Sense Media, uma organização sem fins lucrativos, e divulgada no The New York Times, diz que, em média, crianças de 8 a 12 anos passam cinco horas no mundo digital. Para adolescentes, de 13 a 18 anos, esse tempo chega em oito horas. Oito das doze horas que passamos acordados. Veja que loucura.
Especialistas alertam que o uso excessivo das redes sociais é um perigo, pois pode provocar dependência e, consequentemente, sofrimento quando há uma desconexão do ambiente offline. É o chamado Folo (Fear of Logging Off, ou "Medo de Desconectar"), que pode vir junto ao Fomo (Fear Of Missing Out ou "Medo de Perder", que é o receio de estar sendo deixado de fora de algo), ambos motivados por um cenário de superexposição nas redes.
Pais mais conscientes das oportunidades e perigos das redes sociais, e plataformas mais responsáveis pelo conteúdo que por lá circula são bons caminhos para garantir uma relação mais saudável entre jovens e as redes sociais. O Instagram, por exemplo, dispara um aviso quando o usuário está prestes a comentar algo ofensivo ou maldoso em alguma postagem, o que força as pessoas a repensarem comportamentos agressivos no ambiente digital.
"O equilíbrio é fundamental. O fácil acesso e a democratização são algo para usarmos em nosso favor, para aprendermos algo novo, por exemplo. Mas ao mesmo tempo, podemos criar limitações dentro do aplicativo para controlar o tempo de uso e viver o mundo real", diz Daniela, que também lembra da importância de as plataformas digitais promoverem transparência no uso dos dados de seus usuários. Fonte: https://www.estadao.com.br
Chacinas
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O outro é uma ameaça, e a resposta é encarceramento em massa ou violência letal
Quarto onde jovem foi morto por policiais do BAEP, na manhã de terça-feira, no bairro do Jabaquara, em Santos -
Conselheira do CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), é doutora em psicologia pela USP
Chacina pode ser definida como um tipo de violência extremada: a execução orquestrada de várias pessoas em uma mesma localidade.
O jornalista Shannon Sims afirma, no The Washington Post, que a palavra "chacina" é a mais assustadora do português brasileiro, referindo-se ao massacre de pessoas após a morte de um policial, conforme excelente texto de Uvanderson Vitor da Silva, Jaqueline Lima Santos e Paulo César Ramos.
Os mandantes são sempre poderosos homens brancos, e a chacina ocorre em periferias e favelas onde a maioria da população é pobre e negra, como evidenciam os estudos realizados por diferentes universidades brasileiras.
As chacinas são uma exibição pública de poder, usada por organizações criminosas e por agentes públicos.
Elas ocorrem em períodos de crítica à violência e de reivindicações por políticas públicas para a garantia da Justiça e da vida como um direito de todos no país.
"Suspeitos" não têm classe social ou cor e podemos ver muitos deles, que não são periféricos, nem pobres, nem negros, se manifestando na grande mídia, justificando por que se apropriaram ou desviaram volumosos recursos públicos. Mas esses "suspeitos" estão inacessíveis às regras de segurança do país.
E uma extensa rede os protege —98% dos casos de morte ocorridos em operações policiais são arquivados, segundo estudos da antropóloga Juliana Faria (Unicamp 2022).
Costumo nomear esse fenômeno de pacto narcísico da branquitude.
Assim é que, para alguns segmentos das elites, o narcisismo "do pensamento único, cultura única, gênero único, religião única" impossibilita a convivência com a alteridade, com a diferença ou a oposição. O outro é uma ameaça, e a resposta é encarceramento em massa ou violência letal.
Uma sociedade aterrorizada pelo medo, em que a população exige respostas imediatas de segurança do Estado, e que tem um Legislativo conservador é um território propício para aceitar o "olho por olho, dente por dente".
Juliana Farias, antropóloga da Unicamp, desenvolve há 20 anos estudos sobre a violência de Estado no Rio de Janeiro e acompanha a luta por Justiça em relação às chacinas protagonizada por mulheres, mães, avós e filhas de vítimas de violência que reivindicam que os crimes cometidos contra suas pessoas queridas sejam apurados e punidos.
Juliana afirma que "os casos que caminham mais na Justiça são aqueles em que as famílias e o movimento social estão acompanhando, fazendo atos nos dias de audiência e julgamentos, nas portas dos Fóruns, na porta do Ministério Público. Para esses movimentos, cada instância do Estado é responsável por essa política de morte, que acontece não só devido ao policial que está na ponta".
Lideranças brancas muitas vezes se perguntam: o que podemos fazer como antirracistas? Manifeste-se, do lugar onde está; da sua corporação industrial, financeira, da universidade, do Parlamento, da sua entidade de direitos humanos ou ambiental. Manifeste publicamente sua indignação contra a violência e a paralisação do Estado, não só no período em que os crimes ocorrem, mas acompanhe o processo para evitar os recorrentes arquivamentos.
Não podem lutar sós, as Mães de Maio, do Acari, de Cabula, do Jacarezinho, de Guarujá, de Santos, do movimento "Minha mãe não dorme enquanto eu não chegar" e tantos outros. Todos os crimes têm de ser investigados e punidos contra a população civil e contra os agentes de Estado.
É preciso acreditar no Bem Viver, para poder construir uma sociedade na qual a relação com a natureza e com os diferentes grupos populacionais seja humanizada, solidária e cooperativa e em que políticas públicas de segurança incorporem ações que podem efetivamente mudar a situação de violência no Brasil, quais sejam a garantia de acesso aos direitos fundamentais, de educação qualificada, emprego, renda e moradia para todos os brasileiros. Fonte: www1.folha.uol.com.br
Um estranho conceito de sucesso
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Ao se dizer ‘extremamente satisfeito’ com operação policial que matou mais de uma dezena de pessoas no Guarujá, Tarcísio ignora indícios de abuso, que precisam ser investigados
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, se disse “extremamente satisfeito” com a operação policial que, a pretexto de reagir ao assassinato de um PM, deixou ao menos 13 mortos no Guarujá. Isso significa que, para o governador, mesmo que, até este momento, pairem fundadas suspeitas de excesso por parte da polícia, a operação foi bem-sucedida. Ora, não cabe ao chefe do Executivo estadual fazer essa avaliação antes da apuração detalhada do caso, especialmente quando os indícios apontam para o exato contrário.
A segurança pública envolve decisões políticas a respeito de várias questões complexas, sobre as quais cada governante pode e deve ter uma específica compreensão. Há muitos possíveis caminhos, com diferentes propostas, para prover paz e ordem pública. São, em última análise, escolhas que cabe à população realizar por meio do voto.
No entanto, existem alguns princípios norteadores da segurança pública que não estão à disposição de escolhas políticas. Eles não são negociáveis. Por exemplo, o Estado não tem o direito de executar ninguém, tampouco o de torturar. Trata-se de uma limitação constitucional intransponível do poder estatal. Ressalte-se ainda que não há pena de morte no País – e, ainda que houvesse, não cabe à polícia fazer o julgamento e executar sumariamente a sentença. A tarefa das forças policiais é prover segurança aos cidadãos, e não realizar revanches ou vinganças, seja por qual motivo for.
Nenhum desses princípios depende da inclinação político-ideológica do governante ou mesmo da sua popularidade perante a opinião pública. É a lei brasileira, à qual todos estão igualmente sujeitos. Por isso, operações policiais que causam mortes – especialmente as que causam muitas mortes – devem ser objeto de apuração rigorosa e isenta. Só assim será possível distinguir os casos de abuso policial daquela outra situação, excepcional, na qual o agente de segurança tem não apenas o direito, mas o dever de matar, para proteger a coletividade e a si mesmo.
Certamente, a morte de um policial é um fato gravíssimo, a exigir imediata atuação do poder público. Mas ela não suspende a vigência da lei por um período, numa espécie de autorização excepcional para que a polícia promova a correspondente vingança. Também não elimina as regras da razoabilidade e da proporcionalidade. “Não houve excesso”, afirmou o governador de São Paulo, antecipando-se às investigações e ignorando os indícios que indicam o oposto. Há inclusive relatos de tortura e de execução sumária, o que demanda acurada e independente apuração.
Num juízo de valor precipitado, Tarcísio de Freitas disse que “houve uma atuação profissional” da polícia no caso do Guarujá. Ora, não parece muito profissional uma polícia que mata mais de uma dezena de pessoas a título de prender o suspeito de um crime. Isso pode ser aceitável para quem acha que “bandido bom é bandido morto”, mas, além de desalinhada com a lei, essa concepção de segurança pública coloca em risco a vida e a segurança da própria população. No Estado Democrático de Direito, nenhuma autoridade pública tem o direito de aplaudir uma atuação policial que, neste momento, parece eivada de truculência.
Tarcísio de Freitas tem todo o direito de ter suas ideias políticas, mas se afasta da lei e das evidências ao tratar violência policial como boa política de segurança pública. Na condição de governador do Estado, deve evitar que suas palavras sejam confundidas com estímulo à atuação da polícia à margem da lei, com regras próprias de funcionamento. A lei é para todos. E polícia não é milícia.
Na investigação da ação policial, serão muito úteis as imagens produzidas pelas câmeras usadas nos uniformes dos PMs. Ainda não está claro se essas imagens existem ou mesmo se os policiais envolvidos estavam com câmeras, mas esse é o típico caso em que o equipamento justifica o investimento: se os PMs agiram conforme os protocolos e as leis, as imagens vão mostrar. É essa transparência que incomoda tanto aqueles que acham que justiçamento é justiça. Fonte: https://www.estadao.com.br
Tribunal das redes sociais não perdoa
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Mesmo declarado inocente por dois diferentes júris, Kevin Spacey ainda corre risco
Miguel de Almeida
Editor e diretor de cinema
As duas absolvições de Kevin Spacey — pela Justiça americana, em 2022, e agora pela britânica — poderiam significar um antes e um depois na guerra identitária. Ao menos na fratricida dilapidação de biografias e carreiras. Inocentado em mais de uma dezena de acusações de crimes sexuais, inclusive estupro, a tragédia do ator se soma ao de outros personagens, como Woody Allen e Johnny Depp, também abatidos por denúncias jamais comprovadas.
Mesmo declarado inocente por dois diferentes júris, Kevin Spacey ainda corre o risco de seguir o script vivido por seus companheiros de profissão e infortúnio, qual seja, a Justiça terrena absolve, mas o tribunal das redes sociais, e seus lobbies respectivos, martelam uma condenação sumária. Allen, embora nem sequer haja sofrido um processo formal, pela inconsistência das provas, padece ainda em conseguir financiamento para suas obras, além de sofrer o cerceamento na exibição de seus filmes em alguns países. Depp, outro inocentado, continua marcado como alguém que agredia a ex-mulher, apesar de o júri condená-la a indenizá-lo pelas falsas acusações.
A torcida, nos três casos, era de punição extrema aos artistas. Pode-se falar numa espécie de oximoro — a tal inocência indesejada; quando, por um desejo sanguinário, mas infelizmente demasiado humano, se deseja a bancarrota da celebridade, sua total aniquilação. A condenação deles, aos olhos desta expedição punitiva, seria exemplar e didática — mesmo os gênios merecem o castigo por seus erros. Como houve aposta no cavalo errado, o tribunal virtual joga fora a criança junto com a bacia e a água: a Justiça errou.
A guerra identitária pauta não apenas a área cultural, numa autofagia dramática que mistura dinheiro e inveja, como ajudou a eleger dois ex-presidentes. Trump e Bolsonaro — que hoje alternam seus dias ora em depor na justiça, ora em conversar com seus advogados, ora em voltar à delegacia — trouxeram ao palco eleitoral o embate de questões de gênero e raça como ferramenta de clivagem e de incentivo a preconceitos.
Por oportunismo e ignorância, levaram ao discurso político ingredientes retirados da indigência intelectual e emocional, ainda não superados pelo lento processo civilizatório. Ao lidarem com preconceitos de raça e gênero, os dois ex-presidentes mobilizam eleitores por meio da irracionalidade e do despudor. Em lugar de agregar em torno de propostas, procuram clivar a sociedade pelos preconceitos. Na História, o ódio sempre resultou em boas votações; a construção de inimigos é uma velha estratégia, capaz de esconder a complexidade dos problemas.
Mesmo que Bolsonaro hoje caminhe para o ostracismo, restando a ele frequentar almoço de batizado, seu legado de atraso ainda é um — digamos — ativo podre. Haja vista parte do eleitorado acreditar que o Brasil se encontra à beira de se tornar um país comunista.
À esquerda, o discurso político identitário também não deixa de mobilizar preconceitos. Permanece como a venda de terreno na Lua, escudado em boas intenções. O ataque de Jean Wyllys sobre Eduardo Leite integra o figurino. Bastou o governador gaúcho declarar que manteria as escolas cívico-militares no Rio Grande do Sul para ser tachado de homofóbico pelo ex-deputado pelo Rio de Janeiro. Lendo as entrelinhas, Wyllys o chamava de heterossexual enrustido. Ai, ai.
Em seu estilo robocop de intervenção política, Wyllys procurou pintar Eduardo Leite como um gay de direita. Até aí nenhuma novidade. Leite teve a coragem de se declarar homossexual e é notoriamente um político de centro-direita. Mas, ao juntar as duas definições, Jean Wyllys quis negar o óbvio — não é todo gay que necessariamente é de esquerda. Não, meu bem, isso não funciona assim. É mais fácil o vascaíno ter um segundo time do coração do que a identificação política determinar opção sexual. O que Jean Wyllys diria sobre J. Edgar Hoover, o ultradireitista diretor do FBI?
A guerra identitária, ora à esquerda, ora à direita, é um cobertor bastante curto. Eduardo Leite não se elegeu governador gaúcho duas vezes por ser gay; ao contrário de Wyllys, cuja bandeira é a sexualidade. Bolsonaro e Trump perderam suas reeleições — vale lembrar: mesmo tendo a máquina na mão —, embora mantivessem na mira os ataques de gênero e de raça — além da misoginia histérica. Também o público se viu derrotado ao não ter as espetaculares atuações de Kevin Spacey e as deliciosas obras de Woody Allen a cada nova estação. Choremos por isso.
O ostracismo de Bolsonaro, a derrota do ultradireitista Vox na Espanha e a absolvição de Spacey talvez indiquem mais poesia e menos ódio. (Ao menos por algumas horas.). Fonte: https://oglobo.globo.com
O inferno mais frequente
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Ondas de calor, como as da Grécia e dos EUA, vão se repetir em intervalos cada vez menores
Os incêndios provocados por ondas de calor na Grécia, nos Estados Unidos, na China e no México nas últimas semanas nada têm de raros nem de esporádicos. A excepcionalidade de tais fenômenos é ignorada apenas por negacionistas fanáticos da mudança climática. Recente estudo elaborado por oito cientistas do London Imperial College, porém, agrega uma constatação mais grave: essas ondas infernais, com mortalidade cada vez mais alta, tendem a se repetir em intervalos cada vez menores (entre dois anos e meio e cinco anos) nos verões do Hemisfério Norte.
O estudo, intitulado O calor extremo na América do Norte, Europa e China em julho de 2023 tornou-se muito mais provável pela mudança climática, baseia-se no princípio de que o aumento de 2° Celsius na temperatura média do planeta, em relação ao nível pré-industrial, é inevitável e se dará bem antes do fim deste século. O calor deste ano no sul da Europa já supera em 2,5° Celsius os anteriores. Na América do Norte, os termômetros marcam temperaturas 2°C mais altas e na China, 1°C acima.
O cenário deve se tornar gradualmente mais devastador para a vida. Os pesquisadores alertam especialmente para o fato de os efeitos das altas temperaturas e dos incêndios selvagens à saúde humana não terem sido mapeados totalmente ainda hoje. Sublinham que os governos terão de elaborar planos de ação para lidar com um contexto mais adverso à sobrevivência. Os atuais investimentos em casas mais bem refrigeradas e em postos urbanos para se refrescar são tímidos diante do que será necessário.
O estudo deixa claro que nada disso ocorreria se não fosse a escalada exorbitante de emissões de gases do efeito estufa nos últimos dois séculos, alavancadas pela incontestável ação humana. Igualmente acentua que bloquear o quanto antes essas emissões é a única forma de evitar que tais fenômenos se tornem cada vez mais frequentes e dramáticos.
A ciência enfatiza estar cada vez mais próximo o ponto de inflexão, ou seja, o momento em que a diminuição e até a eliminação das emissões dos gases já não trarão os efeitos positivos esperados. A luz amarela está se avermelhando. No caso das correntes marítimas do Atlântico, tão afetadas quanto a atmosfera pelas emissões de gases do efeito estufa e tão importantes para o equilíbrio climático do planeta, o ponto de inflexão deve ocorrer antes da virada do próximo século, segundo o estudo Alerta sobre um colapso próximo da circulação do Atlântico Sul, publicado no último dia 25 pela Nature Communications. Seus autores, os cientistas e irmãos dinamarqueses Susanne e Peter Ditlevsen, da Universidade de Copenhague, preveem que esse colapso acontecerá entre 2025 – algo como “depois de amanhã” – e 2095.
A última vez que as correntes atlânticas estagnaram foi há 12.800 anos, com consequências ambientais devastadoras. Não há razão para imaginar efeitos diferentes desta vez. Tampouco para não investir no corte brusco das emissões. O Acordo de Paris, que fixou as obrigações voluntárias de cada país, já não se mostra suficiente. É preciso maior ambição. Fonte: https://www.estadao.com.br
Homem passa 50 dias perdido comendo maracujá, jerimum e mel no Ceará
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Trabalhador rural deixou o interior de SP para encontrar família em viagem de três dias, mas desceu em outro destino e ficou desaparecido
José Rodrigues desapareceu no distrito de Cruzeta, na cidade de Pedra Branca, e foi encontrado na zona rural de Independência, cidade vizinha - Arquivo pessoal
Patricia Calderón
FORTALEZA
O cortador de cana-de-açúcar José Cristóvão Rodrigues, 39, saiu de Leme, no interior paulista, com destino ao Ceará para visitar a família em Pedra Branca, a 232 quilômetros de Fortaleza. A viagem no início de junho, que duraria três dias, porém, só terminou quase dois meses depois e foi marcada por uma alimentação baseada em maracujá, jerimum e mel e que incluiu também peixe estragado e água contaminada.
Durante a viagem, o trabalhador rural começou a apresentar confusão mental, segundo seus familiares, o que fez com que descesse em outro destino no dia 5 do mês passado e desaparecesse.
Irmã de Rodrigues, Antoniclé Rodrigues disse que, ao perceberem que ele apresentava episódios de mania de perseguição no percurso ao falar por telefone com a família, conseguiram conversar com o motorista do ônibus e pediram para que ele ficasse de olho no trabalhador rural.
"Ele insistia que estava sendo perseguido e que queriam matá-lo", disse.
Rodrigues, porém, desceu do ônibus em Cruzeta, distrito de Pedra Branca, abandonou a sua bagagem e não foi mais visto.
"A última vez que falamos com meu irmão ele ainda estava na estrada a caminho de casa. Foi desesperador ir ao encontro dele na parada de ônibus e descobrir que ele tinha descido em outra localidade e desaparecido."
Preocupados com o paradeiro dele, a família iniciou as buscas. A polícia da região foi mobilizada e cães farejadores e até mesmo um helicóptero ajudaram na procura, sem sucesso. Até que uma pista surgiu 50 dias depois, quando ele decidiu pedir ajuda a um trabalhador rural para tentar entrar em contato com a família.
"Dia 24 minha irmã recebeu algumas mensagens [por rede social] de uma senhora da localidade de Jardins, no interior de Independência, vizinha a Pedra Branca, distante 30 quilômetros de onde ele desapareceu. A mulher nos enviou uma foto do RG do meu irmão, constatamos que era ele mesmo."
Após o contato, a família e a polícia foram ao encontro do agricultor, que foi encontrado abatido, com quase 20 quilos a menos, ainda muito confuso e necessitando de atendimento médico imediato.
"Quando o encontramos, ele ainda insistia que estava sendo perseguido e por isso estava se escondendo. Disse que para sobreviver consumiu maracujá do mato, jerimum e mel com casca da colmeia de abelhas selvagens nos dias em que ficou perdido na mata. Até peixe morto estragado comeu para não morrer, além de ter consumido muita água contaminada."
EM CASA
Rodrigues, que já recebeu alta do hospital, falou rapidamente com a Folha e disse que agora está seguro e não pretende voltar a São Paulo.
"Tive medo de morrer e ninguém me achar. As pessoas achavam que eu queria roubar, acho que por isso não me ajudaram antes. Eu sou trabalhador, só estou com a minha cabeça confusa. Agora estou melhor com a família", disse.
Ele afirmou ainda querer ficar com a família para se cuidar e que agora está "seguro".
Segundo a irmã, Rodrigues deve continuar amparado na cidade até que haja um diagnóstico correto sobre o seu estado de saúde.
O delegado titular de Pedra Branca, Fabiano Silva Azevedo, disse ter ficado emocionado quando Rodrigues foi encontrado depois de tantas buscas.
"Fiquei ansioso porque os dias se passavam e nada. Passou um mês e realmente começamos a pensar no pior. Até material genético recolhemos da família, caso ele fosse encontrado sem vida", disse.
Segundo os familiares, Rodrigues não pediu ajuda antes porque a todo momento dizia que estava "fugindo de uns caras" que queriam matá-lo.
" A gente acredita que ele só tomou a decisão de pedir ajuda quando se acalmou um pouco", afirmou a irmã. Fonte: https://www1.folha.uol.com.br
Lentidão e aquecimento: como saber se meu celular foi infectado por pragas digitais?
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Funcionamento dos aparelhos mudam quando contaminados por malware
Por Alice Labate
Você sabe o que é um malware? Malware são programas desenvolvidos por hackers para invadir dispositivos móveis e roubar dados pessoais. No geral, qualquer aparelho pode ser hackeado, mas essa invasão pode ser mais preocupante se for em um celular, em que é possível acessar senhas, mensagens e aplicativos mais facilmente.
Para evitar ter seu smartphone invadido, é necessário tomar cuidado com sites acessados, já que qualquer link pode ser um convite para o malware infectar o seu aparelho. Normalmente, links infectados são divulgados junto com promessas milagrosas - como para conseguir dinheiro fácil - ou até em mensagens no e-mail ou no WhatsApp, portanto evite abrir anúncios e mensagens suspeitas de remetentes desconhecidos.
Além disso, hackers conseguem acessar um aparelho móvel facilmente por meio de redes públicas de Wi-Fi e por Bluetooth, então desative essas funções em locais públicos se não as estiver usando e não conecte seus aparelhos em redes compartilhadas.
Mas, afinal, como saber se meu celular foi hackeado? A seguir, confira 5 dicas para descobrir se seu smartphone foi invadido por um vírus.
Veja como identificar uma invasão hacker no celular
Bateria acabando mais rápido
Nem sempre quando a bateria acaba rapidamente significa que seu celular foi hackeado - o desgaste natural do aparelho pode reduzir a vida útil do componente. Assim, para essa dica, é preciso levar em consideração quanto tempo o smartphone tem de uso.
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Caso o aparelho tenha muito tempo de uso, a bateria com menor duração pode significar apenas que o dispositivo está desgastado.
Porém, se o telefone não tem muito tempo de uso e a bateria passou a durar pouco de forma repentina - e não gradativamente, como é esperado de acontecer - isso pode indicar que o celular foi infectado por um malware.
Maior consumo de dados móveis
Para essa dica vale verificar periodicamente o seu consumo de dados móveis para identificar rapidamente qualquer alteração.
Caso a utilização de dados móveis tenha aumentado significativamente de uma hora para outra, fique atento. Para verificar o seu consumo, é só ir nas configurações de internet do seu smartphone e comparar com os consumos anteriores.
Mesmo que o usuário consuma muitos dados móveis normalmente, quando um aparelho é hackeado o consumo aumenta bastante, tornando fácil de identificar quando há algo errado com o dispositivo.
Aplicativos desconhecidos no celular
Se você entrar no seu celular e ver aplicativos desconhecidos, que você não baixou, desconfie.
É bem comum, quando um smartphone é hackeado, surgirem apps nunca utilizados antes. Nesses casos, não tente acessar esses aplicativos.
Além disso, também é comum que outros aplicativos, conhecidos e usados frequentemente pelo usuário, comecem a travar repentinamente, pois o malware prejudica o desempenho do dispositivo.
Anúncios repentinos
Outro sinal de que o seu celular foi hackeado é quando anúncios começam a surgir na tela inicial ou em aplicativos que normalmente não tem anúncios.
Esses anúncios estranhos geralmente surgem em forma de pop-up, aqueles que surgem do nada e impedem de ver a tela de trás.
Celular aquecendo
Não necessariamente um aparelho móvel aquecer significa uma infecção - muitas vezes pode ser apenas o desgaste natural ou uso do aparelho enquanto ele carrega, mas, caso o aquecimento surgir junto de algum outro fator desta lista, fique atento.
Nesse caso, o aquecimento deve ser um sinal de alerta caso o aparelho não esteja sendo utilizado. Quando um celular é atacado por um malware, o vírus permanece agindo em segundo plano, superaquecendo o aparelho.
O que fazer se meu celular for hackeado?
O primeiro passo após confirmada a infecção por um malware é avisar parentes e pessoas próximas, porque os invasores podem mandar mensagem para essas pessoas, se passando por você, pedindo dinheiro ou tentando descobrir informações pessoais.
Em seguida, caso o seu celular tenha apps desconhecidos baixados, desinstale-os e não tente acessá-los.
Além disso, outra dica importante é deletar todas as notas contendo senhas ou dados pessoais e logins salvos. Também é essencial mudar as senhas de contas como de redes sociais, e-mails e banco o mais rápido possível.
Caso não seja possível realizar esses passos na hora em que a invasão foi identificada, desligue o celular, isso impede que o vírus continue agindo até que consiga realizar o passo a passo.
Por fim, é importante levar o aparelho infectado para uma assistência técnica confiável para remover o malware.
*Alice Labate é estagiária sob supervisão do editor Bruno Romani
Fonte: https://www.estadao.com.br
Influenciador: profissão precisa de regulação?
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Uma matriz legislativa específica regulando de forma geral a profissão, que envolve diversos nichos e atividades, é hoje desnecessária
Por Paulo Duarte
Autêntica, eficiente, persuasiva e assertiva, essas são as características principais quando uma empresa escolhe projetar sua marca, um produto ou serviço por meio de influenciadores digitais. Segundo uma das maiores plataformas de pesquisa do mundo, a alemã Statista, 47,9% dos usuários de internet realizam compras projetadas por marketing de influência, seja direta (clique aqui) ou indiretamente (compra por outros meios: página do anunciante, loja física, etc.).
Hoje, comentários sinceros de pessoas em quem você confia tendem a ser levados muito mais em consideração do que a publicidade tradicional. Para a pesquisa realizada pela Statista, 94% dos consumidores concordam que uma análise positiva de uma pessoa em quem se confia aumenta exponencialmente a probabilidade de realizar uma compra. Outra pesquisa, conduzida pela Influencer Marketing Hub, afirma que 93,5% dos anunciantes por meio de influenciadores reportaram haver tido sucesso com a estratégia.
Logicamente, a mídia tradicional continua importante, tendo como forte o engajamento pós-anúncio, o que ajuda na fixação de marca, em sua reputação e no famoso boca-a-boca. A unanimidade entre especialistas é: cada um tem seu lugar e são complementares.
Voltando ao influenciador, não podemos negar, portanto, seu poder cada vez maior e impactante no mercado, o que tem levado diversos países a pensar em regulação.
Na França, por exemplo, passou no Senado, no dia 9/5/2023, em primeiro turno, uma lei que regula a atividade dos influenciadores, trazendo uma definição do profissional e seus agentes, proibições de certos anúncios, sanções e controles preventivos. O intuito é evitar certos conteúdos ofensivos, principalmente a jovens, como incitação a regimes alimentares perigosos, cirurgia plástica, apostas excessivas, promoção de contravenções, endividamento, etc.
Nos EUA, que têm hoje o maior mercado de influenciadores do mundo, também se viu uma pressão por regulação. A Comissão Federal de Comércio publicou recentemente um guia com 101 diretivas aos influenciadores para evitar consequências jurídicas, incluindo criminais. O intuito é estabelecer critérios básicos de transparência e autenticidade.
Na Alemanha, foi recentemente publicada a Lei de Reforço à Proteção do Consumidor GSVWG, alterando a Lei contra Concorrência Desleal UWG, com dois principais objetivos: dar claridade ao influenciador sobre quando este deve identificar estar fazendo publicidade e, ao mesmo tempo, dar transparência ao consumidor de quando o influenciador está fazendo publicidade e quando não.
E o Brasil? O Brasil é um dos maiores mercados de influenciadores do mundo. Em 2021, uma pesquisa realizada pela HypeAuditor demonstrou que São Paulo é a 3.ª cidade com maior número de influenciadores com mais de 1 milhão de seguidores no Instagram (204), perdendo apenas para Los Angeles (469) e Nova York (359). Em números gerais, segundo a empresa de dados Nielsen, o Brasil conta com mais de 500 mil influenciadores digitais, o que ultrapassa o número de diversas profissões regulamentadas, como a de dentistas (374 mil).
Mas, diante das leis hoje existentes no Brasil, precisamos de uma norma específica aplicada aos influenciadores?
Para responder a essa pergunta, devemos entender, antes, dois pontos: primeiro, o influenciador é um multiprofissional, com inúmeros nichos distintos e inúmeras atividades, que podem estar cobertos por diversos tipos de regulação; segundo, a legislação brasileira é muito compreensiva e já regula, de uma forma ou de outra, as diversas atividades.
Para a proteção do consumidor, por exemplo, temos o Código de Defesa do Consumidor; para a proteção de dados, temos a Lei Geral de Proteção de Dados e o Marco Legal da Internet; para a proteção de crianças e adolescentes, temos o Estatuto da Criança e do Adolescente; para a proteção contra crimes virtuais e informáticos, há a Lei Carolina Dieckmann; para a proteção de propriedade intelectual, temos diversas leis e acordos internacionais assinados pelo Brasil, etc., além da supervisão pelo Ministério Público, o Procon, o Conar, o Inpi, entre outras agências e órgãos.
Em abril deste ano, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou um relatório sobre influenciadores digitais do mercado financeiro e de capitais (finfluencers), analisando eventual regulamentação desses profissionais, que já representam a fonte majoritária de informações financeiras e econômicas no País. Segundo a CVM, diante da importância que o finfluencer ganhou hoje em dia, o intuito foi estender a eles as obrigações de transparência exigidas aos agentes regulados por ela.
Transparência sempre é importante em qualquer área e ajustes legais são sempre necessários ao longo do tempo, uma vez que a área econômica é fluida e evolui. Contudo, uma matriz legislativa específica regulando de forma geral a profissão do influenciador é, hoje, totalmente desnecessária, diante do grande e suficiente número de normas existentes perfeitamente aplicáveis às diferentes atividades dos influenciadores. Para evitar abusos das diversas ordens, o eficaz é aumentar a fiscalização pelos diversos órgãos responsáveis, não criar base legislativa que, sem supervisão, se torna inócua.
*ADVOGADO Fonte: https://www.estadao.com.br
O que está acontecendo conosco?
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É o nós contra todos. O outro é uma ameaça. Saímos à rua vestidos para matar
Enterro de Gabriela Anacelli, torcedora do Palmeiras que morreu em consequência de uma briga de torcidas no último sábado - Rubens Cavallari/Folhapress
Nas últimas semanas, escrevi duas colunas (23 e 29/6) sobre o fato de que, por qualquer motivo, brasileiros sacam facas, pistolas e barras de ferro, e partem com fúria assassina para cima uns dos outros. Crianças sofrem violência fatal por pais ou tutores. Mulheres são agredidas ou mortas por maridos ou namorados. E o futebol se tornou uma catarse do mal, em que massas de torcedores alvejam adversários com rojões, trocam garrafadas, depredam patrimônio e juram terror a seus próprios jogadores.
As duas colunas se compunham de notícias colhidas na mesma semana. Perguntei: o que está acontecendo conosco?
Há dias, o levantamento de um órgão internacional dedicado a medir a paz —e, por conseguinte, a violência— tornou ainda mais premente a pergunta. O Brasil é um dos 35 países mais perigosos do mundo. Os critérios usados foram o envolvimento em conflitos, o nível de segurança baseado nas taxas de criminalidade e a quantidade de armamento em circulação.
O Brasil não está em guerra com ninguém, mas, dentro de suas fronteiras, tem uma facção capaz de produzir o 8/1. O país bate recordes em crime organizado, polícia com licença para matar e execuções entre os dois grupos a resultar em comunidades sob permanente tiroteio. O número de armas em poder de particulares, autointitulados caçadores, atiradores e colecionadores, quintuplicou nos últimos anos e explica a facilidade com que as pessoas se matam no dia a dia. Em 2022, ano da pesquisa, foram 40,8 mil mortes violentas no país —média de 110 vítimas por dia.
O Brasil sempre foi violento, fruto de desigualdade, racismo, homofobia, ignorância, brutalidade policial, leis complacentes, certeza de impunidade e corrupção geral. E não vai ficar assim. Vai piorar.
Estamos sendo impregnados pelo discurso do ódio. É o nós contra todos. O outro é uma ameaça. Saímos à rua vestidos para matar. Fonte: https://www1.folha.uol.com.br
Mãe de jogador morto após acidente de trânsito passa quatro horas velando o corpo no asfalto: 'Me deixem aqui'
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Mãe de jogador morto após acidente de trânsito passa quatro horas velando o corpo no asfalto: 'Me deixem aqui'
Lucas de Oliveira, de 21 anos, voltava de um pagode em São Cristovão, quando o carro onde estava com amigos bateu em um poste e capotou
O jovem Lucas Oliveira, jogador de futsal, morre em acidente de carro na av Dom Hélder Câmara, próximo da entrada do Jacarezinho. A mãe chora ao lado do corpo. Gabriel de Paiva/ Agência O Globo
Por Jéssica Marques — Rio de Janeiro
A auxiliar administrativa Josi Durval acordou, nesta segunda-feira, com uma ligação por volta das 6h30. Era Pedro Wigg, de 21 anos, irmão de consideração de seu filho Lucas de Oliveira, da mesma idade. Na linha, ele deu a notícia sobre um acidente envolvendo o rapaz no viaduto de Benfica, Zona Norte do Rio. Sem saber detalhes, Josi saiu de casa imediatamente. Ela mora do outro lado da cidade, em Piedade, Zona Oeste, e, com o marido, dirigiu cerca de 20 minutos para ir ao encontro do filho. Ao chegar no local, o susto: Lucas estava morto e seu corpo estirado no chão. Ao lado dele, um carro destruído.
Os destroços espalhados pela via e a destruição do Nissan March, veículo onde estava Lucas, denunciavam a violência da batida. Segundo testemunhas, o carro atingiu um poste na descida do viaduto, rodou três vezes e parou cerca de 30 metros depois perto da calçada. Lucas foi arremessado para fora do carro, batendo a cabeça no asfalto. Entre os feridos, estavam ainda mais três amigos. Dois continuam internados, mas fora de perigo. O outro já recebeu alta.
A mãe do jogador ficou quatro horas à espera da perícia da Polícia Civil, uma saga de dor e tristeza observando o corpo do menino no asfalto. Aos gritos e choro, Josi se recusou a sair do lado de Lucas. “Meu filho, porque você se foi assim. Meu deus, não dá para acreditar! Me deixem aqui. Não quero sair daqui”, desabou.
Ajoelhada ao lado do corpo, coberto por uma manta de alumínio, e machada de sangue, Josi orava enquanto segurava a mão do filho, tinha esperança de que ele fosse sair daquela situação.
— A mãe dele está em choque. Ela não está em condições de falar com ninguém. Nenhuma mãe deveria passar por isso. É muito dolorido — afirmou Pedro Wigg, enquanto segurava os pertences dela e conversava com os policiais. Quanto mais os parentes tentavam tirar Josi do local para poupá-la do sofrimento, mais a mãe do jogador queria ficar.
O caso foi registrado na 25ºDP, no Engenho de Dentro, como homicídio culposo na direção de veículo automotor. O motorista, de 25 anos, era amigo das vítimas.
Férias no Brasil
Jogador de futsal em Portugal, Lucas estava na cidade há 18 dias aproveitando as férias. Ele passou uma temporada de 11 meses na Europa, longe da família e dos amigos. Segundo o pai, Rodrigo Pereira, o filho gostava de se divertir e estava animado por renovar o contrato com o time, o Boa Esperança, de Portugal.
Na noite anterior ao acidente, ele foi a um pagode em São Cristóvão. Na volta, saiu com quatro amigos: um ao volante, que saiu sem prestar socorro, foi identificado e chamado para depor, e outros três como passageiros, socorridos pelos bombeiros às 6h17.
O carro que transportava os jovens ficou totalmente destruído. A lataria traseira estava destroçada e com as portas arrancadas. O airbag foi acionado. No porta-malas estavam embalagens de cerveja amassadas e alguns pertencentes das vítimas, como tênis.
Enquanto a mãe de Lucas estava aos prantos, inconsolável, parentes, amigos e curiosos no local faziam silêncio. “Parece cena de um filme de terror”, comentou uma senhora.
O "rabecão" da Defesa Civil foi acionado às 11h06, chegando ao local 12 minutos depois para a remoção do corpo. Enquanto os agentes preparavam o saco para colocar Lucas, Josi passou mal e foi amparada por parentes. Ela foi a última a sair do local.
Notas da Polícia
Em nota, a Polícia Civil afirmou que agentes da 25ª DP foram comunicados do ocorrido às 9h45, quando a perícia foi acionada. E que "imediatamente, as equipes se mobilizaram para ir ao local e iniciar a apuração do crime. A polícia não comentou a espera de quatro horas pelos familiares da vítima".
Já a Polícia Militar informa que "a primeira equipe chegou ao local às 5h45, providenciando de imediato acionamento do Corpo de Bombeiros para socorrer as vítimas. Três foram socorridas para duas unidades de saúde - uma para o Hospital Municipal Souza Aguiar e duas para o Hospital Estadual Getúlio Vargas. Uma quarta vítima já estava em óbito no local do acidente, conforme constatato por médico da Defesa Civil". Fonte: https://oglobo.globo.com
O dever de regular as redes sociais
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Lobby das big techs é parte da vida democrática, mas não pode impedir o Congresso de fazer seu trabalho: o País continua necessitado de uma adequada regulação das redes sociais
O Estadão relatou como o Google e a Meta – dona do Facebook, WhatsApp e Instagram – atuaram junto aos parlamentares para que o Projeto de Lei (PL) 2.630/2020, o PL das Fake News, fosse retirado da pauta de votação da Câmara. Especialmente intenso durante duas semanas, o lobby das empresas de tecnologia surtiu efeito. Segundo o jornal, ao menos 33 deputados mudaram de posicionamento entre a aprovação do requerimento de urgência do PL 2.630/2020, no dia 19 de abril, e a retirada de pauta, no dia 2 de maio.
A mobilização política promovida pelas big techs em torno ao PL das Fake News despertou controvérsias. Para o presidente da Câmara, Arthur Lira, ela ultrapassou “os limites do contraditório democrático”. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), chegou a estabelecer, por liminar, o que o Google e outras empresas poderiam dizer sobre o projeto de lei, o que representou evidente abuso. No Estado Democrático de Direito, juiz não é árbitro do debate público. Por sua vez, a Polícia Federal abriu investigação para apurar a conduta do Google no caso. Segundo Marcelo Oliveira Lacerda, diretor de Relações Governamentais e Políticas Públicas do Google, a empresa gastou R$ 2 milhões na campanha contra o projeto.
Se há indícios de alguma ilegalidade, é necessário, por óbvio, apurá-los. De toda forma, faz parte do jogo democrático o lobby de empresas, organizações da sociedade civil e grupos de interesse. Da mesma forma, também faz parte da vida legislativa – portanto, não deve ser motivo de escândalo – que um projeto de lei seja retirado de pauta, em razão de algum tipo de pressão. E o mesmo se deve dizer da mudança de posicionamento de parlamentares em relação ao PL 2.630/2020. É assim que o regime democrático funciona.
Mais do que uma deficiência em si, os efeitos do lobby das big techs sobre a tramitação do PL das Fake News revelam um Congresso permeável às influências da sociedade civil, o que, a princípio, é positivo. O Legislativo não pode ser indiferente à sociedade. Outra questão se refere ao modo como essa pressão sobre o Congresso é feita. Certamente não é positivo para o regime democrático que o debate público seja tomado por desinformação, suscitando falsos e desproporcionais medos na população. Nesse caso, em vez de liberdade, haveria manipulação e dominação.
Não existem respostas fáceis para essas tensões. Há, no entanto, alguns princípios fundadores que não podem ser esquecidos. Há liberdade de expressão no País. Um juiz não tem competência para arbitrar o que pode ser dito no debate público. Por outro lado, a convivência social pacífica – o que inclui o exercício das liberdades individuais – demanda um mínimo de regulação jurídica. Demanda a lei.
A própria trajetória da tramitação do PL das Fake News ilustra a necessidade de um marco regulatório adequado para as redes sociais. Não para autorizar que o ministro Alexandre de Moraes faça o que fez – o que é inconstitucional –, mas para proporcionar um ambiente em que os direitos de todos sejam respeitados, sem a prevalência do poder de alguns sobre todos os demais. A ausência de normas jurídicas adequadas impede a devida responsabilização, com a vigência da lei do mais forte.
Em artigo no Estadão (‘Fake news’, censura e anonimato, de 2/6/2023), Afranio Affonso Ferreira Neto advertiu que o cenário atual das redes sociais, sem a devida identificação dos usuários, constitui “a irresponsabilidade do descarado e lucrativo anonimato”, o que contraria a Constituição. “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”, diz o art. 5.º, IV.
É necessário retomar a tramitação do projeto de lei sobre a regulação das redes sociais. O lobby faz parte da vida democrática. Mas não faz parte da vida democrática que o Congresso, órgão por excelência da representação popular, fique refém de algum lobby. A retirada de pauta do PL 2.630/2020 não pode significar o abandono do projeto. O País continua carente de um marco adequado. O Congresso tem uma tarefa importante a cumprir. Fonte: https://www.estadao.com.br
O eco do silêncio
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O eco do silêncio
Em crônica, leitor da Folha analisa a importância da quietude para conexão interna
Vista da cidade de São Paulo do Pico do Jaraguá às 8h38 da manhã - Eduardo Knapp/Folhapress
Vinicius Szabo
Em meio à cacofonia ensurdecedora do mundo moderno, há uma qualidade única no silêncio que muitas vezes passa despercebida. É nos momentos de quietude e ausência de ruídos que encontramos um espaço para nos conectarmos com nós mesmos, refletir sobre nossos pensamentos e permitir que nossa mente encontre a serenidade tão necessária.
Numa era em que somos constantemente bombardeados por informações, notificações incessantes e uma infinidade de estímulos, é fácil perdermos o contato com a nossa essência. O ruído externo cria uma cortina que nos separa do mundo interior, impedindo-nos de mergulhar nas profundezas do nosso ser.
No entanto, quando encontramos momentos de silêncio, mesmo que breves, somos presenteados com uma oportunidade de nos reconectar. O silêncio se torna um aliado valioso, seja ao acordar nas primeiras horas da manhã, quando a cidade ainda está envolta em um manto de calma, ou ao buscar refúgio em um parque tranquilo durante a tarde.
São nesses momentos de quietude que as vozes internas têm espaço para emergir. Pensamentos se desenrolam como fios de um novelo, permitindo que observemos nosso íntimo de maneira mais profunda. É como se, no silêncio, encontrássemos um espelho que reflete nossa essência mais genuína.
Além disso, é no silêncio que encontramos a possibilidade de escutar o mundo ao nosso redor de maneira mais atenta. A brisa sussurra segredos, as árvores dançam com suas folhas ao ritmo do vento e os pássaros entoam melodias encantadoras. Quando nos permitimos abraçar o silêncio, somos envolvidos por uma sinfonia natural, cheia de harmonia e beleza.
Portanto, convido você, caro leitor, a abraçar o silêncio em meio ao caos. Busque instantes de tranquilidade em seu cotidiano agitado. Permita-se ouvir o eco que emana dessa ausência de ruídos. Descubra a riqueza que existe no silêncio e deixe-o ecoar em sua vida, trazendo clareza, introspecção e paz.
Pois é nesse encontro com o silêncio que descobrimos a nós mesmos e nos tornamos mais conscientes do mundo que nos cerca. Que possamos nos lembrar da importância desse espaço valioso, presenteando nossos sentidos com a melodia suave e profunda do silêncio.
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Pastor André Valadão diz que Deus mataria todos os LGBTQIA+ se pudesse
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Pastor André Valadão diz que Deus mataria todos os LGBTQIA+ se pudesse
Em vídeo posterior, religioso afirma que fala foi retirada do contexto e culpa 'grande mídia' por repercussão
André Valadão, pastor da Lagoinha Church Orlando, faz pregação anti-LGBTQIA+ - Reprodução/lagoinhaorlandochurch no Instagram
Um mês depois de dizer que "Deus odeia o orgulho", inaugurando uma ruidosa campanha anti-LGBTQIA+ na igreja onde prega em Orlando (EUA), o pastor André Valadão afirmou que é preciso "resetar" os membros dessa comunidade e que, se Deus pudesse, "matava tudo e começava tudo de novo".
A fala apareceu em culto neste fim de semana. Primeiro Valadão ironiza: "O que vale é toda forma de amor, deixa casar, deixa viver". Aí os fiéis se horrorizam quando homens e mulheres dançam na frente de crianças com genitálias expostas em paradas que enaltecem o respeito à diversidade sexual, afirma na sequência.
É quando diz: "Então agora é a hora de tomar as cordas de volta e dizer ‘nananinanão’, ‘pó’ parar, reseta. Aí Deus fala: não posso mais, já meti esse arco-íris aí. Se eu pudesse, matava tudo e começava tudo de novo. Mas já prometi a mim mesmo que não posso, então agora tá com vocês".
Valadão disse à Folha que sua declaração foi tirada de contexto e enviou o link de um vídeo que compartilhou nesta segunda (3). Na peça, ele culpa "a grande mídia" pela repercussão do culto.
"Pelo amor de deus, gente, não digo [para] nós aniquilarmos pessoas. Digo que cabe a nós levar o ser humano ao princípio daquela que é a vontade de Deus", diz ali. Usa Gênesis, o primeiro dos livros bíblicos, para justificar a parte em que cita uma matança generalizada de pessoas da comunidade LGBTQIA+.
Lá está o dilúvio que Deus teria armado para fulminar a humanidade, à exceção de Noé, o construtor da arca, e sua família. A providência divina destruiu a todos "por causa da libertinagem, daquilo que um cristão genuíno considera contrário à vontade de Deus", afirma Valadão.
Na legenda do post, o líder evangélico diz que "nunca será sobre matar, segregar, mas será, sim, sobre resetar, levar de volta à essência, ao princípio".
O discurso de Valadão levou Fabiano Contarato (PT-ES), primeiro senador abertamente gay do Brasil, a dizer que entrará com uma representação criminal contra o pastor, a quem acusa de manipular a fé e incitar a violência. "Por tudo que sou, pelo que acredito, pela minha família e por tudo que espero para a sociedade, não posso me calar diante do crime praticado por André Valadão", diz Contarato.
A Aliança Nacional LGBTI+ foi outra a se manifestar. Seu presidente, Toni Reis, disse que a associação acionaria o Ministério Público Federal contra a fala preconceituosa do pastor.
André Valadão assumiu no fim de 2022 a liderança da Lagoinha Global, com mais de 700 templos no Brasil e no mundo. Subiu na hierarquia após seu pai, o pastor Márcio Valadão, nome respeitado no meio, se aposentar.
Ele se afastou após anunciar a morte por infarto do ex-ator Guilherme de Pádua, assassino de Daniella Perez que virou pastor da igreja, num vídeo peculiar. "Caiu e morreu. Morreu agora, agorinha", informou sorrindo. O tom insólito levantou suspeitas sobre senilidade e abriu espaço para o filho.
Ainda que a matriz da Lagoinha, em Belo Horizonte, esteja a cargo de outro pastor, Flavinho, André Valadão conquistou poder após a saída do patriarca. Ele já vinha cumprindo o papel mais midiático da família nos últimos anos. Em 2022, foi um dos apoiadores evangélicos mais entusiasmados de Jair Bolsonaro (PL).
"O André, desde a sua juventude, despertava polêmicas", diz o pastor Bob Luiz Botelho, membro-associado das Nações Unidas para assuntos religiosos e fundador do Evangélicxs Pela Diversidade.
"Ele sempre pregou discursos que padronizam a fé, essa postura de dizer que para você chegar numa espiritualidade X, precisa fazer o caminho A, não existe B ou C. Tem sempre que ser do jeito que ele quer, um garoto mimado que se recusa a fazer um estudo sério sobre qualquer tema. Um verdadeiro coach que nada tem a ver com o evangelho plural de Jesus." Fonte: https://www1.folha.uol.com.br
Anomia na Amazônia
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Como mostra relatório da ONU, o narcotráfico na Amazônia está exacerbando o círculo vicioso em que a miséria, a devastação e a violência se reforçam umas às outras
Segundo o Relatório Mundial de Drogas da ONU, na década passada o número de usuários de drogas no mundo aumentou 23%; e o de pessoas com transtornos por uso de substâncias, 45%. É uma trágica ironia que essa escalada de intoxicação esteja sendo, em larga medida, bombeada pelo “Pulmão do Mundo”, como a Amazônia é popularmente conhecida. Nos últimos anos, o círculo vicioso em que a miséria, a devastação e a violência se retroalimentam foi dinamizado com esteroides pelo narcotráfico. A Amazônia é central para a trevosa saga do tráfico, que está transformando o Brasil de um tradicional consumidor da cocaína de vizinhos em um dos maiores exportadores do mundo.
Segundo a Polícia Federal, entre 2015 e 2019 as apreensões de cocaína em portos brasileiros explodiram: de 1,5 tonelada para quase 67 toneladas ao ano. A ONU estima que o País responda por 7% das apreensões globais, só atrás de Colômbia (34%) e EUA (18%). O Brasil é a quarta maior origem para a Oceania e a primeira para a Ásia e a África, e está se tornando para a Europa o que o México é para os EUA.
A Amazônia é não só uma rota disputada para escoar a cocaína de países vizinhos nos portos do Norte e Nordeste, mas tem se mostrado um ambiente propício à ramificação e entrelaçamento de uma gama de crimes.
Em primeiro lugar, ela é vasta e difícil de monitorar. A Amazônia legal compreende quase dois terços do território nacional. Fosse um país, seria o sexto do mundo. No Brasil, abarca fronteiras com os maiores produtores de coca do mundo: Colômbia e Peru, além da Bolívia.
Entre 2012 e 2022 as apreensões de cocaína na Amazônia saltaram de 6 toneladas por ano para mais de 30. O narcotráfico está “exacerbando e amplificando um leque de outras economias criminais”, alerta a ONU, “incluindo ocupação ilegal de terras, mineração ilegal, tráfico de madeira e espécies selvagens, e outros crimes que afetam o meio ambiente”.
Segundo o Relatório, o cultivo da coca tem impacto mínimo sobre o desmatamento. O verdadeiro catalisador é a lavagem dos lucros do tráfico. Em parte, isso se deve “à abundância de recursos naturais junto a uma presença limitada do Estado, corrupção persistente e fatores estruturais relacionados à informalidade, desigualdade e desemprego”. Organizações como o PCC e o Comando Vermelho estão se diversificando em atividades altamente lucrativas. As redes tecidas por elas aceleram o desmatamento, mas também “crimes convergentes que variam de corrupção, crimes financeiros e tributários, homicídio, assaltos, violência sexual, exploração de trabalhadores e menores, até a violência àqueles que defendem o meio ambiente, incluindo indígenas”. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entre 1980 e 2019 os homicídios caíram 19% no Sudeste, enquanto no Norte aumentaram 260%.
A repressão a esse “ecossistema do crime” é mais complexa do que o combate à criminalidade urbana tipicamente conduzido pelos Estados. Primeiro, porque essas organizações são transnacionais, exigindo cooperação internacional entre as nações envolvidas na cadeia do tráfico, da produção ao consumo. O Exército é crucial, especialmente na guarda de fronteiras e terras públicas. Mas o mero envio indiscriminado de forças militares tem se mostrado caro e pouco efetivo. Como aponta o Fórum, “é preciso investir no fortalecimento de mecanismos integrados de comando e controle, que conectam esferas federal e estadual, e, em especial, diferentes órgãos e Poderes (Polícias, MP, Defensorias, Ibama, ICMBio, Judiciário, entre outros)”. De resto, regulações excessivas de proteção ambiental, por mais que sejam bem-intencionadas, podem sufocar oportunidades econômicas, aprofundando a pobreza, que, por sua vez, forma um amplo estoque de recrutamento para os orquestradores de crimes socioambientais.
O fato é que, se o País continuar a permitir que a Amazônia seja sequestrada por um narcoestado paralelo, essa fonte de riquezas naturais e saúde climática produzirá efeitos cada vez mais tóxicos para a humanidade e sua “casa comum” – e eles serão particularmente agudos para o Brasil. Fonte: https://www.estadao.com.br
Por que 28 de junho é o dia internacional do orgulho LGBTQIA+
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Marco fundador do movimento está em episódio de batida policial no bar nova-iorquino de Stonewall há mais de 50 anos
É numa modesta construção no número 53 da rua Christopher, em Nova York, que se encontram as origens da explicação para o 28 de junho ser, há mais de 50 anos, celebrado como a principal data de resistência da comunidade LGBTQIA+.
O que se transformou numa manifestação que une festas e atos políticos que ocupam o espaço público para celebrar o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+ teve como marco fundador um episódio que opôs violência e exclusão à resistência a favor da diversidade.
Em 28 de junho de 1969, durante as primeiras horas da madrugada, policiais à paisana do Departamento de Polícia de Nova York fizeram uma batida no bar nova-iorquino Stonewall Inn, um dos mais populares entre a comunidade LGBT da região e uma espécie de refúgio em meio a uma era de intolerância.
O alvo da operação eram locais frequentados por "doentes mentais" —forma discriminatória como pessoas LGBT eram descritas pela Associação Americana de Psicanálise à época. Até 1961, todos os estados americanos tinham leis que proibiam a homossexualidade. E por muito tempo elas vigoraram.
Foi apenas em 2003 que a Suprema Corte dos EUA, por 5 votos a 4, invalidou uma antiga decisão e eliminou a proibição da homossexualidade em nove estados que ainda a sustentavam.
Durante a batida em Stonewall Inn, quando várias pessoas foram levadas sob custódia —e os relatos dão conta de que os detidos eram, em especial, gays, lésbicas e pessoas trans—, um grupo resistiu. E a ele se somaram mais pessoas que ficaram sabendo do episódio.
A mobilização e a resistência duraram cinco dias. A "revolta", como o movimento é descrito por parte da historiografia, começou como um protesto espontâneo contra o crônico assédio policial e a discriminação contra pessoas LGBTQIA+ numa década efervescente para o movimento de direitos civis.
Um ano após o episódio, em 28 de junho de 1970, uma manifestação partiu do local do bar e caminhou mais de 4 km em direção ao Central Park, cartão-postal de Nova York, naquela que é considerada a primeira marcha do orgulho LGBT no país. O evento ecoou para outras nações.
"Provavelmente somos o grupo minoritário mais assediado e perseguido da história, mas nunca teremos os direitos civis que merecemos a menos que paremos de nos esconder em armários e no anonimato", disse na ocasião Michael Brown, 29, ao jornal The New York Times.
Os números da mobilização variaram —policiais falavam em "mais de mil", enquanto organizadores estimavam um público de 20 mil pessoas. Mas o consenso dos que conversaram com o jornal americano ia na linha do que disse Martin Robinson, 27: "Nunca tivemos uma manifestação como esta."
O reconhecimento da discriminação na época tem ganhado espaço também nas fileiras da polícia americana. Em 2019, no marco dos 50 anos de Stonewall, o então comissário da polícia de Nova York, James P. O'Neil, pediu desculpas pelo caso, que descreveu como um erro.
"Sei que o que aconteceu não deveria ter acontecido. As ações do Departamento de Polícia foram erradas, pura e simplesmente. As atitudes e as leis eram discriminatórias e opressivas. Peço desculpas."
O movimento em território americano teve pouco impacto no Brasil à época, o que se explica pelo momento histórico que o país vivia: a ditadura militar. Como hoje se tem vasto conhecimento registrado, gays, lésbicas e pessoas trans eram alguns dos grupos perseguidos, e por vezes torturados, por militares.
Iniciativas brasileiras mais amplas começaram a surgir paralelamente à abertura do regime militar, com foco geográfico no eixo Rio-São Paulo e, na segunda metade da década de 1970, com marcos fundantes como a criação do jornal "Lampião da Esquina" e do grupo Somos.
Já nos anos 1980, organizaram-se grupos por todo o país, que desempenharam importante papel na luta pelos direitos humanos e civis dos homossexuais. Esses grupos foram fundamentais na proposição de respostas à sociedade civil sobre a epidemia da Aids. As comemorações brasileiras do 28 de junho, no entanto, vieram apenas no final dos anos 1990. A primeira Parada do Orgulho GLT —à época a sigla só abrangia gays, lésbicas e travestis— ocorreu em 1997 e reuniu cerca de 2.000 pessoas. Fonte: https://www1.folha.uol.com.br
Meus influencers favoritos
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Homens e mulheres que me influenciaram e que segui pela vida afora
Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.
Raro o dia em que não leio sobre algum famoso influencer em evidência por qualquer coisa importante. Já sei, só nesta frase há quatro pleonasmos. Se é influencer é porque deve ser famoso e, se está em evidência, é porque disse ou fez algo importante.
Mas não será assim o maravilhoso mundo dos influencers? E todos com três ou mais milhões de seguidores. Ao saber disso, pergunto-me vexadíssimo: por que não sou um desses milhões e não sigo um influencer?
Digo influencer no masculino, mas são, em grande maioria, mulheres. E que mulheres! Regulamentarmente louras, com quilômetros de cabelo, grandes beiços, dentes escovados com Omo, cinturas simbólicas, peitos mansfieldianos, bundas infladas e nomes como Karyne ou Thayanna. Não duvido que sejam seguidas o dia inteiro, tanto por rapazes sarados quanto por velhos ofegantes, mas não devem ser esses os seguidores que elas influenciam. Imagino que sua influência seja uma coisa mais platônica, conselheiral, quase filosófica.
Bem, se é assim, eu também já tive meus influencers e fui um ávido seguidor do que eles diziam, faziam, escreviam ou pensavam. Eram jornalistas e escritores como José Lino Grünewald, Carlos Heitor Cony, Ronaldo Bôscoli, Millôr Fernandes, Paulo Francis, Ivan Lessa, Telmo Martino. Aprendi muito ao privar com eles, alguns durante anos e em bases diárias. E, entre outros com quem trabalhei e aprendi, o caricaturista Alvarus, o escritor Marcos Santarrita, o repórter Fernando Pessoa Ferreira. Todos já morreram e todos souberam quanto me influenciaram. Sem falar nos que ainda estão entre nós e que continuo seguindo.
Tive a sorte de ser influenciado também por grandes mulheres: amigas ou colegas como Danuza Leão, Germana de Lamare e Tuca Magalhães —lidas, cultas, maduras, habituadas a dinamitar tabus e de uma coragem que vi em poucos homens. E, embora nem precisassem, todas bonitas. Fonte: https://www1.folha.uol.com.br
Mais 19 milhões de refugiados
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Guerra na Ucrânia, com seus 11,6 milhões, responde pela maioria dos deslocados de 2022
Parte dos efeitos de guerras e perseguições tem sido refletida nas estatísticas anuais divulgadas pela Agência das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur). Os dados de 2022, conhecidos no último dia 16, não poderiam ser mais dramáticos. O número de pessoas deslocadas de seus locais de origem aumentou em 19 milhões nesse período, o que elevou a estimativa dos que vivem nessa condição a 108 milhões. Para ter uma dimensão, esse universo equivale à população dos Países Baixos.
Esse contexto desafia o arcabouço internacional de direitos humanos construído nos últimos 70 anos e expõe um dado ainda mais grave. Segundo o relatório da Acnur Tendências Globais, elaborado com base nas estatísticas anuais fornecidas pelos países das Nações Unidas, 40% dos 108 milhões de deslocados são compostos por crianças, grupo mais suscetível à violência extrema. Elas somam 43,2 milhões.
Segundo a estimativa da Acnur, 62,5 milhões de pessoas foram obrigadas a se deslocar dentro de seus próprios países, enquanto 35,3 milhões refugiaram-se no exterior, sobretudo em países vizinhos, a maioria deles tão pobres como os de origem. Outros 5,4 milhões de pessoas solicitaram a autoridades estrangeiras o status de refugiado – grupo que aumentou em 2,6 milhões somente em 2022.
O quadro de 2022 mostrou-se afetado sensivelmente por velhos conflitos na África e no Oriente Médio, somados a outros recentes, como o da Ucrânia. Também evidenciou as terríveis condições de sobrevivência em países submetidos a regimes autoritários, como a Venezuela, e naqueles em que há perseguições continuadas contra minorias étnicas, religiosas, de gênero e orientação sexual, como Afeganistão e Mianmar.
A guerra da Rússia contra a Ucrânia respondeu por 61% dos 19 milhões de deslocados em 2022. Os ucranianos forçados a fugir de seus lugares de origem somaram 11,6 milhões, dos quais 5,9 milhões se mudaram para outras regiões do país. A parcela de 5,7 milhões restantes procurou abrigo no exterior, sobretudo na Polônia e na República Checa. Nas Américas, o total de deslocados cresceu 17% em 2022 ante o ano anterior.
É importante ressaltar que os números da Acnur refletem as histórias de busca pela sobrevivência que tiveram o desfecho esperado. Os 108 milhões de deslocados alcançaram um local onde a vida é possível. Nem sempre é assim. O naufrágio de embarcação de pesca precária e sobrecarregada de migrantes na costa da Grécia, no último dia 14, faz parte de uma série de tragédias que tornaram o Mediterrâneo um “mar da morte”. Deixou 79 mortos.
Ao comentar o relatório, o alto comissário das Nações Unidas para Refugiados, Filippo Grandi, afirmou o óbvio: faz-se necessário um maior esforço para selar a paz e impedir que novas guerras venham a ocorrer, ou então não haverá chances de regresso. As estimativas da Acnur para 2023, porém, já consideram conflitos para os quais não há esperança de solução em breve. A agência prevê mais 35,4 milhões de deslocados neste ano. Parte deles, certamente, sem esperanças de voltar ao lar. Fonte: https://www.estadao.com.br
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