Celebrar o aniversário de Frei Carlos é sempre um motivo de alegria para os Cebianos e as Cebianas. Quem acompanha seu trabalho conhece a marca da sua caminhada: ler a bíblia com base na realidade, na história do povo oprimido que luta pelo direito à vida na casa comum. Os ensinamentos trazidos pelo Frei e a forma como compartilha a metodologia da Leitura Popular cativa jovens e adultos de várias gerações. Pessoas que aprenderam mais sobre si mesmas e sobre a importância de ler a Bíblia de maneira mais libertadora.

Edmilson Schinelo, Secretário de Articulação do CEBI Nacional, fala sobre a passagem do aniversário de frei Carlos, e a importância dele para o CEBI:

Pessoal, hoje, 20 de outubro, Frei Carlos completa 86 anos! Para variar, está bem animado e viajando, conforme a informação a nós repassada pela secretária do convento de Unaí/MG, onde ele está residindo. Nossa gratidão por uma pessoa que fez e faz tanto pela Leitura Popular da Bíblia! E sempre na mesma humildade!

Conheça um pouco mais sobre a história de frei Carlos:

Frei Carlos, flor crescida na sombra

Por Eliseu Lopes*

Ao se encontrar com Carlos Mesters pela primeira vez, Maria, de ltapuranga (GO), exclamou: “Então o Sr. é que é o frei Carlos Mestre? Parece flor crescida na sombra: alto, esguio e pálido.” É isto o frei Carlos. É flor crescida na sombra.

Nasceu como uma tulipa, sem ostentação, numa cidadezinha ao sul da Holanda. Cresceu na acolhedora e cálida sombra de uma família biblicamente perfeita: sete irmãos. Na infância, viveu os anos sombrios da Segunda Guerra Mundial. Mas, pela localização geográfica, sua cidade ficou à sombra dos acontecimentos e não sofreu grandes transtornos.

Jacobus Gerardus Hubertus Mesters nasceu na Holanda, no dia 20 de outubro de 1931. Foi este o nome que recebeu na pia batismal. Vinte anos mais tarde, ao receber o hábito da Ordem Carrnelita, já no Brasil, foi rebatizado de Carlos: frei Carlos Mesters.

Quando fala ao povo sobre a Bíblia, frei Carlos recorre às vezes a algumas imagens familiares, impregnadas de reminiscências da infância. A Bíblia é como um álbum de família. Numa desordem organizada, seguindo o ritmo da vida, oferece um espelho da família. Enfeixa e reúne, na sequência das páginas e até numa página só, o registro de cenas e fatos distantes no tempo. Anos e anos podem ser folheados num minuto. Vêm emendados, um no outro, acontecimentos com séculos de distância.

*Eliseu Lopes (in memorian) foi secretário executivo do CEBI por muitos anos. O trecho “Frei Carlos, flor crescida na sombra”, encontra-se publicado em versão ampliada no livro Reflexos da Brisa Leve, publicado por ocasião do aniversário de 60 anos de Frei Carlos Mesters.

O Frei Jerry, O. Carm, Pároco da Basílica de Nossa Senhora do Carmo da Bela Vista/SP, faz a homilia na Festa de Santa Teresa de Jesus. Na celebração, irmãos e irmãs fizeram os Votos Perpétuos na Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo da Basílica.

Enquanto o coração de Elias no deserto se inflamava de caridade ardente e nas suas meditações, se acendia o fogo do amor divino (Sl 38,4)ele experimentava muitas vezes a inefável glória de Deus e permanecia, isto é, encontrava o seu repouso  na torrente das delícias divinas com que  Deus dessedenta aqueles que o amam, segundo as palavras do profeta: Na torrente das tuas delícias lhes dás de beber (Sl 36,9).

Na manhã de 8 de setembro senti-me inundada por um mistério de paz e foi nessa paz, “ultrapassando qualquer sentimento, que pronunciei meus santos votos... Minha união com Jesus fez-se, não em meio a trovões e relâmpagos, isto é, a graças extraordinárias, mas n meio de uma leve brisa parecida àquela que nosso Pai santo Elias ouviu na montanha...

Para levar a vida carmelitana reformada, é preciso voltar à origem da nossa Ordem. O que encontramos em Elias, nosso orientador e fundador? Solidão, oração, diálogo com Deus em cuja presença ele sempre se mantinha.

Frei Carlos Mesters, Carmelita.

Os critérios de Deus são diferentes dos nossos critérios

Um primeiro ponto que o evangelho de Mateus nos informa a respeito de Maria é o registro do seu nome na genealogia de Jesus, onde se diz: Jacó foi o pai de José, o esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, que é chamado Messias. A genealogia traz o registro de quarenta e duas gerações (3x14=42), desde Abraão até "José, esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, que é chamado Messias". Toda esta longa história de quase dois mil anos encontra o seu ponto de chegada em Jesus, o filho de Maria. Nesta genealogia, ao lado dos nomes de quarenta e dois homens, aparecem os nomes de cinco mulheres. Uma delas, a última, é Maria, a mãe de Jesus. As outras quatro são:

Tamar, uma Cananéia, viúva, que se vestiu de prostituta para obrigar o sogro Judá a ser fiel à Lei de Deus e dar-lhe um filho (Gn 38,1-30).  Raab, uma Cananéia, prostituta de Jericó, que fez aliança com os israelitas (Js 2,1-21). Rute, uma Moabita, viúva pobre, que optou para ficar do lado de Noemi e aderiu ao Povo de Deus (Rt 1,16-18).

Betsabea, uma Hitita, mulher de Urias, que foi seduzida, violentada e engravidada pelo rei Davi, que, além disso, mandou matar o marido dela (2 Sm 11,1-27). Estas quatro mulheres são as companheiras de Maria. Foi através destas cinco mulheres e de muitas outras cujos nomes não foram registrados, que Deus realizou o seu plano de salvação e enviou o Messias prometido. Por que será que Mateus escolheu estas quatro mulheres para estar ao lado de Maria: uma viúva, uma prostituta, uma estrangeira e uma violentada? Nenhuma rainha, nenhuma matriarca, nenhuma juíza! Realmente, o jeito de agir de Deus surpreende e faz pensar! Por que será?

Teresa aparece como uma mulher ousada, dinâmica, que se atreveu a discutir com as autoridades do seu contexto (teólogos, intelectuais), sobre o processo do que é verdadeiramente se encontrar com o Deus. O seu modo de atuar, bem como a leveza de encarar a vida e a espiritualidade são uma rica contribuição para os nossos dias", escreve Assunta Romio, doutoranda de teologia na Escola Superior de Teologia - EST, São Leopoldo, RS.

Segundo ela, "encontramos muitas pessoas que dão sinais evidentes de terem feito a experiência do itinerário teresiano até a sétima Morada. São os orantes, comprometidos com a causa de Jesus Cristo, especialmente com os mais necessitados e sofridos da sociedade; não se cansam de trabalhar pelo Reino de Deus, na construção de uma humanidade nova".

Eis o artigo. 

Introdução

Teresa de Jesus escreve o livro das Moradas, com a preocupação de narrar a sua experiência de vida espiritual. [1] Ela o faz de forma pedagógica, conduzindo o leitor a entrar na dinâmica do encontro com o Sagrado. Desde o início dessa magnífica narração, deixa claro que, quando alguém deseja fazer a experiência de encontro com Jesus Cristo, a porta da entrada é a oração. Para isso deve deixar-se conduzir por esse Deus que se revela apaixonado pela pessoa humana.

Na narrativa das Moradas, Teresa apresenta um caminho que conduz a pessoa ao centro do Castelo, [2] onde mora Deus. Ela se coloca como alguém que percorreu este caminho. Deixa clara a necessidade de se colocar em atitude de caminhante, errando e acertando, mas com clareza de horizonte, sabendo onde quer chegar. Ela insiste que é preciso aprofundar o autoconhecimento, a autoaceitação, a acolhida da própria realidade e a interiorização.

O livro das Moradas ou Castelo Interior é repleto de simbologias, que ajudam a compreender a beleza da pessoa humana. A partir da concepção antropológica unitária, criada no amor e para o amor, Teresa apresenta um caminho, um itinerário de amor, a ser percorrido rumo ao centro do Castelo. Este processo gradativo, leva a pessoa a um encontro consigo, com os outros, com a criação, com Deus.

 

Decidir entrar no castelo: primeiras Moradas

Ao iniciar a descrição das primeiras Moradas, Teresa afirma que é preciso tomar uma decisão firme: entrar no Castelo. Desta forma inicia uma relação de amizade com Quem sabemos que tanto nos ama. [3] Esta experiência exige da pessoa um autoconhecimento em perceber a dinâmica interna do encontro com a Transcendência, o sagrado. O encontro com Jesus Cristo e sua humanidade a transforma interiormente: da fraqueza e debilidade à fortaleza de saber-se amada e agraciada. A experiência se dá numa relação de amizade e de diálogo, com Jesus Cristo e assim, experimenta o amor apaixonado de Deus pela sua criatura. [4]

Teresa expressa a plenitude da experiência de encontro com Deus, com o símbolo da antropologia Teresiana: a pessoa é como o Castelo habitado com muitas moradas. [5] No delinear da narração utiliza-se do símbolo de morador e morada, expressando o encontro entre Deus e a pessoa, de entrar e tornar a entrar no Castelo. A porta é a oração como relação de amizade. [6]

Nas primeiras Moradas, Teresa enfatiza que a história do ser humano, é uma biografia de amizade, de reencontro, solidariedade radical, onde descobre a sua dignidade, percebe o sentido de ser para o outro. Se não existir diálogo, não acontece o encontro com Ele. Dialogar é prazeroso, uma relação deliciosa. [7]

Nestas Moradas, a Santa descreve que Deus que se comunica com a pessoa, não com palavras internas ou externas, mas uma compreensão mais profunda, na qual ela verbaliza como uma voz interior. Um sinal evidente de um encontro profundo relacional são os efeitos nas palavras e obras. A pessoa vai identificando esta voz interior que a chama, e aos poucos se torna cada vez mais familiar e não perde uma silaba do que se ouve, pois fica na memória e jamais se pode esquecer. [8]

Impressiona perceber que Teresa, em seu caminho de oração constantemente pede luz para o momento que está vivendo. Insiste que o importante é descobrir a motivação de continuar o processo de amar e dialogar com este Alguém que nos transcende, que dá sentido ao nosso viver. Diz que escutou claramente – “Não tenhas medo, filha, Sou Eu e não te desampararei, não temas”. [9] Assim, ela se sente segura e amparada ao começar uma nova caminhada, acreditando estar no caminho certo. Os sinais são evidentes como: a quietude, paz, certeza, segurança, alegria interior. Ela faz um convite ao seu leitor, colocar os olhos somente n’Ele. A relação com Ele é uma aventura de amor. A linguagem é única, a do Amor. Pedimos a Teresa que nos acompanhe nesta caminhada de entrar no Castelo Interior e encontrar ali, a verdadeira felicidade.

 

Encontro com Deus: segundas e terceiras Moradas

Nas segundas Moradas, Teresa dá ênfase à necessidade de ter coragem para reconhecer os dinamismos interiores, principalmente àqueles com os quais, temos dificuldade de lidar e aceitar. Ela orienta ao leitor a fazer um exercício de entrar em si, acolher o mistério da própria vida, escutar a Palavra animadora de acolhida, que Deus faz a cada momento. Incentiva o leitor, a partir da experiência de encontro com Deus, a organizar um programa de vida: de oração, de seguimento e de encontro consigo. É evidente, na sua narrativa, a forma como anima as pessoas a continuarem o processo iniciado, e se for necessário buscarem algum grupo ou amigos onde possam partilhar as experiências de oração.

Na reflexão destas Moradas, Teresa resgata o significado da prova do amor. O amor é capaz de gerar no ser humano a necessidade de ir ao encontro do outro e lançar-se à missão. Ela descreve em detalhes a experiência como superou os momentos de aridez e impotência. Através da descoberta de sentir-se amada e acolhida, foi percebendo como Deus é misericordioso, revelando-lhe as verdades mais profundas do significado do amor. Usa muita criatividade em vislumbrar estas duas Moradas.

Destaca que, neste estágio o ser humano se percebe num desconforto físico e espiritual, mas, ao mesmo tempo, vive um espaço de liberdade. O orante experimenta uma mescla de sentimentos de alegrias, desconforto, certezas, dúvidas, verdades, mentiras. Por outro lado, são experiências que provocam profunda tensão interior, porque entra em contato com a sua própria realidade como criatura humana, pois nem sempre consegue lidar com o medo da crise, ou o vazio existencial.

A Santa tem um modo peculiar e simples de escrever suas experiências espirituais. Tem como objetivo animar e orientar as pessoas. Percebe-se, nas entre linhas destas duas Moradas uma descrição objetiva e direta, ao mesmo tempo um especial cuidado de orientar com leveza e suavidade. Ela é clara, quando escreve que, para caminhar, se faz necessário ter uma firme decisão. Sugere que seja com dignidade, maturidade, respeitando o seu ritmo e acolhendo a própria realidade interior. Porém, é importante tomar consciência, de que não se está sozinho. É necessário ter a coragem de permitir que Deus entre na sua vida. [10]

Teresa é por natureza uma mulher pedagógica no seu modo de ser, agir e atuar. Evidencia-se que, sua preocupação com o leitor é que ele possa entender a própria dinâmica de superação de si mesmo. Pelo acima dito, sabemos que a história humana está cheia de paixões, desejos infantis, às vezes gratificantes, frustrações, compensações. Teresa define este momento como único, andar na verdade. [11] Esta é uma atitude de clarividência interior, de uma mirada real de si mesmo. A presença d’Ele irradia transformando a pessoa a focar o princípio do amor. Por isso, deixa de lado tudo, ao descobrir a presença amorosa de Deus na vida, pois esta a conduz ao verdadeiro amor.

No entanto, nas segundas Moradas, ela se lembra do processo de sentir-se ferida, mas precisa ter cuidado para não desanimar, alimentando o desejo de voltar. [12] Nesta confusão se sente chamada por Deus, apesar de suas quedas, rupturas, temores. Ao mesmo tempo recomeça o caminho com novas possibilidades. Na sua pedagogia, Teresa fala, por experiência, que é necessário fazer o esforço para compreender a realidade existencial e acreditar que é possível mudar. Ela descreve como chegou à maturidade humana e à libertação das suas amarras. Nas terceiras Moradas, Teresa dedica um bom espaço para falar da mistagogia, ou seja, de como orientar a outros no caminho espiritual de encontro com o Senhor. Aqui, o exercitante é acompanhado no processo de entrar e perceber as contradições, as verdades, os enganos e discernir por qual trilha seguirá.

Ao ler estas duas Moradas percebe-se que Teresa aponta os passos para percorrer e avançar no caminho, rumo ao centro do Castelo Interior. É próprio destas Moradas, em alguns momentos, o caminhante perceber que avança e, ao mesmo tempo, faz a experiência de um retrocesso. Isso faz parte da dinâmica do itinerário humano-espiritual. O que chama atenção, na descrição destas Moradas, é que a oscilação faz parte da própria estrutura humana no seu processo de amadurecimento espiritual.

 

Compreender o mistério de amor: quartas Moradas

Nas quartas Moradas, Teresa utiliza a simbologia de uma fonte, para explicar o que acontece no interior da pessoa. A experiência relatada expressa o quanto foi sofrido superar a autosuficiência. Com esta conquista compreendeu que Deus a amava acima de tudo e que podia deixar-se conduzir por Ele.

Teresa narra nestas Moradas, como percorrer um caminho pedagógico de estar com Jesus, pois Ele é a fonte da água viva! Este é um passo rumo à experiência mística. A pessoa vive, por alguns momentos, no recolhimento da mente, no amor místico e na quietude da vontade, até chegar a unificação interior. Relata que Deus começa, nesta Morada, a dar algumas alegrias interiores. [13]

A narrativa teresiana destas Moradas enfoca a transcendência como mistério, não por este estar além da realidade que se vive, mas pela capacidade que a pessoa adquire em relação a transcender as dimensões do humano. O mistério da presença de Deus potencializa a pessoa a viver e atuar. A transcendência vivida como presença misteriosa é capaz de desinstalar e romper barreiras e provoca a compreensão do mistério da vida e as transformações que ocorrem na pessoa. Aqui acontece a oração como encontro no Amor, para o Amor. Por isso, a súplica, a oração e preces fazem parte do ritual da experiência que acontece lentamente, provocando assim, verdadeiros milagres. [14]

É essencial tomar contato com a própria condição humana e da riqueza que o encontro oracional pode provocar. Esta oração pode ser pessoal, individual ou comunitária. Como consequência desta experiência, a pessoa irradia luz, verdade, confiança. Sente-se perdoada e amada pelo Senhor, que a faz entrar nesta Morada para estar com Ele, a sós. [15]

Conhecedora da fragilidade do ser humano, Teresa apresenta, nestas quatro primeiras Moradas, o movimento de iniciar o processo de travessia da fronteira. É necessário experimentar-se, deixar-se moldar pela Transcendência. Estrategicamente Teresacomeça a mudar a linguagem. Introduz a imagem do “silvo do Pastor”, o assobio que chama para o redil, para estar com Ele. Relata o empenho, o trabalho que teve para entender este processo de aproximar-se de Deus, entrar em si e chegar ao centro do Castelo, ter intimidade com o Amigo de todas as horas. A pessoa experimenta um amor muito grande de Deus que a transforma, impulsionando-a à missão. Teresa lembra que o Senhor dá a graça, quando quer, como o quer e a quem o quer, como dom e tesouro no coração. [16] Interessante é a advertência da Santa que, para aproveitar muito deste caminho e avançar nas Moradas, não está em pensar muito, senão em amar muito. [17] Não resta dúvida, que a pessoa humana precisa passar pela prova do crisol, para se autoafirmar e desejar, com veemência, seguir rumo ao interior do Castelo, e ali se encontrar com Deus. [18] Ele nos dá a conhecer a sua luz, diz ela, que nos faz ficar absortos. Ela convida para a entrega, deixar-se nos braços do Amor.

Podemos observar que os efeitos citados por Teresa, ocorrem tanto na vida pessoal, comunitária e social. Na verdade são efeitos significativos, pois a pessoa acaba tendo um novo olhar sobre si. Aqui nasce uma nova pessoa, a qual não se apoia sobre obras boas, mas sustentada por uma Presença suave que lhe dá leveza no seu modo de ser e agir. E então contagia outras pessoas na busca deste caminho. Hoje, mais do que nunca, o mundo precisa de pessoas enamoradas, confiantes e esperançosas, que amem e valorizem a vida, sendo presença do amor de Deus.

 

Certeza de estar na presença de Deus: quintas Moradas

Nas quintas Moradas, Teresa se utiliza de recursos da natureza, para dar a entender as transformações que a pessoa passa quando se deixa moldar por dentro, isto é, quando decide deixar que Deus atue nela. É uma narrativa rica de símbolos, iniciando com transformação metamorfósica de uma borboleta, comparada com as etapas da vida mística e uma profunda união com Deus, refletindo no amor ao próximo. Um convite a entrar na dinâmica da vida mística, com a oração de união com Deus. Os sinais desta união são evidentes, ou seja, sentir-se plenificada interiormente e a certeza de estar na presença de Deus. Porém, é necessário fidelidade e perseverança.

O interessante desta Morada é a forma como Teresa descreve a pessoa, quando esta decide buscar a vida além dela mesma, apesar de todas as dificuldades enfrentadas. A afetividade vai se configurando na medida em que conhece Jesus Cristo, e, quando se desvia deste processo, fica sem referência, tudo se torna ilusão e acaba. Neste caso é possível acreditar que a ação do Espírito provoca mudanças no ser humano. Neste movimento, a pessoa percebe um novo chamado, porque o Espírito do Senhor sussurra aos ouvidos e grita constantemente: podes sair, coloca-te a caminho, não importa onde estás, segue em frente. Teresa deixa claro que, no processo espiritual, Deus sempre toma a iniciativa. Na experiência da oração de união, Deus vai atuando como presença amorosa e permanente na pessoa. [20]

Aqui Teresa continua usando diversas simbologias para se fazer entender sobre o que passa entre Deus e o ser humano. Por exemplo, ela faz menção do bicho da seda, que, embora aparentemente esteja dentro do casulo sem vida, ele se transfigura numa linda borboleta. [21] Com este exemplo, Teresa mostra o resultado da transformação que ocorre na pessoa, que faz a experiência de se encontrar e estar com Deus; não se reconhece mais como a mesma de antes. [22] Outro sinal da experiência é que provoca profundos desejos de se dedicar a uma causa, isto é, fazer algo pelos outros mais necessitados. [23] Ela se utiliza também de outro recurso para explicar a união. Compara a experiência mística como se fosse um profundo olhar de comunicação entre duas pessoas enamoradas, antes de seu compromisso definitivo do casamento. [24] Utiliza também o símbolo do selo com a cera para verbalizar a experiência de união. É o que deixa a alma selada com seu selo de filhos e filhas de Deus, a tem tal certeza que de nenhuma maneira pode duvidar, que esteve com Deus e Deus nela. [25]

É interessante perceber como Teresa emocionada narra o processo de crescimento e conhecimento de Jesus Cristo e sua humanidade. Fala da união do humano com o divino em sua pessoa: esta é sua expressão suprema - Jesus Cristo. Porém, esta união entre Deus e a pessoa passa pela morte. Neste processo surge o novo horizonte, com nova abertura ao transcendente, com desejo de estar mais perto de Deus vivendo a união: união, morte, mística e vida nova.[26]

O sinal da presença de Deus na alma, nesta Morada, é evidente, pois deixa na pessoa a experiência impressa do encontro com Ele. Este encontro com o Sagrado é tão forte que a pessoa se esquece de si mesma, vive uma profunda paz interior e a certeza de ser possuidora de um grande tesouro, que deseja partilhar com outros. A imagem de Deus fica gravada tão profundamente no interior da pessoa que, ainda que passem anos, mantém a certeza total desta presença divina. [27]

 

O encontro com o Sagrado transforma: sextas Moradas

Nas sextas Moradas, Teresa prioriza os efeitos que acontecem no corpo e no interior da pessoa, quando faz a experiência de encontro com o sagrado. Ajuda o leitor a perceber e detectar quando a experiência é verdadeira e quando o fruto é da imaginação. Lembra das tensões interiores que a pessoa experimenta quando percebe a grandiosidade de Deus em sua vida, conduzindo-a a uma missão.

O estudo desta Morada mostra, como Teresa convida o leitor a acompanhar e compreender o processo de uma pessoa que experimenta profundamente a Deus. É normal passar por situações, que muitas vezes, não se conseguem entender: dificuldades de não aceitação da própria realidade de vida; necessidade de olhar um horizonte maior e buscar novas luzes; desejo de ter um encontro com Jesus Cristo no centro do Castelo.

Nas sextas Moradas, a pessoa já entrou num estágio oracional, em que nada vê, nem experimenta com os sentidos ou a imaginação, porém, tem certeza que está cada vez mais a sós com Deus. No entanto, percebe que o sofrimento faz parte da própria experiência de vida. Fica claro nesta Morada, a presença constante de Deus Trindade. O interessante é que a pessoa não consegue ficar sozinha com tantas graças, sentindo necessidade de partilhar as experiências com alguém muito espiritualizado. Neste sentido, Teresa faz um alerta importante: procurar alguém que já tenha trilhado por caminho semelhante e que compreenda o processo. [28]

Ela narra com detalhes o significado da experiência profunda de encontro com o sagrado e como consequência natural, o grande desejo de estar com Ele, a sós, por longos tempos. Ela simplifica dizendo, que a imagem do Amado fica esculpida com aquela visão, que todo o seu ser deseja tornar a reviver para gozar. E diz que a alma já está bem determinada a não tomar outro esposo. No entanto, a pessoa se sente segura porque está junto d’Ele, e, é donde lhe vem a fortaleza, tudo por Ele. Como consequência, vive um processo de plenificação, se esquece de si mesma e empenha-se em estar fazendo sempre o bem. [29]

Na narrativa, Teresa insiste que o Senhor se utiliza de várias maneiras para despertar a pessoa para o encontro: pela oração vocal e com a repetição parece que, lhe vem um deleitoso abrasamento; uma comunicação que parece vir do exterior, outras do mais íntimo da alma. [30] O critério é claro para Teresa. Se a comunicação é de Deus, a pessoa experimenta uma profunda paz interior, um desejo de fazer algo específico de boa ação e fica uma marca profunda que jamais esquece. [31] Com esta experiência ela se torna atenta aos movimentos interiores, para as coisas de Deus. O entendimento e sentidos se acalmam de tal forma que entendem os segredos mais profundos, pois ficam registrados na memória para sempre. [32] Tenta, também explicar o que acontece com a pessoa, utilizando uma série de analogias, como o surgir do sol, raios fortes que podem queimar, o sol da justiça, o voo do espírito que passa rapidamente. Porém, ficam as sequelas, como conhecimento da grandeza de Deus, autoconhecimento, não quer mais ofender com as transgressões no pecado, perceber a grandeza do Criador. [33]

No entanto, Teresa lembra, que ao estar nesta Morada a pessoa vislumbra o caminho para a sétima Morada, onde naturalmente deseja estar completamente com o Amado para louvar e agradecer constantemente, em atitude de encontro com Ele. [34] É uma alegria tão excessiva que a pessoa quer estar sozinha com Jesus Cristo e sua humanidade. [35] No entanto, a Santa adverte insistentemente que esse tipo de oração não deve ser considerado definitivamente superado, porque será necessária a ajuda do entendimento para inflamar a vontade. [36] Esta é uma preparação imediata para chegar ao cume da vida da Graça, possível de ser alcançada na terra. A profunda experiência interior de encontro leva à transformação, que repercute no modo de ser e de agir da pessoa, no dia a dia.

 

Deixar-se tocar pelo amor leva a amar: sétimas Moradas

Ao descrever as sétimas Moradas, Teresa afirma que este é o momento ápice da experiência mística. Relata as graças recebidas do conhecimento profundo de Jesus Cristo e sua humanidade e a percepção clara da Trindade. Ela verbaliza, nesta Morada, a plena configuração com Cristo, que a conduz à vivência, em plenitude, do mistério na missão, onde Marta e Maria sempre andam juntas. [37]

Na leitura do texto percebe-se como Teresa, desde o epílogo, alerta sobre a importância de uma atitude de decidir entrar no Castelo. [38] Mas, ao mesmo tempo, afirma sobre a certeza de que Deus faz morada no interior do ser humano. E desde este lugar estabelece a relação da união transformante de sua vida em ação permanente. Teresa convida a abrir um espaço para entender que o processo de purificação interior de uma alma, bem como as graças sobrenaturais, estão ligadas aos êxtases. É necessária a contemplação da humanidade de Cristo, para chegar aos últimos graus da vida mística. [39]

A contemplação, para Teresa, não é subjetiva, mas transcende a pessoa, levando-a a esquecer-se de si e a entregar-se a Cristo e à missão eclesial. Impressiona quando Teresa fala da grande companhia e como entende as coisas, porém, ela nem sempre a vê com a mesma claridade como da primeira vez, que se colocou nas mãos de Deus, que a conduz a uma contemplação plenificada. [40] Apresenta também os efeitos do matrimônio espiritual, como sendo um esquecimento de si e não esquece o que escutou dentro de si. [41] Ali, afirma ela, nasce o desejo de fazer unicamente a vontade de Deus. [42] Com esta experiência Teresa deseja viver muitos anos para servi-Lo e amá-Lo. [43] Deseja dedicar tempo para estar a sós com Ele em oração. [44] Tudo isso se passa na alma com muita quietude e silêncio. [45]

Teresa de Ávila retoma um texto bíblico significativo para a síntese de sua vida: Mariaa contemplativa e Marta, a trabalhadora. Porém, diz Teresa, Marta e Maria hão de andar juntas para bem hospedar o Senhor, e tê-lo sempre consigo. Marta e Maria são facetas de uma mesma pessoa. O verdadeiro místico não se limita a contemplar, mas se empenha em tornar o mundo melhor. Contemplação e trabalho se unem na personalidade do místico. Da mesma forma como a fé sem obras é morta, a contemplação sem a ação perde o seu valor. Santa Teresa tem a preocupação de fazer entender que Marta e Maria sempre andam juntas. O Senhor quer hospedagem, mas é necessário que o acolhamos, lhe demos de comer e em seus pés nos coloquemos à escuta. Assim seremos verdadeiros discípulos, fiéis na contemplação e na ação. Nesta dinâmica, Teresa diz se lembrar de São Paulo, que depois da conversão, não deixou de trabalhar, enfrentando perigos e tormentas para pregar a boa nova, além de prover o próprio sustento, como tecelão. É o encontro com Deus que gera um grande desejo de amá-Lo e servi-Lo. Por fim, a necessidade de uma dedicação total à obra de Deus, transformar a humanidade semelhante a Jesus Cristo. [46] O segredo é colocar os olhos fixos no Senhor. [47] Ali, olhando a Jesus Cristo que deu a vida por amor, descobrir a grandiosidade da nossa opção por uma causa maior, a entrega total a Jesus Cristo, sendo continuadores da Sua missão.

 

Conclusão

No caminho das Moradas, Teresa partilha um itinerário de amor. Um caminho de muitas oscilações, superações e possibilidades de autoconhecimento, do outro, de Jesus Cristo e sua Humanidade. A dinâmica apresentada por Teresa ajuda a acolher e compreender a realidade que nos envolve, isto é, o contexto social, político, religioso e espiritual. Anima para não desanimar na caminhada, mas confiar em Deus, pois Ele é uma presença constante na nossa vida e nos ama com infinito amor.

Teresa aparece como uma mulher ousada, dinâmica, que se atreveu a discutir com as autoridades do seu contexto (teólogos, intelectuais), sobre o processo do que é verdadeiramente se encontrar com o Deus. O seu modo de atuar, bem como a leveza de encarar a vida e a espiritualidade são uma rica contribuição para os nossos dias.

Com criatividade, a Santa de Ávila utiliza alegorias para explicar as Moradas, uma forma pedagógica e agradável de apresentar um itinerário espiritual tão complexo. Ela o faz com serenidade, alegria, transmitindo paz e confiança. Mostra que é possível, sim, seguir este itinerário das sete moradas. Para isso, é necessário colocar-se em atitude de caminhante, errando e acertando, mas com clareza de horizonte: pelo caminho do autoconhecimento, autoaceitação, acolhida da própria realidade, interiorização rumo ao centro do Castelo Interior, lá onde está “o Rei”.

Por que Teresa enfatiza a importância de entrar no Castelo Interior? Ela parte da sua experiência, pois é ali que ela encontrou o profundo sentido existencial, que lhe deu coragem e força para se integrar, ser missionária do Reino de Deus, ajudando as pessoas a também se encontrarem com o Deus da vida. Assim, ela escreve narrando com detalhes, a sua caminhada de encontro com o Senhor, com o objetivo de que outros possam também seguir este caminho.

Portanto, as Moradas teresianas apontam que Deus se comunica com a pessoa e a transforma. Esta dimensão mística de Teresa é acessível. Encontramos muitas pessoas que dão sinais evidentes de terem feito a experiência do itinerário teresiano até a sétima Morada. São os orantes, comprometidos com a causa de Jesus Cristo, especialmente com os mais necessitados e sofridos da sociedade; não se cansam de trabalhar pelo Reino de Deus, na construção de uma humanidade nova. O que alimenta a jornada destas pessoas? Com certeza, é o encontro com o Deus amigo, no mais profundo do Castelo Interior, que impulsiona à ação, à missão de serem testemunhas do Seu AMOR.

Notas:

[1] Teresa de Jesus: trata-se de Teresa de Cepeda y Ahumada, Teresa de Ávila, Teresa de Jesus, nascida em Ávila, Espanha (1515-1582). Os espanhóis, carinhosamente a chamam de Teresa, a Santa, ou ainda, a Santa de Ávila. Teresa de Jesus escreveu o livro das Moradas ou Castelo Interior em 1577 aos 62 anos de idade. O livro das Moradas relata a experiência mística, fazendo uma síntese de sua vida espiritual e de monja. A estrutura da obra está dividida em VII Moradas.

[2] SANTA TERESA DE JESUS. Obras Completas: Tomás Alvarez (Ed.). Introduções e notas. Tradução de Vasco Dias Ribeiro. Arcos, Portugal: Carmelo, 2005. p. 642. Livro das Moradas, cuja abreviatura será usado M (1M1). Teresa utiliza a simbologia do Castelo, que representa a pessoa humana e faz alusão ao Evangelho de João 14,2.

[3] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 56. Livro da Vida, cuja abreviatura será usado V (V8,5).

[4] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 85. (V 12, 2).

[5] TERESA DE JESUS. Obras completas. (Coord.) Frei Patrício Sciadini. Tradução do texto estabelecido por Tomás Alvarez, 5. ed. São Paulo: Carmelitas/Loyola, 2013. p. 442. (1M1,3).

[6] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 646. (1M1,7).

[7] TERESA DE JESUS, 2013, p. 501. (5M3,8).

[8] TERESIANAS STJ. Teresa de Jesús exploradora, itinerante y guía: taller de lectura Teresiana Las Moradas. In Proyetonudo: Curso formativo on-line de espiritualidad teresiana. Disponível aqui; e aqui. Acesso em: 15 maio 2013.

[9] SANTA TERESA DE JESÚS, 2005, p. 208. (V25,18)

[10] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 88. (V13).

[11] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 210. (V25,21).

[12] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 649. (2M2,4).

[13] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 690. (4M1,4).

[14] TERESIANAS STJ. En el camino del amor: un tiempo para dejarse atraer por Jesús y su reino. In Teresa de Jesús exploradora, itinerante y guía: taller de lectura Teresiana Las Moradas. In Proyetonudo: Curso formativo on-line de espiritualidad teresiana. Disponível aqui. Acesso em: 15 maio 2013. Ficha de trabajo tema 4.

[15] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 718. (4M3,8).

[16] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 643. (4M1,2).

[17] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 686. (4M1,7 conferido com V11,1 e no livro das Fundações 5,2).

[18] TERESA DE JESUS, 2013, p. 479. (4M2,8).

[19] TERESA DE JESUS, 2013, p. 484. (4M3,8).

[20] TERESIANAS STJ. En el camino del amor: un tiempo para ‘ordenar el amor. In Teresa de Jesús exploradora, itinerante y guía: taller de lectura Teresiana Las Moradas. In Proyetonudo:Curso formativo on-line de espiritualidad teresiana. Disponível aqui. Acesso em: 15 maio 2013. Ficha de trabajo tema 5.

[21] TERESA DE JESUS, 2013, p. 477. (5M2,2).

[22] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 7163. (5M2,7).

[23] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 719. (5M2,11).

[24] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 729. (5M4,4).

[25] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 719. (5M2,12).

[26] TERESIANAS STJ. Disponível aqui. Acesso em: 15 maio 2013. Ficha de trabajo tema 5.

[27] SANTA TERESA DE JESÚS, 2005, p. 711. (5M1,9)

[28] TERESIANAS STJ. En el camino del amor: un tiempo de prueba para el amor. In Teresa de Jesús exploradora, itinerante y guía: taller de lectura Teresiana Las Moradas. In Proyetonudo: Curso formativo on-line de espiritualidad teresiana. Disponível aqui. Acesso em: 15 maio 2013. Ficha de trabajo tema 6.

[29] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 735. (6M1,1-2).

[30] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 749-750. (6M3,1-4).

[31] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 743. (6M3,5.7).

[32] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 759-760. (6M4,3-5).

[33] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 772. (6M5,9-10).

[34] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p.775. (6M6,3).

[35] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 779. (6M6,10).

[36] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 778. (6M7.7).

[37] TERESIANAS STJ. El ‘tesoro escondido’del camino del amor: la unión que transforma. In Teresa de Jesús exploradora, itinerante y guía: taller de lectura Teresiana Las Moradas. In Proyetonudo: Curso formativo on-line de espiritualidad teresiana. Disponível aqui. Acesso em: 15 maio 2013. Ficha de trabajo tema 7.

[38] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 848. (7M4,21).

[39] TERESIANAS STJ. Disponível aqui. Acesso em: 15 maio 2013. Ficha de trabajo tema 7.

[40] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 823. (7M1.9).

[41] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 643. (7M7.9).

[42] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 833. (7M3,4).

[43] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 834. (7M3,6).

[44] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 643. (7M3,8).

[45] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 836. (7M3,11).

[46] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 845. (7M4,14).

[47] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 842. (7M4,7).

Referências:

SANTA TERESA DE JESUS. Obras Completas: Tomás Alvarez (Ed.). Introduções e notas. Tradução de Vasco Dias Ribeiro. Arcos, Portugal: Carmelo, 2005.

TERESA DE JESUS. Obras completas. (Coord.) Frei Patrício Sciadini. Tradução do texto estabelecido por Tomás Alvarez, 5. ed. São Paulo: Carmelitas/Loyola, 2013.

TERESIANAS STJ. Teresa de Jesús exploradora, itinerante y guía: taller de lectura Teresiana Las Moradas. In Proyetonudo: Curso formativo on-line de espiritualidad teresiana. Disponível aqui. Acesso em: 15 maio 2013.

TERESIANAS STJ. En el camino del amor: un tiempo para dejarse atraer por Jesús y su reino. In Teresa de Jesús exploradora, itinerante y guía: taller de lectura Teresiana Las Moradas. In Proyetonudo: Curso formativo on-line de espiritualidad teresiana. Disponível aqui. Acesso em: 15 maio 2013. Ficha de trabajo tema 4.

TERESIANAS STJ. En el camino del amor:un tiempo para ‘ordenar el amor. In Teresa de Jesús exploradora, itinerante y guía: taller de lectura Teresiana Las Moradas. In Proyetonudo: Curso formativo on-line de espiritualidad teresiana. Disponível aqui. Acesso em: 15 maio 2013. Ficha de trabajo tema 5.

TERESIANAS STJ. En el camino del amor: un tiempo de prueba para el amor. In Teresa de Jesús exploradora, itinerante y guía: taller de lectura Teresiana Las Moradas. In Proyetonudo: Curso formativo on-line de espiritualidad teresiana. Disponível aqui. Acesso em: 15 maio 2013. Ficha de trabajo tema 6.

TERESIANAS STJ. El ‘tesoro escondido’del camino del amor: la unión que transforma. In Teresa de Jesús exploradora, itinerante y guía: taller de lectura Teresiana Las Moradas. In Proyetonudo: Curso formativo on-line de espiritualidad teresiana. Disponível aqui. Acesso em: 15 maio 2013. Ficha de trabajo tema 7.

Santa Teresa de Jesus. 1515-1582
Últimas palavras proferidas por Santa Teresa de Jesus

 

Senhor,
a Tua igreja é o Teu corpo
e é a Tua graça como corrente divina
que une todos os membros
e os reveste da beleza divina
que jorra do Teu Coração.

 

A Igreja és Tu mesmo
em cada membro que decide ser outro ‘Cristo’,
Tu na totalidade da Tua presença,
Tu no dom da Tua santidade,
Tu na oferta da Tua misericórdia,
Tu no mistério de seres Um
com cada membro do Teu corpo.

 

Desde o momento em que por amor
Te entregaste pela Igreja,
passaste a ser um só coisa com ela.
Já nada Te pode separar da Tua Esposa!

 

É a esta Igreja que é o Teu corpo
que eu amo e pela qual me entrego.
é nesta Igreja santa e pecadora
que eu acredito
e a quem ofereço a minha pouca fé,
o meu amor tão vacilante
e a minha pobre esperança,
com o grande desejo de tornar presente
aos olhos de todos a beleza divina que ela encerra.

 

Eu creio no mistério admirável
da graça que vivifica todo o Corpo da Igreja.
e seduz-me a minha vocação
de ser canal de graça por onde passa a
Vida divina para todo o corpo.

 

Obrigado, Senhor,
por me fazeres filho da Igreja e nascer
do Teu Amor por ela;
por me fazeres discípulo da Igreja
e aprender com ela a conhecer-Te e a amar-Te;
por me fazeres mãe/pai da Igreja
quando na fé, na esperança e no amor
deixo que a graça de Deus dê vida aos irmãos.

 “Quem verdadeiramente ama a Deus, ama tudo o que é bom, quer tudo o que é bom, favorece tudo o que é bom; louva todo o bem, com os bons se junta sempre, para apoiá-los e defendê-los. Em uma palavra, só ama a verdade e o que é digno de ser amado”. Santa Tereza D'Ávila.

Dom Milton Kenan, Bispo da Diocese de Barretos, São Paulo. 

Um dos temas que ganha destaque neste último manuscrito de Teresa é o tema da caridade. A este tema, e aos temas correlatos a ele, Teresa dedica nada menos do que dez páginas. Ela escreve quase um “tratado” sobre a Caridade.
“Neste ano, Madre querida, Deus me deu a graça de compreender o que é a caridade...” (C, 11v) – é a forma como Teresa dá início às páginas que dedica à caridade fraterna.

Se acompanharmos a vida de Teresa desde a sua infância, a vida em família, os primeiros anos no Carmelo, vamos nos dar conta de que não lhe faltaram oportunidade para viver a caridade. Na noite de Natal de 1886, noite que ela chama de sua “conversão”, ela descreve nestes termos a graça recebida: “Senti a caridade entrar no meu coração e a necessidade de esquecer-me de mim mesma para dar prazer aos outros” (A, 45v).

Mas, aqui, nestas páginas do seu ultimo manuscrito Teresa confessa que só agora, “neste ano”, “Deus me deu a graça de compreender o que é a caridade”; o que de fato é a caridade. Ela prossegue dizendo: “eu o compreendia antes, é verdade, mas de uma maneira imperfeita”; ou seja, se até agora não faltaram ocasiões para viver a caridade, neste ultimo ano da sua vida, ela descobriu o verdadeiro significado da caridade e as implicações dela na sua vida.

Ela descobriu o significado da caridade a partir do Evangelho: “Não tinha aprofundado esta parábola de Jesus: “O segundo mandamento é SEMELHANTE ao primeiro: Amarás teu próximo como a ti mesmo.” (C, 11v). E aí encontramos a primeira lição: é preciso amar como Jesus amou os seus discípulos. Ouçamo-la: “Eu me aplicava sobretudo a amar a Deus e é amando-o que compreendi que não era preciso que meu amor se traduzisse somente por palavras, pois: “Não são aqueles que dizem Senhor, Senhor! Que entrarão no reino dos Céus, mas aqueles que fazem a vontade de Deus”. Essa vontade, Jesus deu a conhecer várias vezes, eu deveria dizer quase em cada página do seu Evangelho, mas na última ceia, quando sabe que o coração de seus discípulos queimam com um mais ardente amor por Ele que acaba de dar-se a eles no inefável mistério de sua Eucaristia, esse manso Salvador quer dar-lhes ‘um mandamento novo. Diz a eles com inexprimível ternura: Eu vos faço um mandamento novo, é de vos amardes entre vós, e que COMO EU VOS AMEI, AMAI-VOS UNS AOS OUTROS. A marca pela qual todo o mundo conhecerá que sois meus discípulos, é se vos amardes entre vós”. [Jo 13,34-35]

Até aqui Teresa nada mais faz do que repetir o Evangelho. Ela copia trechos dos Evangelhos que dizem respeito à caridade fraterna. Mas, no parágrafo seguinte, Teresa dá um salto que nos surpreende. Não se trata de conhecer o princípio, o mandamento; mas as razões e o modo que este amor assume na vida de Jesus: “Como Jesus amou seus discípulos e por que os amou? Ah! Não eram suas qualidades naturais que podiam atraí-lo, havia entre eles e Ele uma distância infinita. Ele era a ciência, a Sabedoria Eterna, eles eram pobres pecadores ignorantes e cheios de pensamentos terrestres. Entretanto Jesus os chama ‘seus amigos, seus irmãos’. Quer vê-los reinar com Ele no reino de seu Pai e para abrir-lhes esse reino quer morrer numa cruz pois Ele disse: ‘Não há maior amor que dar sua vida por aqueles que se ama’.” (C, 12r)

E a conclusão é extraordinária: “Madre bem-amada, ao meditar essas palavras de Jesus, compreendi quanto meu amor por minhas irmãs era imperfeito, vi que não as amava como Deus as ama. Ah! Compreendo agora que a caridade perfeita consiste em suportar os defeitos dos outros, em não se espantar com sua fraqueza, em edificar-se com os menores atos de virtudes que se vê sendo praticados, mas sobretudo compreendo que a caridade não deve ficar encerrada no fundo do coração: Ninguém, disse Jesus, acende uma lamparina para pô-la debaixo do alqueire, mas se põe no candelabro, a fim de que ilumine TODOS os que estão na casa. Parece-me que a lamparina representa a caridade que deve iluminar, alegrar, não somente os que me são os mais caros, mas TODOS os que estão na casa, sem excetuar ninguém”. (C, 12r) [Universalidade da caridade. Conferir com Santa Tersa, Caminho de perfeição 4 e a luta contra os particularismos e os exclusivismos na fraternidade de saõ José d’Ávila.]

É importante notar que, no seu primeiro manuscrito, Teresa usa somente uma vez a palavra “caridade” (A 45v). Na Carta que escreveu a Ir. Maria do Sagrado Coração, usa duas vezes, no sentido de amor a Deus. Desta vez, neste ultimo manuscrito, a palavra “caridade” ocorre vinte e seis vezes, sempre no sentido de amor ao próximo, e a palavra “caridoso” aparece quatro vezes.

Em junho de 1897, Teresa dissera a Madre Inês sobre a importância da caridade com uma formula lapidar: “A caridade fraterna é tudo sobre a terra. Ama-se a Deus na medida que se a pratica.”

É de se observar também que para Teresa não é suficiente amar o próximo como a nós mesmos, conforme o mandamento do Levítico, mas como o próprio Jesus os ama, tanto quanto Ele os ama.

Teresa já havia compreendido que Deus ama os seus filhos apesar das suas misérias. É sobre esta certeza que ela apoia a sua confiança audaz. Como já observamos anteriormente, Teresa tem a convicção de que é próprio do amor abaixar-se (cf. A 2v, B, 3v).Mas agora a impressiona o fato de que a Sabedoria Eterna se interesse por pobres criaturas como eram os seus discípulos.

Um ulterior passo na compreensão da caridade é extraordinariamente belo: Teresa compreende que se é preciso amar ao próximo como Jesus o ama, trat-ase então de deixar que Ele ame através dela: (nEle e com Ele, o mandamento do amor, se torna interior) “Ah! Senhor, sei que não mandais nada impossível, conheceis melhor do que eu minha fraqueza, minha imperfeição, sabeis bem que eu nunca poderia amar minhas irmãs como vós as amais, se vós mesmo, ó meu Jesus, não as amásseis ainda em mim. É porque queríeis conceder-me esta graça que fizestes um mandamento novo. – Oh! Como o amo visto que me dá a certeza de que a vossa vontade é de amar em mim todos aqueles que vós me mandais amar!...Sim eu sinto quando sou caridosa, é Jesus só que age em mim; quanto mais estou unida a Ele, mais também amo todas as minhas irmãs. Quando quero aumentar em mim esse amor, quando sobretudo o demônio tenta colocar-me diante dos olho s da alma os defeitos de tal ou tal irmã que me é menos simpática, apresso-me em procurar suas virtudes, seus bons desejos, eu me digo que se a vi cair uma vez ela talvez tenha conseguido um grande número de vitórias que ela esconde por humildade, que mesmo aquilo que me parece uma falta pode muito bem ser por causa da intenção um amo de virtude.” (C, 12v-13r)

Teresa não fala da graça que a fez compreender melhor o preceito da caridade fraterna. Parece, porém, que ajudando na rouparia a Irmã Maria de São José, uma religiosa neurastênica que não tinha nada de particularmente atraente, Teresa fora conduzida a descobrir as exigências evangélicas da caridade.

Quando fala da caridade que “não devia consistir nos sentimentos, mas nas obras” (C, 14r), Teresa menciona (sem identificar) o caso da Ir. Teresa de Santo Agostinho “que tem o talento de me desagradar em todas as coisas, suas maneiras, suas palavras, seu caráter me pareciam muito desagradáveis...” Teresa diz que “apliquei-me a fazer por essa irmã o que teria feito para a pessoa que mais amo.” [...] “Não me contentava em rezar muito pela irmã que me dava tantos combates, procurava prestar-lhe todos os serviços possíveis e quando tinha a tentação de lhe responder de uma maneira desagradável, contentava-me em lhe dar meu mais amável sorriso e procurava desviar a conversa, pois na Imitação se diz: Mais vale deixar cada um no seu sentimento que deter-se a contestar.”

Os muitos gestos de gentileza para com a Ir. Teresa de S. Agostinho aos poucos vão produzindo seu efeito: “Um dia na recreação, ela me disse mais ou menos estas palavras com um ar muito contente: ‘Poderíeis dizer-me, Ir. Teresa do Menino Jesus, o que vos atrai tanto para mim, a cada vez que me olhais, vos vejo sorrir?” A resposta de Teresa é surpreendente: “Ah! O que me atraía, era Jesus escondido no fundo de sua alma...Jesus que torna doce o que há de mais amargo...” (C, 14r).

A esta altura do “discurso” de Teresa sobre a caridade fraterna, encontramo-nos diante de uma das páginas mais bonitas da sua “exegese evangélica”: “No Evangelho, o Senhor explica em que consiste: seu mandamento novo. Ele diz em S. Mateus: “Ouvistes o que ele disse: Amareis vosso amigo e odiareis vosso inimigo. Por mim, eu vos digo: amai vossos inimigos, rezai pelos que vos perseguem”. Sem dúvida, no Carmelo não se encontram inimigos, mas enfim há simpatias, a gente se sente atraída por tal irmã ao passo que tal outra vos faria fazer um longo desvio para evitar encontra-la, assim sem mesmo o saber ela se torna um objeto de perseguição. Pois bem! Jesus me diz que é preciso amar essa irmã, que é preciso rezar por ela, mesmo quando seu comportamento me levasse a crer que ela não me ama: “Se amais aqueles que vos amam, que merecime nto teríeis? Porque os pecadores amam também os que os amam”. S. Lucas VI. [Lc 6,32] E não é bastante amar, é preciso prova-lo. A gente é naturalmente feliz por fazer um presente a um amigo, ama sobretudo fazer surpresas, mas isso não é caridade pois os pecadores o fazem também. Eis o que Jesus me ensina ainda: “Dai a quem quer que vos pede; e se tomar o que vos pertence, não o pedi de volta”. [Lc 6,30] (C, 15v).

Os anos vividos no interior de uma comunidade “difícil”, onde havia tantos temperamentos quanto as “faces”, onde o nível da cultura e da formação era tão diferente, onde não faltavam animosidades e antipatias, levaram Teresa a escrever partindo daquilo que observava e ao mesmo tempo sentia na própria pele: “Dar a todas aquelas que pedem, é menos agradável que oferecer a si mesmo pelo movimento de seu coração; ainda quando se pede gentilmente, não custa dar, mas se por infelicidade não se usam palavras bastante delicadas, imediatamente a alma se revolta se não está firmada na caridade. Ela encontra mil razões pare recusar o que se lhe pede e é só depois de ter convencido a pedinte de sua indelicadeza que lhe dá enfim por graça o que ela reclama, ou que ela lhe presta um leve serviço que teria exigido vinte vezes menos tempo para realizar do que foi preciso para fazer valer seus direitos imaginários.” (C 15v-16r)

Na sua interpretação dos fatos, agora à luz da nova compreensão que tem da caridade, Teresa declara: “Eu dizia: Jesus não quer que eu reclame o que me pertence; isso deveria parecer-me fácil e natural visto que nada é meu. Renunciei aos bens da terra pelo voto de pobreza, portanto não devo ter o direito de queixar-me se tiram uma coisa que não me pertence, devo ao contrário alegrar-me quando me acontece sentir a pobreza.” (C, 16r)
A titulo de exemplo: “ Outrora me parecia que eu não me atinha a nada, mas desde que compreendi as palavras de Jesus, vejo que nas ocasiões sou bem imperfeita. Por exemplo no emprego de pintura nada é meu, sei bem disso, mas ao pôr-me à obra encontro pincéis e tintas tudo em desordem, se uma régua ou um canivete desapareceram, a paciência está bem perto de me abandonar e devo tomar minha coragem com as duas mãos para não reclamar com amargura os objetos que me faltam. É preciso muitas vezes pedir as coisas indispensáveis, mas ao fazê-lo com humildade não se falta ao mandamento de Jesus, ao contrário, se age como os pobres que estendem a mão a fim de receber o que lhes é necessário: se são repelidos eles não se espantam, ninguém lhes deve nada...Não há alegria comparável àquela que o verdadeiro pobre de espírito prova.” (C, 16v)
Para completar seu raciocínio, Teresa ainda fala do significado do “Abandonai até vosso manto àquele que quer processar-vos para ter vossa túnica.....” [Mt 5,40] “Abandonar o seu manto é, parece-me renunciar aos seus últimos direitos, é considerar-se como a serva, a escrava das outras. Quando se larga o manto, é mais fácil andar, correr, por isso jesus acrescenta: E seja quem for que vos forçar a dar mil passos, dai dos mil a mais com ele. Assim não é bastante dar a quem quer que me pedir, é preciso ir na frente dos desejos, ter o ar de muito obrigado e muito honrada de prestar serviço e se for tomada uma coisa para meu uso, não devo ter o ar de lamentá-la, mas ao contrário parecer feliz por estar desembaraçada dela.” (C 16r-17v) Duas são, portanto, as condições para que a caridade possa estabelecer sua morada no coração das pessoas e no interior da comunidade: desprendimento e serviço. Nas palavras de Teresa ambas uma vez compreendidas e vividas geram liberdade e paz naqueles e naquelas que as praticam.

Para finalizar seu “discurso”, Teresa confessa á Madre Maria de Gonzaga: “Não vos falei ainda senão do exterior, agora queria confiar-vos como compreendo a caridade puramente espiritual...” (C, 18r) Vejamos então do que se trata da “caridade puramente espiritual”:
“Nem sempre é possível, no Carmelo, praticar ao pé da legra as palavras do Evangelho, às vezes se é obrigado por causa dos empregos a recusar um serviço, mas quando a caridade deitou profundas raízes na alma, ela se mostra no exterior. Há uma maneira tão graciosa de recusar o que não se pode dar, que a recusa causa tanto prazer como o dom. É verdade que a gente se incomoda menos de reclamar um serviço a uma irmã sempre disposta a servir, no entanto Jesus disse: “Não eviteis aquele que quer tomar emprestado de vós”. Assim sob pretexto de que a gente seria forçada a recusar, não se deve afastar-se das irmãs que têm o costume de sempre pedir serviços. Não se deve tampouco ser serviçal a fim de o parecer ou não esperança que numa outra vez a irmã a quem se serve vos prestará serviço por sua vez, pois Nosso Senhor disse ainda: “Se emprestardes àqueles a quem esperais receber alguma coisa, que merecimento tereis?: pois os próprios pecadores emprestam aos pecadores a fim de receber o mesmo tanto. Mas para vós, fazei o bem, emprestai sem nada esperar, e vossa recompensa será grande” [Lc 6,34-35]. Oh! Sim a recompensa é grande, mesmo na terra...nessa via só primeiro passo custa. Emprestar sem nada esperar, isso parece duro à natureza: seria preferível dar, pois uma coisa dada não pertence mais.” (C, 18r)

E isso não se trata apenas dos objetos e favores, mas também das luzes, dos pensamentos profundos e impulsos do coração: “Os bens do Céu tampouco me pertencem, eles me são emprestados por Deus que pode os retirar sem que eu tenha o direito de me queixar. No entanto os bens que vêm diretamente de Deus, os impulsos da inteligência e do coração, os pensamentos profundos, tudo isso forma uma riqueza à qual a gente se apega como a um bem próprio no qual ninguém tem o direito de tocar...Aprendi muito cumprindo a missão que me confiastes, sobretudo me achei obrigada a praticar o que ensinava às outras; assim agora posso dizê-lo, Jesus me fez a graça de não estar mais apegada aos bens do espírito e do coração que aos da terra. Se me acontece pensar e dizer uma coisa que agrada às minhas irmãs, acho totalmente natural que elas se apossem disso como de um bem que é delas. Esse pensamento pertence ao Espírito Santo e não a mim, visto que S. Paulo diz que não podemos sem esse Espírito de amor dar o nome de Pai ao nosso Pai que está nos Céus” (C, 18r-19v).

Lendo os fólios paginas C 19v-20r compreende-se o quanto os “bens espirituais prejudicam quanto os “materiais”, pois levam os que os “possuem” a contar demasiadamente consigo e confiar nos próprios méritos, ao invés de contar com Deus e confiar na sua graça.

Ao finalizar nossa meditação, duas palavras de Teresa servem de conclusão ao “discurso” que ela nos fez da descoberta que fizera do significado da caridade fraterna e suas implicações:
“Se uma tela pintada por um artista pudesse pensar e falar, certamente ela não se queixaria de ser sem cessar tocada e retocada por um pincel e tampouco invejaria a sorte desse instrumento, pois ela saberia que não é ao pincel mas ao artista que o dirige que ela deve a beleza da qual está revestida. O pincel por sua vez não poderia glorificar-se da obra-prima feita por ele, ele sabe que os artistas não se embaraçam, que eles se divertem com as dificuldades, agradam-se em escolher às vezes os instrumentos fracos e defeituosos...” (C, 20r).

A titulo de conclusão, um ultimo pensamento de Teresa:

“Só a caridade pode dilatar o meu coração; ó Jesus, desde que essa doce chama o consome, corro com alegria no caminho de vosso mandamento novo...quero correr até o dia bem-aventurado em que me unindo ao cortejo virginal, poderei seguir-vos nos espaços infinitos, cantando vosso cantinho novo que deve ser o do vosso Amor” (C, 16r).

*Reflexão do Retiro- Na companhia e sob a guia de Santa Teresa do Menino Jesus e da Santa Face.

Dom Milton Kenan, Bispo da Diocese de Barretos, São Paulo. 

 

         Santa Teresa do Menino Jesus foi desde sua infância uma jovem fascinada pelos padres. Ela os amara com um amor extraordinário. Trata-se de uma compreensão do sacerdócio que evolui, com o passar do tempo.

          Na sua infância Teresa convive com um círculo restrito de padres, quando os encontros são ocasionais e com uma certa distância. Na sua adolescência, a partir da peregrinação que faz na companhia de seu pai Luís Martin e Celina à Roma, Teresa tem a oportunidade de conviver com um grupo de setenta e cinco padres; que lhe permite mudar o seu conceito e ver uma transformação no relacionamento com eles. Finalmente, nos últimos anos de sua vida, através das correspondências com o seminarista Bellière e o neo-sacerdote Roulland, Teresa tem a possibilidade de estabelecer com eles uma verdadeira fraternidade e maternidade espirituais.

             Um dos textos mais sugestivos de Teresa no que diz respeito a sua relação com os padres nós o encontramos na descrição que faz da peregrinação á Roma, por ocasião do Jubileu de Ouro Sacerdotal do Papa Leão XIII (7/11-2/12/1887): “A segunda experiência que eu fiz diz respeito aos padres. Não havendo jamais vivido na intimidade deles, eu não podia compreender a finalidade principal da reforma do Carmelo. Rezar pelos pecadores me encantava, mas rezar pelas almas dos padres, que eu acreditava mais puras que o cristal, me parecia espantoso!...Ah! eu compreendi minha vocação na Itália, não foi preciso procurar muito longe um conhecimento tão útil...Durante um mês eu vivi com muitos santos padres e eu vi que, se a sublime dignidade deles os eleva acima dos anjos, eles não deixam de ser por isso homens fracos e frágeis...Se os santos padres que Jesus chama no seu Evangelho: “o sal da terra” mostram em sua conduta que têm uma extrema necessidade de orações, que dizer então dos que são tíbios? Jesus não disse ainda: “Se o sal perder o seu valor, como recuperará o seu sabor? Oh minha Mãe! Como é bela a vocação que tem por finalidade de conservar o sal destinado às almas! Esta é a vocação do Carmelo, porque o único fim de nossas orações e de nossos sacrifícios é de ser apóstola dos apóstolos, rezando por eles enquanto evangelizam as almas pelas suas palavras e sobretudo pelos seus exemplos...Preciso me deter se eu continuo falando sobre isso não terminaria jamais!....” (A, 56r-56v).

        Teresa reafirma a sublime dignidade dos sacerdotes, honrados por Deus mais do que todos os homens, mais do que os próprios anjos, enquanto descobre que são ao mesmo tempo homens fracos, frágeis que têm tanta necessidade da sua oração. Esta descoberta não a escandaliza, não diminui a fé no sacerdócio, nem o seu amor pelos sacerdotes. Ao contrário, é uma graça, um crescimento no amor, num amor mais maduro, mais realista, amor de mãe pelos filhos fracos e frágeis. Assim, a partir deste momento, Teresa se empenhará até o fim pela santificação dos sacerdotes, na grande perspectiva da Missão da Igreja pela salvação de todos os homens. A sua mensagem aos sacerdotes será uma palavra de amor e de santidade: sempre o ensinamento do Amor de Jesus. Teresa é consciente de ser como a Madalena apostolorum apostola. (Léthel, L´amore de Cristo centro dela Vita Sacerdotale, in La prospectiva de alcuni Santi, p. 5).

         Seu amor pelos padres e a oração por eles são temas constantes em sua correspondência com Celina, até sua entrada no Carmelo (cf. Cartas 94, 96, 101, 108, 122).

        Acompanhando o relato do Manuscrito C, chegamos ao ponto de poder acompanhar Teresa no relacionamento com seus “irmãos espirituais” Maurice Bellière e Adolphe Roulland.

        Teresa diz que um dos seus grandes desejos era ter a graça de ter um irmão sacerdote que pudesse subir o altar que pudesse pensar todos os dias nela no santo altar (C 31v). O que parecia impossível, uma vez que seus irmãozinhos morreram precocemente, Deus os realiza concedendo unir os laços de sua alma a dois de seus apóstolos que se tornaram seus irmãos (ibid.).

          As palavras com que Teresa descreve a realização do seu sonho são de uma intensidade extraordinária: “Foi nossa Sta. Mãe Teresa que me enviou para ramalhete de festa em 1895 meu primeiro irmãozinho. Eu estava na lavandeira bem ocupada com o meu trabalho quando madre Inês de Jesus me tomando à parte leu-me uma carta que acabara de receber. Era um jovem seminarista, inspirado, dizia ele, por Sta. Teresa, que vinha pedir uma irmã que se dedicasse especialmente à salvação de sua alma e o ajudasse com suas orações e sacrifícios quando ele fosse missionário a fim de que pudesse salvar muitas almas. Prometia ter sempre uma lembrança por aquela que se tornasse sua irmã, quando pudesse oferecer o Santo Sacrifício. Madre Inês de Jesus me disse que queria que fosse eu a me tornar a irmã desse futuro missionário. Madre, dizer-vos minha felicidade seria impossível, meu desejo cumulado de maneira inesperada fez nasce r no meu coração uma alegria que chamarei infantil, pois preciso remontar aos dias de minha infância para a encontrar a lembrança dessas alegrias tão vivas que a alma é pequena demais para conte-las, nunca desde anos eu tinha provado esse gênero de felicidade. Sentia que desse lado minha alma era nova, era como se pela primeira vez se tivesse tocado cordas musicais que até então estavam no esquecimento” (C31v-32r).       

            Teresa emprega por Bellière, e posteriormente, por Roulland todas as suas energias espirituais, “doravante, Teresa, irmão espiritual do futuro sacerdote, rezará, amará, sofrerá por dois, não aumentando o volume de sua oração e de sua atividade, mas crescendo no fervor do amor que é o único capaz de dar um valor maior aos sofrimentos e ás obras”.

            O ápice da “prova da fé” que se consumará com sua morte, Teresa diz que não tendo o gozo da fé, esforça-se por realizar ao menos as suas obras. Entre as obras realizadas por Teresa, na maior escuridão interior, está a de socorrer seu “irmãozinho”, oferecendo por ele o sofrimento psíquico, a obscuridade da fé, que se tornam para ela fonte de apostolado escondido.

         A “grande” prova que Teresa enfrenta será o silencio de Bellière: “É preciso reconhecer que primeiro não tive consolações para estimular meu zelo; depois de ter escrito uma carta encantadora cheia de coração e de nobres sentimentos para agradecer a madre Inês de Jesus, meu irmãozinho não deu mais sinal de vida senão no mês de julho seguinte, exceto que enviou sua carta no mês de novembro para dizer que entrava na caserna” (C 32r).

            De novembro de 1896 a agosto de 1897, Teresa manterá uma correspondência frequente com Bellière (algo excepcional na vida de uma carmelita no final do século passado). Jamais perde de vista o fim daquela união: “Eu lhe peço que sejais, não somente um bom missionário, mas um santo todo abrasado do amor de Deus e das almas” (Carta 198); “Ah! O que nós lhe pedimos (a Jesus), é de trabalhar por sua glória, é de amá-lo e faze-lo amado” (Carta 220); “Querido irmãozinho, no momento de comparecer diante do bom Deus, eu compreendo mais do que nunca que não há senão uma coisa necessária, é de trabalhar unicamente por Ele e de nada fazer por si e pelas criaturas” (Carta 244).

          Como se não bastasse um irmãozinho para satisfazer seus desejos e cumula-la de tão grande alegria, a Providência divina destina-lhe um segundo irmão: o jovem missionário Pe. Adolphe Roulland. Sob o sigilo da obediência, Teresa atende agora ao pedido de Madre Maria de Gonzaga, e acolhe o jovem missionário Roulland como seu novo irmão espiritual:

         “No ano passado, no fim do mês de maio, lembro-me que um dia mandastes chamar-me diante do refeitório. O meu coração batia bem forte quando cheguei até vós, Madre querida, perguntava-me o que podíeis ter a me dizer, pois era a primeira vez que me mandáveis chamar assim. Depois de ter-me dito para sentar-me, eis a proposta que me fizestes: - Quereis encarregar-vos dos interesses espirituais de um missionário que deverá ser ordenado padre e partir proximamente e depois, Madre, lestes a carta desse jovem Padre a fim de que eu soubesseexatamente o que ele pedia. Meu primeiro sentimento foi um sentimento de alegria, que deu logo lugar ao temor. Eu vos expliquei, Madre bem-amada, que tendo já oferecido meus pobres méritos para um futuro apóstolo, acreditava não poder fazê-lo ainda nas intenções de outro e que, aliás, havia muitas irmãs melhores do que eu que poderiam responder ao seu desejo. Todas as minhas objeções foram inúteis, vós me respondestes que se podia ter vários irmãos. Então vos perguntei se a obediência não poderia dobrar seus méritos. Vós me respondestes que sim, dizendo-me várias coisas que me faziam ver que eu precisava aceitar sem escrúpulo um novo irmão” (C 33r-33v).

          Ao escolher Teresa como “irmã espiritual” do jovem missionário Roulland, a Madre Maria de Gonzaga revela uma particular estima da Priora em relação à jovem Carmelita. Dirá de viva voz ao Pe. Roulland: “É a melhor entre minhas boas”; e lhe escreverá: “Vós tendes uma auxiliar muito fervorosa, a pequena querida é toda de Deus”.

          Madre Maria de Gonzaga não só aprecia o valor religioso de Teresa, mas sua verdadeira vocação missionária, confirmando o que Teresa já havia escrito: “É preciso, vós me havíeis dito, para viver nos Carmelos estrangeiros uma vocação toda especial; muitas almas acreditam-se chamadas para isso sem sê-lo de fato.  Vós me disseste também que eu tinha esta vocação e que unicamente minha saúde foi um obstáculo (C 10rº). Maria de Gonzaga quis dar à Teresa a alegria de realizar, ao menos em parte, sua vocação trabalhando com um Missionário.

         Escrevendo a Roulland, Teresa revela a consciência de que os laços que os unem é o da oração e da mortificação (Carta 189), de que jesus se dignou uni-los “pelos laços do apostolado” (Carta 193), de que a sua “única arma é o amor e o sofrimento”; enquanto que Roulland possui “a espada da palavra e dos trabalhos apostólicos” (Carta 193) e partilhar com ele o seu desejo: “nosso único desejo é de nos assemelhar ao nosso adorável mestre que o mundo não quis reconhecer porque Ele se aniquilou, tomando a forma e a natureza de escravo” (Carta 201).

        Ao contrário do seminarista Bellière que silenciou por vários meses, após o primeiro contato com o Carmelo de Lisieux, Adolphe Roulland proporciona à Teresa grandes alegrias: no dia 28 de junho é ordenado sacerdote; e no dia 3 de julho celebra na capela do Carmelo a sua primeira missa, tendo oportunidade de encontrar-se com Teresa no locutório do convento, onde pode compartilhar com ela, suas expectativas em relação à sua partida próxima para a China (2 de agosto de 1896) e os detalhes do território de missão (Su-Tchen).

      Não só Teresa via satisfeitos os seus desejos de estar unida a “irmãos espirituais” que pudessem realizar por ela o que ela acreditava que o fariam seus irmãos de sangue, caso estivessem vivos; mas Teresa vê realizada nesta escolha a sua vocação:

        ‘No fundo, Madre, eu pensava como vós e até, visto que O zelo de uma carmelita deve abrasar o mundo, espero com a graça de deus ser útil a mais de dois missionários e não poderei esquecer de rezar por todos, sem deixar de lado os simples padres cuja missão às vezes é tão difícil de cumprir como a dos apóstolos que pregam aos infiéis. Enfim quero ser filha da Igreja como era nossa Mãe santa Teresa e rezar nas intenções de nosso Sto. Padre o Papa, sabendo que suas intenções abraçam o universo. Eis a meta geral de minha vida, mas isso não me teria impedido de rezar e de unir-me especialmente às obras de meus anjinhos queridos se tivessem sido padres. Pois bem! Eis como me uni espiritualmente aos apóstolos que Jesus me deu como irmãos: tudo o que me pertence, pertence a cada um deles, sinto bem que Deus é bom demais para fazer divisões, Ele é tão rico que dá sem medida tudo o que lhe peço....Mas não credes, Madre, que me perco em longas enumerações” (C 33v).

        Apóstola com os Apóstolos é em poucas palavras a vocação de Santa Teresa do Menino Jesus. Uma dimensão da sua vocação que não pode passar despercebida à nossa meditação sobre o seu ultimo manuscrito. Junto dela precisamos aprender a fazer nossa as intenções do Papa que alcançam o mundo inteiro e, amar os “simples” padre cuja missão nem sempre é mais fácil do que aqueles que anunciam o Evangelho aos infiéis.

        Nossa meditação sobre os laços que unem Teresa do Menino Jesus aos padres completa-se com a referencia ao Padre Jacinto Loyson (1827-1912). Trata-se de um sacerdote carmelita, ordenado em 1851, que tornara-se célebre por suas pregações durante diversos Adventos em Notre Dame de Paris. Foi Provincial dos Carmelitas Descalços, amigos do Cardeal Newman e de outras pessoas célebres. Em 1869, ele rompeu com a Igreja Católica, justamente alguns anos antes do Concilio Vaticano I. Desposou uma viúva protestante, norte americana, a Sra. Mériman, com quem tivera um filho. Fundou a Igreja do Livre Espírito, cujos princípios eram: o matrimonio dos sacerdotes, uma forte oposição à infabilidade papal, a reinvindicação da missa na língua vernácula e a abolição das classes nos funerais. Ele percorre toda a França fazendo conferencias, provocando escândalos e agitação.

       Desde que tomou conhecimento da situação, em 1891 (quando Loyson fazia suas conferencias na Normandia), através dos recortes do jornal que comentavam as conferencias de Loyson na cidade vizinha de Caen, Teresa se engaja numa oração fervorosa e constante pela sua conversão e convidará Celina para que faça o mesmo.

        É interessante observar que, enquanto a opinião pública católica indignada e as próprias irmãs de Teresa junto da Ordem do Carmelo qualificam Loyson com adjetivos duros; os jornais o chamam de “monge renegado”; Paulina o chama de “infeliz”. Teresa tem expressões bem diferentes: trata-se para ela de um “infeliz pródigo”, “esta pobre ovelha desgarrada”, “nosso irmão, um filho da Santa Virgem” (Carta 129). Ela rezará por ele até a sua morte: “dia virá em que ele abrirá os olhos e então quem sabe se a França não será percorrida por ele com uma finalidade diferente a que se propusera. Não deixemos de rezar, a confiança faz milagres” (Carta 129).

         No dia 19 de agosto de 1897, festa de S. Jacinto, esgotada pela doença, com os nervos à flor da pele, incapaz de suportar a longa cerimonia litúrgica prevista naquela época, Teresa faz a sua última comunhão sobre esta terra, com o pensamento e as orações voltadas para o ex-carmelita Jacinto Loyson.

*Reflexão do Retiro- Na companhia e sob a guia de Santa Teresa do Menino Jesus e da Santa Face.

Santa Teresinha do Menino Jesus, Carmelita

 

Minha vida é um instante, uma hora passageira

Minha vida é um só dia, que escapa e que foge

Tu o sabes, o meu Deus, pra te amar na terra

Eu só tenho só hoje!

 

Oh! Eu te amo, Jesus, minh'alma suspira por ti

Sê, por um dia apenas, meu doce apoio

Vem reinar no meu coração, dá-me teu sorriso

Só por hoje!

 

Que m'importa, Senhor, se o futuro é sombrio

Rezar pelo amanhã? Oh! Não, eu não posso!

Conserva puro meu coração, cobre-me com tua sombra

Só por hoje!

 

Se penso no amanhã, temo minha inconstância

Sinto nascer no coração a tristeza e o enjoo

Mesmo assim, meu Deus, quero a prova e o sofrimento

Só por hoje.

 

Devo te ver em breve nas praias eternas

O’ Piloto Divino! Cuja mão me conduz

Sobre as ondas encapeladas guia em paz meu barquinho

Só por hoje.

 

Ah! Deixa-me, Senhor, me esconder na tua Face

Lá não ouvirei mais do mundo o vão barulho

Dá-me teu amor, conserva-me tua graça

Só por hoje.

 

Perto do teu Divino Coração, esqueço tudo que passa

Não temo mais os receios da noite

Ah! Dá-me, Jesus, nesse Coração um lugar

Só por hoje.

 

Pão vivo, Pão do Céu, divina Eucaristia

O’ Mistério sagrado, que o Amor produziu!...

Vem habitar no meu coração, Jesus, minha Hóstia branca

Só por hoje.

 

Digna-te unir-me a ti, Vinha Santa e sagrada

E meu fraco ramo te dará seu fruto

E poderei te oferecer um cacho dourado

Senhor, desde o dia de hoje.

 

Esse cacho de amor, cujos grãos são as almas

Pra formá-lo eu só tenho esse dia, que foge

Ah! Dá-me, Jesus, de um Apóstolo as chamas

Só por hoje.

 

O’ Virgem Imaculada! És tu minha Doce Estrela

Que me dá Jesus e que a Ele me une

O’ Mãe! Deixa-me descansar sob teu manto

Só por hoje.

 

Meu Anjo guardião, cobre-me com tua asa

Ilumina com tua luz a estrada que sigo

Vem dirigir meus passos... ajuda-me, te peço

Só por hoje.

 

Senhor, quero te ver sem véu e sem nuvens

Mas ainda exilada, longe de ti desfaleço

Que não me seja ocultado teu amável rosto

Só por hoje.

 

Voarei bem longe para teus louvores cantar

Quando descer na minh'alma o dia sem ocaso

Então, eu cantarei com a lira dos Anjos

O eternal dia de hoje!...

Frei Gabriel O. Carm. Convento do Carmo, Mogi das Cruzes-SP.

             Mês de outubro, Mês das Missões. Sem ter saído do Convento, Santa Teresinha foi proclamada Padroeira das Missões pelo Papa Pio XI no dia 14 de dezembro de 1927. Portanto ser missionário não é diretamente uma questão de ultrapassar fronteiras, mas sim uma questão de muito amor.

            A santidade vivida e pregada por Teresinha gerou uma verdadeira revolução na Igreja e não é exagerado afirmar que ela preparou o terreno para a teologia que veio à luz no Concílio Vaticano II. Nem é de estranhar que várias Conferências Episcopais - e entre elas a do Brasil - tenham pedido ao Papa para conceder-lhe o título de Doutora da Igreja.

            Qual é então esta Santidade Revolucionária que cativa tanta gente? Basta lembrar as inúmeras igrejas a ela dedicadas, as pessoas numerosas que trazem o seu nome, as Ordens e Congregações que vivem o seu carisma, os últimos papas com bispos, padres e seminaristas que demonstraram e demonstram singular devoção para com ela.

Neste artigo quero apresentar três pontos sobre a Santidade Revolucionária proclamada por Teresinha.

  1. A santidade não consiste na ausência total de falhas e pecados, mas na total confiança e entrega nas mãos de Deus. Santa Teresinha discorda resolutamente da ideia: santidade = perfeição.

Não se trata, portanto, de ser mais puro, mais bonito, mais irrepreensível e sim de crescer na confiança.

            Não será problema ter um certo número de falhas e erros, se prevalecer o pensamento de que Deus é Amor Infinito, que nos dá todo o direito de confiarmos nele. Não se acentua mais a pessoa humana, mas o próprio Deus. Não diga: "Eu quero tornar-me santo", mas "Como sois bom, Senhor!" Em vez de exigências, a santidade agora torna-se dom. Não sou Eu quem me devo tornar virtuoso, mas "posso eu confiar em Deus".

  1. Não se exige um aparato especial para se tornar santo. Nenhuma vontade férrea, nenhum bom caráter, nenhuma coragem extraordinária. O objetivo já não é tornar-se grande, mas pequeno; não é tornar-se rico, mas pobre. O fato de que a Igreja privilegia hoje os pobres provavelmente tem ligação com a descoberta de Santa Teresinha. Quanto a Deus são evidentes esta escolha e opção, pois "Derrubou os poderosos dos seus tronos e no alto colocou os humildes. Cumulou de bens os que passavam fome e mandou embora os ricos com as mãos vazias" (Lc 1,52-53).

            O principal já não é mais ter êxitos, mas sim aceitar as próprias fraquezas e incapacidades que se revelam na frustração, e até alegrar-se com elas. O que antigamente era obstáculo torna-se agora um meio, um impulso para frente. É preciso aceitar a própria miséria e estar aberto para Deus a fim de atrair a sua Misericórdia.

  1. A santidade não exige mais uma ascese extraordinária. Santa Teresinha rompe com a tradicional concepção de ascese: sabe que as penitências não ajudam tanto assim. Santa Teresa de Ávila (1515-1582) escrevia com entusiasmo sobre um dos seus confessores, provavelmente o dominicano Garcia de Toledo, contando que era uma pessoa fraca e doente que recebia do Senhor a necessária força física para fazer penitências. Hoje não dá para pensar que Teresinha poderia escrever tal coisa. Ela sabia que não é importante que se tenha força suficiente para fazer penitências. Ela aponta diretamente para o essencial. Em vez de correr o risco de tornar-se grande através de dura penitência física apresenta-se agora o trabalho de renunciar à vontade própria. E isto se faz de maneira eficiente quando se aproveita das mil ocasiões que a vida de cada dia nos oferece: não é cobrando os seus próprios direitos, mas colocando-se a serviço dos irmãos através de milhares de pequenos gestos. "Pai, Senhor dos céus e da terra, eu vos agradeço porque escondestes estas coisas aos orgulhosos e as revelastes aos pequeninos", disse Jesus (cf. Lc 10,21).

*Dom Frei Vital Wilderink, O. Carm. In Memoriam

           O ser humano tem uma tendência natural à sua melhor realização.  Neste sentido ele se define pelo desejo, pela esperança. A experiência nos mostra que essa busca de felicidade descamba frequentemente para um egoísmo. Numa sociedade de consumo comandada pelo sistema econômico neoliberal, o individualismo encontra um terreno particularmente propício, cuidadosamente regado pela mídia. Não faltaram outras pessoas ou correntes que procuraram abranger sociedades inteiras num vasto movimento de esperança inspirado por determinadas ideologias, como o comunismo ou vários modelos de nacionalismo. Mas também nestes casos os quadros da felicidade prometida acabaram despencando.

            A França, na época em que Teresa viveu, era caracterizada por um ateísmo e virulento anticlericalismo., especialmente entre as elites intelectuais. Como podia seu ingresso num convento de clausura ser um gesto de esperança? Não era antes uma fuga, uma evasão egoísta mascarada por pensamentos piedosos sobre a salvação dos pecadores?  Afinal, em que consistia a esperança de Teresa de Lisieux? Que a justiça de Deus acertasse as contas com os que não acreditavam nele?  Sim, a justiça de Deus estava na mira da Carmelita porque contempla e adora as suas perfeições  divinas através de sua infinita misericórdia: “a própria justiça (talvez mais do que qualquer outra) se me afigura revestida de amor”.   Não é na situação deplorável do mundo que ela fixa seu olhar: “meus desejos, minhas esperanças, vão às raias do infinito”.  A esperança da Teresa é realmente teologal. vai ao seu verdadeiro ponto de apoio. Ela não parte de uma espécie de pressuposição de que um número de criaturas humanas sofrerá a condenação eterna, como determinadas interpretações teológicas do mistério da predestinação apregoavam. Este fatalismo não aparece no vocabulário de Teresa, permeado pela certeza da gratuidade da infinita misericórdia divina. Para a sua ousadia temerária não há como  não apostar nesta última.

            Aqui aparece, talvez, um traço característico da visão feminina do mistério de Deus à qual, durante séculos, foi vedado o acesso ao pensamento teológico elaborado pelos homens. Não é isto que ela deixa entrever quando constata que Deus é pouco amado na terra ...mesmo pelos padres e religiosos?   Teresa desejou ser identificada ao Amor. O amor não seria amor se não fosse uma sede de expansão, de doação.  Por isto a esperança alarga seus horizontes à medida que nos animam os sentimentos de Cristo (cf. Fl 2,5): “Cristo que morreu por nós quando éramos ainda pecadores”(Rm 5,8). Já na sua adolescência Teresa, apelando à misericórdia de Deus revelada na Paixão e Cruz de Jesus, se empenhara na conversão de Pranzini, cujo processo de condenação pela justiça francesa havia acompanhado através da imprensa. Foi “meu primeiro filho”,  como ela comentaria  mais tarde. Sempre serviço da misericórdia divina, ela adotará outros pecadores. E quando, na Festa da Santíssima Trindade, em 1896, se oferece a Deus como vítima do seu amor misericordioso, ela faz um ato de esperança cega. Ela a justifica  dirigindo-se a Deus: “Ó luminoso farol  do amor, sei como achegar-me até a ti, descobri o segredo de apossar-me de tua chama”.   Familiarizada com as cartas de Paulo apóstolo, Teresa escreve: “Não deixava de esperar contra toda esperança”.  Certamente, ao citar estas palavras, não previa o alcance delas quando sua esperança, durante a prolongada provação da fé, vai estender-se a todos os pecadores. Nesta longa noite Teresa mergulha na experiência da escuridão daqueles que não acreditam no Céu.  Privada  da alegria que lhe era proporcionada pela esperança da proximidade do Céu, ela compartilhava a condição dos pecadores, unia-se a eles. Mesmo assim recebe esta provação como um dom pelo qual Cristo a associa à obra da redenção e à esperança da sua fecundidade: “Senhor, vossa filha  compreendeu vossa luz divina. Pede-vos perdão em lugar de seus irmãos. Pelo tempo que quiserdes, aceita comer o pão da dor, e da mesa coberta de amargura, onde comem os pobres pecadores, não quer levantar-se antes do dia que determinardes”. 

          Teresa se compara aqui a uma criança na estação ferroviária, esperando seus pais que devem acomodá-la dentro de trem. Mas eles não chegam, e o trem parte! E ela acrescenta: “mas haverá outros trens, não perderei todos...”.  Teresa não perdeu a esperança. Contudo, esta esperança ficou como que desativada. Ela doou a sua força para outros, para os inúmeros outros. Ela se lançou no insondável mistério do Amor de Deus para amar com esse Amor o mundo.

*Dom Frei Vital Wilderink, O Carm- Eremita Carmelita- foi vítima de um acidente de automóvel quando retornava para o Eremitério, “Fonte de Elias”, no alto do Rio das Pedras, nas montanhas de Lídice, distrito do município de Rio Claro, no estado do Rio de Janeiro. O acidente ocorreu no dia 11 de junho de 2014. O sepultamento foi na cidade de Itaguaí/RJ, no dia 12, na Catedral de São Francisco Xavier, Diocese esta onde ele foi o primeiro Bispo.

*Dom Frei Vital Wilderink, O. Carm. In Memoriam

              Foi em 21 de junho de 1963 na Praça de São Pedro. Não eram apenas o entusiasmo contagiante da multidão ali presente nem a minha idade ainda juvenil que me fizeram pular de alegria quando o Cardeal Ottaviani anunciou o gaudium magnum  do   “habemos Papam ... Johannem Baptistam Montini... “

            Durante os anos que passei em Roma, não faltaram encontros com Paulo VI em audiências gerais e outras mais restritas. A realização do Concílio Vaticano II, ainda em curso naquela época, fazia-nos mais atentos às palavras e aos gestos do Santo Padre. O seu encontro com o Patriarca Atenágoras, fixado em fotografia, permanece até hoje um ícone do ecumenismo que o atual Pontífice João Paulo II reproduz e multiplica com novas e esperançosas tonalidades.

            Mas, a lembrança mais viva que guardo de Paulo VI refere-se à sua visita à  Colômbia, em agosto de 1968,  por ocasião da abertura da Conferência de Medellín. Era a época em que os países da América Latina, já atingidos por tantas situações de injustiça, estavam sendo invadidos por regimes ditatoriais. A presença física  do Papa entre nós parecia abrir um espaço momentâneo para o grito do povo sofrido. E Paulo VI assumiu esse grito.  As manchetes dos jornais reproduziam as suas palavras e chamavam-no “advogado dos pobres”.  É claro que nos comentários jornalísticos não faltavam determinadas opções ideológicas. Lembro-me de uma pequena publicação que apresentava na folha de rosto uma foto  do Papa, ladeada pelos retratos de Che Guevara e Camilo Torres. Naqueles anos havia, mesmo em ambientes cristãos,  acaloradas discussões sobre  a legitimidade da violência em certas circunstâncias. Recorria-se a antigos teólogos que tinham tratado do atentado contra tiranos, e à doutrina moral que falava da autodefesa.    Haveria possibilidade de resolver o  problema essencial da América Latina sem  o recurso à violência? Paulo VI respondia: “Con la misma lealtad con la qual reconecemos que tales teorias y prácticas encuentram frecuentemente su última motivación en nobles impulsos de justicia y de solidaridad, debemos decir y reafirmar que la violência no es evangélica ni cristiana”.

            O documento de Paulo VI que talvez me tenha marcado mais profundamente não só na ação pastoral mas também no caminho da vida espiritual, foi o Evangelii Nuntiandi sobre a evangelização no mundo contemporâneo. Aproveitando todo o material de reflexão pastoral e teológica acumulado na preparação e realização do Sínodo dos Bispos de 1974,   Paulo VI, apelando ao seu múnus de sucessor de Pedro, assume a tarefa de confirmar e reconfortar os seus irmãos para que, animados pela esperança, se empenhem em anunciar o Evangelho em tempos de incertezas. Já no primeiro parágrafo o documento revela que seu próprio autor compartilha com seus irmãos  o medo e a angústia - expressões da existência humana -, diante do desafio da missão evangelizadora num contexto de desorientação. A fé de Paulo VI não deixava de ser uma busca feita às apalpadelas para encontrar uma síntese entre a fidelidade à única verdade da Revelação e a problemática da sua transmissão. Devemos muito a Paulo VI, peregrino na fé!

            Faço parte do número dos últimos bispos nomeados por Paulo VI. A minha ordenação episcopal aconteceu uma semana depois da sua morte. Na minha primeira visita ad limina apostolorum rezei e meditei junto aos túmulos de Pedro e de Paulo VI. O túmulo do Papa Montini corresponde bem ao último adendo que escreveu no seu testamento, testemunho singelo da fé de um humilde cristão: “Não desejo nem túmulo especial, nem qualquer monumento. Alguns sufrágios”.

*Dom Frei Vital Wilderink, O Carm- Eremita Carmelita- foi vítima de um acidente de automóvel quando retornava para o Eremitério, “Fonte de Elias”, no alto do Rio das Pedras, nas montanhas de Lídice, distrito do município de Rio Claro, no estado do Rio de Janeiro. O acidente ocorreu no dia 11 de junho de 2014. O sepultamento foi na cidade de Itaguaí/RJ, no dia 12, na Catedral de São Francisco Xavier, Diocese esta onde ele foi o primeiro Bispo.

*Dom Frei Vital Wilderink, O. Carm. In Memoriam

          Com 15 anos de idade, Teresa Martin queria entrar no Carmelo. Acompanhada de seu pai, foi falar com o Bispo diocesano para conseguir a autorização. Levantou os cabelos para parecer mais velha. Não adiantou. Aproveitou de uma viagem à Itália para pedir licença ao Papa Leão XIII. Também a audiência com o Papa não parecia ter dado resultado. Mas o interesse dele pelo caso de Teresinha levou o Bispo a conceder a tão esperada licença.

Dia 30 de setembro de 1897, Teresa morre no mosteiro das carmelitas de Lisieux. Seus dois pulmões estavam gravemente atingidos pela tuberculose. Sufocada, ela pronuncia suas últimas palavras: “Meu Deus...eu... vos amo”!

            Celebramos o primeiro centenário da morte dessa jovem carmelita. Inúmeros livros foram escritos sobre o breve percurso da sua vida. Pode ser que nem todos sejamos entusiastas de sua “História de uma alma”. A sua linguagem, marcada por um universo religioso que não é nosso, pode provocar em leitores do nosso tempo uma certa alergia. Como não é a todos que agrada a tradicional imagem da santa desfolhando pétalas das rosas que ela segura nos braços. No entanto, se por baixo desses enfeites não houvesse um segredo mais profundo, não se explicaria a atração que, durante o último século, Teresa de Lisieux tem exercido sobre inúmeros católicos. Mesmo no Brasil existem cerca de 111 paróquias dedicadas a ela, sem contar as capelas.

            O que, sem dúvida, chamou a atenção do mundo cristão foi a espiritualidade de Teresinha. Ela mesma falava do seu Pequeno Caminho.  Não foi a partir de uma teoria bem elaborada mas  a partir de sua experiência de cada dia que ela reconheceu e aceitou progressivamente a sua pequenez e fragilidade. Mesmo com seus imensos desejos, ela descobriu que só tinha pequenas coisas para oferecer a Deus. Tanto assim que pessoas próximas a ela questionavam a santidade da jovem carmelita. É que a pequenez e a confiança em Deus constituíam o fundamento da sua doutrina. Ela descobre no seu amor próprio a causa de suas inquietações, de suas tristezas e das humilhações que a deixam aborrecida. Não se revolta contra essa descoberta mas encara de frente a sua realidade. Nem por isto renuncia aos seus desejos audaciosos  para entregar-se a uma mediocridade. Sabe fazer de sua fragilidade o material para servir ao seu projeto de santidade. Entendeu que sua fraqueza não a afastava de Deus que veio ao nosso mundo, para partilhar na precariedade humana a pobreza radical do homem a fim de transformá-la na sua força divina. Esta consciência leva Teresinha a sentar-se à mesa dos pobres e dos pecadores. Sua fé e esperança a fazem oferecer-se como vítima ao amor misericordioso de Deus. É o segredo do seu elã  missionário no qual ela quer atingir a todos, sem exclusão, mesmo os ateus, para que encontrem o caminho para o amor de Deus que salva e liberta.

            Mas o seu Pequeno Caminho precisava ser testado. Se a fé e a esperança faziam crescer a sua entrega de amor, esta continuaria mesma numa aparente ausência de fé e esperança?

            Nos últimos dezoito meses da sua vida, a fé de Teresinha foi duramente provada. Ela já estava atingida pela tuberculose quando, na noite de 2 ao 3 de abril de 1896, a doença se manifestou por uma primeira expectoração de sangue. Alguns dias depois a sua alma começou a ser torturada por dúvidas sobre a fé. Se os seus sofrimentos físicos, sempre mais fortes, já provocavam uma sensação de impotência, a noite das dúvidas tirava o último apoio para suportá-los. O olhar da fé dá uma visão nova da vida. É dentro dessa visão que o cristão encontra o sentido da existência, a razão de ser, de viver, de agir, de servir e de sofrer. Uma prova de fé questiona tudo o que a pessoa suporta. Provoca nela uma vertigem, a vertigem do nada. Todo o equilíbrio de seu ser é ameaçado. “Acreditas sair um dia do nevoeiro que te envolve, avança, avança,  alegra-te com a morte que te dará, não aquilo que tu esperas, mas uma noite ainda mais profunda, a noite do nada”. Quem poderia ter escrito essas palavras, seria Nietzsche, filósofo contemporâneo de Teresa, que proclamou a morte de Deus. Mas foi a própria Teresinha que as escreveu  na sua cama, três meses antes de morrer. Ela acrescentava: “Não quero escrever mais, receio blasfemar... receio até ter falado demais...”.

            Teresa vivia na França do fim do século XIX. Época em que o racionalismo e o cientíssimo espalhavam uma descrença agressiva e um anticlericalismo sarcástico. Teresa, mergulhada na noite da dúvidas, compreende  que  certos  ateus  podem de boa fé e sem ir contra seu pensamento negar a existência do Céu. Mesma tendo guardado a sua inocência batismal, Teresa chega até o fundo da sua pequenez e, desta maneira, ao núcleo daquilo que constituía toda a sua razão de viver: sua relação com Deus. É uma tomada de consciência, uma aceitação.  Jamais poderia suportar com lucidez essa desapropriação de si mesma, se não fosse habitada por um grande Amor, mistério que vai além de suas próprias iniciativas e possibilidades. A descoberta desse mistério maior de Deus, se faz a partir da experiência das nossas mãos vazias. É disto que brota em Teresa a atitude de confiança e de abandono. É o caminho que ela indica para todos, sentando-se à mesa dos incrédulos e pecadores.

            A nossa época não conhece o ateísmo virulento do tempo de Teresinha. O que sempre mais se impõe em nossos dias é uma espécie de vazio que nenhuma ideologia consegue preencher. A ciência e a tecnologia fazem o homem viver no ritmo de “projetos”. São valores relativos mas que não geram uma sabedoria, um sentido último de todos esses significados particulares. Há uma sensação de banalidade que escurecem o sentido da própria vida e história humana.

Teresa de Lisieux, figura simples e afável, aparentemente sem problemas, mas mergulhada nas torturas da dúvida, provoca uma brecha na crosta das verdades convencionais do homem moderno. Sentemo-nos com ela à mesa para que nos fale da sua vida tão cheia de humanidade e de sabor de Deus.

*Dom Frei Vital Wilderink, O Carm- Eremita Carmelita- foi vítima de um acidente de automóvel quando retornava para o Eremitério, “Fonte de Elias”, no alto do Rio das Pedras, nas montanhas de Lídice, distrito do município de Rio Claro, no estado do Rio de Janeiro. O acidente ocorreu no dia 11 de junho de 2014. O sepultamento foi na cidade de Itaguaí/RJ, no dia 12, na Catedral de São Francisco Xavier, Diocese esta onde ele foi o primeiro Bispo.

Frei Carlos Mesters, Carmelita

Dia 1 de outubro é a festa de Santa Terezinha. É difícil você encontrar no Brasil um católico que nunca ouviu falar de Santa Terezinha ou uma capela por menor que seja, onde não se encontre uma imagem da Santa. Quem foi essa Terezinha para chegar a ser tão conhecida no Brasil inteiro? Ela era uma jovem francesa do fim do século 19 que aos quinze anos de idade entrou num convento carmelita e, nove anos depois, aos 24 anos de idade, após longos meses de muito sofrimento, morreu de tuberculose no dia 1 de outubro de 1897. Nunca saiu do convento. Quando ela morreu, uma irmã da comunidade dizia não ter encontrado nada de extraordinário na vida dela. Qual é então o segredo dessa santa carmelita para chegar a ser conhecida e amada de tanta gente até hoje? Qual o caminho que ela abriu para nós?

São dois os caminhos de Deus até nós e de nós até Deus. O primeiro é este: Deus, na sua bondade, tomou a iniciativa e, sem mérito algum da nossa parte, chegou até nós, nos acolheu e nos abraçou. É o caminho da gratuidade do amor. O outro caminho é este: Uma vez aceito o amor de Deus, nós devemos dar a nossa resposta e realizar o que o amor pede de nós. É o caminho da observância dos mandamentos. Gratuidade e Observância! Dois caminhos, dois lados da mesma medalha: dom de Deus e esforço nosso; providência divina e eficiência humana; festa e luta; fé e política; sonhar e planejar, graça e lei. Um lado só, sem o outro, tornaria incompleto nosso relacionamento com Deus. No passado, em algumas épocas da história da igreja, insistia-se mais na gratuidade: "Deus nos ama!" E às vezes, o povo caía num ritualismo vazio sem compromisso. Em outras épocas, insistia-se mais na observância: "Temos que cumprir a Lei!" E às vezes, se caía num legalismo exagerado que gerava nas pessoas o medo de Deus.  

No fim do século 19 na França, época em que vivia Teresinha, o acento caía na observância, no legalismo, com prejuízo para a vivência da gratuidade do amor. O rigor e o medo marcavam a piedade do povo, mostravam um Deus distante e exigente. Tudo parecia pecado. Era proibido comungar todos os dias. Insistia-se mais nas práticas da penitência, ameaçando o povo com o castigo do inferno. Teresinha nasceu e cresceu neste ambiente burguês e conservador. No mosteiro carmelita, em que acabava de entrar, a espiritualidade era de observância e de rigor. O ideal da santidade eram as práticas de penitência, jejum rigoroso, grandes sacrifícios, longas orações. Não se lia a Bíblia. Na biblioteca do convento só havia um único exemplar da Bíblia. Para uma irmã poder ler a Bíblia precisava da licença da superiora. Então, como Teresinha conseguiu romper com este modo tão rigoroso de viver a vida? Como ela conseguiu vencer o medo de Deus e alcançar essa sabedoria tão grande a ponto de tornar-se doutora da Igreja, mestra de todos nós?

Em Teresinha transparece uma nova imagem de Deus. Ao longo dos poucos anos de sua vida, escondida num convento, ela redescobriu o rosto amado de Deus como nosso Pai, que tinha sido esquecido. O seu jeito de lidar com Deus era diferente. A frase de Terezinha que melhor resume a mensagem da sua vida é esta que ela dirige a Deus no fim da sua vida: "No crepúsculo desta vida aparecerei diante de vós com as mãos vazias!"  Ela entrou no convento para tornar-se uma santa. Ela pensava que a santidade devesse ser fruto do seu próprio esforço. Ela ouvia falar dos grandes santos e santas, das duras penitências e das longas orações que eles faziam, das virtudes que praticavam, dos sacrifícios e gestos heróicos. Assim eles acumulavam méritos para poder merecer o céu. Terezinha sentia-se pequena e frágil, cheia de defeitos, incapaz de alcançar esse ideal de santidade, pois ela dormia durante a longa meditação de manhã, não gostava muito do terço, sentia antipatias de certas irmãs, e quando fazia uma penitência maior ficava doente. E pensava: “Eu, do jeito que eu sou nunca vou alcançar a santidade. Sou pequena demais e sem força. Sou uma criança. Como é que faço para ser santa?”.

Ela encontrava uma luz nas coisas pequenas e grandes que tinham acontecido com ela na história da sua vida: a experiência do amor do próprio pai que ela experimentou, sobretudo depois do trauma que viveu com a perda da mãe aos 4 anos de idade; a experiência vivida na noite de Natal em que de repente, sem esforço algum da parte dela mesma, ela conseguiu superar o seu problema afetivo do choro e ter um domínio maior de si mesma. De tudo isto ela foi tirando a seguinte conclusão: Deus conseguiu realizar em mim coisas que eu mesma não era capaz de realizar; se Deus é Pai, como meu pai aqui na terra, ele deve gostar de crianças pequenas e frágeis como eu; a mãe gosta quando a criança dorme tranqüila no colo.

Terezinha soube viver as pequenas e grandes experiências da vida à luz da sua fé em Deus como Pai. Aos poucos, através de muito sofrimento, ela foi descobrindo quem é Deus. Deus, na sua infinita bondade e misericórdia, ele me acolhe e me carrega nos seus braços. Amor não se merece. Amor se recebe de graça! Não adianta a gente querer acumular méritos para poder merecer o amor. No fim da sua vida, Terezinha já não observava a lei de Deus para merecer o céu, mas só e unicamente para agradecer o amor recebido de Deus. Perto da morte, ela se encontra de mãos vazias: "No crepúsculo desta vida aparecerei diante de vós com as mãos vazias!" Terezinha não acumulou nada. Pelo contrário! Esvaziou-se e entregou-se. Foi se doando, sem se preocupar com a sua própria salvação. Não acumulou méritos nem sabedoria. Não quis crescer para o alto. Ela dizia: "É descendo que se sobe! É diminuindo que se cresce!"

Pelo seu testemunho, ela nos revelou um novo rosto de Deus! A sua vida, tão curta e aparentemente tão insignificante, é uma prova viva de que Deus, ele mesmo na sua bondade imensa, é a maior Boa Notícia para nós, seres humanos. Terezinha tem uma mensagem muito atual para nós que vivemos neste sistema neoliberal em que a acumulação é a lei mais forte que governa o mundo. Viver como ela viveu obriga a gente a andar na contramão e cria o espaço para uma nova convivência humana. Tudo isto não eram apenas idéias bonitas. Nem idéias não eram. Eram vivências que aos poucos foram brotando revelando seu conteúdo para a própria Teresinha que mais vivia as coisas do que as sabia.

Como jovem, ela sentia impulsos grandes e desejos enormes de ser santa. Ela se dizia: “Um desejo tão grande, se Deus o coloca em mim, então Ele também deve indicar como realizá-lo. Ela queria ser tudo ao mesmo tempo: santa, doutora, profetisa, sacerdotisa, mártir, e percebia que isto não era possível. Mas por outro lado pensava: se este desejo existe em mim, deve haver um caminho para realizá-lo, pois um desejo assim vem de Deus. Lendo a Bíblia, ela descobriu: “Sem o amor nada sou!” Aí ela concluiu: “No coração de minha mãe a Igreja, eu serei o amor! Aí posso ser tudo ao mesmo tempo: santa, doutora, profetisa, sacerdotisa, mártir, pois sem o amor eles não funcionam”.

Dezoito meses antes da sua morte, a escuridão baixou sobre Terezinha. Era como se Deus não existisse, como se o céu fosse uma ilusão, como se a fé fosse o maior engano da história da humanidade. Como Jesus na cruz, ela rezou muitas vezes: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” Mas a sua fé era maior que a escuridão. E ela repetia: “Deus está comigo! Ele não me abandonou. O amor é maior” Assim ela viveu na escuridão total durante a terrível doença da tuberculose, irradiando alegria e paciência, tendo por dentro a crise da escuridão, contra a qual ela resistia agarrando-se à fé, até à a hora da morte. Tudo isto revela uma pessoa muito madura, apesar de ter apenas vinte e poucos anos. Como diz o livro de Sabedoria: "Amadurecida em pouco tempo, ela atingiu a plenitude de uma vida longa!" (Sb 4,13)