MEMÓRIA CARMELITA: Frei Domingos Fragoso, O. Carm.
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Frei Carlos Mesters, frade carmelita
Ontem, 3ª feira, 29 de maio 2018, em torno de meio dia, fiquei sabendo da morte do nosso confrade frei Domingos Fragoso. À noite, do mesmo dia, às 18:30 horas, celebrei a Missa por ele aqui na Igreja do Carmo da Lapa, Rio de Janeiro, onde frei Domingos morou vários anos. Das pessoas presentes na missa, muitas se lembravam dele. Rezamos por ele.
Frei Domingos era muito meu amigo. Devo muito a ele e agradeço a Deus a longa convivência amiga que tivemos. Conheci os pais dele, tanto o pai como a mãe. Foi graças ao frei Domingos que cheguei a conhecer o irmão dele, dom Antônio Fragoso, bispo de Crateús, Ceará, e que pude trabalhar na diocese dele durante os meses de novembro e dezembro durante mais de dez anos em seguida.
Frei Domingos era da Província Pernambucana, mas conviveu muitos anos conosco na Província Fluminense como confrade, como vigário, como professor e como conselheiro. Graças ao estímulo e às propostas dele, muitas iniciativas foram tomadas em vista do aprofundamento da espiritualidade carmelitana. Ele era incansável em propor novos horizontes para o trabalho da gente. Ele era meio cabeçudo, mas foi graças a esta sua teimosia que se conseguiu realizar os projetos de tantas coisas boas.
Quando ele foi eleito Conselheiro Geral para o Carmelo latino americano e caribeño, ele se propôs três pistas de trabalho:
1-Realizar encontros periódicos intercarmelitanos em nível de América Latina e Caribe
2-Incentivar os programas de formação sobretudo da história e da espiritualidade carmelitanas e
3-Criar uma revista carmelitana. As duas primeiras propostas foram realizadas durante muitos anos e muito contribuíram para unificar e orientar os vários grupos carmelitas da América Latina A revista Carmelitana em nível de América Latina ainda está para ser criada.
Que a memória do nosso confrade frei Domingos Fragoso nos anime a retomar o espírito que o animou e a continuar os trabalhos que ele estimulou, para que a semente plantada cresça e faça com que o Carmelo gere muitos frutos a serviço do nosso povo, sobretudo dos pobres. Nascido e crescido no sertão nordestino, frei Domingos nunca perdeu o contato com a sua origem e as suas raízes nordestinas.
*O SER IRMÃO E A REGRA DO CARMO1
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Frei Bruno Castro Schröder, O.Carm Convento do Carmo da Bela Vista, São Paulo.
1- INTRODUÇÃO
Quando somos tomados pelo senso comum corremos o risco de nos depararmos com situações em que ficaremos sem palavras diante do outro. E, nesse sentido, agarramos com unhas e dentes discursos exíguos ou nos deparamos com a árdua vereda que chamamos de pesquisa. Este presente ensaio nasce de uma necessidade subjetiva de compreender melhor como se dá a relação do ser irmão na Ordem do Carmo tendo como eixo o texto da Regra dada por Alberto, o Patriarca de Jerusalém, norteadora dos Irmãos da Bem-Aventurada Virgem do Carmo. Em um primeiro momento se apresentará a dimensão Antropológica do estudo ao ser colocado como se dá a clericalização da Ordem através das épocas; posteriormente o enfoque se dará pelo estudo da influência paulina na espiritualidade carmelitana, a dimensão bíblica-espiritual; alfim duas grandes rupturas ilustram a o aspecto histórico e lançam luzes para o futuro, consistem na difusão para a Europa em 1238 e na Congregação Geral de 1974. Estes dois momentos históricos servem a nós de objeto de estudo para se compreender o ser irmão na Ordem do Carmo, mas, também ilustram o futuro de todos quantos desejem ser frades sacerdotes ou não. A confluência destes três pontos leva-nos a refletir de modo sólido questões pertinentes a todos os membros da Ordem. Leva-nos a olhar para o outro como se estivéssemos olhando para nós mesmos. A perceber o quão complexo é esse organismo vivo chamado Ordem dos Irmãos da Bem- Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo.
2- PROCESSO DE CLERICALIZAÇÃO DA ORDEM
Após a terceira cruzada, por volta do ano de 1192, um grupo de eremitas latinos se estabeleceu junto ao Monte Carmelo na Palestina e alí constituíram
1 Texto apresentado à comunidade conventual do Carmo da Bela Vista de São Paulo em novembro de 2017. As sugestões e indicações propostas por frei Tadeu Passos de Camargo passam pela leitura da obra Quæ Focas vidit? de frei Benigno Dissel (1945) ainda não localizada. Um ermo nas antigas instalações de um mosteiro bizantino de Wadi ain esSiah.
Muito pouco se sabe das condições de vida daqueles primeiros eremitas. Não sabemos se eram cruzados ou peregrinos, nobres ou plebeus. Sabe-se participavam nas cruzadas para visitarem a Terra Santa e estavam submersos na espiritualidade pellegrinaggio, ou seja, apresentavam uma forte característica metanoica, eram um grupo de leigos viventi in santa penitenza. Tendo como experiência de vida a solidão, a leitura da Sagrada Escritura, oração, contemplação, trabalho manual, jejum, vigílias e obras de misericórdia.
A este grupo, entre os anos de 1206 e 1214, o patriarca de Jerusalém, Alberto, lhes escreve uma Regra de Vida. “Questa Regola non fa distinzione tra sacerdoti e non sacerdoti: chiama tutti semplicemente „fratres‟” (BOAGA, 1982, p. 1). As principais decisões, as preocupações da vida conjunta, o bem-estar espiritual dos frades (Regra do Carmo II, III e XI) eram divididas por todos e todos participavam dos trabalhos manuais (RC XV).
A única distinção que pode ser elencada na Regra diz respeitos àqueles que sabiam ler e os que não o sabiam. O texto em seu capítulo VIII, antes da correção inocenciana, estabelecia a recitação do “Salterio” aos letrados em contraponto à recitação de um certo números de Pater por aqueles que não sabiam ler. A introdução das horas canônicas só se dará em 1247. Segundo o historiador Emmanuele Boaga (1934-2013) é neste momento histórico que alguns teóricos dirão repousar a gênese da clericalização da Ordem. Entretanto este momento, para o historiador carmelita, nos diz apenas duas coisas. A primeira é que o empenho em santificar as horas do dia não são um privilégio do clero, mas de todos. E isso se verifica desde as raízes judaicas. Outra coisa, o senso de atividade pastoral que era assumido naquele tempo, a celebração pública e coral das horas canônicas.
Faz-se salutar pontuar a clericalização da Ordem no século XIII. Após a migração para a Europa e sua introdução no meio urbano (mendicanismo) é manifesto o processo de transformação institucional. As necessidades pastorais da urbe exigiram da Ordem à presença de cada vez mais sacerdotes entre os frades. A influência da legislação dominicana (mitigação da Regra) e, no ano de 1228, a introdução no Corpus Iuris Canonici a absoluta proibição da pregação leiga por Gregório IX foram elementos para a clericalização da Ordem. Outros fatores como a abertura ao mundo universitário fizeram-se coadjutores para a separação entre os clérigos e os não-clérigos que por sua vez começam a se distanciar devido a alfabetização.
Entretanto em 1281 nas constituições mais antigas que se tem conhecimento, é clara a nota separatista entre clérigos e os leigos embora ainda haja pontos de contato. Nelas os frades leigos “vanno in coro com i chierici per mattutino, vespri e compieta […]; portando il vestito come i chierici ad eccezione dell‟almuzia2 o abito corale; prendono parte il capitolo conventuale, settimanale com parità di diritti com i chierici; però non prendono parte al capitolo quotidiano dele colpe dopo Terza, se non in determinate accasioni; non prendono parte al capitolo provinciale e generale. Non possono i laici studiare, ne avere libri in uso proprio nemmeno portar ela tonsura como i chierici; devono però essere istruiti ed esercitati in qualque mestiere utile all‟Ordine e ad essi è affidata la cucina. Quatro volte l‟anno è spiegata loro la Regola in língua volgare”
(BOAGA, 1982, p. 3)
Mas em 1291 no Capítulo Geral de Treviri abate-se o último resquício de paridade entre tais frades. Os frades leigos perdem o exercício do direito de voz passiva e ativa. “La disposizione sanscise così la completa e definitiva clericalizzazione dell‟Ordine” (BOAGA , 1982, p.3) .
Após o Concílio de Vienne (1311-12) os frades leigos constituem um terço do grupo religioso e começam a serem conhecidos como semifratres ou servifratres.
3- A TÔNICA PAULINA NA REGRA DO CARMO
Há na Ordem do Carmo a tônica da espiritualidade paulina, expressa inicialmente na Regra de Vida dos Irmãos pela tradição oral e escrita.
2 Cappa canonicale, distintiva dei canonici di alcuni catedrali o collegiate, consistente in un piccolo mantello di pelliccia con capuccio grande, che copre anche le spalle. (ZINGARELLI,
1994, p. 72) Destacam-se três características próprias do Apóstolo Paulo na exortação albertina ao grupo de eremitas do Monte Carmelo, são elas:
- A Exortação;
- O Discernimento e
- A Militância3.
3.1 - A EXORTAÇÃO
É evidente pelo número de vezes que o Apóstolo das Gentes é citado, entretanto também o é por seu estilo literário. “Paulo recorre à figura literária da exortação4 para enfatizar a autenticidade da vida cristã como uma identidade coerente à verdade do Evangelho” (MATOS, 1998, p. 17).
Todo neo-batizado, para Paulo, é um „ser-novo-em-Cristo‟ e é impelido a viver em plenitude essa novidade. A estrutura dos textos em forma de exortação nos textos paulinos nos oferece uma reflexão sobre o “sinergismo evangélico”, ou seja, a dialética de proposta e que nos convida a dar uma resposta.
Porém, não é o Patriarca que nos exorta, mas sim o próprio Deus que nos convida a viver a Regra; que nos fala de uma vocação comum no pluralismo de suas manifestações, quer como sacerdotes ou não.
Assim como as exortações paulinas às comunidades, a Regra também nos impele a nos tornarmos “cristiformes”; tornar-se como Cristo ou um alter christus, parafraseando (MATOS, 1998, p.17) não se trata de um preceito alheio à natureza humana, mas de um modus vivendi que emerge da própria identidade de filhos de Deus.
Aquele que recebe a exortação e a abraça é impelido a uma existência que transforma o ouvinte, dando-lhe uma vida nova, que se constitui na “forma de vida praticada pessoalmente por Jesus e por Ele proposta aos discípulos”
(Vita Consecrata, 31).
3 Militia Christi, é a “„denúncia‟ de tudo o que impede a Boa-Nova de ser uma realidade viva, é
o anúncio alegre e amoroso do Reino, é a luta contra as „forças do mal‟”. (MATOS, 1998, p. 67).
4 O termo “exortação” está diretamente ligado à palavra grega παρακαλεω, que quer dizer
“chamar para algo”, “animar”, “convidar” implica uma ação e diz respeito a um chamado
paterno ou um convite fraterno.
3.2- DISCERNIMENTO 5
A segunda característica presente os escritos paulinos e concernentes à tessitura na Regra do Carmo é a capacidade de discernimento, decorrente de “uma vivência coerente da identidade cristã” (MATOS, 1998, p. 40) iniciada na exortação. O discernimento possui uma tríplice ação, ele impele a conhecer, perceber e apreciar, fazendo com que o crente oriente-se interiormente para tudo aquilo que seja “justo e santo”.
É por meio de um sincero discernimento que podemos corresponder existencialmente ao convite a sermos signum fraternitatis em meio à Comunidade Eclesial. Sendo assim, uma “autêntica consagração inclui necessariamente o discernimento como atitude evangélica absolutamente central” (MATOS, 1998, p.36). Faz-se mister o crescimento individual e comunitário da “lucidez espiritual” que deve se traduzir em escolhas cada vez mais realistas e amadurecidas. (VC, 73).
O Apóstolo das Gentes emprega o termo δοκιμάζω (dokimázo) para exprimir a ideia de “discernimento”, ademais, no mundo grego significa “separar o verdadeiro do falso e ficar com aquilo que era reconhecido como bom e autêntico” (MATOS, 1998, p. 39). É por meio do exercício contínuo do discernimento que o cristão, homem novo em Cristo, unifica-se em inteligência e coração, em teoria e prática para tornar-se imagem de Cristo, bondade, justiça e verdade.
3.3- MILITÂNCIA
A Militia Christi advém, por sua natureza, do discernimento e é intrínseca à consagração. Aquele que movido pelo chamado e discernindo aquilo que é justo e santo está, eminentemente, em uma luta constante, torna-se um militante. Viver em obséquio de Jesus Cristo não tem implicações tão somente subjetivas, de cunho particular, mas faz com que toda a existência humana ocorra se transforme. “A laboriosidade no silêncio e na paz será o sinal de que os irmãos terão alcançado a maturidade das relações
5 Δοκιμάζω, 1. provar, experimentar; 2. distinguir o que é melhor; 3. Interpretar, explicar, discernir. (RUSCONI, 2005, p. 135).
interpessoais, baseadas na justiça e no amor. […] Firmes na palavra e na lei do Senhor, constroem como irmãos o próprio ser que crescerá até a maturidade de uma vida comunitária capaz de diálogo, de entendimento e de generosidade”.
(THUIS, 1983, p. 25)
Encontra-se uma complementação a este tema na Bullarium Carmelitanum, ao afirmar que “No Ocidente, com a aprovação definitiva da Regra e a sua adaptação, o obséquio ao Cristo se enriquece na modalidade da vida apostólica pelas estradas do mundo em benefício dos irmãos” (apud THUIS, 1983, p. 25).
São Paulo estabelece uma íntima relação entre a consagração ao Senhor e a missão apostólica. “A missão do consagrado não é primeiramente um engajar-se em obras, mas sim um empenhar-se numa existência transfigurada, iluminada por dentro pela presença amorosa de Deus” (MATOS,
1998, p. 66). Presença essa que nos impele cada vez mais a nos pormos em busca da vontade do Senhor com atenção aos “sinais dos tempos”.
4- DUAS GRANDES RUPTURAS
Duas fontes de interpretação, dois marcos na história da Ordem podem ser usadas para entender o fenômeno do ser irmão e do ser clérigo na instituição. Com o termo ruptura podemos entender uma “nova compreensão, uma maneira diferente de serem vividos os elementos constitutivos” (LIBANIO,
1981, p. 11). A análise a partir de rupturas é de natureza epistemológica, pois nos leva a elevação dos atuais paradigmas. Considerar-se-á os seguintes momentos históricos:
- A difusão para a Europa em 1238 e
- A Congregação Geral de 1974.
4.1- A DIFUSÃO PARA A EUROPA
Poucas décadas após o estabelecimento dos eremitas latinos em Wadi ain es-Siah, em Accon e Tiro a estabilidade política na Palestina foi ameaçada pela crescente investida sarracena (muçulmana)6 contra os cristãos do Oriente Médio. Nos anos que se seguiram (1238), por força da instabilidade política na Palestina, se deu a difusão dos carmelitas em direção ao continente europeu, primeiro nas ilhas de Chipre e da Sicília e depois para Grã-Bretanha, Alemanha, França. Aqueles que saíram retornaram para os seus países de origem na porção ocidental da Europa.
A relação dos carmelitas com a urbe não se dá desde os seus primórdios, mas tal experiência marcou de forma tão profunda e forte. Ao menos três motivações podem ser elencadas para que se optasse pelo estilo urbano de vida:
- A) de ordem econômica: possibilidade de garantia da sobrevivência por meio das “esmolas”, as novas fundações seguem os critérios demográficos e econômicos;
- B) de ordem pastoral: desde as origens no Monte Carmelo houve certa preocupação no âmbito pastoral ademais para a criação da estrutura típica dos Mendicantes;
- C) de ordem cultural: as exigências pastorais e os desafios culturais do tempo levaram os carmelitas ao ingresso no mundo universitário .
Observa-se que uma mudança abrupta como essa tenha rasgado grandes conflitos internos. Após o retorno à Europa alguns frades desejaram reproduzir as mesmas condições daquelas vividas na Palestina: “Às exigências profundas do deserto e da escuta contínua da Palavra de Deus” (BOAGA,
1989, p. 41). Dois grupos distintos se formaram dentro da Ordem, um que desejava “assegurar a proeminência e a eficácia da vida contemplativa com abertura às diversas formas de apostolado” (idem), e outro que abraçava o compromisso apostólico crescente.
6 Sarraceno é um termo histórico utilizado para se referir a um determinado grupo humano, e cujo significado alterou-se com o passar do tempo. Originalmente, no fim da antiguidade e início da era cristã, tanto na língua grega quanto latina, a palavra se referia a um povo que vivia nos desertos da província romana da Arabia Petraea (atualmente parte de Egito, Arábia Saudita, Jordânia e Síria), e formava uma comunidade totalmente distinta dos árabes. Autores gregos como Ptolomeu se referem a algumas das comunidades da Síria e do Iraque como Sarakenoi. Já na Europa da Alta Idade Média, consideravam-se sarracenos as tribos árabes pré-islam. Por volta do século XII, "sarraceno" passa a ser sinônimo de "muçulmano". In: https://www.infoescola.com/historia-oriente-medio/sarracenos/.
As interrogações que daí surgiram sobre o modo de como se deveria viver o carisma carmelitano estão presentes até os nossos dias, embora este tenha sido o tema subjacente na promissora Congregação Geral de 1974.
4.2- A CONGREGAÇÃO GERAL DE 1974
Dos dias 23 a 28 de setembro de 1974 foi celebrado em Villa Cavaletti, em Roma a Congregação Geral convocada segundo os dispositivos números
333-336 das Constituições do Capítulo Geral de 1971. Grandes nomes integraram essa comissão: Carlos Cicconetti, Carlos Mesters, Paulo Gollarte, Otger Steggink, Emanuele Boaga.
A Congregação Geral traz para o bojo da discussão uma forte consciência da busca de identidade – “Per molti carmelitani è stato ottenebrato, per così dire, il centro dela loro vita” afirma Thuis em seu primeiro pronunciamento na Congregação Geral (1974, p. 167) - e a faz a partir da recuperação do núcleo axiológico proposto pela Regra de Vida: a fraternidade e a oração. Percebe-se que com a recuperação deste elemento seremos capazes de, nas situações históricas concretas, uma vivência coerente e autêntica do carisma carmelitano.
Sobre a fraternidade somos inspirados ao ler o texto da Congregação Geral que nos anima ao afirmar que temos necessidade uns dos outros, pelo motivo que juntos poderíamos encontrar inspirações comuns de acordo com o nosso tempo. Portanto fraternidade e oração devem ser um contato recíproco entre aqueles que guardam a Regra de Vida, não como um “passaporte”, um objeto a ser conquistado, mas devemos tê-la como um itinerário de crescimento e por ela “i nostri occhi e il nostro cuore possono vedere e intuire che cosa Dio ora ci chiede”. (THUIS, 1974, p. 168) A regra nos é um instrumento de transcendência dos limites de nossa existência concreta. É no encontro com Deus que se chega a verdadeira força libertadora capaz de vencer tudo aquilo que deturpa no homem a imagem de Deus.
As discussões relatadas no documento são de grande lucidez. Aborda- se de modo real a situação da vida fraterna dentro de nossos conventos. As mudanças históricas consideráveis à vida conventual carmelita. São nove anos após o Concílio Ecumênico Vaticano II e somente três após o Capítulo Geral. Um acontecimento relativamente recente na história da Ordem.
5- CONSIDERAÇÕES
Em última instância a questão mais profunda não é a dialética existente entre leigos e clérigos, mas a do referencial da própria identidade do ser- carmelita. Algo que é muito evidente nos primeiros capítulos e congregações gerais pós conciliares, principalmente a de 1974.
A Vida Religiosa Carmelita não pode viver sob a égide do imperativo categórico da “contraposição”, estabelecendo conceitos identitários a partir de seu oposto. A identidade do clérigo não se constitui na negação do ser-irmão e nem o leigo na negação daquilo que se compreende a partir do serviço eclesial ministerial. O elemento fundante, portanto fundamental, da Vida Religiosa é a experiência de Deus é ela que leva alguns cristãos a viverem em comum (fuga mundi) em vistas a um serviço eclesial. (LIBANIO, 1981, p. 23)
Dois são os momentos de grande mudança na Ordem, ou pelo menos dois grandes momentos para a reflexão sobre a identidade do ser-carmelita: o primeiro é a migração para a Europa (inicio de um modo de vida muito próprio e diverso do vivido até então. Citamos, por exemplo, a inserção na urbe e nos meios acadêmicos). Outro momento é a Congregação Geral convocada após o Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965) que propôs um novo modus pensandi (a perda da ótica ad extra do ser-carmelita, a sua diaconia no meio eclesial para adotar uma postura ad intra, refletindo e questionando-se sobre a sua própria identidade). Como nos recorda Falco Thuis em uma carta, dirigida aos irmãos e irmãs da Ordem, enviada após o Capítulo Geral de 1977.
“O legislador [Alberto] exorta os nossos eremitas ao desenvolvimento da própria personalidade e ao harmônico crescimento em fraternal comunhão por meio também da solidão e do silêncio, e indica a dependência vital do Cristo, o Senhor, e o caminho para alcança-la” (THUIS, p. 24, 1983)
Resta-nos, após esses estudos, tomarmos a postura daqueles que, maravilhados com o novo, se debruçam e buscam sempre mais. Debruçar-se para a pesquisa e o estudo, mas também, debruçar-se diante do outro diferente. Acolhê-lo com reverência e perceber nele parte daquilo que há em mim. Parte do mesmo carisma, da mesma Regra de Vida, da mesma espiritualidade.
Após esse breve ensaio sobre o ser irmão e a Regra do Carmo pude verificar que em nossa história não há um movimento linear de superação, onde o momento “frades leigos” tenha sido sobreposto pelo momento “clérigos”. Percebo a pluralidade de vocações que podem co-existir sob o manto de nossa Mãe e Irmã, Maria.
Encerro essas considerações fazendo minhas as palavras de Falco
Thuis ao abrir a Congregação Geral de 1974: “Spero con fermezza que insieme possiamo creare un‟atmosfera fraterna ai fini di un fruttuoso dialogo, in cui forse possiamo scorgere il, passaggio del Signore‟” (THUIS, 1974, p. 169).
6- REFERÊNCIAS
BOAGA, Emanuele. Como pedras vivas: para ler a história e a vida do
Carmelo. Roma, 1989
BOAGA, Emanuele. Il Religioso fratello carmelitano. In Il fratello religioso nella comunità ecclesiale oggi. CIPI: Roma, 1983, pp 141-150
LIBÂNIO, João Batista. As grandes rupturas sócio-culturais e eclesiais: Sua incidência para a Vida Religiosa. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1981
MATOS, Henrique Cristiano José. A vida consagrada à luz da espiritualidade paulina: subsídios para a formação permanente. São Paulo: Paulinas, 1998
THUIS, Falco J. Fascinados pelo mistério de Deus. Roma, 1983
THUIS, Falco J. Prior Generalis allucutionem pronuntiat. In: ANALECTA. Roma, v. 31, n. 4, 1974.
ZINGARELLI, Nicola. Vocabolario dela língua italiana. 12 ed. Milano: Zanichelli, 1994.
*A Pedido do então formador, Frei Jerry, O. Carm, no ano de 2017 na Comunidade Carmelitana Edith Stein, em Belo Horizonte, os jovens estudantes carmelitas fizeram os seguintes trabalhos:
1- Basílica do Carmo, História e Espiritualidade - Frei Juliano Luiz, O. Carm.
2- A Poesia de Santa Teresa de Jesus como manifestação do Inefável - Frei André Lima, O. Carm
3- O ser Irmão e a Regra do Carmo - Frei Bruno Schröeder, O. Carm.
4- O Prior como exemplo para a Comunidade - Frei William Pereira, O. Carm.
(Aguarde a publicação aqui no Olhar)
DIVULGUE NAS MÍDIAS SOCIAIS...
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Logo do Ano do Laicato Carmelitano- Província Carmelitana de Santo Elias- Carmelitas. (No mês de julho, lançamento do CD- Tempo do Carmelo, de Frei Petrônio de Miranda, com o Hino do Ano do Laicato Carmelitano. Aguarde!
Escapulário: O significado do Símbolo
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*Frei Christopher O’Donnell, O. Carm.
Os carmelitas hoje não deveriam ter dúvidas sobre o valor do Escapulário e deveriam ser diligentes em defendê-lo. Existe uma falta de coragem entre os carmelitas na propagação do Escapulário. Aqueles que acham que a evidência da historicidade da visão do Escapulário não é convincente, precisam encontrar outros fundamentos para esta devoção. Seu valor contínuo foi afirmado, nestes anos recentes, em duas alocuções de João Paulo II onde ele fala dos múltiplos frutos espirituais surgidos da devoção ao Escapulário.[i] Mas, ao mesmo tempo, devemos estar conscientes do pluralismo da Ordem em cinco continentes. O modo como a devoção do Escapulário é proposta em um lugar, ou tempo, pode não se ajustar a outro.
Contudo, podemos propor cinco princípios teológicos espirituais e pastorais que são bases apropriadas para qualquer pregação do Escapulário. É claro que outros vão fazer outras propostas. O futuro desenvolvimento do Escapulário na Ordem não pode ser previsto, mas pode ser encorajado, dando-se ao Escapulário uma base sólida.
Em primeiro lugar, o Escapulário pertence às categorias de sinal e de símbolo. Ele aponta para algo além de pedaços de pano (ou medalha), para outras realidades. O primeiro simbolismo é o da roupa. O Escapulário representa o hábito carmelitano que é usado num instituto que é profundamente mariano. Nesta Ordem, Maria é vista como Padroeira, Mãe, Irmã e Virgem do Coração Puríssimo. A aceitação do Escapulário é, de certo modo, uma adoção destes valores e destes atributos marianos.
Em segundo lugar, ele é um sacramental da Igreja. O novo Catecismo da Igreja Católica descreve sacramentais da seguinte forma: “São sinais sagrados que denotam uma semelhança com os sacramentos. Eles geram efeitos de uma natureza espiritual, que são obtidos pela intercessão da Igreja”.[ii] O que é novo nesta definição de sacramental quando comparado à teologia mais antiga exposta no Código Canônico[iii] de 1917, é que um sacramental é mais do que um objeto. Como já vimos, ele é um sinal. Assim, ele é eclesial e não pertence unicamente à Ordem Carmelitana. Mas implica que, em nosso caso, é necessário mais do que o mero uso do Escapulário. Se seus efeitos devem ser obtidos através da intercessão da Igreja então, além de usá-lo, deveríamos nos abrir à oração da Igreja, especialmente através da oração particular e da reflexão pessoal. Seu uso deveria ser um convite à oração. Além disso, existe a obrigação pastoral de explicar seu significado como um sinal.
Em terceiro lugar, o Escapulário está associado à Ordem Carmelitana, assim como outros sacramentais são promovidos por outros institutos religiosos como, por exemplo, a Medalha Milagrosa. Aqueles que o usam deveriam ser instruídos na tradição carmelitana da Virgem Maria. A tradição mariana carmelitana, apesar de rica e notável, não é a única na Igreja. Mas ela ocupa seu lugar correto junto às outras. No entanto, algumas pessoas podem não se sentir atraídas por ele. As formas de espiritualidade e de devoção na Igreja são livres e, basicamente, trata-se de como a pessoa é guiada pelo Espírito.
Em quarto lugar, o Escapulário, como afirma Pio XII, é um sinal de consagração. Existe uma grande quantidade de sérios escritos teológicos sobre o significado da consagração, especialmente da consagração à Maria.[iv] A consagração à Maria está firmemente estabelecida na tradição católica. Muitos santos e papas a defenderam. Numerosos institutos religiosos apresentam a consagração à Maria como o coração de sua espiritualidade. Mas em anos recentes houve um sentimento entre alguns teólogos importantes de que a idéia requer uma abordagem teológica maior do que ela freqüentemente recebe. A questão central é que, estritamente falando, existe apenas consagração a Deus e por Deus. Já que a consagração é nossa divinização pela graça, é apenas Deus que é o princípio e o fim da consagração. Neste sentido rigoroso, a consagração não é algo que fazemos, mas é um ato divino em nós. Se nos consagrarmos à Maria, estamos, de fato, apenas ratificando o que Deus já fez por nós através do santo batismo. Uma vez que isso seja compreendido, então não existe realmente um problema numa consagração à Maria. Essa consagração expressa um encontro pessoal íntimo com ela, que implica em confiar, pertencer, autodoar-se, assim como disponibilidade, acessibilidade e colaboração afetiva no serviço da missão de seu Filho.[v]
O papa João Paulo II se vale da rica tradição para usar outras expressões que indicam pertença e disponibilidade: confiança, consagração, dedicação, recomendação, serviço, colocar-se nas mãos de Maria, etc.[vi]
Pode ser que quando falamos sobre o Escapulário num certo lugar, a palavra “consagração” deva ser evitada e uma das alternativas deva ser escolhida. Mas escrúpulos teológicos sobre a palavra “consagração” podem ser respondidos eficazmente com os textos de Miguel de Santo Agostinho e de Maria Petyt citados anteriormente neste capítulo. Existe uma identidade entre o reino de Maria e o reino de Jesus.
Seja o que for sobre a linguagem que usamos, o Escapulário deve ser apresentado como um modo de relacionamento com Maria, de submissão à sua vontade, que é o plano salvífico de Deus. Isso também implica que, por sua vez, ela nos favorecerá com sua intercessão.
Em quinto lugar, deveríamos estar conscientes do papel do Escapulário na evangelização e na religiosidade popular. A religiosidade popular é uma realidade complexa, variando nas diferentes culturas e nos diversos períodos da história.[vii] Ela é considerada positiva, resguardada pela aprovação de Paulo VI em sua exortação apostólica sobre a evangelização, Evangelii nuntiandi,[viii] e fortemente recomendada pela Conferência do CELAM em Puebla (1979)[ix] e por outros encontros Latino-americanos. Mas, mesmo quando não está totalmente purificada dos acréscimos indesejáveis, ou quando expressa parcialmente o mistério cristão, a religiosidade popular é sempre uma janela aberta para o transcendente. Ela invariavelmente proclama nossa insuficiência e a necessidade constante da ajuda divina. Aqueles que usam o Escapulário estão reconhecendo que não são autossuficientes e que precisam da ajuda divina que, neste caso, buscam através da intercessão de Maria.
*UMA PRESENÇA AMOROSA: MARIA E O CARMELO. Um Estudo da Herança Mariana na Ordem
[i] Osservatore Romano, 24 e 31 de julho de 1988 = AOC 39 (1988) 4-7.
[ii] N. 1667, cf. Vaticano II, Liturgia SC 60. Ver A. Donghi, “Sacramentali”, NDizLit 1253-1270.
[iii] Cânon 1144.
[iv] A. Boulet, “Peut-on se consacrer à Marie?” em Mater fidei et fidelium. FS T. Koehler. Marian Library Studies 17-23. (Ohio: University of Dayton, 1991) 540-544; A. B. Calkins, Totus Tuus. John Paul II’s Program of Marian Consecration and Entrustment (Libertyville OH: Academy of the Immaculate, 1992); S. De Fiores, “Consacrazione”, NDizMar 394-417; M. O’Carroll, Theotokos 107-109.
[v] S. De Fiores (n. 85) 406.
[vi] Ibid. 406; cf. Calkins (n. 85) passim.
[vii] G. Mattai, “Religiosità popolare’, NDizSpir 1316-1331.
[viii] N. 48 – AAS 68 (1976) 37-38.
[ix] Puebla. Evangelização no Presente e no Futuro da América Latina. Conclusões. (Vozes Petrópolis: Conference of Catholic Bishops, 1979 – Slough UK: St Paul 1980) nn. 444-469, 910-915, 959-963.
Carmelitas: O Escapulário de Nossa Senhora do Carmo.
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Frei Christopher O’Donnell, O. Carm.
No desenvolvimento posterior à Reforma, a devoção mariana carmelitana ao Escapulário teve um lugar muito importante e apareceu no Diretório Touraine (a partir de 1650 com versões mais tardias).[i] Ele tinha um duplo significado a partir do simbolismo medieval: o patronato de Maria e o nosso serviço ou devoção. Ao mesmo tempo, houve um enorme crescimento das Fraternidades do Escapulário, compostas de homens e mulheres leigos.[ii] Muito permanece por ser feito no estudo da história completa da propagação do Escapulário, apesar do excepcional trabalho de E. Esteve.[iii]
Pio XII
Para nossos propósitos aqui, é suficiente levantar a questão no século XX e começar com a Carta de Pio XII aos Superiores Gerais dos dois ramos da Ordem, a Neminem profecto latet (11 de fevereiro de 1950). Como este texto não está tão disponível hoje como no passado, será útil reproduzi-lo em sua íntegra:
Não existe ninguém que não esteja consciente de quão grandiosamente um amor pela Bem-aventurada Virgem Mãe de Deus contribui para a animação da fé católica e para a elevação do padrão moral. Estes efeitos são especialmente assegurados por meios daquelas devoções que, mais do que outras, são vistas como instruindo a mente com a doutrina celestial e estimulando as almas à prática da vida cristã. A devoção do Sagrado Escapulário carmelitano deve ser a mais favorecida entre essas devoções – uma devoção que, acessível à mente de todos por sua própria simplicidade, tornou-se tão universalmente difundida entre os fiéis e produziu muitos frutos salutares.
Portanto, muito nos agradou sabermos da decisão de nossos irmãos carmelitanos, tanto da Ordem Calçada quanto da Descalça, de suportar todas as dores em honra da Bem-aventurada Virgem Maria, de maneira mais solene quanto possível, por ocasião do 7º Centenário da Instituição do Escapulário de Nossa Senhora do Monte Carmelo. Logo, levados por nosso amor constante pela terna Mãe de Deus e cientes também de nossa própria participação desde a meninice, na Fraternidade deste Escapulário, com muito boa vontade, recomendamos zelosamente, um compromisso e estamos certos de que a partir daí, cairá uma abundância de bênçãos divinas. Pois, não estamos interessados aqui numa questão leve ou passageira, mas em obter a própria vida eterna, que é a substância da Promessa da Sempre Bem-aventurada Virgem que nos foi transmitida. Estamos interessados, a saber, no que é de suma importância para todos e com o seguro modo de alcançá-lo. Pois, o Escapulário Sagrado, que pode ser chamado de Hábito ou Manto de Maria, é um sinal e uma garantia da proteção da Mãe de Deus. Contudo, não por esta razão, aqueles que usam o Escapulário podem pensar que ganham a salvação eterna enquanto permanecerem indolentes e negligentes de espírito, pois o Apóstolo nos adverte: “Continuem trabalhando com temor e tremor, para a salvação de vocês” (Fl 2,12).
Portanto, todos os carmelitas, quer vivam nos claustros das Ordens 1ª e 2ª ou sejam membros da Ordem 3ª Regular ou Secular, ou das Fraternidades, pertencem à mesma família de nossa Muito Bem-aventurada Mãe e são ligados a ela por um elo especial de amor. Que todos possam ver nesta lembrança da própria Virgem um espelho de humildade e de pureza. Que possam ler na simplicidade do Manto uma lição concisa de modéstia e de simplicidade. Acima de tudo, que possam contemplar neste mesmo Manto, que usam dia e noite, o símbolo eloqüentemente expressivo de suas orações pela assistência divina. Finalmente, que isto possa ser para eles um Sinal de sua Consagração ao Sacratíssimo Coração da Virgem Imaculada, cuja (consagração) em tempos recentes exortamos fortemente.
Certamente, esta Mãe gentil não tardará a abrir, o mais cedo possível, por sua intercessão a Deus, os portões do Céu para seus filhos que estão expiando suas faltas no Purgatório – uma verdade baseada naquela Promessa conhecida como o Privilégio Sabatino. Agora, portanto, como garantia da proteção e da ajuda divina e como uma certeza de nosso próprio apreço especial, conferimos mais amorosamente a ti, Filhos Amados, e à Toda Ordem Carmelitana, a Bênção Apostólica.[iv]
É importante realçar o significado preciso desta famosa carta.[v] O papa supõe a historicidade da visão do Escapulário e a concomitante promessa. Ele faz alusão ao Privilégio Sabatino, mas não que possa tirar dele qualquer coisa que esteja fora da tradição comum católica sobre a intercessão de Maria pelos mortos. Mais especificamente, ele ignora claramente qualquer ligação entre esta intercessão e uma dispensa do purgatório no sábado. Ele é cuidadoso ao advertir contra qualquer uso mágico do Escapulário, apesar de ser vigoroso ao afirmar que ele é “um sinal e uma garantia da proteção da Mãe de Deus”. Finalmente, ele une a devoção do Escapulário à noção da consagração ao Sagrado Coração da Virgem Imaculada. Independente da historicidade da visão do Escapulário, o ensinamento de Pio XII retém sua validade.
*UMA PRESENÇA AMOROSA: MARIA E O CARMELO. Um Estudo da Herança Mariana na Ordem
[i] Hoppenbrouwers, Devotio 199-206.
[ii] Ibid. 320-330.
[iii] De valore spirituali devotionis S. Scapularis. Bibliotheca S. Scapularis 3. (Roma: Carmelite Institute, 1953).
[iv] AOC 16 (1950) 96-97; Tradução inglesa em E. K. Lynch, Mary’s Gift to Carmel (Aylesford UK: The Friars, 1955) vii-ix.
[v] Geagea, Maria 636-641.
*ESPIRITUALIDADE CARMELITANA: Do hábito dos Monges Carmelitas e o princípio da correia e seu significado.
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Havendo investigado e descrito ligeiramente, no que precede, o culto e modo de vida interior que os fundadores e seus antigos monges viveram e nós devemos imitar, só resta que agora, muito brevemente, te exponha, amado Caprásio, o modo de vestir que usaram e nos deixaram como modelo. Pela veste exterior chegarás a possuir um claro conhecimento interior disposição do espírito daqueles padres a quem devemos imitar.
Segundo o Sábio: “a maneira de vestir diz o que é o homem” (Eclo 19, 27). E assim, quando os enviados do rei Ocozias descreveram ao rei o modo de vestir, adivinhou que era o primeiro fundador desta Ordem que se lhes apresentou. Perguntava o rei aos enviados: que figura tinha e como estava vestido o homem que lhes saiu ao encontro e lhes falou. Os enviados disseram: “um homem coberto de pelo de animal, cingido com um cinto de couro” (IV Rs 1, 81).
Por este traje logo o rei conheceu o Profeta e disse: “é Elias, o tesbita”. O sinal da correia e a figura do corpo coberto de pele de animal e desalinhado lhe representaram, sem dúvida nenhuma, o varão de Deus. Pois o cinto de couro era como um sinal especial que levava sempre cingido à cintura. Com a cintura cingida Elias correu diante da carruagem de Acab, pai de Ocozias, desde o Monte Carmelo até o campo de Jezrael.
Com este seu exemplo Elias ensinou que o monge desta religião deve andar com a cintura cingida. Pois São João Batista que “veio no espírito e poder de Elias”, o imitou, andando também com a cintura cingida. São Marcos nos diz: “andava João vestido com um saco de pele de camelo e trazia uma correia à cintura” (Mc 1, 6).
Não é pequeno o mistério que com esta veste se exige do monge.
O fato de andar com a cintura cingida e de levar a correia ao redor significa que o monge deve rodear-se da mortificação nas partes que são como a fonte da luxúria. (Os antigos, na análise das paixões, punham os rins como a origem e centro da sensualidade).
Que a cintura esteja externamente rodeada do cinto feito de uma pele morta, expressando que, no interior, devem estar totalmente extintos os movimentos sensuais, podendo cantar, em verdade, o que disse o Profeta: “fui feito como um odre na neve” (Sl 118, 83), como se com o gelo da continência se reprimisse e sujeitasse o ardor da concupiscência da carne como a neve seca e reprime o odre, fechando-o.
Por isto lemos na Sagrada Escritura que Elias foi o primeiro que cingiu sua cintura com cinto de couro porque, com este sinal, foi o primeiro homem que deu aos monges o exemplo de oprimir a carne e mortificar o estímulo de todo movimento sensual como disse o Apóstolo: “Fazei morrer os membros do homem terreno que há em vós a fornicação, a impureza, as paixões desonestas, a concupiscência desordenada” (Col 3, 5).
*Livro da Instituição dos Primeiros Monges Fundados no Antigo Testamento e que perseveram no Novo por Juan Nepote Silvano, Bispo XLIV de Jerusalém. Traduzido do latim por Aymerico, Patriarca de Antioquia e do latim para o castelhano por um Carmelita Descalço e Carta de São Cirilo Constantinopolitano Traduzida para o castelhano. (Ávila Imprensa e Livraria Vida de Sigirano-1959. Censura da Ordem Imprima-se. Madrid, 6 - XII - 1958.
A MISSÃO CONTINUA! Visita ao Sodalício de Santos, São Paulo.
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Amanhã, dia 18, estarei em reunião com a Venerável Ordem Terceira do Carmo de Santos, São Paulo (Foto). E no sábado e domingo, 19 e 20, na Festa do Divino Espírito Santo em Angra dos Reis/RJ Acompanhe tudo aqui no Olhar.
CARMELITAS: Surgimento e evolução da Segunda e Terceira Ordem
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Quando falamos aqui de ‘Terceira Ordem’ referimo-nos a pessoas que vivem o carisma carmelitano exatamente na sua condição de leigo ou leiga. Globalmente podemos distinguir três fases evolutivas. Antes de descrevê-las convém dizer que o assunto é um tanto complexo, pelo fato de serem as datas às vezes confusas, imprecisas e localmente situadas. Corremos, assim, o risco de introduzir generalizações que, na realidade, se referem a fatos de um determinado tempo ou área geográfica específica.
Já nos inícios da história carmelitana, encontramos os chamados oblatos, leigos que, de uma ou outra forma, fazem parte da família do Carmo. Em certos casos chegam a fazer uma verdadeira profissão religiosa, ‘doando-se’ — se et sua (a si mesmo com seus bens) — à Ordem, representada pelo seu legítimo superior. Em tese podem ser tanto homens quanto mulheres, mas, na realidade, predominam largamente as leigas. Normalmente vivem em casas separadas e vestem um hábito semelhante a dos frades, daí a denominação manteladas. Outros nomes dizem respeito a casos mais ou menos idênticos: oblatas, conversas, beatas, pinzocheras, beguínas, terciárias. Todas dependiam de um determinado convento e não formam grupos homogêneas.
Em maio de 1452, reuniu-se, na cidade de Colônia, o Capítulo Provincial da Alemanha Inferior, sob a presidência do Geral da Ordem, Frei João Soreth (1451-1471). Poucos meses antes, o Legado do Papa para a Alemanha e regiões vizinhas, Nicolau Krebs ou Nicolau de Cusa (1401-1564), apaixonado defensor da unidade da Igreja, exatamente numa época de muitas divisões, decorrentes do Cisma Ocidental (1378-1417), decretara que comunidades de mulheres consagradas, não dotadas de uma Regra aprovada pela Santa Sé, deveriam obtê-la ou unir-se a alguma Ordem Religiosa já existente. Caso não obedecessem seriam extintas!
Nesse contexto devemos situar o pedido das beguínas de Geldre, na Diocese de Colônia, apresentado no mencionado Capítulo Provincial. Na realidade, essas mulheres piedosas já mantinham contatos com os Freis Carmelitas desde que chegaram à freguesia onde se localizava a sua casa, em princípios do século XIV. Certo é que estavam sob a direção dos Carmelitas a partir de 1360, sem que seguissem uma Regra específica.
A solicitação das beguínas foi acolhida favoravelmente pelo Prior geral (10-5-1452), que encarregou o superior do convento de Geldre para efetuar a incorporação do grupo com a profissão religiosa, a fim de que vivessem regulariter como verdadeiras Carmelitas.
Na realidade, o ato de Soreth precedeu a Bula Cum Nulla (7-10-1452), de Nicolau V, com cinco meses! Numa carta às ex-beguínas de Geldre (14-10-1453), agora ‘monjas carmelitas’, o Geral ratificou sua decisão de maio do ano anterior, apoiando-se na Bula mencionada, transcrevendo, inclusive, o próprio texto daquele documento pontifício.
Foi o mesmo Prior geral que, após ter aceito as beguínas de Geldre, providenciou a incorporação de outras comunidades de ‘mulheres devotas’, como as de Nieukerk (Holanda), Dinant (Bélgica) e, provavelmente, ainda outras.
Nessa mesma época houve na Itália também aproximações de algumas comunidades de pinzocheras à Ordem do Carmo. O caso de Florença é típico e daria origem ao célebre mosteiro de Santa Maria dos Anjos, onde viveu Santa Madalena de Pazzi (1566-1607), dotada com extraordinárias experiências místicas.
Os estudiosos não estão concordes quanto à origem da Bula Cum Nulla. A final de contas quem é que a pediu ao Papa? Há os que defendem a tese que a iniciativa partiu das ‘agregadas’ italianas, particularmente as de Florença. Muitas delas viviam nas suas próprias residências ‘como se fossem carmelitas’! Por volta de 1450 surgiu em Florença a ideia de acolher essas mulheres piedosas numa casa ‘de vida em comum’. O projeto da construção desse convento ficou pronto em 1452. É nessas alturas que teriam enviado a Roma uma representação para ‘garantir’ seus direitos como religiosas, o que resultaria na Bula Cum Nulla.
A questão continua em aberto. Frei Vital Wilderink, na sua tese de doutorado, aborda essa temática e chega às conclusões que resumimos em seguida.
Deixando de lado aspetos mais diretamente jurídicas e organizativas, é indiscutível que os conventos femininos fundados por Soreth se distinguem notoriamente dos cenóbios encontrados na Itália e na Espanha. Efetivamente, as fundações localizadas na Alemanha, nos Países Baixos (Holanda e Bélgica de hoje) e na França, constituíam uma unidade, formando uma verdadeira Família com uma mesma orientação e idêntico programa de vida.
Sabemos que, desde que sua eleição como Geral, João Soreth se empenhara na obra de reforma da sua Ordem, toda ela centrada na ‘observância regular’. A criação de conventos femininos está nesta mesma linha de ação. É bem possível que o caso das beguínas de Geldre ofereceu a Soreth a oportunidade para ampliar sua visão no sentido de dar início a um verdadeiro ‘ramo feminino’ da Ordem do Carmo. É fato comprovado que o Geral colocou essas iniciativas sob sua direta jurisdição ou as confiou a Carmelitas ‘já reformados’. Os mosteiros de ‘monjas carmelitas’ tornaram-se logo centros de irradiação espiritual e laboratórios da reforma desejada por Soreth. A vida em comum, o Ofício coral, a estrita observância com a clausura rígida dão prova disso. Podemos até dizer que as ‘carmelitas de Soreth’ anteciparam em um século as reformas introduzidas pelo Concílio de Trento (1545-1563) e suas aplicações concretas no pontificado de São Pio V (1566-1572).
Frei João Soreth — afirma Dom Vital Wilderink (23) — pode ser reconhecido como o ‘fundador’ das Carmelitas na medida em que tenha sido o ‘reformador’ da Ordem do Carmo. O fato de sua obra reformadora ter tido pouca penetração nas regiões ao sul dos Alpes d e dos Pireneus, fez com que se dedicasse inteiramente às fundações nórdicas. Graças a seu empenho e santa teimosia, o ramo feminino do Carmo — a ‘Segunda Ordem’ — pode nascer e consolidar-se, pois foi ele que o concebeu, inspirou e organizou, inclusive com o indispensável embasamento jurídico que, mais tarde, seria adotado também em outras regiões antes avessas à sua reforma.
O Prior-geral Soreth gostava de dizer que a primeira preocupação das monjas carmelitas é honrar fielmente a Mãe de Deus, considerando-se como verdadeiras ‘Filhas de Nossa Senhora’ a quem têm por Prioresa de seus mosteiros. Maria é vista como guia de perfeição mística e modelo de pureza. Na vida espiritual é ela que conduz a monja ao seu divino Filho e à própria Santíssima Trindade (ver os ensinamentos de Santa Maria Madalena de Pazzi).
Enquanto lentamente se vai afirmando o que constituirá a “Segunda Ordem” ou Sancti Moniales (monjas de estrita clausura), as pinzocheras ‘de profissão solene’ continuaram a ser bastante numerosas na Itália e na Espanha sem, no entanto, levarem uma vida comum. Ocupam, de fato, o terceiro lugar na hierarquia da Ordem, após os religiosos e as monjas. Por este motivo foram chamadas, em alguns lugares, de terciárias mas, na realidade, eram ‘verdadeiras religiosas’, agregadas — pelos seus ‘votos solenes’ — a um convento masculino ou mosteiro feminino da Ordem. Pio V, querendo clarificar certas confusões reinantes, declarou que a Igreja doravante negaria o ‘caráter solene’ aos votos de pinzocheras que não vivessem em clausura. Acontece que, segundo as leis em vigor naquele tempo, só as terciárias ‘continentes’, portanto com voto de virgindade — o que excluía expressamente os laços matrimoniais — possuíam plenamente os privilégios da Ordem terceira. As não-continentes (as casadas) foram relegadas a um plano inferior, semelhante a das coirmãs da Ordem, ou seja aquelas que não tinham feita profissão religiosa e, por isso, consideradas ‘seculares’, não obstante certos compromissos espirituais as ligassem à Ordem. Essas últimas tornaram-se a variante feminina dos confrades ‘de capa branca’ com regras próprias que, na Espanha, ao que tudo indica, eram conhecidos também por “terceiros’.
Em suma, “quanto à origem da Ordem Terceira, podemos aceitar como um fato histórico, que a Ordem Terceira do Carmo. No seu sentido geral como é conhecida hoje, não existia antes de 1476. Os Carmelitas, embora tivessem a direção espiritual de numerosos grupos de pessoas desejosas de uma vida mais perfeita, não possuíam o direto de agregar tais grupos à Ordem.
A Bula Cum Nulla, de 1452, conferiu apenas a licença de unir à Ordem mulheres que vivessem em castidade. Não se tratava, pois, de uma permissão de fundar Ordens Terceiras em geral, que incluíssem homens e mulheres casados. Essa faculdade só veio na Bula Dum Attenta (1476), quando a licença de agregação foi estendida a quaisquer grupos de pessoas, casadas ou não, homens ou mulheres. Esta Bula significa verdadeiramente o início da Ordem Terceira Carmelita, ao menos em teoria. Pois, há em tudo isto a considerar uma circunstância particular: as outras Ordens Terceiras foram confirmadas depois de já existirem. A Ordem Terceira do Carmo, porém, teve a sua licença jurídica antes de ser organizada! Na prática, ela continuou durante mais de cem anos restrita a mulheres com o voto expresso de castidade perfeita.” (24)
Em fins do século XVI, constatamos na Ordem a existência de quatro grupos distintos: os frades, as monjas, mulheres continentes com voto explícito de castidade (impropriamente chamadas de ‘terceiras’), coirmãs e confrades da Ordem, a quem pode ser conferida, com razão, a qualificação de ‘terceiros’. Além desses grupos havia, desde o século XIV, um outro tipo de agregação: as ‘Confrarias da Madonna’. Algumas se limitam a viver na sombra das igrejas dos Carmelitas, outras assumem o escapulário como distintivo da Ordem, particularmente após as supostas visões de São Simão Stock de que falaremos em seguida.
No decorrer do tempo esvaem-se características específicas entre os vários grupos, gerando não poucas confusões. O Prior-geral Teodoro Straccio (1632-1642) procurou resolver a questão com uma dupla intervenção: agregou, em 1637, à Ordem terceira todos os confrades e coirmãs com votos de obediência e de castidade ‘segundo o próprio estado’, colocando, em 1540, todos os outros na Confraria do Escapulário.
Finalmente, no decurso do século XVIII, surge uma nova modalidade de agregação: Irmãs Terceiras, reunidas em verdadeiras Congregações de Terceiras Regulares de vida apostólica e missionária. Estas famílias religiosas tiveram grande florescimento, unindo formas específicas de serviço eclesial ao carisma e à espiritualidade do Carmo.
CARMELITAS: Hábito e escudo do Carmo
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O hábito carmelita- em geral podemos dizer que a veste religiosa (‘o hábito’) é sinal de consagração a Deus. Ao mesmo tempo, significa a pertença a uma determinada Família Religiosa na Igreja. Manifesta externamente uma realidade interior de alguém que em Deus encontrou sua riqueza principal e, por isso, deixou de lado a ostentação de um vestuário pessoal. Neste sentido o hábito é também expressão de pobreza e simplicidade evangélicas.
Nos textos constitucionais do século XIII aparecem os diversos elementos do hábito carmelitano: uma túnica de lã crua, isto é, não tingida; o escapulário que, originalmente, formava uma só peça com o capuz. Sobre a túnica — ajustada por um cinto de couro — e o escapulário, vestia-se a capa, também de lá crua (‘barrada’ ou listrada inicialmente, sendo inteiramente branca a partir do Capítulo de Montpellier, 1287), interpretada como sinal de ‘humildade, honestidade e pobreza’. Revestido com a veste branca do batismo, os religiosos do Carmo deveriam seguir o Cordeiro imaculado com reta consciência e coração puro. No século XIV, João Baconthorp (+1348) começa dar à capa branca um sentido mariano, sendo, na sua opinião, um símbolo externo da pureza e virgindade da Mãe de Deus.
O escudo do Carmo — impresso, pela primeira vez, em 1499 — traz três estrelas cada uma com seis pontas. Tradicionalmente a estrela inferior representa a Virgem Maria, enquanto as duas superiores fazem referência ao profeta Elias e seu discípulo Eliseu. Nesta interpretação as estrelas indicariam a índole Mariana da Ordem e sua inspiração Eliana.
SIMÃO STOCK: Uma Prece
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SANTA TERESINHA DO MENINO JESUS E OS DONS DO ESPÍRITO SANTO
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Frei Pedro Caxito O.Carm. In Memoriam
Queremos falar sobre Santa Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face, a Teresinha carmelita, e os dons do Espírito Santo.
Diz o Senhor: "Um ramo brotará do tronco de Jessé e um rebento surgirá das suas raízes. Sobre ele repousará o Espírito do Senhor: espírito de sabedoria e de entendimento, espírito de conselho e de fortaleza, espírito de ciência e de piedade, e o inundará o espírito do temor do Senhor"[1].
O Espírito Santo é o Dom do Pai ao Filho e do Filho ao Pai, que a nós também O concedem generosamente, enquanto Ele, o próprio Espírito, a nós se dá com muito amor, e "torna-se a fonte de todo o nosso agir. No mundo atual de consumismo (hedonismo, sexualismo e somente egoísmo), que tudo faz para conquistar-me e acorrentar-me de modo que eu perca a minha identidade, o Espírito vela sobre a minha identidade de cristão"[2] e nos concede os sete dons que no Catecismo da Igreja Católica aprendemos serem aquelas "disposições permanentes que tornam homem e mulher dóceis para seguirem os impulsos do Espírito Santo", impulsos, segundo Frei Guido, "diversificados e adaptados às várias circunstâncias da vida quotidiana".
Jesus nos afirma que o Pai, que só dá o que é bom, dará o seu Espírito Santo a quem o pedir: "se vós, que não sois lá assim tão bons, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai dos céus dará o Espírito Santo a quem a Ele o pedirem" (Lc 11, 13). A Virgem Maria, sobre quem desceu invisivelmente o Divino Amor, é nossa intercessora e modelo, para que nós também O recebamos do Pai e sejamos conduzidos por Ele[3].
JESUS: personalidade una e riquíssima com duas naturezas, a divina e a humana. Todas as criaturas foram destinadas a serem algum reflexo da sua beleza. São Paulo nos aconselha: "Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo" (Rm 13,14); ele que aos Filipenses queridos dissera: "Cristo é o viver para mim", e ainda "Tende em vós os mesmos sentimentos, que estão em Cristo Jesus" (Fl 1,21; 2,5), aos Gálatas, que ele chamou de bobos, disse que: "Vivo. Não mais eu, mas é o Cristo quem vive em mim" (Gl 2,20; 3,1).
Respeite embora a natureza da sua criatura e a liberdade que, cheio de confiança, concede ao homem e à mulher, Deus vai agindo por meio do seu Amor, para transformá-los à imagem do seu Filho, que é "o esplendor da sua glória e a imagem da sua divina essência" (Hb 1,3)[4], reflexo da Luz eterna, espelho sem mancha da atividade de Deus e imagem da sua bondade" (Sb 7,26), e assim, no dizer do Apóstolo, "todos os que são conduzidos pelo Espirito de Deus estes são filhos de Deus" (Rm 8,14).
Os dons de Cristo, como Novo-Adão e Filho de Deus feito homem, são também para nós, homens e mulheres, que Ele veio transformar em filhos e filhas de Deus "por meio do amor, que em nós se difundiu pelo Espírito Santo, que nos foi dado"[5]. É de maneira análoga que os privilégios concedidos a Maria, Nova-Eva, são prenúncio e também reminiscência daquelas graças que, desde os dias do Éden, sempre o Pai quis dar aos filhos da Mulher: em nós o Espírito do Filho de Deus clama Abbá - Papai[6], Pai Nosso.
E Deus age pelo seu Espírito, que vai distribuindo os seus dons, quando quer, como quer, quanto quer e a quem quer[7], e as nossas ações serão frutos do Divino Amor e daquela liberdade, que de graça o Pai nos concede, "uma liberdade fascinada e atraída pelo Bem Supremo"[8].
Mais ainda. A Onipotência do Pai, não podendo fazer da criatura Deus por natureza, é ajudada pela divina Sabedoria, seu Filho, e pelo divino Amor de modo que a presença dos Três no mais íntimo de cada um faça que sejamos o que tanto desejam os Três, isto é, "participantes da divina natureza" (2Pe 1,4)! A presença de Deus vem divinizar como a presença da luz vai iluminar! Como Paulo a alma diz: "Eu vivo. Já não sou eu quem vive: é a Trindade Santa quem vive! É o Pai e o Espírito Santo quem vive em mim com Jesus que vive em mim!"[9]
São João da Cruz - citando o que diz São Paulo: "O que está unido ao Senhor é um só espírito com Ele" (1Cor 6,27) - ensina que "entre as operações de Deus e as da alma deixa de haver distinção; não fazem mais do que um todo a atividade da alma e a de Deus"[10]. A alma guiada pelo Espírito de Deus "age não já de maneira humana, mas como que transformada em Deus por participação"[11].
Numa carta a Celina Teresa escrevia: "Conhecê-Lo como Ele se conhece e nós mesmas chegarmos a ser deuses! Oh! Que destino! Como é grande nossa alma! Elevemo-nos acima de tudo o que passa; conservemo-nos distantes da terra. Nas regiões das alturas o ar é tão puro! Jesus pode esconder-se, mas sempre se adivinha onde Ele está..."[12]
Os sete dons tornam-se um reforço da vida espiritual e concedem ao homem e à mulher capacidade e disponibilidade para receberem as luzes e as inspirações de Deus pelo Espírito Santo, que nos foi dado (Rm 5,5)
Alguém ensina que é como numa barca que, ao ser com dificuldade movida somente pela força dos braços e dos remos, vai desfraldando as suas velas para receberem o impulso dos ventos: e com mais facilidade vencerá distâncias e os ímpetos das ondas. Os dons são as velas da nossa barca, que recebem o sopro do Santo Espírito, e a nossa barca poderá, ágil e segura, singrar com toda firmeza e tranqüilidade, levada pelo murmúrio de um suave silêncio (1Rs 19,12).
Na sua "História de uma alma" Santa Teresinha conta a história de uma barca. Era noite de Natal. Era dezembro de 1887. Teresa com menos de 15 anos esperava passar o Natal "atrás das grades do Carmelo". Após a Missa do galo, ao chegar à sua casa, Celina armara-lhe uma surpresa: no quarto uma bacia bonita com uma barquinha à vela chamada "Abandono", onde dormia o Menino Jesus com uma bolinha ao lado chamada "Teresinha", e Jesus lhe dizia: "Estou dormindo; o meu coração, porém, está velando" (cf. Ct 5,2 [Vulg]): sobre a vela branca da barquinha "Abandono" sopra a brisa do Amor[13].
"O silêncio de uma brisa leve" haveria de impulsioná-la sempre, por toda a vida, como a Elias, Pai e Modelo Inspirador dos Carmelitas. A brisa suave, que é o Espírito de Deus, há de tanger a humilde barquinha ou as delicadas cordas de um coração amoroso. Isabel da Trindade propunha a «Guide», sua irmã, viver com os seus «Três» no céu mais profundo da própria alma, e dava-lhe a garantia: "O Espírito Santo transformará você numa lira mística que, no silencio, sob seu toque divino, há de fazer ressoar um cântico magnífico ao Amor"[14].
Teresa, embora não cite muito o Espírito Santo pelo nome de "Espírito Santo", e mais sob o nome de Amor, sobre a Crisma e sua preparação soube afirmar: "Preparei-me com muito carinho para receber a visita do Espírito Santo. Não compreendia a pouca importância dada à recepção desse Sacramento de Amor. (...). Não senti um vento impetuoso na descida do Espírito Santo, mas aquela «brisa leve», cujo murmúrio ouviu o Profeta Elias no Monte Horeb"[15].
Mas cuidemos de não dar tristeza ao Espírito e, muito mais ainda, de não extingui-Lo; a prudência, ajudada pelo dom do Conselho, exige discernimento e atenção (Ef 4,30; 1Ts 5,19.21 e 1Jo 4,1).
Diz o Pe. Philipon OP, a quem, às vezes, seguimos: "A essa luz (dos dons do Espírito Santo), a santidade de Teresinha de Lisieux aparece-nos como verdadeira obra-prima da ação divina em uma alma de criança"[16].
Apesar de ter afirmado que Maria apresentada no Templo, aos três anos, agiu mais para fazer o gosto de Joaquim e Ana - "Não seria necessário dizer sobre Ela coisas inverossímeis ou que não se sabem: por exemplo, que quando pequenininha se apresentou no Templo para oferecer-se ao Senhor com ardentes sentimentos de amor e extraordinário fervor, quando, talvez, foi única e simplesmente para obedecer aos seus pais"[17] - Teresinha afirma a seu próprio respeito que, "desde os três anos de idade, nada recusei jamais ao Bom Deus"[18].
Teresa desejava que todas as suas ações fossem INSPIRADAS E DIRIGIDAS PELO ESPÍRITO DE AMOR": disse um dia a uma das suas noviças: "Quero que (Nosso Senhor) se apodere de todas as minhas faculdades de tal maneira que de hoje em diante eu não faça mais ações humanas e pessoais, mas ações totalmente divinas, INSPIRADAS E DIRIGIDAS PELO ESPÍRITO DE AMOR"[19].
Pela estrada dos sete dons, desde o dom do filial Temor de Deus até às alturas da divina Sabedoria e até à humildade de uma Pequenina Via e até à morte em êxtase de amor e por amor, o Divino Espírito Santo a inspirou e dirigiu, preparando a futura "Doutora do Amor Misericordioso", elevando-a, através da sensibilidade e dos escrúpulos, através da delicadeza de consciência e de um grande amor ao Pai, à Virgem Maria, que é "Mãe mais do que Rainha", e através de uma vida de grande amizade com os anjos e com todos os irmãos da Comunhão dos Santos.
[1]. Is 11,1-2 (as traduções dos LXX e da Vulgata distinguem "piedade" e "temor de Deus".)
[2]. Guido Stinissen OCD Vivre l' Esprit Saint aujourd' hui em Kerit nº 138 p.17
[8]. Guido Stinissen OCD o.c. p.9
[10]. S 3,2 - citado pelo Pe. Philipon OP em Santa Teresinha de Lisieux "UM CAMINHO TODO NOVO" Gráfica Olímpica Editora Rio de Janeiro 1954 p.217.
[11]. Sto. Tomás 3º das Sentenças D34 q.I a.3 - citado pelo mesmo autor Ibid p.216
[12]. Carta do dia 23 de julho de 1888
[14]. M. M. Philipon O.P. La Doctrine Spirituelle de Sr. Elisabeth de la Trinité Desclée de Brouwer 1955 p.93
[15]. História de uma alma - Manuscritos Autobiográficos MA 114 fl.36r Cf. At 2,2; 1Rs 19,12-13.
[16]. Em Santa Teresinha de Lisieux - UM CAMINHO TODO NOVO Gráfica Olímpica Editora Rio de Janeiro 1954 p.212
[17]. Cf. Folhas Amarelas ou Novissima Verba 23/08/1897.
[18]. Conseils e Souvenirs 11 - Hoje Últimas Palavras
[19]. Conseils et Souvenirs 55 (Hoje Últimas Palavras) - citado pelo Pe. Philipon
O CARMO EM SÃO PAULO: Contexto histórico da instalação da Ordem Carmelita em São Paulo de 1594 até 1905.
- Detalhes
Frei Vinicius (Ex-Frade Carmelita. Tese Capítulo I TCC)
A Ordem Carmelita surgiu na Palestina em meados do século XII, período das cruzadas à Terra Santa. Naquela época à Igreja passou por uma situação de profunda crise. As mudanças sociais, econômicas e políticas, desenvolveram uma série de transformações que repercutiram profundamente na organização eclesiástica. Neste contexto um grupo de homens, provavelmente cruzados europeus, instalaram-se no Monte Carmelo, lugar onde habitou o profeta Elias, e seguindo o exemplo do profeta buscavam viver uma vida acética e orante dentro do espírito eremítico já existente na época. Naquele momento com a efervescência da vida eremítica-cenobítica e religiosa, embora os conflitos entre os cristãos e mulçumanos na terra santa dificultaram a prática desta vida, os eremitas decidem ter uma organização mais sólida e pedem, entre 1206-1214, a S. Alberto, patriarca de Jerusalém, que lhes escrevesse uma “vitae formula” (Formula ou norma de Vida) segundo o propósito do mesmo grupo, que ficou sendo chamado de Carmelitas.
O tipo da norma de vida Albertina é o eremítico, mas com elementos comunitários. A mesma “Norma” apresenta-se como codificação do modo de viver dos primeiros carmelitas, seguindo uma dinâmica na qual Santo Aberto se baseia para propor uma opção vital para eles no contexto da “reformatio Ecclesiae” (reforma da Igreja).
Devido à instabilidade política na Palestina, conflitos e força dos sarracenos no controle da situação, no ano de 1238 os carmelitas emigraram para a Europa, uma decisão tomada “não sem pena e nem sem aflição de espírito” (cf. bula de Inocêncio IV, 27 de julho de 1247). Fundaram-se assim diversas comunidades religiosas carmelitas em diferentes países da Europa como: Inglaterra no ano 1242, França entre 1242 e 1248. Diz-se que após o fracasso de sua cruzada, São Luiz, rei da França, voltando para Paris trouxe consigo os carmelitas que ali se estabeleceram.
A partir desta nova realidade de vida os carmelitas inseridos na Europa passam por diversos momentos de adaptação ao novo contexto. Ao invés de grutas no Monte Carmelo eles foram obrigados a instalarem-se em conventos dentro das cidades sendo inseridos no contexto de religiosos mendicantes da época. A Ordem teve muitas lutas até conseguir seu pleno reconhecimento como instituição aprovada pela Igreja, o reconhecimento definitivo foi aperfeiçoado por João XXII (1317 e 1326) com extensão aos carmelitas dos mesmos direitos dos dominicanos e franciscanos. Como mendicantes os carmelitas assumiam as seguintes atividades pastorais:
- celebração de missa, sacramentos.
- pregação doutrinal e popular (com caráter ainda itinerante) na própria igreja e em qualquer lugar.
- o cuidado de confrarias (confraternidades), de associações, ordens terceiras.
- ensino universitário.
- a propagação da devoção mariana.
- direção ou guia espiritual.
- a atividade paroquial, que é assumida pelos carmelitas ao final do século XIII. As primeiras paróquias foram: Bolonha em 1293; Ferrara 1295; Roma, S. Martinho ai Monti, 1299.
Além dessas assistências ao povo, introduzidas nesse período, os carmelitas traziam consigo a regra de vida dada por S. Alberto que lhes orientavam em suas rotinas diárias e na organização conventual, na qual lhes diferenciavam das demais ordens da época. Essas características perduraram durante toda a existência desta Ordem até os dias de hoje.
Em Portugal os carmelitas fundaram seu primeiro convento na cidade de Moura pelo ano de 1250, que segundo as tradições foram os Militares de São João que os trouxeram da Palestina para Portugal, onde por mais de um século foi seu único convento em terras lusitanas.
Nuno Álvares Pereira, Condestável de Portugal e herói nacional, nas suas campanhas militares, ficou conhecendo os Carmelitas em Moura. Impressionado com a piedade e devoção mariana destes monges, ofertou a estes o magnífico mosteiro e igreja de Santa Maria em Lisboa no ano de 1397. Em 1423 foi criada a Província Lusitana, pouco tempo depois o nobre D. Nuno ingressou na Ordem como humilde irmão leigo, adotando o nome de Frei Nuno de Santa Maria (canonizado em 26 de abril de 2008 com o titulo de São Nuno de Santa Maria).
O Carmelo português se difundiu com grande êxito, sendo fundados diversos conventos por todo o Portugal entre os quais o Colégio de Coimbra em 1535, que incorporado na Universidade, foi substancialmente renovado e ampliado pelo eminente bispo e escritor carmelita D. Amador Arrais no ano de 1598. Além destas foram abertos mosteiros de irmãs de clausura em vários lugares.
A Ordem em Portugal obteve grande prestígio durante séculos, com destaque de alguns de seus membros na sociedade daquela época, como é o caso de Frei Manuel Cardoso (1566-1650), compositor português, que viveu no Convento do Carmo de Lisboa aproximadamente sessenta e dois anos a serviço da liturgia e música deste local. Através dessa atividade musical e religiosa muito se difundiu a devoção e houve grande participação da nobreza nas cerimônias deste convento como se pode comprovar, no fim do século XVI, os príncipes reais e grande numero de fidalgos eram inscritos na Terceira Ordem Carmelita, difundida por esta comunidade de frades em Lisboa. Foram anexadas à quase todas as casas estes sodalícios da Ordem Terceira secular, que bem depressa atingiram um grande florescimento contando 7.000 irmãos em 1674, e foi além de 25.000 em 1722.
Não se limitou a Portugal a expansão carmelita. No ano de 1580 os primeiros carmelitas atravessaram o oceano e foram espalhar-se por todo Brasil tendo Pe. Domingos Freira, como orientador da expedição. Quatro padres carmelitas vieram para o Brasil na tentativa de fundar uma colônia na Paraíba, eram eles Frei Alberto de Santa Maria, Frei Bernardo Pimentel e Frei Antonio Pinheiro, na carta de apresentação dos frades se encontra expressa a motivação deste envio dos carmelitas: “é obrigação nossa e de todos os religiosos que professam nosso modo de vida, servir a Deus e à sua Mãe SSma., dedicando-se à salvação das almas e incremento da religião cristã”.
A tentativa da colonização fracassou, devido a uma violenta tempestade que dispersou os navios, assim os carmelitas ficaram em Pernambuco e se estabeleceram em Olinda e construíram seu primeiro convento em 1583. Em seguida vieram as novas fundações Salvador, Bahia 1586, Santos 1589, Rio de Janeiro 1590 e São Paulo em 1594. Devido ao crescimento da Ordem no Brasil o capítulo provincial de Portugal em 1595 erigiu o vicariato do Brasil que contava com 99 frades espalhados por conventos já fundados e novas fundações como em Angra dos Reis 1608, São Cristovão de Sergipe 1600, Paraíba (antes Vila Real 1608), S. Luís Ma 1616, Belém do Pará 1624 e Mogi das Cruzes 1629.
No ano de 1685 os conventos do Brasil foram reorganizados em outros dois vicariatos: o do Rio de Janeiro, com os conventos de Rio de Janeiro, Santos, S. Paulo, Angra dos Reis, Mogi das Cruzes, Vitória do Espírito Santo (fundado em 1685); e o da Bahia-Pernambuco com os outros conventos de Olinda, S. Cristovão, Paraíba, Recife (1636), Goiana (1666), Salvador ou Bahia, Rio Real. Em 1720 estes dois vicariatos foram constituídos em províncias independentes de Portugal e autônomas.
A vida destes carmelitas no Brasil era composta, sobretudo da vida conventual e contemplativa, da pregação, sacramentalização e da difusão à devoção mariana, também a realização de missões para a evangelização dos índios ou gentios. Nas províncias, vários conventos eram sedes para os estudos de humanidade, de filosofia e de teologia; Alguns religiosos participavam da vida cultural da época, como Frei Leandro do SSmo. Sacramento, idealizador do Jardim Botânico do Rio de Janeiro e Frei José de St. Madalena, o introdutor da vacina contra a varíola.
Os Carmelitas chegaram ao Estado de São Paulo primeiramente em Santos no ano de 1589 onde receberam a doação de uma ermida ou capela, dedicada a Nª.Srª. das Graças. Brás Cubas, Cavalheiro Fidalgo da Casa Real e provedor das fazendas nas capitanias de São Vicente e Sto. Amaro, fez a doação de terras para a fundação de um convento e sua manutenção, não apenas na Vila de Santos, mas também as terras da “Vila Sertão, partindo de um pinheiro na borda de Santo André”, conforme escritura pública de doação de 30 de maio de 1589, como escreveu Monsenhor Paulo Florêncio de Camargo. Eram quatro religiosos: frei Domingos Freire, Frei Alberto, Frei Bernardo Pimentel e frei Antonio de São Paulo Pinheiro, que no mesmo ano fundaram a igreja e o convento do Carmo de Santos, no local onde hoje se encontram na Praça Barão do Rio Branco.
“O crescimento povoado de Piratininga, e esse estado de obediência moderada em que pelos jesuítas foram postos os índios inspiraram nos Carmelitas de Santos o pensamento de fundar-se um convento da sua ordem na povoação que começava em cima da serra”. Machado de Oliveira, Quadro histórico da Província de São Paulo.
Em 1590 os carmelitas se instalaram na baixada do Tamanduateí. Naquela época a Vila de São Paulo era cercada por muros de taipas que abrangiam o triangulo da cidade; enfatiza uma ata quinhentista que o “Carmo” ficava no limite da “Villa”, e foi iniciada sua edificação em 1592, como se infere da Ata da Câmara de São Paulo de 20 de junho desse ano, que consta: “apareceo ho reverendo padre frei ANTONIO da hordem de Nossa Senhora do Carmo e pedio autoridade p.ª sitiar hua casa nesta Villa e seus limites e lhe parece o bom os ditos oficiais o que dariam conta de tudo ao povo.”
A fundação do convento do Carmo deu-se logo que Frei Antônio de São Paulo obteve da Câmara esta autorização, iniciando imediatamente a construção da Igreja do Carmo, nesse mesmo ano Afonso Sardinha dispunha em seu testamento deixar “à casa de Nossa Senhora do Carmo cinco cruzados de esmolas” (Azevedo Marques, Apontamentos Históricos, Vol. II.). O primitivo templo de Nossa Senhora do Carmo foi erigido no outeiro dominando toda à beira do rio Tamanduateí, mais tarde este local veio a se chamar Esplanada do Carmo depois Largo do Carmo com frente para a ladeira que era o início da estrada do Brás, e que deram o nome de Ladeira do Carmo. (O Largo e a Ladeira do Carmo constituem hoje o início da Avenida Rangel Pestana, partindo da Praça Clovis Bevilacqua). A construção do prédio foi concluída em 1594 e neste ano Frei Antonio de São Paulo inaugurou o Convento anexo à Igreja do Carmo.
O complexo do Carmo foi acrescentado em 1697 com a edificação da Igreja da Venerável Ordem terceira do Carmo, por provisão de frei Manuel Ferreira da Natividade, vigário provincial, reformador e visitador dos frades no Brasil.
Logo após a edificação do convento e Igreja do Carmo, a devoção dos seus fiéis a esta, progrediu sendo que na sessão de 28 de novembro de 1598 reclamava-se contra a forca instalada no outeiro de Tabatinguera que lá se encontrava em “prejuízo do mosteiro e leis de nossa sõr do Carmo” (Atas, Vol. II, pág.48.). No testamento de Diogo Sanches encontra-se um termo pelo qual “o parecer do curador houve por bem de mandar dar aos padres de Nossa Senhora do Carmo para sua casa mil quinhentos réis por deixarem enterrar o corpo de defunto Diogo Sanches por estar à igreja matriz desfeita e se fazer de novo” (Inv. Test., Vol. I pág. 155). A data é de cinco de outubro de 1598, nessa época o convento e igreja funcionavam regularmente e podemos perceber que havia até muitos padres, como se deduz no termo anexado no testamento e inventário de Diogo Sanches.
O primeiro convento e igreja deviam ser pequenas construções de taipa, e este na sua simplicidade bem servia para os ofícios religiosos, residência dos sacerdotes e para as sepulturas dos bandeirantes de São Paulo nos séculos XVI e XVII. A venda de sepulturas na igreja do Carmo se destaca nestes séculos, Gaspar Fernandes de 1600 determina “meu corpo seja enterrado dentro da igreja de Nossa Senhora do Carmo à qual casa mando de esmolas dez cruzados” (Inv. Test., Vol. I, pág. 155.) também Francisco Velho, de 1619 “declarou mais que por mandado de Maria Moraes comprara uma cova aos padres do Carmo por dez cruzados de que tem carta” (Inv. Test. Vol. XXV, pág.9.). No Carmo costa que foi sepultado um homem famoso do século XVII, Martim Rodrigues, conhecido por seus livros. Em seu inventário aparecem “O retábulo da Vida de Cristo”, “Crônica do Grã Capitão”, “Instrução de confessores” e “Mistérios da Paixão”, arrolados pelo escrivão de órfãos Simão Borges (Inv. Test. Vol. II, pág. 12.). Muitos livros de um só homem numa vila onde poucas pessoas eram alfabetizadas.
Os carmelitas em meados do século XVII, pouco depois da edificação de seu convento e igreja, sentiram a necessidade de braços para o trabalho uma sendo a quantidade de terras doadas por Brás Cubas muito extensa sendo. Eram necessários índios para o trabalho. “Exigiam-se índios, pensava-se em índios, sonhava-se com índios. Os homens da vila vivam pelo sertão, em tal quantidade e tão amiúde que as Atas da Câmara nos dão conta regularmente desse êxodo que fazia despovoar não só o núcleo urbano como também as vizinhanças rurais.” (Arroyo, Leonardo. Igrejas de São Paulo). Segundo Azevedo Marques nos documentos compulsados em seus Apontamentos Históricos a igreja e o convento deveriam estar passando dificuldades para cuidar de suas posses, em vista disto o prior frei Ângelo dos Mártires e outros frades resolveram em 1648 “mandar alguns moços ao sertão arrimados a um homem branco, pagando-se-lhes todos os gastos e aviamentos necessários”. (Marques, Azevedo. Op. Cit. Vol. II, pág. 341). Ainda no século XVIII, segundo os documentos da época, os carmelitas participavam comumente de entradas pelo sertão em busca dos gentios. Há uma referência curiosa sobre o padre João Monteiro, que acompanhou “as gentes das Bandeiras” que foram “a descobrir, e examinar as Vertentes da Serra do Capivarassú”, apenas para administrar sacramentos (Documentos Interessantes para a História e Costumes de S. Paulo, Vol. VI pág. 125, Publicação do Departamento do Arquivo do Estado, São Paulo.)
Através da incansável busca por “alguma gente, pois sem ela acabariam totalmente não só as fazendas, mas o convento”. (Marques, Azevedo. Op. Cit. Vol. II, pág. 342.) uma vez que suas fazendas eram muito vastas e se estendiam por todos os lados da vila de São Paulo. “Ainda no século XIX a igreja e convento do Carmo, possuíam seus escravos, pois é de 1804 o registro de um requerimento, na Câmara, do prior do Convento de Nossa Senhora do Carmo, “senhor e possuidor de umas terras que ficam nos fundos do mesmo convento, onde tem as senzalas dos seus escravos” (Registro Geral da Câmara de S. Paulo, Vol. XIII pág. 103, Publicação do Arquivo Histórico do Departamento de Cultura da Prefeitura, São Paulo.)
Devido ao enriquecimento do convento em relação a quantidade de escravos “Davam-se bem a Câmara e os carmelitas, boas relações mantidas através do processo de empréstimo dos escravos para as obras públicas. Favores recíprocos, com certeza. Nada mais. Mas a verdade é que na entrada do século XVIII ainda a Ordem do Carmo se mantinha numa situação folgada, em cujo convento e igreja vivam 14 religiosos e um leigo e o número de escravos elevava-se a 431 (Docs. Inters., XXXI, pág. 167.), com as fazendas do Capão Alto, Sorocamim, Biacica, Caguassu e outras muitas extensões de terras por Santos, :Mogi das Cruzes e Itu.(idem, idem, págs. 167 e seguintes)
A primeira reforma da igreja e do convento data de 1766, de acordo com vários historiadores. Já então o templo deveria ter tomado a conformação que veio até nossos dias, quando foi mudado para a Rua Martiniano de Carvalho, onde se encontra hoje. Alguns anos depois, ou para sermos exatos, onze anos depois à igreja de Nossa Senhora do Carmo seria ligado um exemplo rijo de dignidade e pudor de certas mulheres paulistas do século XVIII, como foi o caso de Francisco da Silva Rosário, que faleceu em São Paulo em 1777. Essa senhora casara-se por procuração com Francisco Álvares de Crasto (ou Castro?), assistente em Cuiabá. Voltando este a São Paulo, depois de alguns anos, parece que se esqueceu de sua legítima esposa que o aguardava. Porém não a procurou. Tal tratamento ofendeu a ilustre dama paulista, do ramo dos Furquins, que se sentiu desobrigada da sua condição de casada. Daí, na sua morte, não tendo herdeiros, haver legado todos os seus bens ao convento e igreja de Nossa Senhora do Carmo (Leme, Silva. Op. Cit. Vol. VI pág. 239.). Enriquecendo-os ainda mais. Em 1836 a ordem possuía “31 casa de aluguel, 6 estabelecimentos de agricultura, uma fazenda de crear, cento e trinta e tantos escravos, de onde provêm o seu rendimento”. (Muller, Marechal D. P. São Paulo em 1836, pág. 251, ensaio d’Um quadro estatístico, Tipografia da Costa Silveira, São Paulo, 1839.). (Arroyo, Leonardo. Igrejas de São Paulo.)
A relação da comunidade de frades carmelitas na sociedade paulista daquela época era bastante participativa, sendo o Carmo, uma referência para a pequena vila, a aristocracia estava presente nas cerimônias religiosas do templo e também muitos eram membros da Venerável Ordem Terceira, como podemos constar “Pedro Dias Pais Leme faleceu em 1633, capitão da polícia da Vila de São Paulo; pessoa de muita estima e respeito, ocupou vários cargos públicos no governo de são Paulo, foi sepultado na capela mor da igreja do Carmo. Casado com Maria Leite falecida em 1667. Seu primeiro filho foi Fernão Dias Pais Leme, o celebre bandeirante descobridor das esmeraldas que deixou seu nome gravado na história de São Paulo pelos feitos que o imortalizaram.” (Leme, Luiz Gonzaga da Silva. Genealogia Paulistana. Depoimento a fls. 450 do Vol. II).
O viajante francês, Saint- Hilaire assim descreveu o templo na paisagem urbana de São Paulo: “A igreja do convento dos carmelitas é muito bonita, ornamentada com muito gosto e enriquecida com pinturas de ouro. Além do altar-mor, há mais três altares de cada lado, em que são reproduzidas as mais notáveis ocorrências da paixão de Cristo. Essa igreja me pareceu muito superior a Catedral.” (Arroyo, 1954:68).
A importância do complexo para a vila tanto material como espiritual era notável para a vida daquele São Paulo que ainda ensaiava seus primeiros passos na urbanização, a boa relação da ordem com a Câmara continuou com o governo da Província de São Paulo.
“Em 1831, a pedido do brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar, presidente na época da província de São Paulo, o prior frei Francisco de Paulo concedeu, sem cláusula alguma, licença para o Corpo Policial de Permanentes ocupar uma parte do pavimento térreo do convento, que serviu de quartel até 1906. “(Arroyo, 1954:68).
Também Pesanha Povoa, faz uma descrição do complexo do Carmo neste momento em que já se ocupava o quartel de uma parte do convento: “Sobre a eminência da ladeira do Carmo, que parece o flanco de uma montanha, ocupa o convento considerável espaço, dominando desde a rua do Carmo até à confluência oriental do rio Tamandatahy, onde fica a grande ponte construída no tempo do décimo terceiro governador Horta França...” E mais adiante entrando em detalhes, o cronista acrescenta: “O átrio, como bem mostra a gravura, é flanqueado de grossas paredes tendo em frente onze janelas rasgadas, com varandas, no andar que se ergue no pavimento inferior, que serve de quartel do corpo de Permanentes. Ao lado tem duas igrejas contiguas que pegam o convento. Uma é dos frades, e a outra da Ordem Terceira do Carmo. A primeira é interiormente de Architetura pesada e decorada com mau gosto. A segunda é mais simples, porem mais elegante. Ambas estas igrejas, no seu exterior, são de muita simplicidade, dando-lhe contudo muito realce o alto coruchéo ou torre dos sinos que extrema uma da outra” (Arroyo,1954: 68).
Foi na igreja dos carmelitas que Padre Jesuíno do Monte Carmelo, importante personagem da arte colonial paulista, músico, pintor, arquiteto. Executou sua primeira pintura e trabalhos em São Paulo como afirma Mário de Andrade em seu livro Padre Jesuíno do Monte Carmelo: “Justamente se perdeu o teto do convento do Carmo, que foi a primeira obra realizada pelo pintor em São Paulo. Destruíram-no nada guardaram, quando o edifício foi desapropriado em 1929.” (Andrade, 1963).
Entre os artistas coloniais também destacamos na música o maestro Lustosa que muito contribuiu e atuou na igreja do Carmo: ”de que ainda existem reminiscências por ai algures, de cantochão que fizeram o encanto acustico dos nossos piedosos conteraneos avoegos” (Moura, Paulo Cursino, 1945).
O Carmo foi durante muito tempo uma referência de boa liturgia e sofisticação da fé Católica na cidade de São Paulo. Isso podemos comprovar pelos fatos e descrições ocorridos naquele tempo entre eles a visita dos imperadores do Brasil no Carmo em 12 de abril 1846, o templo foi tão suntuosamente decorado que, no dizer de José Maria Martins, então irmão sacristão, jamais a Ordem faria outra festa com tanto esplendor. As poltronas em que se sentaram o Imperador D. Pedro II e a Imperatriz Thereza Cristina estão guardadas no salão nobre como preciosa relíquia, onde se encontram até hoje. Já no dia 5 de março os Imperadores do Brasil haviam acompanhado a pé a procissão do Senhor dos Passos da Igreja do Carmo para a Igreja do Pátio do Colégio, demonstrando suas convicções e profundos sentimentos religiosos.
Leonardo Arroyo diz que era da tradição que no Carmo se realizavam as melhores missas cantadas, as melhores procissões, as mais caprichadas novenas e comemorações da Semana Santa, com a presença de altas autoridades.
Embora houvesse todo um contexto de beleza artística e litúrgica, a partir do início do século XIX a Ordem já começava a definhar pela falta de frades, e intervenções da coroa devido ao impedimento de noviços pelo governo e anteriormente uma reforma da província, solicitada pela própria Rainha de Portugal, Sra. Dna. Maria I. O capítulo provincial que devia começar no dia 01 de maio de 1783 foi sustado pelo Vice Rei, como consta na carta datada 23-05-1783 do Vice-Rei Luiz de Vasconcelos e Souza à Rainha Dna. Maria em Lisboa.
”Tendo já tocado por algumas vezes a V. Excia. na grande relaxação dos frades do Carmo desta Província e vendo a cada dia mais adiantada, principalmente nas presentes circunstâncias em que no Convento desta cidade juntos já os vogais para escutar intrigas dos mesmos vogais do Capítulo, com que cada um, conforme a sua paixão, procurava, quando não pudesse conseguir os seus intentos, perturbar um ato que na consideração dos mesmos frades devia ser o mais sério, me pareceu de comum acordo com o Bispo desta Diocese que seria muito do serviço de Deus e de sua Majestade, fazer sustar no seu real nome o mesmo Capítulo, muito mais quando nas vésperas dela me veio o próprio Provincial participar que pela disposição que via na sua comunidade, receava maiores insultos.
Assim o pratiquei e movendo-se a questão de quem devia governar interinamente a Província na forma das Constituições da Ordem, na inteligência dos quais variaram os pareceres dos Padres Mestres, ditados em grande parte por um espírito de parcialidade, mandei conservar o mesmo Provincial sem alteração alguma até nova resolução de sua Majestade. E como para esta entendo ser necessário por na real presença da mesma Senhora o estado atual da mesma Província e uma informação clara dos indivíduos dela, o que farei com a maior brevidade.
Deus guarde a Vossa Excelência.
Rio 23 de maio de 1783
Luiz de Vasconcelos e Souza” (Reeditado por Frei Carmelo Cox)
Em 1783 o Vice-Rei escreveu seu próprio livro: “A Relaxação dos Frades do Carmo e Reforma Ineficaz”, e o mandou para a Rainha Dna. Maria em Portugal. Ela o mandou para o Núncio Apostólico, que por sua vez o Núncio no Reino de Portugal e Algarves, Dom Vicente Ranuízo, nomeou, também por vontade da Rainha Dna. Maria I, o Bispo do Rio de Janeiro, Dom José Joaquim Mascarenhas Castelo Branco, como Visitador e Reformador da Província da Ordem dos Carmelitas Calçados no Rio de Janeiro.
A reforma teve seu fim no ano de 1800, neste período a Ordem passou por diversas intervenções do governo e era necessária a autorização deste para que se recebessem noviços. No ano de 1823 surge o primeiro projeto de lei contra as Ordens Religiosas na Monarquia Constitucional: “A Assembléia Geral Constituinte e Legislativa decreta:
1º - Fica proibido provisoriamente da data do presente Decreto em diante, até que a Assembléia delibere o contrário, a admissão de qualquer pessoa à entrada para noviciado em todos os Conventos de um e outro sexo, podendo somente ser admitidos à profissão os que estando já no noviciado quiserem professar.
2º - Qualquer regular do sexo masculino, que quiser, poderá sair do Convento, precedendo Licença Pontifícia, que será requerida, e protegida pelo Governo; ficando os egressos hábeis para ocupar os Ofícios Civis e Eclesiásticos, como outro qualquer Cidadão.” (Cox, 2005)
Essas intervenções afetaram toda a Ordem no Brasil, mas não somente os carmelitas, e sim todas as ordens religiosas, implicando radicalmente no futuro e existência das mesmas. O interesse que estava sendo visado em tais atitudes era a apropriação dos bens das ordens, segundo Frei Carmelo Cox, que nos diversos documentos organizados por ele estava presentes cartas do governo, “pedindo inventário de todos os conventos” da Ordem.
Em 1834 foi oficializada a extinção de todas as ordens religiosas em Portugal. As causas mais profundas desta decadência devem ter sido a falta de adaptação e a alteração do tempo e da mentalidade. O fato de se começarem a utilizar os edifícios conventuais para aquartelamentos e tribunais, aproveitando as dependências desocupadas, ajudou ainda mais a perturbação claustral.
“O decreto de 30 de maio de 1834, assinado pelo então ministro da justiça, Joaquim Antônio de Aguiar, em que decretava a extinção de todas as Ordens Religiosas, acabou com o pouco que restava já do Carmo português.” (Cox, 2005)
A partir de então a província dos carmelitas entrava em profunda agonia, ficando os conventos vazios aos poucos. Havia dificuldades para administração dos bens, uma vez que no ano de 1871, anos antes da abolição da escravatura, os carmelitas decidem “libertar todos os escravos da Província Carmelitana Fluminense, com exceção daqueles que se achavam sujeitos a contratos.” (Cox, 2005).
Em agosto de 1881 ficou o Convento do Carmo de Santos sem religiosos Carmelitas, e o declínio perdurava por todas as casas carmelitas no Brasil. Em São Paulo como se consta já estava sem frades carmelitas desde 1873 uma vez que o convento estava sobre os cuidados de um frade que residia em Mogi das Cruzes: “Em São Paulo desde 08-11-1873 está tomando conta Frei Antônio Muniz, que também continua como Prior de Mogi das Cruzes.” (Cox, 2005)
Assim resistiu até 1889 quando foi proclamada a República do Brasil, e foi decretado à separação entre Igreja e Estado, e conforme a Lei orgânica da constituição da República dos Estados Unidos do Brasil.
“Art. 72§3- Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum.”
A partir desse momento, surgi à grande necessidade da restauração da província sendo o próprio Papa Leão XIII manifestando seu desejo de que “quanto antes, sejam restabelecidos e repovoados os Conventos da Ordem Carmelitana no Brasil e que a esse fim se mandem para ali novas comunidades.” Pediram então para os carmelitas da província da Espanha para que se iniciasse a restauração do Carmelo no Brasil, mas não foram recebidos a principio pelos frades no Rio de Janeiro, sendo assim foram para Pernambuco onde lá fizeram a restauração da Província Carmelitana Pernambucana.
Em São Paulo o único frade Frei Antonio Muniz, administrador de quatro casas São Paulo, Santos, Itu e Mogi das Cruzes, começava a entrar em conflitos com o bispo, por questões administrativas, nas quais o bispo D. Antônio Candido de Alvarenga desejava cuidar da administração dos bens da ordem em São Paulo.
Os carmelitas que pelo ano de 1900 haviam se estabilizado no Rio de Janeiro anunciavam sua partida do Brasil em 1904 deixando assim por decisão capitular os conventos da Lapa, Angra dos Reis e Bahia, no entanto foram partiram para o Recife. Assim o Padre geral do carmelitas vendo que falhara a tentativa espanhola no rio de Janeiro pede então a ajuda da Província Holandesa como podemos ver na carta do Pe. Geral Frei Pio Mayer ao Provincial Holandês, Frei Lamberto Smeets:
“Revmo. Padre Lmaberto Smeets
Zenderen.
Revemo. Padre Provincial,
No Capítulo Provincial da Espanha resolveu-se fechar quanto antes o Conventos das Províncias do Rio de Janeiro e da Bahia, e colocar os Padres espanhóis no Brasil juntos na Província de Pernambuco. O motivo desta resolução foi a impossibilidade da Província Espanhola de enviar tantos padres ao Brasil quantos o Arcebispo do Rio de Janeiro desejava.
P.Pius Mayer, Geral. O. Carm.” (Cox, 2005)
O Provincial da Holanda, Frei Lamberto Smeets, consultou seu Definitório e quatro dias depois respondeu afirmativamente sendo a partir daí a província fluminense entregue aos Carmelitas Holandeses sobe a responsabilidade de restauração.
Frei Antônio Muniz, consegue resguardar o patrimônio de São Paulo que estava sem frades residindo no convento com apenas o quartel utilizando uma parte do edifício. A Venerável Ordem Terceira já estava sem a presença de frades junto a ela a muito tempo, sendo seus diretores espirituais padres seculares, tornando-a cada vez mais independente da Ordem.
A chegada dos carmelitas holandeses a São Paulo aconteceu no dia 14 de maio de 1905, afim de ocuparem o convento e iniciarem a restauração do Carmo, vieram três frades: Frei Cirilo Thewes, Frei Simão Jans e alguns dias depois chegou Frei Guilherme Meijer.
Ascensão do Senhor: Um Olhar do Frei Jorge. (02)
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Frei Jorge Van Kampen, Carmelita. In Memoriam. (*17/04/1932 + 08/08/2013)
O Evangelho de Marcos termina no cap. 16,8. Esperava-se uma conclusão do Evangelho com um encontro de Jesus com os apóstolos na Galileia, como o anjo tinha anunciado, mas não veio. Por isso conclui-se o evangelho como consta anteriormente: o evangelho é como uma semente, que se semeia no mundo. Produz fruto no seu devido tempo, em todos os campos da atividade humana. Os homens feitos filhos de Deus, tomarão consciência da sua dignidade, e nascerá uma humanidade nova, que prática justiça e amor. Assim se buscará a nova ordem, que corresponde ao Reino de Deus. É necessário anunciar o Evangelho aos homens em qualquer trabalho, investigação cientifica e procura humana. Jesus nos assegura a Sua presença e a sua eficácia pelas direções da Igreja.
Liturgia da Palavra de Deus. (At. 1,1-11) (Ef. 1,17-23) (Mar. 16,15-20).
A Ascensão de Jesus é o começo de um tempo novo para o futuro. Paulo mostra a realização do plano de Deus, que é como semente, que dá uma nova visão sobre a atividade do homem cristão.
Reflexão.
Senhor, fazei-nos homens libertos. Evitai, que sejamos temerosos ou medrosos. Que não nos sintamos ameaçados com qualquer coisa que aconteça.
Senhor, fazei-nos homens libertos. Ensinai-nos a libertar os outros. Que não oprimamos ninguém, mas abramos novos caminhos, que não os dominem, mas dão espaço.
Senhor, fazei-nos homens libertos. Dai-nos a coragem de dizer, o que deve ser dito e de fazer, o que deve ser feito. Com todo risco, que o acompanha.
Senhor, vós, que nos libertastes, enchei-nos com o Vosso Espírito, para que saibamos defender aqueles, que são marginalizados ou oprimidos, seguindo o exemplo de Jesus Cristo, nosso Libertador. Amém.
Resposta à Palavra de Deus.
Podemos distinguir três tipos de pessoas, de acordo com a sua inclinação. Os que fazem da terra seu tudo. Outros vivem com a cabeça mergulhado no céu. Finalmente os terceiros vêem o céu, presente na terra através do amor. Você pertence a qual tipo?
Frei Miguel: A nossa homenagem...
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MARIA E O CARMELO: Mística Mariana
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*Frei Christopher O’Donnell, O. Carm.
Um elemento significativo na tradição da Ordem é a da mística mariana, um termo que não é usado univocamente por todos os estudiosos.[i] Seu principal exemplo é a terceira carmelitana flamenga Maria Petyt (Petijt – Maria de Santa Teresa, 1623-1677).[ii] Após alguns anos de busca por sua vocação ela encontrou o carmelita Miguel de Santo Agostinho, que se tornou seu orientador. Ele descreveu algumas das experiências de Maria Petyt num pequeno volume sobre a forma de vida mariana e a Vida de Maria. O estudo recente de S. Possanzini deixou este trabalho mais acessível aos carmelitas hoje.[iii]
Duas questões surgem sobre a mística mariana: a primeira é o papel de Maria que é geralmente encontrado na vida místico-contemplativa do Carmelo; a segunda é uma área mais difícil de examinar, ou seja, a realidade e a validade de uma experiência especificamente mística mariana.
Maria e os místicos carmelitanos
Em geral, podemos afirmar que na Ordem Carmelita a vida contemplativa e a experiência mística são freqüentemente definidas como tendo características marianas. Maria acompanha os carmelitas contemplativos em sua jornada para a união divina.[iv] Além disso, muitos místicos carmelitas tiveram experiências nas quais Maria tinha seu papel central. Elas são tão comuns que não precisam de elaboração. Podemos tomar como exemplo Santa Teresa d’Ávila. Foi na festa da Assunção em 1561:
Eu refletia sobre os muitos pecados que confessei no passado naquela casa e muitas coisas sobre minha vida infeliz. Um êxtase invadiu-me tão fortemente que quase me arrebatou... Pareceu-me, enquanto estava neste estado, que me vi vestida de um manto branco esplendoroso e brilhante. Mas a princípio, não vi quem me vestia. Depois vi uma Senhora à minha direita e meu pai São José à minha esquerda, pois eles estavam revestindo-se com o manto. Compreendi então que estava limpa de meus pecados...
A beleza que vi em Nossa Senhora era extraordinária, apesar de não ter percebido qualquer detalhe em especial, exceto a forma de seu rosto e que suas vestes eram de um branco muito brilhante, não deslumbrante mas suave... Então, pareceu-me vê-los subir aos céus com uma grande multidão de anjos. Fui deixada em profunda solidão, apesar de tão consolada e elevada e serena em oração e tocada pelo amor, que permaneci algum tempo sem ser capaz de mover-me ou de falar, praticamente fora de mim mesma. Sentia em mim um grande impulso de ser dissolvida em Deus e com emoções semelhantes. E tudo aconteceu de tal modo que nunca poderia duvidar, não importa o quanto tentasse, que era uma visão de Deus.[v]
Aqui, apesar de Maria ser central na experiência, temos uma visão de Deus, levando a uma união mais profunda com Deus. Santa Teresa d’Ávila, numa visão mística em 08 de setembro de 1575 renovou seus votos nas mãos de Nossa Senhora. Ela observa: “Esta visão permaneceu comigo por alguns dias, como se ela estivesse junto a mim, à minha esquerda.”[vi]
A cura de Santa Teresinha de Lisieux através do sorriso de Nossa Senhora no Domingo de Pentecostes de 1883, é outro exemplo de uma visão mariana, mas vista como uma ação da misericórdia divina. Este foi o começo de um processo que, cinco anos mais tarde, permitiria que ela entrasse no Carmelo.[vii]
Tais experiências místicas são freqüentes na história da espiritualidade e não precisam ser consideradas como especificamente carmelitanas,[viii] apesar de também encontradas, e surgindo, da vida do Carmelo.
A forma de vida mariana
Um segundo tipo de experiência é encontrado em autores carmelitanos, apesar de ainda não ter sido suficientemente estudado por teólogos espirituais.[ix] Contudo, ele também é encontrado fora da Ordem Carmelita.[x] Ele aparece mais elaborado em Miguel de Santo Agostinho e Maria Petyt, mas textos em línguas modernas não são muito acessíveis. Algumas observações iniciais devem ser feitas. O misticismo implica em uma jornada para Deus, para a união divina com a Trindade. Por isso, inevitavelmente, haverá uma necessidade de contextualização dos escritos destes dois autores, já que frases isoladas podem indicar um foco distorcido sobre Maria em lugar de Deus. Surgem dificuldades posteriores com a linguagem mística, altamente simbólica, usada por eles.
O estudo recente de S. Possanzini parece confirmar o que escritores mais antigos suspeitavam, ou seja, que sob a terminologia de forma de vida mariana o Venerável Miguel fala geralmente sobre a vida ascética, ou que parte da jornada espiritual é amplamente determinada pelo esforço humano, mas assistido, é claro, pela graça. O que ele chama de vida mariana é seu aspecto místico, ou seja, é livremente concedido como graça excepcional de Deus.[xi]
O fundamento da forma de vida mariana é a maternidade espiritual de Maria e sua mediação, as quais já vimos como estando profundamente dentro das tradições carmelitanas. A forma de vida mariana consiste em “manter os olhos abertos para Deus e para sua bem-aventurada Mãe, de forma que façamos pronta e alegremente o que sabemos ser agradável a eles, e evitar o que reconhecemos ser desagradável a eles”.[xii] Assim, vivemos uma vida que é, ao mesmo tempo, divina e mariana. O reino de Jesus e o reino de Maria coincidem de forma que “Jesus e Maria reinam unanimemente nela (a alma)”.[xiii]
Assim, está claro que as intuições centrais desta espiritualidade a partir da forma de vida mariana são plenamente ortodoxas. As expressões que ela valoriza são explicações deste discernimento da identidade da vontade de Maria e de Jesus. Onde o ensinamento torna-se específico e original é o que Miguel chama de mariano, no qual Maria é vista acompanhando e instruindo a pessoa em toda a jornada para a profunda união divina e casamento místico. Ainda mais distinta é a noção de união com Maria definindo o modo pelo qual a pessoa chega à união com seu Filho e com o Deus Trino. Miguel de Santo Agostinho usa diversas destas imagens.
Primeiramente, existe a vida em Maria:
Pelo diligente exercício de fé e do amor constante, adquirimos o hábito ou a prática de ter em mente, sempre e em todo lugar, a presença de Deus, e existe tal sincera afeição fluindo com tal facilidade para Deus que parece impossível esquecer Deus. Do mesmo modo aquele que ama Maria através deste exercício contínuo, adquire o hábito ou a prática de tê-la sempre presente em mente como Mãe amorosa, de forma que todos os pensamentos e afeições da pessoa terminam nela e em Deus, e a pessoa não pode esquecer nem a Mãe amorosa nem Deus.[xiv]
Segundo ele, isto não é algo infantil ou inocente, mas um movimento muito maduro, racional e corajoso (viriliori). É um trabalho do Espírito levando a pessoa a uma consciência ora de Maria, ora de Deus, sem qualquer conflito ou divisão no coração.[xv] Em segundo lugar, a pessoa vive para Maria. Aqui o autor é novamente cuidadoso em mostrar que o serviço a Maria não diminui Deus de modo algum.
Assim como em Maria tudo existe para o prazer divino e ela vive na eternidade para Deus, para seu prazer, amor e glória, então também cada vida e morte por Maria deve servir e ser dirigida a Deus. Portanto, não vivemos ou morremos para Maria como nosso fim definitivo, ou com qualquer reflexão que poderia aderir a qualquer coisa fora de Deus para nossa própria conveniência. Em vez disso, através da vida e morte em Maria e para Maria, vivemos e morremos mais perfeitamente em Deus e para Deus, como causa de seu prazer e amor. E nada no reino perfeito de Maria contradiz o reino de Jesus, mas é totalmente ordenado para ele.[xvi]
Poderia parecer que esta forma de vida mariana não é mística no sentido técnico. Apesar da graça ser necessária, realmente uma graça especial, a pessoa pode escolher este modo de aproximação de Deus através de Maria. Se a pessoa cresce profundamente neste modo de espiritualidade poderia depender de uma continuação de tal graça e do temperamento e da afetividade da pessoa. Existe uma diferença essencial entre esta forma de vida mariana e a do misticismo mariano atribuído à Venerável Maria de Santa Teresa e descrito por seu orientador, Miguel de Santo Agostinho.
[i] A. Neglia, “La mistica Mariana nel Carmelo” em Maria icona 115-128; cf. M. Schmidt et al, “Mystik”, MarLex 4:564-572; S. De Fiores, “Maria”, NDizSpir 878-902 em 890-891.
[ii] A. Derville, “Petyt, Maria”, DSpir 12:1227-1229; A. Deblaere, “Maria Petyt, écrivain et mystique flamande”, Carmelus 26 (1979) 3-76; O. Steggink, “Maria von der hl. Theresia”, MarLex 4:296-297; alguns textos em Hoppenbrouwers, Devotio 403-419.
[iii] S. Possanzini, La dottrina e la mistica Mariana del venerabile Michele di Sant’Agostino, Carmelitano (Roma: Edizioni Carmelitane, 1998); A. Deblaere, “Michel de Saint-Augustin”, Dspir 10: 1187-1191; ver G. Wessels, ed., Introductio ad vitam internam et fruitiva praxis vitae mystice. (Rome: Collegio S. Alberto, 1926) – Appendix “De vita Mariae-formi et Mariana in Maria et propter Mariam” 363-387.
[iv] Hoppenbrouwers, Devotio 268-277.
[v] Life 33:14-15 – Collected Works (n. 24) 1: 225-226.
[vi] Spiritual Testimonies 43 em Collected Works (n. 24) 1:343.
[vii] The Story of a Soul cap. 3 – Trad. J. Clarke (Washington DC: ICS, 1975) 65-67.
[viii] Ver M. Schmidt et al., “Mystik”, MarLex 4:564-572.
[ix] S. De Fiores, “Marie (Sainte Vierge)”, Dspir 10:461; id. “Maria” em NdizSpir 890-891; Hoppenbrouwers, Devotio 219-224; O. Steggink, “Mística Mariana en el Carmelo: P. Miguel de san Agustín y Maria de santa Teresa Petyt” em Congreso 1989 63-74; Valabek, Mary 1:269-289.
[x] E.g. Pierre-Joseph de la Clorivière – ver A. Rayez, “Devotion et mystique mariales du Père de Clorivière” em H. de Manoir, ed., Maria. Études sur la Sainte Vierge (Paris: Beauchesne, 1954) 3:307-328; cf. H. Monier-Vinard, “La mystique du P. de Clovière”, Revue d’ascétique et mystique”, 17 (1936) 147-168, 225-242. Veronica O’Brien (1905-1998) – ver L. J. Suenens, The Hidden Hand of God. The Life of Veronica O’Brien and Our Common Apostolate (Dublin: Veritas, 1994) 298-309. Ver E. Neubert, La vie d’union à Marie (Paris: Alsacia, 1954).
[xi] Op. Cit. 99-127.
[xii] Michael of Saint Augustine, De vita Mariae-formi et Mariana, ed. Wessels (n. 56) cap. 1, p. 363.
[xiii] Ibid. 364-365.
[xiv] Ibid. cap. 2, pp. 366-367.
[xv] Ibid. cap. 3, pp. 368-369.
[xvi] Ibid. cap. 5, p. 371; cf. cap. 4, p. 369.
*CARMELITAS: A NOSSA RESPONSABILIDADE DE DISCÍPULOS
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Frei Egídio Palumbo O. Carm
Como "discípulos" daquela primeira comunidade de fratres do Monte Carmelo, hoje sintamos juntos uma responsabilidade eclesial: sintamo-nos chamados não somente para guardar a experiência carismática de oito séculos atrás, mas também para aprofundá-la e desenvolvê-la, relendo a memória do nosso passado debaixo da luz do presente ou, então, da sensibilidade eclesial e cultural de hoje.
É este para nós o caminho da fidelidade dinâmica ao carisma dos fundadores. Somente assim, a oito séculos de distância, o carisma do Carmelo pode continuar a ser "um encargo de genuína novidade na vida espiritual da Igreja e de uma particular, operosa e corajosa realização" (Mutuæ Relationes 20). Unicamente desta maneira o carisma do Carmelo pode ter continuidade no tempo como uma herança viva e preciosa e fazer nascer afinidade entre as pessoas que o vivem (cf. o documento Christifideles Laici,24).
*0 CARMELO A SERVIÇO DA NOVA EVANGELIZAÇÃO: Carisma, Espiritualidade e Missão - apontamentos. - Fraternità Carmelitana- Pozzo di Gotto - 1993. Tradução, Frei Pedro Caxito O.Carm. In Memoriam ( *31/12/1926 +02/09/ 2009 ).
*OLHAR CARMELITANO: VALORES FUNDAMENTAIS DA TRADIÇÃO CARMELITANA.
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Frei Emanuele Boaga, O.Carm. In Memoriam
Da experiência dos Carmelitas de cada época e do ensino dos Mestre, brotam alguns valores a respeito da CONTEMPLAÇÃO e da ORAÇÃO que formam o PATRIMÔNIO da tradição carmelitana. Brevemente se pode sintetizar assim este patrimônio:
1-CONTEMPLAÇÃO
É mergulho no Mistério de Deus que “colocou sua tenda no coração do homem. Portanto, CONTEMPLAÇÃO e ORAÇÃO é fazer uma profunda EXPERIÊNCIA de DEUS REAL e VIVO, ainda que as vezes obscura, em todas as dimensões humanas. É a capacidade de encontrar a DEUS que nos amou primeiro.
2- ESSÊNCIA da VERDADEIRA ORAÇÃO
É um relacionamento de amizade com Deus e consiste sempre em “sair de si para encontrar o “Outro”.
3- MORTE e CRUZ
A oração está associada com os temas da Morte e da cruz. Por isso, o caminho da Oração Carmelitana passa pela “noite purificadora dos sentidos”, pela solidão, pela aridez que faz morrer o egoísmo e leva a sair de si para encontrar o CRISTO.
4- DESERTO
É essencial à contemplação;
É o despojamento, o situar-se na verdade e sem ilusões diante de Deus;
É atitude de pobreza radical que tudo espera de Cristo;
É atitude de silêncio para escutar a Palavra do “Outro”, é experiência da própria limitação e da necessidade de Deus na nossa vida;
É convicção forte, ainda que obscura, que Ele nos busca mais do que O buscamos. Jesus procura o homem primeiro.
5- ESPIRITO SANTO
A Oração é dom do Espírito. É Ele que atua eficazmente na Oração e nos transforma quando na docilidade a Ele deixamo-nos conduzir. Ele nos leva às formas mais elevadas de oração, como fruto da fidelidade e acolhida de seus dons.
6-PRESENÇA de DEUS:
É preciso viver a presença de Deus no próprio coração, nos irmãos, na vida.
É preciso experimentá-lo por meio de abertura para a realidade e para os sinais dos tempos que revelam sua presença.
7- PALAVRA de DEUS
A contemplação e a oração se nutrem pela FAMILIARIDADE com a Palavra de Deus, ouvida
No silêncio e na solidão do próprio coração,
No dialogo comunitário e fraterno
Na realidade.
8- FORMAS de ORAÇÃO
Ainda que não se reduzam as formas concretas, a oração e a contemplação necessitam delas como meios indispensáveis para crescerem. Entre estas formas ocupa lugar privilegiado a oração litúrgica e a “Lectio Divina”.
9- ENVOLVIMENTO DO HOMEM TODO,
A vida de oração requer o envolvimento do homem todo e, portanto, o crescimento da pessoa com a integração de sua afetividade na oração. Além disto, a oração exige uma contínua verificação do próprio relacionamento com os outros, com a realidade, com a vida. Deve exprimir-se através das obras de virtude, como sinais de amor a Deus. A contemplação deve conduzir-nos através do encontro com o ABSOLUTO de DEUS a realização de seu plano de AMOR para os irmãos e o mundo, portanto deve levar-nos ao COMPROMISSO.
10- INSPIRAÇÃO ELIANO-MARIANA
A inspiração Eliana-Mariana reforça as dimensões de nossa contemplação-compromisso:
Maria - a Virgem da Encarnação, mulher de escuta amorosa e de fé.
Elias - o homem de contemplação encarnada na realidade humana, à procura da FACE do DEUS verdadeiro
ORIENTAÇÕES GERAIS PARA LEITURA DE UM TEXTO
1º - A imagem de Deus que cada um de nós tem se reflete na maneira concreta como fazemos oração e como falamos da Oração. Esta imagem pode ser diferente nas várias épocas.
2º - Todo ser vivo toma seus elementos do ambiente e assimila os elementos que lhe convém. Esta osmose é também presente na vida do Carmelo.
3º - No caminho histórico da Ordem o mesmo valor vem encarnado de maneiras diversas com ênfases, acentuações, enfraquecimentos, etc. É preciso, num discurso de valores, verificar quais são os valores que se encarnam no contingente e até que ponto, em cada época ou situação o contingente permite ao valor a encarnação no contexto histórico concreto.
4º - Um texto espiritual deve ser lido dentro do próprio contexto particular e geral, isto é, de acordo com a ideia global do livro, do autor e do ambiente. É necessária a atenção a figura literária, ao estilo do autor, a simbologia e a outros princípios de leitura hermenêutica.
5º - E necessário, enfim, ter presente a ambiguidade dos termos e o significado próprio da palavra tal como o Autor lhe confere:
CONTEMPLAÇÃO = aspecto intelectual, atitude do homem total diante de Deus forma superior de oração
AÇÃO = disposição para atuar atividade externa.
ORAÇÃO = atitude orante-formas e formulas de oração.
SILÊNCIO = vazio interior- falta de rumor
SOLIDÃO - lugar silencioso, sem barulho- situação interior.
ALMA E CORPO = elementos da pessoa humana relacionados muitas vezes de modo dualista, dicotômico.
AFETIVIDADE = sentimento. Tudo aquilo que se refere ao coração num preciso contexto antropológico
MUNDO - realidade criada, realidade interior, realidade externa- lugar de contra-valores, etc.
SUGESTÕES PARA A REFLEXÃO
1- Qual é a imagem de Deus e a experiência de oração que transparece no texto; Procurar os elementos positivos negativos
2- Como os valores fundamentais da Tradição Carmelitana estão expressos no texto? Em particular, qual ou quais?
3- A realidade do ambiente e o compromisso apostólico com o povo transparecem no texto? Como? Se não, por que?
4- E nossa Oração; Qual e a imagem de Deus que oferece e anuncia HOJE? Que formas concretas de vivência desta imagem procuramos?
5- Nós, como Carmelitas, precisamos denunciar os falsos ídolos da religiosidade na Igreja e no mundo. Quais? Como?
6- Qual deveria ser a nossa prática numa vida integral no PRESENTE e na FORMAÇÃO para o futuro?
*A ORAÇÃO NA VIDA CARMELITANA. Reflexões e textos de autores carmelitanos sobre a Comunhão com Deus e a Oração no Carmelo. Textos preparados por Frei Emanuele Boaga, O.Carm para Encontros de Espiritualidade Carmelitana das Irmãs Carmelitas da Divina Providência. JULHO - 1986 - Rio Janeiro.
*CARMELITAS: Evolução da Consciência Mariana da Ordem
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Frei Christopher O’Donnell, O. Carm
A consciência mariana da Ordem evolui rapidamente.[i] Ao analisarmos este desenvolvimento devemos não apenas examinar cuidadosamente a documentação existente, mas, acima de tudo, devemos buscar um sentimento de empatia com situação dos carmelitas nos séculos XIII e XIV. Do contrário, corremos o risco de termos total antipatia para com uma evolução delicada e complexa. Além disso, devemos destacar alguns pontos proeminentes, tendo-os sempre em nossas mentes, se queremos compreender o modo como se originou a vida mariana da Ordem.
Os irmãos começaram a ir para a Europa por volta de 1238.[ii] A migração foi gradual desde esta data até 1291, quando o Reino Latino de Jerusalém foi conquistado. Eles levavam consigo a Regra e um modo contemplativo de vida, fortemente marcado pelo ascetismo. Na verdade eles perderam, acima de tudo, sua capela no Monte Carmelo, dedicado à Maria. Vemos que eles logo dedicaram um mosteiro à Maria na Europa, já em 1235.[iii] Eles chegaram a uma Europa que, como vimos na Introdução, possuía uma rica devoção mariana. Os Irmãos carmelitanos inseriram-se facilmente neste clima mariano. Eles iniciaram então um processo, integrando sua herança própria com a vida mariana encontrada na Europa.
Eles demonstram esta sua grande devoção ao escolherem Maria como sua Padroeira, simbolizada na Capela em sua honra no Monte Carmelo. Já em 1282 o Geral Pierre de Millau, numa carta a Eduardo I da Inglaterra buscando seu apoio, afirmou que a Ordem Carmelita tinha sido especialmente fundada em honra de Maria.[iv] Isto foi novamente afirmado no capítulo geral de 1287.[v] Mais tarde, John Baconthorpe (por volta de 1348) diria que “Deus... desejou estabelecer os Irmãos do Carmelo em louvor de sua Mãe.”[vi] E olhou para o fim dos tempos quando os carmelitas serão recompensados por seu papel especial no serviço militante em louvor a Maria e em honra de Cristo.[vii]
No tempo da regulamentação e da busca por sua identidade, o relacionamento dos Irmãos com sua Padroeira Maria, serviu de base sólida. Mas também existiam outros elementos como o ideal contemplativo e a memória que tinham de Elias.
A Origem da Ordem a partir de Elias
Já observamos que a origem da Ordem a partir de Elias foi claramente afirmada na Rubrica prima das Constituições de 1281. Não é difícil ver como o tema de Elias foi desenvolvido em resposta à oposição a esta nova Ordem, já que ela não tinha um fundador histórico evidente, tal como São Domingos ou São Francisco. Os Irmãos Carmelitas sabiam que tinham ficado no Monte Carmelo por muito tempo. Era uma montanha sagrada, associada a eremitas de tempos muito antigos e, na verdade, com o grande profeta Elias. Eles viram em Elias um grande profeta e um grande contemplativo. Alguém que, como Moisés, encontrou o Deus vivo no Monte Horeb (1Reis 19,11-18). Eles sabiam que, apesar da oposição que encontraram na Europa, o estilo de vida que tinham era antigo e autêntico.
Na Idade Média, como na época bíblica, as verdades eram sempre transmitidas através de mitos. Com nosso senso moderno de historicidade, muitas vezes não ficamos satisfeitos diante de mitos. Sempre fazemos a pergunta errada. Em vez de perguntarmos “o que significa o mito?”, perguntamos “aconteceu de fato?” E um mito contém uma verdade que não são as afirmações explícitas do mito. A verdade que se esconde por trás do mito de Elias estava no fato de que os carmelitas reconheciam nele uma figura idealizada, cuja inspiração eles seguiam ao viverem como eremitas perto de seu poço histórico. Sendo contemplativos, buscavam a experiência espiritual do Deus vivo de Elias. Consagrados à caridade viam Elias como o primeiro exemplo ideal do Antigo Testamento que vivia na continência perpétua pelo Reino. Como eremitas viam nele uma figura solitária e companheira, alguém que deixou tudo para buscar apenas Deus.[viii]
A forma que o mito tomou foi um desejo aparente dos nossos fundadores, de construírem uma continuidade histórica entre o profeta do século VIII a.C. e a Ordem, assim como ela existia na Europa no século XIII. Bons estudiosos e teólogos da Ordem despenderam um tempo enorme na tentativa de encontrar elos tirados da Escritura e da Patrística para construir uma corrente ligando a Ordem até o tempo de Elias. Muitas figuras bíblicas, assim como antigos eremitas e santos da Palestina foram vistos como parte da continuidade histórica da Ordem. Historicamente tal trabalho não tem valor. Mas ele, na verdade, é muito mais que uma legenda, um mito. Ele tem sua verdade própria em termos de identidade e espiritualidade.
Maria e Elias - Maria e o Carmelo
Maria foi gradualmente inserida neste mito, ou hagada, de Elias.
Os Primeiros Escritores
A Crônica De inceptione ordinis (cerca de 1324) afirmou que, após a Encarnação, os seguidores de Elias e de Eliseu construíram uma igreja em honra da Bem-aventurada Maria perto da fonte de Elias. Ela assegurava que a partir do tempo do patriarca Aimérico (+ 1196) eles eram conhecidos como Irmãos eremitas da Bem-aventurada Maria do Monte Carmelo.[ix]
O quarto capítulo do Speculum de Jean de Cheminot (+ por volta de 1337) afirmava que, como eles, os sucessores de Elias e de Eliseu abraçaram a castidade dedicada ao Senhor. Dois textos do Antigo Testamento, que se tornariam tradicionais na Ordem, eram aplicados à Maria: “Pois lhe será dado o esplendor do Líbano, a beleza do Carmelo e do Saron” (Is 32,2) e “Sua cabeça que se alteia como o Carmelo “ (Ct 7,6). Uma memória legendária afirmava que Maria, junto com outras virgens, costumava visitar o lugar dos eremitas por causa de sua santidade e da beleza do lugar: “Era apropriado que a mãe das virtudes honrasse o lugar e os filhos de tal santidade e devoção com sua presença”.[x]
Jean de Cheminot também recordou o oratório em honra da Virgem Maria construído após a Ascensão e que, para distinguir os Carmelitas dos outros, eles eram chamados de “os Irmãos da Ordem da Bem-aventurada Virgem Maria” – um título solenemente reconhecido mais tarde pela Santa Sé.[xi]
John Baconthorpe
Neste mesmo período surge o carmelita inglês John Baconthorpe (+ cerca de 1348). Demonstrando vasta cultura em filosofia, teologia e leis canônicas, recebeu a alcunha medieval de “Doctor Resolutus”. Seus escritos são na realidade polêmicos, já que ele busca defender a Ordem diante de seus caluniadores. São também escritos espirituais, uma reflexão sobre as profundas raízes da Ordem. Ele escreveu quatro trabalhos que são do nosso interesse, articulando Elias e Maria:[xii] Speculum de institutione ordinis pio veneratione Beatae Mariae, o primeiro tratado a Ordem que unifica profundamente as tradições de Elias e de Maria; Tratado sobre a Regra da Ordem Carmelita [tradução em português] onde mostra que a Regra corresponde de muitas formas à vida de Maria; Compendium historiarum et iurium, uma defesa histórica e jurídica da Ordem; Laus religionis carmelitanae, defendendo e exaltando a Ordem, especialmente no seu relacionamento com Maria.
Em Baconthorpe encontramos desenvolvidas as duas idéias anteriores e novas idéias emergem pela primeira vez dentro do nosso conhecimento. Já os antigos profetas veneravam Maria no Carmelo.[xiii] É especialmente por causa dela que se honra o Monte Carmelo.[xiv] A beleza física do Carmelo seria uma razão pela qual dever-se-ia dar a Maria tudo que há de mais bonito.[xv]
Seguindo uma lenda apócrifa, ele relembra como Maria foi trazida por um anjo ao Monte Carmelo. Foi no monte que ela, enlevada em contemplação, tornou-se a esposa de Deus através do voto da virgindade.[xvi] Em vários lugares ele registra a capela construída no Monte Carmelo pelos contemplativos seguidores do profeta Elias, em honra da Virgem Maria e a sua opção por um título mariano.[xvii] Na verdade, todo o Livro I do Laus religionis carmelitanae de Baconthorpe é uma esforçada tentativa de unir o Carmelo e Maria. Através de etimologias inventadas e falsas, alusões bíblicas, lendas e, às vezes, profundo discernimento espiritual, ele insiste que o ser carmelitano da Ordem pertence justamente a Maria.[xviii]
Baconthorpe parece ter sido o primeiro a interpretar a nuvenzinha vista por Elias (1Reis 18,44) como um símbolo de Maria: após a seca ela restaurou a fertilidade da terra.[xix] “O amor de Deus desceu sobre Maria... e, através de Maria, as chuvas de misericórdia e de graça desceram no que estava seco e, assim, restauraram todas as coisas”.[xx] Futuros autores carmelitanos fariam desta interpretação o principal símbolo de Maria no Antigo Testamento e, a partir daí, destacaram muitas implicações.
Os carmelitas são verdadeiramente discípulos de Maria, uma questão reconhecida pela Santa Sé.[xxi] Além do conceito de exemplo de vida, que será desenvolvido em nosso próximo capítulo, a maior contribuição de Baconthorpe foi a fusão dos elementos da tradição da Ordem sobre Maria e Elias, além de sua especificação sobre as implicações em relação à proteção da Ordem com a escolha de Maria como titular junto ao oratório estabelecido em sua homenagem. Também examinaremos isso no próximo capítulo.
Uma primeira síntese entre Elias e Maria: Philip Ribot
Atualmente temos um consenso que se o provincial catalão Philip Ribot (+ 1391) não foi o verdadeiro autor de quatro grandes trabalhos pseudoepígrafos, eles são, em último caso, do tempo dele.[xxii] Decididamente o mais importante deles foi a Instituição dos Primeiros Monges, atribuído a João XLIV, Patriarca de Jerusalém (+ por volta de 412 d.C.?). Existem sugestões de que o primeiro capítulo sobre o ideal ascético e místico da Ordem pode ser um documento mais antigo, talvez dos últimos anos do século XIII,[xxiii] mas devemos esperar a publicação da edição crítica feita por Paul Chandler, antes de levarmos tal hipótese a sério. Contudo, já que ele é inteiramente sobre Elias e não menciona Maria, não nos interessa aqui. Sobre o ensinamento mariano de outros livros, Ribot depende de escritores mais antigos, mas pode-se dizer que ele ampliou as idéias deles, desenvolvendo uma nova síntese.
A abordagem principal sobre Maria encontra-se no Livro Seis. Por todo esse livro Ribot se interessa pelo título da Ordem, “Irmãos da Bem-aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo”. Ele também admite que “Carmelitas” é um título legítimo.[xxiv] Uma idéia fundamental que ele desenvolveu foi uma interpretação espiritual, mas de forma arbitrária, da nuvenzinha vista por Elias (1Reis 18,44). A chave para seu simbolismo mariano é que a nuvem de pura chuva, que é Maria, surgiu do mar amargo e salgado, que é a imagem da humanidade pecadora. O profeta recebeu por iluminação divina quatro mistérios sobre a futura redenção da raça humana, que depois comunicou a seus seguidores:
o nascimento do futuro redentor de uma virgem-mãe que, por sua origem, estaria livre de qualquer mancha de pecado; o tempo quando isto deveria acontecer; a decisão intencional da futura mãe de manter-se sempre virgem, consagrada ao serviço do Senhor; a fecundidade de sua virgindade, prefigurada pela chuva, que beneficiaria a condição da raça humana.[xxv] Imitando Elias, que foi o primeiro personagem virgem do Antigo Testamento, Maria faria o voto de virgindade e seria a primeira mulher a fazer tal promessa.[xxvi] Os sucessores de Elias também fizeram este voto. Isso estabeleceu uma semelhança e uma profunda empatia entre eles e Maria, tanto que eles a chamavam de irmã e a si mesmos de Irmãos da Bem-aventurada Virgem Maria.[xxvii] No entanto, a noção de irmã não elimina a palavra “mãe”, que é delicadamente insinuada: Antes que ela (a Palavra) se encarnasse existia apenas uma fraternidade de paternidade, porque do mesmo Pai de quem o Filho foi eternamente gerado, a raça humana também foi criada... antes que ele se encarnasse não havia uma fraternidade de maternidade, já que o Filho ainda não fora gerado por sua mãe.[xxviii] A consequência é que depois da Encarnação, houve um novo fundamento: a fraternidade na maternidade de Maria.
O título tradicional de “Padroeira” é associada também à virgindade. Os Carmelitas cuidaram de servir à Virgem com devoção especial.
Eles estavam especialmente ansiosos para escolher esta virgem como sua padroeira, porque sabiam que apenas ela era singularmente como eles nos primeiros frutos de virgindade voluntária. Pois assim como a virgindade espontânea para Deus foi iniciada em primeiro lugar pelos antigos seguidores dessa religião e introduzida aos homens, a mesma virgindade foi depois primeiramente introduzida e começou entre as mulheres através da Mãe de Deus.[xxix]
Assim, vemos que Ribot faz uma síntese, partindo da virgindade, das noções tradicionais de Maria e a Ordem – Mãe, Padroeira e Irmã. E tudo isso se origina da meditação feita pelo autor do significado espiritual da nuvenzinha. Contudo, não temos apenas o fato de que Ribot está acrescentando algo novo à consciência mariana da Ordem. Ele também lê na nuvenzinha qual foi a atitude da Ordem para com Maria. Ele manteve sua base, a partir da virgindade, mais claramente do que os autores anteriores. Na verdade, ele usa uma falsa etimologia para a palavra “Carmelo” para indicar “conhecimento da circuncisão” o que ele interpreta depois como virgindade para Deus, buscada em primeiro lugar por Elias e seus seguidores e, depois, por Maria.[xxx]
Síntese entre Elias e Maria: Arnold Bostius
No final do século XV temos uma síntese mais madura das tradições da Ordem, feita pelo humanista Arnold Bostius (+ 1499).[xxxi] Seu primeiro trabalho sobre Maria foi o Breviloquium,[xxxii] que foi ampliado num inédito e vasto tratado chamado Speculum historiale.[xxxiii] Seu melhor e mais conhecido trabalho foi De Patronatu et patrocinio B. Virg. Mariae in dicatum sibi Carmeli Ordinem, de 1479.[xxxiv] Neste texto escrito em reposta à uma questão quanto a Maria ter sido especialmente favorecida pela Ordem, Bostius recorre em grande parte à tradição anterior, aos convenientes significados da Escritura, além de símbolos, da Escritura ou de pessoas, interpretados num sentido mariano.
Bostius é importante na história da mariologia por ser um representante das posições consensualmente sustentadas no final do século XV. Assim, temos um claro ensinamento sobre Maria como Mãe de Deus, Mediadora, Imaculada Conceição, Santíssima, Virgem, Assunta ao Céu, Rainha, Mãe Espiritual e Mãe de Misericórdia. Todas estas invocações são verdades que a Ordem Carmelita partilha com toda a Igreja.[xxxv] Apesar de E. R. Carroll não afirmar que Bostius estava interessado em um princípio unificador da mariologia, ele reconhece que, apesar da maternidade divina não ser um tema de principal interesse no De patronatu, tal tema tem alguma centralidade em seu pensamento.[xxxvi] N. Geagea concorda.[xxxvii] Nosso interesse em Bostius é mais restrito. Veremos de que modo ele apresenta a mariologia carmelitana em sua época, isto é, apontando o inter-relacionamento entre Maria e a Ordem.
Além disso, existe um tema mariológico geral em Bostius que devemos mencionar por causa de sua proeminência no século XX. É o tema da beleza de Maria.[xxxviii] Ele já é encontrado em Baconthorpe.[xxxix] Algumas vezes em Bostius o tema é explícito: “Virgem de beleza incomparável, em quem juntam-se os dons da natureza e da graça, acima de tudo alguém que é graciosa, amorosa, de pele rosada, serena, a mais bela”.[xl] Ou ainda: “A menos que se conheça a verdadeira divindade pela fé, não poderíamos acreditar que existiu alguém mais bela do que a Virgem”.[xli] Em outras ocasiões o tema emerge em contextos diferentes, tal como a plenitude de sua graça: “Maria, a mais exaltada, é o espelho da Trindade.”[xlii] Ela é a mais bela de todas: “incomparavelmente a mais resplandecente de todas as criaturas... e a glória do Carmelo”;[xliii] “a honra de toda feminilidade e a glória de todas as mulheres”.[xliv] Bostius, um humanista latino com um extenso vocabulário e uma retórica refinada, coleciona expressões em louvor à beleza de Maria por todo o De patronatu. Num capítulo posterior consideraremos o tema da beleza na mariologia contemporânea.
Em se tratando das associações especificamente carmelitanas com Maria, deveríamos lembrar em primeiro lugar do casal Elias e Maria. Em parágrafos compactos, Bostius mostra que Elias e Maria partilharam através do Espírito de doze privilégios que nutriu a ambos: a luz brilhante; o esplendor da virgindade; a fundação da vida religiosa; a exemplaridade de vida; as conversas com Deus; a associação com espíritos angelicais; o amor supremo e o zelo por Deus; o carisma profético; a obediência; a clemência e a misericórdia; os milagres e a subida aos céus.[xlv]
Mas Bostius, subitamente, muda o rumo da tradição de Elias e de Maria. Como alguns de seus predecessores, ele sustentou que Elias está na origem da vida religiosa. Sua ênfase é Elias, o contemplativo. Mas na tradição do Carmelo, Elias é pai, instituidor, patriarca, legislador, mestre, principal padroeiro, fundador.[xlvi] No entanto, Bostius defende a prioridade e a primazia de Maria no que diz respeito ao Carmelo. A escolha de Elias pela virgindade foi inspirada precisamente na futura Virgem Mãe, aquela que ele vislumbrou na nuvenzinha que veio ao seu encontro no Carmelo e a quem ele desejou honrar e ensinou seus seguidores a honrarem também.[xlvii]
Portanto, Bostius conclui que Maria, por sua exemplaridade, é uma “legisladora” para Elias e para a instituição fundada pelo profeta.
Por isso, Maria é a legisladora de Elias e é, certamente, considerada a legisladora e fundadora de todo o grupo do Carmelo.[xlviii] Por sua vivência exemplar, ela é a senhora (domina) e a instituidora.[xlix] Em Bostius, que foi seguido por Lezana (+ 1659) e outros,[l] encontramos Elias e Maria apresentados como o casal fundador da Ordem.[li]
Síntese mariana - Bostius
Em sua síntese envolvendo Elias e Maria, Bostius reflete sobre o relacionamento entre as duas figuras fundadoras da Ordem e definiu a prioridade de Maria com respeito aos Carmelitas. Foi o exemplo e o futuro destino dela que inspiraram o profeta a fundar a Ordem, de forma que ela deveria ser chamada de sua verdadeira fundadora. Ainda permanecem obscuros os outros elos que Bostius vê entre Maria e a Ordem. Ele usa outros títulos significativos, alguns dos quais são tradicionais e outros ele mesmo desenvolve: Protetora, Mestra, Guia, Amiga, Irmã, Mãe, uma Carmelita.[lii] Bostius chama Maria continuamente de Padroeira do Carmelo: “Ela é especial e verdadeiramente chamada de Padroeira do Carmelo e dos Carmelitas”; “a renomada Mãe de Deus, Maria, a muito admirável Padroeira do Carmelo”.[liii] Maria é também Senhora e Mestra do Carmelo: Os carmelitas daquela época santa eram reconhecidos por sorverem de uma fonte viva, da mais perfeita mestra da vida religiosa, do espelho brilhante de toda modéstia, virtude e nobreza.[liv]
Ele resumiu seu ensinamento:
Pela palavra, como mestra perfeita, ela abraçou todas as ordens do Senhor quando disse aos servos, “Façam o que ele mandar” (ver Jo 2,5).[lv] O ensinamento de Maria não é abstrato, pois ela é a Guia do Carmelo. Ela está junto de Elias no zelo pela Ordem. Ela é a Padroeira do Carmelo.[lvi] Elias é visto como aquele que não morreu nem entrou no céu. Maria toma seu lugar. Bostius narra uma visão na qual ela diz: Enquanto o mundo durar, ele sempre deverá ter uma protetora. Sou a carruagem e o cocheiro do Carmelo, em lugar de vosso pai. Governo aqueles que são órfãos de pai. Sou mãe em vez de pai. Guardo os interesses do Carmelo em meu coração. Eu, a mãe, copiosamente nutri aqueles nascidos do Carmelo.[lvii]
Bostius afirma freqüentemente que Maria também é a Amiga do Carmelo. Por isso, abençoados são os filhos do Carmelo que viram a muito bem-aventurada Mãe de Deus na carne, a fonte ideal de toda alegria. Mas também especialmente adornados são aqueles que merecem sua amizade, que é unida à de Cristo.[lviii] Bostius vai muito além dos relacionamentos feudais inerentes à noção de padroeira, enfatizando a noção do Carmelo como uma família: “os filhos do Carmelo pertencem especialmente à família de Maria”.[lix] Nesta família Maria é tanto Mãe quanto Irmã, de forma que ela considera os carmelitas como filhos e irmãos.
Na verdade, Maria, a muito digna Rainha do céu, causa encanto singular nas pessoas, nos encontros carmelitanos, em seus próprios servos por título e amparo. Como ela não ouviria a seus filhos e irmãos carmelitanos que estão singularmente comprometidos com sua defesa, e são os seus defensores, e que foram escolhidos e especialmente amados para propagar seu vinhedo em flor?[lx] O título de Mãe não precisa de ilustração por parte de Bostius. Ele está em todo lugar. Na opinião de alguns ele é para Bostius o atributo principal de Maria com respeito ao Carmelo.[lxi] Ele afirma, por exemplo: A Rainha do céu, a sempre exaltada Virgem Maria, é a Mãe universal de todos os cristãos, um porto e refúgio comum para todos os homens e mulheres. Mas ela é especialmente Mãe e Padroeira dos Irmãos Carmelitas.[lxii] Mas Bostius desenvolve, mais claramente do que outros, a idéia de que os carmelitas são filhos tanto de Elias quanto de Maria, personagens que estão unidos num casamento místico. Já vimos a base desta idéia: era o voto de virgindade que Elias fez quando a futura Virgem foi revelada a ele na nuvenzinha. Portanto, os carmelitas são filhos e irmãos de seu pai Elias e de sua mãe Maria, seus muito valiosos genitores.[lxiii] Esta tradição foi reassumida, dois séculos depois, por Daniel da Virgem Maria em seu aprofundamento de um dos primeiros escritos carmelitanos, o Speculum.
Elias era mariano. Elias consumiu-se em seu amor a Maria. Elias fez um voto de acordo com o exemplo de Maria, que ele mesmo anteviu. Elias é o pai dos carmelitas, mas primeiramente, Maria é Mãe deles.[lxiv] Finalmente, para Bostius, Maria pode ser considerada uma verdadeira carmelita: “Ela mostrou-se espiritual, corporal e literalmente uma carmelita”.[lxv] Em Bostius temos uma síntese e uma elaboração da reflexão anterior sobre Maria. Escritores posteriores não acrescentaram muito às suas posições centrais. Antes de deixarmos este período medieval de máximo desenvolvimento, existem mais dois temas que, apesar de estarem presentes em escritores mais recentes, foram desenvolvidos por escritores mais antigos. São os temas da Puríssima Virgem e do Escapulário.
A Puríssima Virgem
A reflexão sobre pureza de Maria emerge de diversos contextos, em documentos muito antigos. Ela está implícita na forte ligação dos teólogos da Ordem com a Imaculada Conceição. Ela também se manifesta na gradual inserção da palavra “Virgem” ao título da Ordem. Ela emerge em Jean de Cheminot (por volta de 1350). Vimos anteriormente que em seu Speculum, ele considera a virgindade como um vínculo comum entre Elias e Maria. Ele exorta os carmelitas a se rejubilarem por terem o nome de Maria em seu título, “a flor da beleza e o título da virgindade”.[lxvi] Nas Instituições dos Primeiro Monges vimos o paralelo entre a virgindade de Elias e a de Maria. Mas esta virgindade é apenas um aspecto da completa ausência de pecado e da absoluta plenitude de Maria, apesar de ela ter surgido da humanidade pecadora: Ela era, na sua origem, como uma criança limpa de toda mancha de pecado, assim como aquela nuvenzinha surgiu do amargo mar, sem conter, no entanto, nenhuma amargura. Apesar de aquela nuvenzinha pertencer à mesma natureza do mar, ela possuía outras qualidades e outras propriedades. O mar é denso e amargo, mas aquela nuvem era tênue e doce. Assim, apesar de em todas as outras pessoas a natureza humana ser como o mar em sua origem, por ser oprimida pela amargura do pecado e pelo peso do vício, elas são forçadas a clamar “Minhas culpas ultrapassaram minha cabeça, e pesam sobre mim, como fardo pesado” (Sl 38,5). A Bem-aventurada Virgem Maria surgiu também deste mar que é a natureza humana. Pois, em sua origem, ela não foi queimada com o amargor das faltas mas, como a nuvenzinha, ela foi luz através da imunidade ao pecado e doce pela plenitude dos carismas.[lxvii]
Em Bostius o ensinamento é claro: “ela brilhava em sua grande pureza, de forma que, depois de Deus, nenhuma maior poderia ser imaginada”.[lxviii] Ou ainda, além disso, os Carmelitas, os filhos de Elias e de Maria são convidados e ensinados fervorosamente a imitar Elias, que era totalmente brilhante por dentro e por fora, e Maria que, abaixo de Deus, nada de tão puro e tão brilhante, pode ser imaginado.[lxix] Mas se passará mais um século até que uma reflexão plenamente desenvolvida sobre a pureza e a pureza de coração seja apresentada.[lxx]
O Escapulário
Como mencionamos na Introdução, a questão do Escapulário coloca dificuldades específicas para nosso tempo, embora a mais fiel devoção à Nossa Senhora do Monte Carmelo seja sinônimo do Escapulário. A evidência de problemas em todas as áreas deve ser encarada com cuidado. Não há referências ao Escapulário na Regra ou em Flechas de Fogo, de Nicolas, o Francês. A primeira referência a ele está nas Constituições de Londres, de 1281. Lá encontramos a instrução: “Os Irmãos devem dormir com sua túnica e com o Escapulário sob pena de severa punição”.[lxxi] A razão para esta severa admoestação é que, naquele tempo, a remoção do hábito era vista como fuga da Ordem. Assim as Instituições dos Primeiros Monges afirma: Este traje, o capuz/capuchinho e o escapulário são usados ao mesmo tempo pelo monge e mostra que o monge sempre deve, humildemente, levar consigo a obediência e ser completamente obediente a seu superior.[lxxii] E exige que “eles sejam diligentemente usados dia e noite sem falta”.[lxxiii] As Constituições de Montpelier ordenaram que o novo manto deveria ser aberto na frente para que o Escapulário, o hábito da Ordem, pudesse ser visto. Este regulamento foi repetido na legislação posterior.[lxxiv] Assim, por mais ou menos 150 anos o Escapulário teve mais um sentido cristológico de obediência do que propriamente uma devoção mariana.
Além disso, existe um problema quanto a São Simão Stock. Seu nome aparece pela primeira vez numa lista de priores gerais apenas com Jean Grossi (+ por volta de 1411) e numa necrologia florentina, que não pode ser anterior a 1374.[lxxv] Nas mais antigas listas de santos, ou Santorale, ele surge como quinto ou sexto prior geral. Estas listas de santos podem ser anteriores ao século XIV mas, como as necrologias, se originam de fontes mais antigas. A festa de São Simão Stock foi celebrada a partir de 1435 em Bordeaux, onde ele morreu, e na Inglaterra. Esta festa foi estendida para toda a Ordem em 1564.
O relato mais antigo da visão do Escapulário está no Sanctorale de Bruxelas, que pode ser datado mais ou menos do final do século XIV, ou seja, um século e meio depois de Simão Stock. Este Sanctorale pode realmente depender de documentos mais antigos, mas eles não foram encontrados. Lemos no relato mais primitivo e antigo da visão:
São Simão era um inglês, um homem de grande santidade e devoção, que sempre pedia à Virgem, em suas orações para favorecer a Ordem com algum privilégio único. A Virgem apareceu a ele segurando o Escapulário em sua mão e dizendo: “Isto é para ti e para os teus um privilégio. Aquele que morrer com ele será salvo”.[lxxvi]
Não é possível, através de métodos críticos, estabelecer a historicidade desta visão. A ausência de qualquer referência a ela na extensa e polêmica tradição escrita durante os séculos passados é talvez o único argumento contra a sua autenticidade. Mas é um argumento de peso. Por outro lado, não há qualquer evidência que desaprove a visão, apesar de que tal argumento do silêncio deva ser tratado com certa cautela.
Do ponto de vista dos estudiosos, aqueles que querem afirmar a autenticidade da visão deveriam se esforçar em fornecer provas. Numa perspectiva pastoral, talvez seja melhor não aprofundar os detalhes da visão, mas sim realçar o significado do Escapulário como uma expressão do zelo de Maria e de uma consagração a ela, de acordo com Pio XII, cujos ensinamentos examinaremos num capítulo posterior. O título mariano que melhor justifica o Escapulário é Padroeira, que consideraremos junto com outros no próximo capítulo.
Lectio Divina
Os escritos de nossos autores medievais são de uma época e de uma cultura bem diferentes da nossa. Encontramos expressões sobre Maria que não seriam usadas hoje, como por exemplo, “divina” (mas que usamos tranqüilamente num contexto secular: “A música de Mozart é divina”). Mas o esforço de tentarmos nos solidarizar com nossos antepassados medievais é válido. Isto se faz de melhor forma através de seus textos da lectio divina. Nele nos perguntamos:
o que o texto significa?
1-o que o texto significa para mim e para o mundo onde vivo e ao qual sirvo?
2-como respondo de forma orante à verdade que está sendo apresentada neste texto?
O trecho seguinte, tirado ao acaso de A. Bostius (1479) é uma rica expressão de nossa herança. Vale a pena aproveitar o tempo para orar com ele e, assim, aprofundarmos nossa tradição de um modo vivo. O texto é tirado de um longo capítulo mostrando como os carmelitas deveriam honrar Maria. Permanece por ser visto como os Irmãos devem mostrar o amor, toda honra e reverência fraterna a uma tal Irmã, excelente Mãe e Padroeira que possui tal poder sublime, piedade gentil, abundante generosidade e toda fecundidade. Pois, entre todas as pessoas, ela escolheu os carmelitas para serem uma raça que seria especial para ela e, particularmente, levou-os sob a sombra de suas asas. Como a Amada adotada pelos Irmãos, ela realmente ora a todo momento por eles, seu povo, a quem ela segura em seus seios, instruindo-os com o leite divino.
Omito o culto e as devoções especiais que dia e noite eles não param de oferecer à mais divina, Mãe Toda-poderosa, a quem eles amam tão profundamente, sempre reverentemente venerada, devotamente louvada, magnífica no mais algo grau e admiravelmente exaltada. Em seus corações e bocas proclamam corretamente um lugar muito especial para ela. Pelo menos, essas coisas devem ser guardadas na mente que une a família carmelitana aos benefícios da divina Maria. Eles devem mostrar aos outros a maior eficácia da proteção de Maria no meio de seu povo. Eles reconhecem como certo que devem dar graças eternamente a ela, pois eles não possuem a capacidade de dar benefícios àqueles que os concede. Lembrando que, no testemunho do Papa Gregório, cada um carrega algum título de seu trabalho, de forma que se pode facilmente ver sob a direção de quem este trabalho é feito. Por isso, todas as Igrejas de uma comunidade carmelitana são instituídas em honra da sempre gloriosa Maria e são dedicadas ao seu reverente nome. Portanto, alegremente todo o Carmelo proclama:
Escolhi a moradia da Mãe de Cristo por casa, que a santa Virgem possa vir em auxílio de seus servos.[lxxvii]
*UMA PRESENÇA AMOROSA: MARIA E O CARMELO. Um Estudo da Herança Mariana na Ordem.
[i] V. Hoppernbrouwers, “Come l’Ordine Carmelitano há veduto e come vede la Madonna”, Carmelo 15 (1968) 209-221.
[ii] Ver Smet, Carmelites 1:10-28, esp. 10-12.
[iii] Ibid. 1:11.
[iv] MCH 47.
[v] ACG 1:7.
[vi] Laus religionis carmelitanae 4:2 – MCH 243.
[vii] Laus 6:4 – MCH 253.
[viii] Ver E. Boaga, “Elijah alle origini e nelle prime generazioni dell’Ordine Carmelitano” em P. Chandler, ed. A Journey with Elijah. Carisma e spiritualità 2. (Rome: Ed. Institutum Carmelitanum, 1991) 85-103; E. Boaga, Nello spirito e nella virtù di Elia. Antologia di documenti e sussidi. (Roma: Ordem Carmelita Comissão para o Carisma e a Espiritualidade, 1990).
[ix] MCH 99.
[x] O texto deveria ser traduzido para indicar que os eremitas eram filhos dela “Decebat igitur ut mater virtutum locum tantae sanctitatis et devotionis filios per suam personalem praesentiam decoraret”. MCH 128; ver Geagea, Maria 202-208.
[xi] Ibid. 128, 131.
[xii] MCH 184-253; ver Valabek, Mary 1:25-42.
[xiii] Speculum 1 – MCH 187.
[xiv] Laus 1:1 – MCH 218.
[xv] Laus 1:2-3 – MCH 219-220.
[xvi] Laus 1:4,6 e 14 – MCH 221, 222, 231.
[xvii] Compendium 2 – MCH 202; Speculum 3 – MCH 190; Laus 1:6 – MCH 222-223.
[xviii] MCH 218-233.
[xix] Laus 1:9 – MCH 226.
[xx] Laus 1:11 – MCH 228.
[xxi] Speculum 2-3 – MCH 189-190.
[xxii] Smet, Carmelites 1: 63-64; Geagea, Maria 129-137, 250-268; Valabek, Mary 1: 43-59; ver P. Chandler, “Ribot, Philippe”, D Spir 13: 537-539.
[xxiii] Geagea, Maria 136-137.
[xxiv] Institutes 6:5 – SpecC 2: 60-61, nn. 238-240; 6: 7-8 - SpecC 2: 62-63, nn. 246-251.
[xxv] Institutes 6:1 – SpecC 2:54-55, n. 215.
[xxvi] Institutes 6:3 – SpecC 2: 57-58, nn. 225-229.
[xxvii] Institutes 6:5; 6:7 – SpecC 2:60, n. 238; cf. n. 240; 2:62, n. 246.
[xxviii] Institutes 6:4 – SpecC 2: 59, n. 234.
[xxix] Institutes 6:5 – SpecC 2:60, n. 238.
[xxx] Institutes 6:3 – SpecC 2: 58, n. 226-228.
[xxxi] E. R. Carrol, “The Marian Theology of Arnold Bostius, O. Carm. (1445-1499)”, Carmelus 9 (1962) 197-236; id. “Arnold Bostius, Fifteenth Century Flemish Exponent of Carmelite Devotion to Mary”, The Sword (1977) 7-20; Geagea, Maria 372-438; Valabek, Mary 1:61-78 = Roseti del Carmelo (Florence) 1982/2, pp. 25-42.
[xxxii] Daniel a Virgine Maria, ed., Vinea Carmeli seu historia eliani Ordinis B. V. Mariae de Monte Carmelo (Antwerp, 1662).
[xxxiii] Geagea, Maria 370-372.
[xxxiv] SpecC 2: 375-431, nn. 1524-1703. Existe uma tradução em espanhol feita por A. M. Lópes Sendín, Patronato y patrocinio de la Santísima Virgen Maria sobre la Orden del Carmen que le está consagrada (Madrid: Centro de Espiritualidad Carmelitana, 1981). Aguardamos tanto uma edição crítica quanto uma tradução em inglês de Paul Chandler.
[xxxv] Ver Carroll “Marian Theology” (n. 29); Geagea, Maria 379-397.
[xxxvi] “Marian Theology” (n. 29) 203.
[xxxvii] Maria 381-384.
[xxxviii] Ver Geagea, Maria 376-379; S. De Fiores, “Bellezza”, NdizMar 222-231; cap. 6 abaixo.
[xxxix] Laus religionis carmelitanae 1:4 – MCH 219-220.
[xl] De patronatu 8 – SpecC 2:405, n. 1614.
[xli] Ibid. 1:2 – SpecC 2:378, n. 1534.
[xlii] Ibid. 9 – SpecC 2:407, n. 1619.
[xliii] Ibid. 4:2 – SpecC 393; n. 1585.
[xliv] Ibid. 4:1- SpecC 2:390, n. 1574.
[xlv] Ibid. 11:2 –SpecC 417-420, nn. 1654-1668.
[xlvi] Ibid. pater 4:2 – SpecC 2:391, n. 1578; institutor 12:2 – SpecC 2;423, n. 1677; patriarcha... legislator... praeceptor... patronus... fundator 12:2 – SpecC 2:423, n. 1678.
[xlvii] Ibid. 1:1; 2:2 – SpecC 2:377, n. 1529; 383, n. 1549.
[xlviii] Ea propter Legis-latrix Eliae, Maria: & totius Carmeli coetus legislatrix, fundatrixque primaria rite dicitur. Ibid. 2:2 – SpecC 2:383, n. 1549.
[xlix] Domina et institutrix nostra Maria. Ibid. 12:2 – SpecC 2:343, n. 1678; cf. “fundaste nossa ordem” (ordinem nostrum instituisti). Ibid. 1:1 – SpecC 2:377, n. 1531.
[l] Maria patrona 3 – SpecC 2:437, n. 1730.
[li] M. Cera, “II rapporto Elia-Maria nel Carmelo”, Maria icona 83-92.
[lii] Geagea, Maria 405-417.
[liii] Mater igitur et Patrona Carmeli et Carmelitarum. De patronatu 4:2 – SpecC 2:392, n. 1548. Inclyta Dei Genetrix Maria patrona Carmeli praeclarissima. Ibid. 5:1 – SpecC 394, n. 1590.
[liv] Ibid. 1:1 – SpecC 377, n. 1530.
[lv] Ibid. 11:2 – SpecC 2:419, n. 1662.
[lvi] Tutrix. Ibid. 4:1 – SpecC 393, n. 1588.
[lvii] Ibid. 5:1 – SpecC 395, n. 1593.
[lviii] Ibid. 1:1 – SpecC 378, 1533.
[lix] Ibid. 6:3 – SpecC 2:400, n. 1606.
[lx] 4:2 – SpecC 2:391, n. 1578.
[lxi] Geagea, Maria 413-414.
[lxii] De patronatu 4:2 – SpecC 2:391, n. 1578.
[lxiii] Ibid. 7:1 – SpecC 2:401, n. 1609.
[lxiv] SpeC Dedicação ao Cardeal Paluzio, protetor da Ordem.
[lxv] De Patronatu 4:2 – SpecC 392, n. 1584.
[lxvi] Ch. 4- MCH 127.
[lxvii] 6:1 – SpecC 2:55, n. 215.
[lxviii] De Patronatu 13:2 – SpecC 2:428, n. 1697.
[lxix] Ibid. 11:3 – SpecC 2:420, n. 1669.
[lxx] V. Hoppenbrouwers, “Virgo purissima et vita spiritualis Carmeli”, Carmelus 1 (1954) 255-277; S. Possanzini, “La ‘Virgo Purissima’” em Maria icona 73-82; E. R. Carroll, “La ‘Virgo puissima’ y el Carmelo” em Congreso 1989: 51-61.
[lxxi] Rub. 13 – AOC 15 (1950) 218.
[lxxii] 7:4 –SpecC 2:67, n. 265.
[lxxiii] Ibid. n. 264.
[lxxiv] ACG 1:11; MCH 67.
[lxxv] MCH 314, 323, 324.
[lxxvi] B. M. Xiberta, De visione Sancti Simonis Stock. Bibliotheca Sacri Scapularis. (Roma: Institutum Carmelitanum, 1950) 311.
[lxxvii] De patronatu 13:1 – SpecC 2:416, n. 1691.
CARMELITAS: Do Caminho de Perfeição de Santa Teresa de Ávila
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Parece-me agora a mim que quando Deus fez uma pessoa chegar a claro conhecimento do que é o mundo e que coisa é mundo, e que há outro mundo, e a diferença que há de um para o outro, e que um é eterno e o outro é sonhado; ou que coisa é amar o Criador ou a criatura - isto visto por experiência, que é negócio diferente do que apenas pensá-lo e crê-lo - ou (que coisa é) ver e provar que é que se ganha com um e se perde com o outro, e que coisa é Criador e que coisa é criatura, e outras muitas coisas, que o Senhor ensina a quem se quer entregar para ser ensinado por Ele na oração, ou aos que Sua Majestade quer que amem mui diferentemente de nós os que não temos chegado até aqui".
(...) São estas pessoas que Deus faz chegar a este estado; almas generosas, almas régias; não se contentam com amar coisa tão ruim como estes corpos, por mais formosos que sejam, por muitas graças que tenham (e ainda bem que haja agrado da vista e louvem a Deus); mas para neles se deter, não. Digo «se deter», de maneira que por estas coisas tenham amor; parecer-lhes-ia que amam coisa sem importância, e que se põem a querer sombras; correriam de si mesmos e não teriam cara para, sem grande afronta a Ele, dizer a Deus que o amam".
Dir-me-eis: «Estes tais não saberão querer nem pagar o amor que se lhes tiver; ao menos se lhes dá pouco de que o tenham a eles». Já que com rapidez algumas vezes a natureza leva a folgar-se de ser amados, tornando sobre si, vêem que é disparate, se não são pessoas que hão de fazer proveito a suas almas ou com doutrina ou com oração. Os outros amores todos as cansam, pois entendem que nenhum proveito lhes fazem, e poderiam prejudicá-las, não porque lhes deixem de agradecer e pagar ao encomendá-las a Deus. Tomam-no como coisa, que lançam elas aos que as amam como carga sobre o Senhor, pois entendem que vem dali, porque não lhes parece que há que querer em si (tais pessoas), e logo lhes parece que as querem porque as quer Deus, e deixam a Sua Majestade que o pague e lho suplicam, e com isto ficam livres, pois lhes parece não lhes tocar. E bem reparado, se não é com as pessoas a que me refiro, que nos podem fazer bem para ganharmos bens perfeitos, eu penso algumas vezes quão grande cegueira se traz neste querer que nos queiram".
Agora notem que como o amor, quando o queremos de alguma pessoa, sempre se pretende algum interesse de proveito ou contentamento nosso, e estas pessoas perfeitas já os têm todos debaixo dos pés, os bens, que no mundo se lhes pode fazer e agrados, e contentamentos, elas já se encontram de sorte que, ainda que eles o queiram - como se diz - não as podem manter que o seja fora de com Deus ou fora de tratar com Deus. Pois que proveito lhes pode vir de ser amadas?"
Quando se lhes representa esta verdade, de si mesmas se riem pela pena que algum tempo lhes foi dada se era pago ou não o seu amor. Ainda que seja bom o amor, não é logo natural querer ser pago. Vindo-se cobrar esta paga, é com palhas, porque tudo é ar e sem importância e o carrega o vento; porque, quando muito nos tenham querido, que é isto que nos resta? Assim que, se não é para proveito da sua alma com as pessoas de que tenho falado - porque vem a ser tal a nossa natureza que se não há algum amor logo se cansam - não se lhes dá mais ser queridas do que não".
"Parecer-vos-á que estes tais não querem a ninguém, nem sabem, a não ser a Deus. Digo que sim: amam muito mais, e com mais verdadeiro amor, e mais apaixonadamente e mais proveitoso amor; enfim é amor. E estas tais almas são sempre afeiçoadas a dar muito mais do que a receber: até mesmo com o próprio Criador lhes acontece isto. Digo que merece este nome de amor, que estas outras afeições baixas lhe têm usurpado".
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