*OLHAR CARMELITANO: VALORES FUNDAMENTAIS DA TRADIÇÃO CARMELITANA.
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Frei Emanuele Boaga, O.Carm. In Memoriam
Da experiência dos Carmelitas de cada época e do ensino dos Mestre, brotam alguns valores a respeito da CONTEMPLAÇÃO e da ORAÇÃO que formam o PATRIMÔNIO da tradição carmelitana. Brevemente se pode sintetizar assim este patrimônio:
1-CONTEMPLAÇÃO
É mergulho no Mistério de Deus que “colocou sua tenda no coração do homem. Portanto, CONTEMPLAÇÃO e ORAÇÃO é fazer uma profunda EXPERIÊNCIA de DEUS REAL e VIVO, ainda que as vezes obscura, em todas as dimensões humanas. É a capacidade de encontrar a DEUS que nos amou primeiro.
2- ESSÊNCIA da VERDADEIRA ORAÇÃO
É um relacionamento de amizade com Deus e consiste sempre em “sair de si para encontrar o “Outro”.
3- MORTE e CRUZ
A oração está associada com os temas da Morte e da cruz. Por isso, o caminho da Oração Carmelitana passa pela “noite purificadora dos sentidos”, pela solidão, pela aridez que faz morrer o egoísmo e leva a sair de si para encontrar o CRISTO.
4- DESERTO
É essencial à contemplação;
É o despojamento, o situar-se na verdade e sem ilusões diante de Deus;
É atitude de pobreza radical que tudo espera de Cristo;
É atitude de silêncio para escutar a Palavra do “Outro”, é experiência da própria limitação e da necessidade de Deus na nossa vida;
É convicção forte, ainda que obscura, que Ele nos busca mais do que O buscamos. Jesus procura o homem primeiro.
5- ESPIRITO SANTO
A Oração é dom do Espírito. É Ele que atua eficazmente na Oração e nos transforma quando na docilidade a Ele deixamo-nos conduzir. Ele nos leva às formas mais elevadas de oração, como fruto da fidelidade e acolhida de seus dons.
6-PRESENÇA de DEUS:
É preciso viver a presença de Deus no próprio coração, nos irmãos, na vida.
É preciso experimentá-lo por meio de abertura para a realidade e para os sinais dos tempos que revelam sua presença.
7- PALAVRA de DEUS
A contemplação e a oração se nutrem pela FAMILIARIDADE com a Palavra de Deus, ouvida
No silêncio e na solidão do próprio coração,
No dialogo comunitário e fraterno
Na realidade.
8- FORMAS de ORAÇÃO
Ainda que não se reduzam as formas concretas, a oração e a contemplação necessitam delas como meios indispensáveis para crescerem. Entre estas formas ocupa lugar privilegiado a oração litúrgica e a “Lectio Divina”.
9- ENVOLVIMENTO DO HOMEM TODO,
A vida de oração requer o envolvimento do homem todo e, portanto, o crescimento da pessoa com a integração de sua afetividade na oração. Além disto, a oração exige uma contínua verificação do próprio relacionamento com os outros, com a realidade, com a vida. Deve exprimir-se através das obras de virtude, como sinais de amor a Deus. A contemplação deve conduzir-nos através do encontro com o ABSOLUTO de DEUS a realização de seu plano de AMOR para os irmãos e o mundo, portanto deve levar-nos ao COMPROMISSO.
10- INSPIRAÇÃO ELIANO-MARIANA
A inspiração Eliana-Mariana reforça as dimensões de nossa contemplação-compromisso:
Maria - a Virgem da Encarnação, mulher de escuta amorosa e de fé.
Elias - o homem de contemplação encarnada na realidade humana, à procura da FACE do DEUS verdadeiro
ORIENTAÇÕES GERAIS PARA LEITURA DE UM TEXTO
1º - A imagem de Deus que cada um de nós tem se reflete na maneira concreta como fazemos oração e como falamos da Oração. Esta imagem pode ser diferente nas várias épocas.
2º - Todo ser vivo toma seus elementos do ambiente e assimila os elementos que lhe convém. Esta osmose é também presente na vida do Carmelo.
3º - No caminho histórico da Ordem o mesmo valor vem encarnado de maneiras diversas com ênfases, acentuações, enfraquecimentos, etc. É preciso, num discurso de valores, verificar quais são os valores que se encarnam no contingente e até que ponto, em cada época ou situação o contingente permite ao valor a encarnação no contexto histórico concreto.
4º - Um texto espiritual deve ser lido dentro do próprio contexto particular e geral, isto é, de acordo com a ideia global do livro, do autor e do ambiente. É necessária a atenção a figura literária, ao estilo do autor, a simbologia e a outros princípios de leitura hermenêutica.
5º - E necessário, enfim, ter presente a ambiguidade dos termos e o significado próprio da palavra tal como o Autor lhe confere:
CONTEMPLAÇÃO = aspecto intelectual, atitude do homem total diante de Deus forma superior de oração
AÇÃO = disposição para atuar atividade externa.
ORAÇÃO = atitude orante-formas e formulas de oração.
SILÊNCIO = vazio interior- falta de rumor
SOLIDÃO - lugar silencioso, sem barulho- situação interior.
ALMA E CORPO = elementos da pessoa humana relacionados muitas vezes de modo dualista, dicotômico.
AFETIVIDADE = sentimento. Tudo aquilo que se refere ao coração num preciso contexto antropológico
MUNDO - realidade criada, realidade interior, realidade externa- lugar de contra-valores, etc.
SUGESTÕES PARA A REFLEXÃO
1- Qual é a imagem de Deus e a experiência de oração que transparece no texto; Procurar os elementos positivos negativos
2- Como os valores fundamentais da Tradição Carmelitana estão expressos no texto? Em particular, qual ou quais?
3- A realidade do ambiente e o compromisso apostólico com o povo transparecem no texto? Como? Se não, por que?
4- E nossa Oração; Qual e a imagem de Deus que oferece e anuncia HOJE? Que formas concretas de vivência desta imagem procuramos?
5- Nós, como Carmelitas, precisamos denunciar os falsos ídolos da religiosidade na Igreja e no mundo. Quais? Como?
6- Qual deveria ser a nossa prática numa vida integral no PRESENTE e na FORMAÇÃO para o futuro?
*A ORAÇÃO NA VIDA CARMELITANA. Reflexões e textos de autores carmelitanos sobre a Comunhão com Deus e a Oração no Carmelo. Textos preparados por Frei Emanuele Boaga, O.Carm para Encontros de Espiritualidade Carmelitana das Irmãs Carmelitas da Divina Providência. JULHO - 1986 - Rio Janeiro.
*CARMELITAS: Evolução da Consciência Mariana da Ordem
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Frei Christopher O’Donnell, O. Carm
A consciência mariana da Ordem evolui rapidamente.[i] Ao analisarmos este desenvolvimento devemos não apenas examinar cuidadosamente a documentação existente, mas, acima de tudo, devemos buscar um sentimento de empatia com situação dos carmelitas nos séculos XIII e XIV. Do contrário, corremos o risco de termos total antipatia para com uma evolução delicada e complexa. Além disso, devemos destacar alguns pontos proeminentes, tendo-os sempre em nossas mentes, se queremos compreender o modo como se originou a vida mariana da Ordem.
Os irmãos começaram a ir para a Europa por volta de 1238.[ii] A migração foi gradual desde esta data até 1291, quando o Reino Latino de Jerusalém foi conquistado. Eles levavam consigo a Regra e um modo contemplativo de vida, fortemente marcado pelo ascetismo. Na verdade eles perderam, acima de tudo, sua capela no Monte Carmelo, dedicado à Maria. Vemos que eles logo dedicaram um mosteiro à Maria na Europa, já em 1235.[iii] Eles chegaram a uma Europa que, como vimos na Introdução, possuía uma rica devoção mariana. Os Irmãos carmelitanos inseriram-se facilmente neste clima mariano. Eles iniciaram então um processo, integrando sua herança própria com a vida mariana encontrada na Europa.
Eles demonstram esta sua grande devoção ao escolherem Maria como sua Padroeira, simbolizada na Capela em sua honra no Monte Carmelo. Já em 1282 o Geral Pierre de Millau, numa carta a Eduardo I da Inglaterra buscando seu apoio, afirmou que a Ordem Carmelita tinha sido especialmente fundada em honra de Maria.[iv] Isto foi novamente afirmado no capítulo geral de 1287.[v] Mais tarde, John Baconthorpe (por volta de 1348) diria que “Deus... desejou estabelecer os Irmãos do Carmelo em louvor de sua Mãe.”[vi] E olhou para o fim dos tempos quando os carmelitas serão recompensados por seu papel especial no serviço militante em louvor a Maria e em honra de Cristo.[vii]
No tempo da regulamentação e da busca por sua identidade, o relacionamento dos Irmãos com sua Padroeira Maria, serviu de base sólida. Mas também existiam outros elementos como o ideal contemplativo e a memória que tinham de Elias.
A Origem da Ordem a partir de Elias
Já observamos que a origem da Ordem a partir de Elias foi claramente afirmada na Rubrica prima das Constituições de 1281. Não é difícil ver como o tema de Elias foi desenvolvido em resposta à oposição a esta nova Ordem, já que ela não tinha um fundador histórico evidente, tal como São Domingos ou São Francisco. Os Irmãos Carmelitas sabiam que tinham ficado no Monte Carmelo por muito tempo. Era uma montanha sagrada, associada a eremitas de tempos muito antigos e, na verdade, com o grande profeta Elias. Eles viram em Elias um grande profeta e um grande contemplativo. Alguém que, como Moisés, encontrou o Deus vivo no Monte Horeb (1Reis 19,11-18). Eles sabiam que, apesar da oposição que encontraram na Europa, o estilo de vida que tinham era antigo e autêntico.
Na Idade Média, como na época bíblica, as verdades eram sempre transmitidas através de mitos. Com nosso senso moderno de historicidade, muitas vezes não ficamos satisfeitos diante de mitos. Sempre fazemos a pergunta errada. Em vez de perguntarmos “o que significa o mito?”, perguntamos “aconteceu de fato?” E um mito contém uma verdade que não são as afirmações explícitas do mito. A verdade que se esconde por trás do mito de Elias estava no fato de que os carmelitas reconheciam nele uma figura idealizada, cuja inspiração eles seguiam ao viverem como eremitas perto de seu poço histórico. Sendo contemplativos, buscavam a experiência espiritual do Deus vivo de Elias. Consagrados à caridade viam Elias como o primeiro exemplo ideal do Antigo Testamento que vivia na continência perpétua pelo Reino. Como eremitas viam nele uma figura solitária e companheira, alguém que deixou tudo para buscar apenas Deus.[viii]
A forma que o mito tomou foi um desejo aparente dos nossos fundadores, de construírem uma continuidade histórica entre o profeta do século VIII a.C. e a Ordem, assim como ela existia na Europa no século XIII. Bons estudiosos e teólogos da Ordem despenderam um tempo enorme na tentativa de encontrar elos tirados da Escritura e da Patrística para construir uma corrente ligando a Ordem até o tempo de Elias. Muitas figuras bíblicas, assim como antigos eremitas e santos da Palestina foram vistos como parte da continuidade histórica da Ordem. Historicamente tal trabalho não tem valor. Mas ele, na verdade, é muito mais que uma legenda, um mito. Ele tem sua verdade própria em termos de identidade e espiritualidade.
Maria e Elias - Maria e o Carmelo
Maria foi gradualmente inserida neste mito, ou hagada, de Elias.
Os Primeiros Escritores
A Crônica De inceptione ordinis (cerca de 1324) afirmou que, após a Encarnação, os seguidores de Elias e de Eliseu construíram uma igreja em honra da Bem-aventurada Maria perto da fonte de Elias. Ela assegurava que a partir do tempo do patriarca Aimérico (+ 1196) eles eram conhecidos como Irmãos eremitas da Bem-aventurada Maria do Monte Carmelo.[ix]
O quarto capítulo do Speculum de Jean de Cheminot (+ por volta de 1337) afirmava que, como eles, os sucessores de Elias e de Eliseu abraçaram a castidade dedicada ao Senhor. Dois textos do Antigo Testamento, que se tornariam tradicionais na Ordem, eram aplicados à Maria: “Pois lhe será dado o esplendor do Líbano, a beleza do Carmelo e do Saron” (Is 32,2) e “Sua cabeça que se alteia como o Carmelo “ (Ct 7,6). Uma memória legendária afirmava que Maria, junto com outras virgens, costumava visitar o lugar dos eremitas por causa de sua santidade e da beleza do lugar: “Era apropriado que a mãe das virtudes honrasse o lugar e os filhos de tal santidade e devoção com sua presença”.[x]
Jean de Cheminot também recordou o oratório em honra da Virgem Maria construído após a Ascensão e que, para distinguir os Carmelitas dos outros, eles eram chamados de “os Irmãos da Ordem da Bem-aventurada Virgem Maria” – um título solenemente reconhecido mais tarde pela Santa Sé.[xi]
John Baconthorpe
Neste mesmo período surge o carmelita inglês John Baconthorpe (+ cerca de 1348). Demonstrando vasta cultura em filosofia, teologia e leis canônicas, recebeu a alcunha medieval de “Doctor Resolutus”. Seus escritos são na realidade polêmicos, já que ele busca defender a Ordem diante de seus caluniadores. São também escritos espirituais, uma reflexão sobre as profundas raízes da Ordem. Ele escreveu quatro trabalhos que são do nosso interesse, articulando Elias e Maria:[xii] Speculum de institutione ordinis pio veneratione Beatae Mariae, o primeiro tratado a Ordem que unifica profundamente as tradições de Elias e de Maria; Tratado sobre a Regra da Ordem Carmelita [tradução em português] onde mostra que a Regra corresponde de muitas formas à vida de Maria; Compendium historiarum et iurium, uma defesa histórica e jurídica da Ordem; Laus religionis carmelitanae, defendendo e exaltando a Ordem, especialmente no seu relacionamento com Maria.
Em Baconthorpe encontramos desenvolvidas as duas idéias anteriores e novas idéias emergem pela primeira vez dentro do nosso conhecimento. Já os antigos profetas veneravam Maria no Carmelo.[xiii] É especialmente por causa dela que se honra o Monte Carmelo.[xiv] A beleza física do Carmelo seria uma razão pela qual dever-se-ia dar a Maria tudo que há de mais bonito.[xv]
Seguindo uma lenda apócrifa, ele relembra como Maria foi trazida por um anjo ao Monte Carmelo. Foi no monte que ela, enlevada em contemplação, tornou-se a esposa de Deus através do voto da virgindade.[xvi] Em vários lugares ele registra a capela construída no Monte Carmelo pelos contemplativos seguidores do profeta Elias, em honra da Virgem Maria e a sua opção por um título mariano.[xvii] Na verdade, todo o Livro I do Laus religionis carmelitanae de Baconthorpe é uma esforçada tentativa de unir o Carmelo e Maria. Através de etimologias inventadas e falsas, alusões bíblicas, lendas e, às vezes, profundo discernimento espiritual, ele insiste que o ser carmelitano da Ordem pertence justamente a Maria.[xviii]
Baconthorpe parece ter sido o primeiro a interpretar a nuvenzinha vista por Elias (1Reis 18,44) como um símbolo de Maria: após a seca ela restaurou a fertilidade da terra.[xix] “O amor de Deus desceu sobre Maria... e, através de Maria, as chuvas de misericórdia e de graça desceram no que estava seco e, assim, restauraram todas as coisas”.[xx] Futuros autores carmelitanos fariam desta interpretação o principal símbolo de Maria no Antigo Testamento e, a partir daí, destacaram muitas implicações.
Os carmelitas são verdadeiramente discípulos de Maria, uma questão reconhecida pela Santa Sé.[xxi] Além do conceito de exemplo de vida, que será desenvolvido em nosso próximo capítulo, a maior contribuição de Baconthorpe foi a fusão dos elementos da tradição da Ordem sobre Maria e Elias, além de sua especificação sobre as implicações em relação à proteção da Ordem com a escolha de Maria como titular junto ao oratório estabelecido em sua homenagem. Também examinaremos isso no próximo capítulo.
Uma primeira síntese entre Elias e Maria: Philip Ribot
Atualmente temos um consenso que se o provincial catalão Philip Ribot (+ 1391) não foi o verdadeiro autor de quatro grandes trabalhos pseudoepígrafos, eles são, em último caso, do tempo dele.[xxii] Decididamente o mais importante deles foi a Instituição dos Primeiros Monges, atribuído a João XLIV, Patriarca de Jerusalém (+ por volta de 412 d.C.?). Existem sugestões de que o primeiro capítulo sobre o ideal ascético e místico da Ordem pode ser um documento mais antigo, talvez dos últimos anos do século XIII,[xxiii] mas devemos esperar a publicação da edição crítica feita por Paul Chandler, antes de levarmos tal hipótese a sério. Contudo, já que ele é inteiramente sobre Elias e não menciona Maria, não nos interessa aqui. Sobre o ensinamento mariano de outros livros, Ribot depende de escritores mais antigos, mas pode-se dizer que ele ampliou as idéias deles, desenvolvendo uma nova síntese.
A abordagem principal sobre Maria encontra-se no Livro Seis. Por todo esse livro Ribot se interessa pelo título da Ordem, “Irmãos da Bem-aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo”. Ele também admite que “Carmelitas” é um título legítimo.[xxiv] Uma idéia fundamental que ele desenvolveu foi uma interpretação espiritual, mas de forma arbitrária, da nuvenzinha vista por Elias (1Reis 18,44). A chave para seu simbolismo mariano é que a nuvem de pura chuva, que é Maria, surgiu do mar amargo e salgado, que é a imagem da humanidade pecadora. O profeta recebeu por iluminação divina quatro mistérios sobre a futura redenção da raça humana, que depois comunicou a seus seguidores:
o nascimento do futuro redentor de uma virgem-mãe que, por sua origem, estaria livre de qualquer mancha de pecado; o tempo quando isto deveria acontecer; a decisão intencional da futura mãe de manter-se sempre virgem, consagrada ao serviço do Senhor; a fecundidade de sua virgindade, prefigurada pela chuva, que beneficiaria a condição da raça humana.[xxv] Imitando Elias, que foi o primeiro personagem virgem do Antigo Testamento, Maria faria o voto de virgindade e seria a primeira mulher a fazer tal promessa.[xxvi] Os sucessores de Elias também fizeram este voto. Isso estabeleceu uma semelhança e uma profunda empatia entre eles e Maria, tanto que eles a chamavam de irmã e a si mesmos de Irmãos da Bem-aventurada Virgem Maria.[xxvii] No entanto, a noção de irmã não elimina a palavra “mãe”, que é delicadamente insinuada: Antes que ela (a Palavra) se encarnasse existia apenas uma fraternidade de paternidade, porque do mesmo Pai de quem o Filho foi eternamente gerado, a raça humana também foi criada... antes que ele se encarnasse não havia uma fraternidade de maternidade, já que o Filho ainda não fora gerado por sua mãe.[xxviii] A consequência é que depois da Encarnação, houve um novo fundamento: a fraternidade na maternidade de Maria.
O título tradicional de “Padroeira” é associada também à virgindade. Os Carmelitas cuidaram de servir à Virgem com devoção especial.
Eles estavam especialmente ansiosos para escolher esta virgem como sua padroeira, porque sabiam que apenas ela era singularmente como eles nos primeiros frutos de virgindade voluntária. Pois assim como a virgindade espontânea para Deus foi iniciada em primeiro lugar pelos antigos seguidores dessa religião e introduzida aos homens, a mesma virgindade foi depois primeiramente introduzida e começou entre as mulheres através da Mãe de Deus.[xxix]
Assim, vemos que Ribot faz uma síntese, partindo da virgindade, das noções tradicionais de Maria e a Ordem – Mãe, Padroeira e Irmã. E tudo isso se origina da meditação feita pelo autor do significado espiritual da nuvenzinha. Contudo, não temos apenas o fato de que Ribot está acrescentando algo novo à consciência mariana da Ordem. Ele também lê na nuvenzinha qual foi a atitude da Ordem para com Maria. Ele manteve sua base, a partir da virgindade, mais claramente do que os autores anteriores. Na verdade, ele usa uma falsa etimologia para a palavra “Carmelo” para indicar “conhecimento da circuncisão” o que ele interpreta depois como virgindade para Deus, buscada em primeiro lugar por Elias e seus seguidores e, depois, por Maria.[xxx]
Síntese entre Elias e Maria: Arnold Bostius
No final do século XV temos uma síntese mais madura das tradições da Ordem, feita pelo humanista Arnold Bostius (+ 1499).[xxxi] Seu primeiro trabalho sobre Maria foi o Breviloquium,[xxxii] que foi ampliado num inédito e vasto tratado chamado Speculum historiale.[xxxiii] Seu melhor e mais conhecido trabalho foi De Patronatu et patrocinio B. Virg. Mariae in dicatum sibi Carmeli Ordinem, de 1479.[xxxiv] Neste texto escrito em reposta à uma questão quanto a Maria ter sido especialmente favorecida pela Ordem, Bostius recorre em grande parte à tradição anterior, aos convenientes significados da Escritura, além de símbolos, da Escritura ou de pessoas, interpretados num sentido mariano.
Bostius é importante na história da mariologia por ser um representante das posições consensualmente sustentadas no final do século XV. Assim, temos um claro ensinamento sobre Maria como Mãe de Deus, Mediadora, Imaculada Conceição, Santíssima, Virgem, Assunta ao Céu, Rainha, Mãe Espiritual e Mãe de Misericórdia. Todas estas invocações são verdades que a Ordem Carmelita partilha com toda a Igreja.[xxxv] Apesar de E. R. Carroll não afirmar que Bostius estava interessado em um princípio unificador da mariologia, ele reconhece que, apesar da maternidade divina não ser um tema de principal interesse no De patronatu, tal tema tem alguma centralidade em seu pensamento.[xxxvi] N. Geagea concorda.[xxxvii] Nosso interesse em Bostius é mais restrito. Veremos de que modo ele apresenta a mariologia carmelitana em sua época, isto é, apontando o inter-relacionamento entre Maria e a Ordem.
Além disso, existe um tema mariológico geral em Bostius que devemos mencionar por causa de sua proeminência no século XX. É o tema da beleza de Maria.[xxxviii] Ele já é encontrado em Baconthorpe.[xxxix] Algumas vezes em Bostius o tema é explícito: “Virgem de beleza incomparável, em quem juntam-se os dons da natureza e da graça, acima de tudo alguém que é graciosa, amorosa, de pele rosada, serena, a mais bela”.[xl] Ou ainda: “A menos que se conheça a verdadeira divindade pela fé, não poderíamos acreditar que existiu alguém mais bela do que a Virgem”.[xli] Em outras ocasiões o tema emerge em contextos diferentes, tal como a plenitude de sua graça: “Maria, a mais exaltada, é o espelho da Trindade.”[xlii] Ela é a mais bela de todas: “incomparavelmente a mais resplandecente de todas as criaturas... e a glória do Carmelo”;[xliii] “a honra de toda feminilidade e a glória de todas as mulheres”.[xliv] Bostius, um humanista latino com um extenso vocabulário e uma retórica refinada, coleciona expressões em louvor à beleza de Maria por todo o De patronatu. Num capítulo posterior consideraremos o tema da beleza na mariologia contemporânea.
Em se tratando das associações especificamente carmelitanas com Maria, deveríamos lembrar em primeiro lugar do casal Elias e Maria. Em parágrafos compactos, Bostius mostra que Elias e Maria partilharam através do Espírito de doze privilégios que nutriu a ambos: a luz brilhante; o esplendor da virgindade; a fundação da vida religiosa; a exemplaridade de vida; as conversas com Deus; a associação com espíritos angelicais; o amor supremo e o zelo por Deus; o carisma profético; a obediência; a clemência e a misericórdia; os milagres e a subida aos céus.[xlv]
Mas Bostius, subitamente, muda o rumo da tradição de Elias e de Maria. Como alguns de seus predecessores, ele sustentou que Elias está na origem da vida religiosa. Sua ênfase é Elias, o contemplativo. Mas na tradição do Carmelo, Elias é pai, instituidor, patriarca, legislador, mestre, principal padroeiro, fundador.[xlvi] No entanto, Bostius defende a prioridade e a primazia de Maria no que diz respeito ao Carmelo. A escolha de Elias pela virgindade foi inspirada precisamente na futura Virgem Mãe, aquela que ele vislumbrou na nuvenzinha que veio ao seu encontro no Carmelo e a quem ele desejou honrar e ensinou seus seguidores a honrarem também.[xlvii]
Portanto, Bostius conclui que Maria, por sua exemplaridade, é uma “legisladora” para Elias e para a instituição fundada pelo profeta.
Por isso, Maria é a legisladora de Elias e é, certamente, considerada a legisladora e fundadora de todo o grupo do Carmelo.[xlviii] Por sua vivência exemplar, ela é a senhora (domina) e a instituidora.[xlix] Em Bostius, que foi seguido por Lezana (+ 1659) e outros,[l] encontramos Elias e Maria apresentados como o casal fundador da Ordem.[li]
Síntese mariana - Bostius
Em sua síntese envolvendo Elias e Maria, Bostius reflete sobre o relacionamento entre as duas figuras fundadoras da Ordem e definiu a prioridade de Maria com respeito aos Carmelitas. Foi o exemplo e o futuro destino dela que inspiraram o profeta a fundar a Ordem, de forma que ela deveria ser chamada de sua verdadeira fundadora. Ainda permanecem obscuros os outros elos que Bostius vê entre Maria e a Ordem. Ele usa outros títulos significativos, alguns dos quais são tradicionais e outros ele mesmo desenvolve: Protetora, Mestra, Guia, Amiga, Irmã, Mãe, uma Carmelita.[lii] Bostius chama Maria continuamente de Padroeira do Carmelo: “Ela é especial e verdadeiramente chamada de Padroeira do Carmelo e dos Carmelitas”; “a renomada Mãe de Deus, Maria, a muito admirável Padroeira do Carmelo”.[liii] Maria é também Senhora e Mestra do Carmelo: Os carmelitas daquela época santa eram reconhecidos por sorverem de uma fonte viva, da mais perfeita mestra da vida religiosa, do espelho brilhante de toda modéstia, virtude e nobreza.[liv]
Ele resumiu seu ensinamento:
Pela palavra, como mestra perfeita, ela abraçou todas as ordens do Senhor quando disse aos servos, “Façam o que ele mandar” (ver Jo 2,5).[lv] O ensinamento de Maria não é abstrato, pois ela é a Guia do Carmelo. Ela está junto de Elias no zelo pela Ordem. Ela é a Padroeira do Carmelo.[lvi] Elias é visto como aquele que não morreu nem entrou no céu. Maria toma seu lugar. Bostius narra uma visão na qual ela diz: Enquanto o mundo durar, ele sempre deverá ter uma protetora. Sou a carruagem e o cocheiro do Carmelo, em lugar de vosso pai. Governo aqueles que são órfãos de pai. Sou mãe em vez de pai. Guardo os interesses do Carmelo em meu coração. Eu, a mãe, copiosamente nutri aqueles nascidos do Carmelo.[lvii]
Bostius afirma freqüentemente que Maria também é a Amiga do Carmelo. Por isso, abençoados são os filhos do Carmelo que viram a muito bem-aventurada Mãe de Deus na carne, a fonte ideal de toda alegria. Mas também especialmente adornados são aqueles que merecem sua amizade, que é unida à de Cristo.[lviii] Bostius vai muito além dos relacionamentos feudais inerentes à noção de padroeira, enfatizando a noção do Carmelo como uma família: “os filhos do Carmelo pertencem especialmente à família de Maria”.[lix] Nesta família Maria é tanto Mãe quanto Irmã, de forma que ela considera os carmelitas como filhos e irmãos.
Na verdade, Maria, a muito digna Rainha do céu, causa encanto singular nas pessoas, nos encontros carmelitanos, em seus próprios servos por título e amparo. Como ela não ouviria a seus filhos e irmãos carmelitanos que estão singularmente comprometidos com sua defesa, e são os seus defensores, e que foram escolhidos e especialmente amados para propagar seu vinhedo em flor?[lx] O título de Mãe não precisa de ilustração por parte de Bostius. Ele está em todo lugar. Na opinião de alguns ele é para Bostius o atributo principal de Maria com respeito ao Carmelo.[lxi] Ele afirma, por exemplo: A Rainha do céu, a sempre exaltada Virgem Maria, é a Mãe universal de todos os cristãos, um porto e refúgio comum para todos os homens e mulheres. Mas ela é especialmente Mãe e Padroeira dos Irmãos Carmelitas.[lxii] Mas Bostius desenvolve, mais claramente do que outros, a idéia de que os carmelitas são filhos tanto de Elias quanto de Maria, personagens que estão unidos num casamento místico. Já vimos a base desta idéia: era o voto de virgindade que Elias fez quando a futura Virgem foi revelada a ele na nuvenzinha. Portanto, os carmelitas são filhos e irmãos de seu pai Elias e de sua mãe Maria, seus muito valiosos genitores.[lxiii] Esta tradição foi reassumida, dois séculos depois, por Daniel da Virgem Maria em seu aprofundamento de um dos primeiros escritos carmelitanos, o Speculum.
Elias era mariano. Elias consumiu-se em seu amor a Maria. Elias fez um voto de acordo com o exemplo de Maria, que ele mesmo anteviu. Elias é o pai dos carmelitas, mas primeiramente, Maria é Mãe deles.[lxiv] Finalmente, para Bostius, Maria pode ser considerada uma verdadeira carmelita: “Ela mostrou-se espiritual, corporal e literalmente uma carmelita”.[lxv] Em Bostius temos uma síntese e uma elaboração da reflexão anterior sobre Maria. Escritores posteriores não acrescentaram muito às suas posições centrais. Antes de deixarmos este período medieval de máximo desenvolvimento, existem mais dois temas que, apesar de estarem presentes em escritores mais recentes, foram desenvolvidos por escritores mais antigos. São os temas da Puríssima Virgem e do Escapulário.
A Puríssima Virgem
A reflexão sobre pureza de Maria emerge de diversos contextos, em documentos muito antigos. Ela está implícita na forte ligação dos teólogos da Ordem com a Imaculada Conceição. Ela também se manifesta na gradual inserção da palavra “Virgem” ao título da Ordem. Ela emerge em Jean de Cheminot (por volta de 1350). Vimos anteriormente que em seu Speculum, ele considera a virgindade como um vínculo comum entre Elias e Maria. Ele exorta os carmelitas a se rejubilarem por terem o nome de Maria em seu título, “a flor da beleza e o título da virgindade”.[lxvi] Nas Instituições dos Primeiro Monges vimos o paralelo entre a virgindade de Elias e a de Maria. Mas esta virgindade é apenas um aspecto da completa ausência de pecado e da absoluta plenitude de Maria, apesar de ela ter surgido da humanidade pecadora: Ela era, na sua origem, como uma criança limpa de toda mancha de pecado, assim como aquela nuvenzinha surgiu do amargo mar, sem conter, no entanto, nenhuma amargura. Apesar de aquela nuvenzinha pertencer à mesma natureza do mar, ela possuía outras qualidades e outras propriedades. O mar é denso e amargo, mas aquela nuvem era tênue e doce. Assim, apesar de em todas as outras pessoas a natureza humana ser como o mar em sua origem, por ser oprimida pela amargura do pecado e pelo peso do vício, elas são forçadas a clamar “Minhas culpas ultrapassaram minha cabeça, e pesam sobre mim, como fardo pesado” (Sl 38,5). A Bem-aventurada Virgem Maria surgiu também deste mar que é a natureza humana. Pois, em sua origem, ela não foi queimada com o amargor das faltas mas, como a nuvenzinha, ela foi luz através da imunidade ao pecado e doce pela plenitude dos carismas.[lxvii]
Em Bostius o ensinamento é claro: “ela brilhava em sua grande pureza, de forma que, depois de Deus, nenhuma maior poderia ser imaginada”.[lxviii] Ou ainda, além disso, os Carmelitas, os filhos de Elias e de Maria são convidados e ensinados fervorosamente a imitar Elias, que era totalmente brilhante por dentro e por fora, e Maria que, abaixo de Deus, nada de tão puro e tão brilhante, pode ser imaginado.[lxix] Mas se passará mais um século até que uma reflexão plenamente desenvolvida sobre a pureza e a pureza de coração seja apresentada.[lxx]
O Escapulário
Como mencionamos na Introdução, a questão do Escapulário coloca dificuldades específicas para nosso tempo, embora a mais fiel devoção à Nossa Senhora do Monte Carmelo seja sinônimo do Escapulário. A evidência de problemas em todas as áreas deve ser encarada com cuidado. Não há referências ao Escapulário na Regra ou em Flechas de Fogo, de Nicolas, o Francês. A primeira referência a ele está nas Constituições de Londres, de 1281. Lá encontramos a instrução: “Os Irmãos devem dormir com sua túnica e com o Escapulário sob pena de severa punição”.[lxxi] A razão para esta severa admoestação é que, naquele tempo, a remoção do hábito era vista como fuga da Ordem. Assim as Instituições dos Primeiros Monges afirma: Este traje, o capuz/capuchinho e o escapulário são usados ao mesmo tempo pelo monge e mostra que o monge sempre deve, humildemente, levar consigo a obediência e ser completamente obediente a seu superior.[lxxii] E exige que “eles sejam diligentemente usados dia e noite sem falta”.[lxxiii] As Constituições de Montpelier ordenaram que o novo manto deveria ser aberto na frente para que o Escapulário, o hábito da Ordem, pudesse ser visto. Este regulamento foi repetido na legislação posterior.[lxxiv] Assim, por mais ou menos 150 anos o Escapulário teve mais um sentido cristológico de obediência do que propriamente uma devoção mariana.
Além disso, existe um problema quanto a São Simão Stock. Seu nome aparece pela primeira vez numa lista de priores gerais apenas com Jean Grossi (+ por volta de 1411) e numa necrologia florentina, que não pode ser anterior a 1374.[lxxv] Nas mais antigas listas de santos, ou Santorale, ele surge como quinto ou sexto prior geral. Estas listas de santos podem ser anteriores ao século XIV mas, como as necrologias, se originam de fontes mais antigas. A festa de São Simão Stock foi celebrada a partir de 1435 em Bordeaux, onde ele morreu, e na Inglaterra. Esta festa foi estendida para toda a Ordem em 1564.
O relato mais antigo da visão do Escapulário está no Sanctorale de Bruxelas, que pode ser datado mais ou menos do final do século XIV, ou seja, um século e meio depois de Simão Stock. Este Sanctorale pode realmente depender de documentos mais antigos, mas eles não foram encontrados. Lemos no relato mais primitivo e antigo da visão:
São Simão era um inglês, um homem de grande santidade e devoção, que sempre pedia à Virgem, em suas orações para favorecer a Ordem com algum privilégio único. A Virgem apareceu a ele segurando o Escapulário em sua mão e dizendo: “Isto é para ti e para os teus um privilégio. Aquele que morrer com ele será salvo”.[lxxvi]
Não é possível, através de métodos críticos, estabelecer a historicidade desta visão. A ausência de qualquer referência a ela na extensa e polêmica tradição escrita durante os séculos passados é talvez o único argumento contra a sua autenticidade. Mas é um argumento de peso. Por outro lado, não há qualquer evidência que desaprove a visão, apesar de que tal argumento do silêncio deva ser tratado com certa cautela.
Do ponto de vista dos estudiosos, aqueles que querem afirmar a autenticidade da visão deveriam se esforçar em fornecer provas. Numa perspectiva pastoral, talvez seja melhor não aprofundar os detalhes da visão, mas sim realçar o significado do Escapulário como uma expressão do zelo de Maria e de uma consagração a ela, de acordo com Pio XII, cujos ensinamentos examinaremos num capítulo posterior. O título mariano que melhor justifica o Escapulário é Padroeira, que consideraremos junto com outros no próximo capítulo.
Lectio Divina
Os escritos de nossos autores medievais são de uma época e de uma cultura bem diferentes da nossa. Encontramos expressões sobre Maria que não seriam usadas hoje, como por exemplo, “divina” (mas que usamos tranqüilamente num contexto secular: “A música de Mozart é divina”). Mas o esforço de tentarmos nos solidarizar com nossos antepassados medievais é válido. Isto se faz de melhor forma através de seus textos da lectio divina. Nele nos perguntamos:
o que o texto significa?
1-o que o texto significa para mim e para o mundo onde vivo e ao qual sirvo?
2-como respondo de forma orante à verdade que está sendo apresentada neste texto?
O trecho seguinte, tirado ao acaso de A. Bostius (1479) é uma rica expressão de nossa herança. Vale a pena aproveitar o tempo para orar com ele e, assim, aprofundarmos nossa tradição de um modo vivo. O texto é tirado de um longo capítulo mostrando como os carmelitas deveriam honrar Maria. Permanece por ser visto como os Irmãos devem mostrar o amor, toda honra e reverência fraterna a uma tal Irmã, excelente Mãe e Padroeira que possui tal poder sublime, piedade gentil, abundante generosidade e toda fecundidade. Pois, entre todas as pessoas, ela escolheu os carmelitas para serem uma raça que seria especial para ela e, particularmente, levou-os sob a sombra de suas asas. Como a Amada adotada pelos Irmãos, ela realmente ora a todo momento por eles, seu povo, a quem ela segura em seus seios, instruindo-os com o leite divino.
Omito o culto e as devoções especiais que dia e noite eles não param de oferecer à mais divina, Mãe Toda-poderosa, a quem eles amam tão profundamente, sempre reverentemente venerada, devotamente louvada, magnífica no mais algo grau e admiravelmente exaltada. Em seus corações e bocas proclamam corretamente um lugar muito especial para ela. Pelo menos, essas coisas devem ser guardadas na mente que une a família carmelitana aos benefícios da divina Maria. Eles devem mostrar aos outros a maior eficácia da proteção de Maria no meio de seu povo. Eles reconhecem como certo que devem dar graças eternamente a ela, pois eles não possuem a capacidade de dar benefícios àqueles que os concede. Lembrando que, no testemunho do Papa Gregório, cada um carrega algum título de seu trabalho, de forma que se pode facilmente ver sob a direção de quem este trabalho é feito. Por isso, todas as Igrejas de uma comunidade carmelitana são instituídas em honra da sempre gloriosa Maria e são dedicadas ao seu reverente nome. Portanto, alegremente todo o Carmelo proclama:
Escolhi a moradia da Mãe de Cristo por casa, que a santa Virgem possa vir em auxílio de seus servos.[lxxvii]
*UMA PRESENÇA AMOROSA: MARIA E O CARMELO. Um Estudo da Herança Mariana na Ordem.
[i] V. Hoppernbrouwers, “Come l’Ordine Carmelitano há veduto e come vede la Madonna”, Carmelo 15 (1968) 209-221.
[ii] Ver Smet, Carmelites 1:10-28, esp. 10-12.
[iii] Ibid. 1:11.
[iv] MCH 47.
[v] ACG 1:7.
[vi] Laus religionis carmelitanae 4:2 – MCH 243.
[vii] Laus 6:4 – MCH 253.
[viii] Ver E. Boaga, “Elijah alle origini e nelle prime generazioni dell’Ordine Carmelitano” em P. Chandler, ed. A Journey with Elijah. Carisma e spiritualità 2. (Rome: Ed. Institutum Carmelitanum, 1991) 85-103; E. Boaga, Nello spirito e nella virtù di Elia. Antologia di documenti e sussidi. (Roma: Ordem Carmelita Comissão para o Carisma e a Espiritualidade, 1990).
[ix] MCH 99.
[x] O texto deveria ser traduzido para indicar que os eremitas eram filhos dela “Decebat igitur ut mater virtutum locum tantae sanctitatis et devotionis filios per suam personalem praesentiam decoraret”. MCH 128; ver Geagea, Maria 202-208.
[xi] Ibid. 128, 131.
[xii] MCH 184-253; ver Valabek, Mary 1:25-42.
[xiii] Speculum 1 – MCH 187.
[xiv] Laus 1:1 – MCH 218.
[xv] Laus 1:2-3 – MCH 219-220.
[xvi] Laus 1:4,6 e 14 – MCH 221, 222, 231.
[xvii] Compendium 2 – MCH 202; Speculum 3 – MCH 190; Laus 1:6 – MCH 222-223.
[xviii] MCH 218-233.
[xix] Laus 1:9 – MCH 226.
[xx] Laus 1:11 – MCH 228.
[xxi] Speculum 2-3 – MCH 189-190.
[xxii] Smet, Carmelites 1: 63-64; Geagea, Maria 129-137, 250-268; Valabek, Mary 1: 43-59; ver P. Chandler, “Ribot, Philippe”, D Spir 13: 537-539.
[xxiii] Geagea, Maria 136-137.
[xxiv] Institutes 6:5 – SpecC 2: 60-61, nn. 238-240; 6: 7-8 - SpecC 2: 62-63, nn. 246-251.
[xxv] Institutes 6:1 – SpecC 2:54-55, n. 215.
[xxvi] Institutes 6:3 – SpecC 2: 57-58, nn. 225-229.
[xxvii] Institutes 6:5; 6:7 – SpecC 2:60, n. 238; cf. n. 240; 2:62, n. 246.
[xxviii] Institutes 6:4 – SpecC 2: 59, n. 234.
[xxix] Institutes 6:5 – SpecC 2:60, n. 238.
[xxx] Institutes 6:3 – SpecC 2: 58, n. 226-228.
[xxxi] E. R. Carrol, “The Marian Theology of Arnold Bostius, O. Carm. (1445-1499)”, Carmelus 9 (1962) 197-236; id. “Arnold Bostius, Fifteenth Century Flemish Exponent of Carmelite Devotion to Mary”, The Sword (1977) 7-20; Geagea, Maria 372-438; Valabek, Mary 1:61-78 = Roseti del Carmelo (Florence) 1982/2, pp. 25-42.
[xxxii] Daniel a Virgine Maria, ed., Vinea Carmeli seu historia eliani Ordinis B. V. Mariae de Monte Carmelo (Antwerp, 1662).
[xxxiii] Geagea, Maria 370-372.
[xxxiv] SpecC 2: 375-431, nn. 1524-1703. Existe uma tradução em espanhol feita por A. M. Lópes Sendín, Patronato y patrocinio de la Santísima Virgen Maria sobre la Orden del Carmen que le está consagrada (Madrid: Centro de Espiritualidad Carmelitana, 1981). Aguardamos tanto uma edição crítica quanto uma tradução em inglês de Paul Chandler.
[xxxv] Ver Carroll “Marian Theology” (n. 29); Geagea, Maria 379-397.
[xxxvi] “Marian Theology” (n. 29) 203.
[xxxvii] Maria 381-384.
[xxxviii] Ver Geagea, Maria 376-379; S. De Fiores, “Bellezza”, NdizMar 222-231; cap. 6 abaixo.
[xxxix] Laus religionis carmelitanae 1:4 – MCH 219-220.
[xl] De patronatu 8 – SpecC 2:405, n. 1614.
[xli] Ibid. 1:2 – SpecC 2:378, n. 1534.
[xlii] Ibid. 9 – SpecC 2:407, n. 1619.
[xliii] Ibid. 4:2 – SpecC 393; n. 1585.
[xliv] Ibid. 4:1- SpecC 2:390, n. 1574.
[xlv] Ibid. 11:2 –SpecC 417-420, nn. 1654-1668.
[xlvi] Ibid. pater 4:2 – SpecC 2:391, n. 1578; institutor 12:2 – SpecC 2;423, n. 1677; patriarcha... legislator... praeceptor... patronus... fundator 12:2 – SpecC 2:423, n. 1678.
[xlvii] Ibid. 1:1; 2:2 – SpecC 2:377, n. 1529; 383, n. 1549.
[xlviii] Ea propter Legis-latrix Eliae, Maria: & totius Carmeli coetus legislatrix, fundatrixque primaria rite dicitur. Ibid. 2:2 – SpecC 2:383, n. 1549.
[xlix] Domina et institutrix nostra Maria. Ibid. 12:2 – SpecC 2:343, n. 1678; cf. “fundaste nossa ordem” (ordinem nostrum instituisti). Ibid. 1:1 – SpecC 2:377, n. 1531.
[l] Maria patrona 3 – SpecC 2:437, n. 1730.
[li] M. Cera, “II rapporto Elia-Maria nel Carmelo”, Maria icona 83-92.
[lii] Geagea, Maria 405-417.
[liii] Mater igitur et Patrona Carmeli et Carmelitarum. De patronatu 4:2 – SpecC 2:392, n. 1548. Inclyta Dei Genetrix Maria patrona Carmeli praeclarissima. Ibid. 5:1 – SpecC 394, n. 1590.
[liv] Ibid. 1:1 – SpecC 377, n. 1530.
[lv] Ibid. 11:2 – SpecC 2:419, n. 1662.
[lvi] Tutrix. Ibid. 4:1 – SpecC 393, n. 1588.
[lvii] Ibid. 5:1 – SpecC 395, n. 1593.
[lviii] Ibid. 1:1 – SpecC 378, 1533.
[lix] Ibid. 6:3 – SpecC 2:400, n. 1606.
[lx] 4:2 – SpecC 2:391, n. 1578.
[lxi] Geagea, Maria 413-414.
[lxii] De patronatu 4:2 – SpecC 2:391, n. 1578.
[lxiii] Ibid. 7:1 – SpecC 2:401, n. 1609.
[lxiv] SpeC Dedicação ao Cardeal Paluzio, protetor da Ordem.
[lxv] De Patronatu 4:2 – SpecC 392, n. 1584.
[lxvi] Ch. 4- MCH 127.
[lxvii] 6:1 – SpecC 2:55, n. 215.
[lxviii] De Patronatu 13:2 – SpecC 2:428, n. 1697.
[lxix] Ibid. 11:3 – SpecC 2:420, n. 1669.
[lxx] V. Hoppenbrouwers, “Virgo purissima et vita spiritualis Carmeli”, Carmelus 1 (1954) 255-277; S. Possanzini, “La ‘Virgo Purissima’” em Maria icona 73-82; E. R. Carroll, “La ‘Virgo puissima’ y el Carmelo” em Congreso 1989: 51-61.
[lxxi] Rub. 13 – AOC 15 (1950) 218.
[lxxii] 7:4 –SpecC 2:67, n. 265.
[lxxiii] Ibid. n. 264.
[lxxiv] ACG 1:11; MCH 67.
[lxxv] MCH 314, 323, 324.
[lxxvi] B. M. Xiberta, De visione Sancti Simonis Stock. Bibliotheca Sacri Scapularis. (Roma: Institutum Carmelitanum, 1950) 311.
[lxxvii] De patronatu 13:1 – SpecC 2:416, n. 1691.
CARMELITAS: Do Caminho de Perfeição de Santa Teresa de Ávila
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Parece-me agora a mim que quando Deus fez uma pessoa chegar a claro conhecimento do que é o mundo e que coisa é mundo, e que há outro mundo, e a diferença que há de um para o outro, e que um é eterno e o outro é sonhado; ou que coisa é amar o Criador ou a criatura - isto visto por experiência, que é negócio diferente do que apenas pensá-lo e crê-lo - ou (que coisa é) ver e provar que é que se ganha com um e se perde com o outro, e que coisa é Criador e que coisa é criatura, e outras muitas coisas, que o Senhor ensina a quem se quer entregar para ser ensinado por Ele na oração, ou aos que Sua Majestade quer que amem mui diferentemente de nós os que não temos chegado até aqui".
(...) São estas pessoas que Deus faz chegar a este estado; almas generosas, almas régias; não se contentam com amar coisa tão ruim como estes corpos, por mais formosos que sejam, por muitas graças que tenham (e ainda bem que haja agrado da vista e louvem a Deus); mas para neles se deter, não. Digo «se deter», de maneira que por estas coisas tenham amor; parecer-lhes-ia que amam coisa sem importância, e que se põem a querer sombras; correriam de si mesmos e não teriam cara para, sem grande afronta a Ele, dizer a Deus que o amam".
Dir-me-eis: «Estes tais não saberão querer nem pagar o amor que se lhes tiver; ao menos se lhes dá pouco de que o tenham a eles». Já que com rapidez algumas vezes a natureza leva a folgar-se de ser amados, tornando sobre si, vêem que é disparate, se não são pessoas que hão de fazer proveito a suas almas ou com doutrina ou com oração. Os outros amores todos as cansam, pois entendem que nenhum proveito lhes fazem, e poderiam prejudicá-las, não porque lhes deixem de agradecer e pagar ao encomendá-las a Deus. Tomam-no como coisa, que lançam elas aos que as amam como carga sobre o Senhor, pois entendem que vem dali, porque não lhes parece que há que querer em si (tais pessoas), e logo lhes parece que as querem porque as quer Deus, e deixam a Sua Majestade que o pague e lho suplicam, e com isto ficam livres, pois lhes parece não lhes tocar. E bem reparado, se não é com as pessoas a que me refiro, que nos podem fazer bem para ganharmos bens perfeitos, eu penso algumas vezes quão grande cegueira se traz neste querer que nos queiram".
Agora notem que como o amor, quando o queremos de alguma pessoa, sempre se pretende algum interesse de proveito ou contentamento nosso, e estas pessoas perfeitas já os têm todos debaixo dos pés, os bens, que no mundo se lhes pode fazer e agrados, e contentamentos, elas já se encontram de sorte que, ainda que eles o queiram - como se diz - não as podem manter que o seja fora de com Deus ou fora de tratar com Deus. Pois que proveito lhes pode vir de ser amadas?"
Quando se lhes representa esta verdade, de si mesmas se riem pela pena que algum tempo lhes foi dada se era pago ou não o seu amor. Ainda que seja bom o amor, não é logo natural querer ser pago. Vindo-se cobrar esta paga, é com palhas, porque tudo é ar e sem importância e o carrega o vento; porque, quando muito nos tenham querido, que é isto que nos resta? Assim que, se não é para proveito da sua alma com as pessoas de que tenho falado - porque vem a ser tal a nossa natureza que se não há algum amor logo se cansam - não se lhes dá mais ser queridas do que não".
"Parecer-vos-á que estes tais não querem a ninguém, nem sabem, a não ser a Deus. Digo que sim: amam muito mais, e com mais verdadeiro amor, e mais apaixonadamente e mais proveitoso amor; enfim é amor. E estas tais almas são sempre afeiçoadas a dar muito mais do que a receber: até mesmo com o próprio Criador lhes acontece isto. Digo que merece este nome de amor, que estas outras afeições baixas lhe têm usurpado".
SEGUNDA-FEIRA, 30 DE ABRIL: Pensamento do Dia
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“Não adianta... Não adianta lamentar os erros, as falhas e as derrotas ocorridas neste mês de abril. O mês passou, e talvez também passaram várias oportunidades que Deus nos concedeu. Amanhã começa tudo de novo! Que tal aproveitar cada segundo do mês de maio na abertura de novos caminhos? Tudo depende de você, somente de você!”. Frei Petrônio de Miranda, Carmelita. Convento do Carmo da Lapa, Rio de Janeiro. 30 de abril-2018.
CARMELITAS: DOS ESCRITOS DO BEATO FREI TITO BRANDSMA
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"Vivemos num mundo, onde até mesmo o amor é condenado e visto como fraqueza, que deve ser banida. «Nada de amor - dizem -e sim desenvolvimento da força. Cada pessoa procure ser o mais forte possível; morram os fracos!» E até dizem: «O Cristianismo, com a sua mensagem do amor, já teve o seu tempo e deve ser substituído pela antiga potência germânica».
Oh! Sim! Vêm até vós com estas doutrinas e acham gente que as escutam com gosto. O amor é negado! São Francisco de Assis diria: "O amor não é amado!" e, alguns séculos mais tarde, em Florença, Santa Maria Madalena de' Pazzi num êxtase tocava os sinos do Mosteiro das Carmelitas e dizia: «Como é belo o amor!»
Ah! Como gostaria de fazer soar os sinos do mundo para proclamar: «Como é belo o amor!»
Embora o neopaganismo não deseje mais o amor, nós, fiéis à memória da História, com o amor venceremos este paganismo e não abdicaremos do nosso amor. O amor far-nos-á conquistar novamente o coração dos novos pagãos. A natureza está acima da teoria. Que seja rejeitada e condenada, chamada de fraqueza a doutrina sobre o amor, a prática da vida, porém, demonstrará novamente que o amor é uma força vencedora, que há de reconquistar o coração dos homens. «Olha como eles se amam!» Esta frase dos pagãos a respeito dos cristãos, os neopagãos haverão de repeti-la a nosso respeito. Assim venceremos o mundo".
CARMELITAS: DOS ESCRITOS DE SANTA TERESA DE LISIEUX
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"Oh! Jesus! Meu amor, minha vida... como fazer união destes contrastes? Como realizar os desejos da minha pobre pequenina alma?...
Ah! Apesar da minha pequenez, gostaria de iluminar as almas como os Profetas, os Doutores, tenho a vocação de ser Apóstolo... Queria percorrer a terra, pregar o teu nome e plantar no solo infiel a tua Cruz gloriosa, mas, ó meu Bem-Amado, uma missão só não me bastaria, queria ao mesmo tempo anunciar o Evangelho nas cinco partes do mundo e até às ilhas mais longínquas...
Queria ser missionária não apenas alguns anos, mas queria já o ter sido desde a criação do mundo e o ser até à consumação dos séculos... Mas, acima de tudo eu queria, ó meu Bem-Amado Salvador, eu queria derramar o meu sangue por ti até à sua última gota...
O Martírio, eis aí o sonho da minha juventude; este sonho cresceu comigo sob os claustros do Carmelo... Mas ainda aí sinto que meu sonho é uma loucura, pois não saberia limitar-me a desejar um gênero único de martírio... Para satisfazer-me eu teria necessidade de todos...
(...) Ó meu Jesus! Que é que vais responder a todas as minhas loucuras?... Há alguma alma mais pequena, mais impotente do que a minha?!... Contudo, por causa mesmo da minha fraqueza, Tu te comprouveste, Senhor, em satisfazer aos meus desejinhos infantis, e hoje queres satisfazer a outros desejos maiores do que o universo..."
*CARMELITAS: O Modelo Mariano
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Frei Egídio Palumbo O. Carm .
A forma mariana da "koinonia" fraterna
A "sororidade" ("irmanidade"): a presença de Maria como Irmã na fé. Significa esta presença sintonia de vida com Maria na virgindade como coração puro, coração indiviso, que adere totalmente a Deus ("Institutio", Bóstio). Sintonia que também se exprime pelo mesmo caminho de fé feito de escuta da Palavra, de oração, de silêncio, de humildade (Baconthorp).
Esta presença significa ainda familiaridade no relacionamento, no diálogo construtivo, inspirado na caridade ("Institutio", Bóstio, Teresa de Lisieux).
A ternura: a capacidade de amar o outro profundamente sem apoderar-se dele. Os autores carmelitas vêem em Maria esta virtude espiritual enquanto Maria é ícone do rosto maternal de Deus, da sua profunda misericórdia, que se inclina sobre o homem (cf. o ícone da Virgem que cobre os carmelitas com o seu manto).
Refletida na vida de fraternidade, a ternura se desdobra em solícita atenção para com as necessidades do outro, em sustento, cuidado e proteção em tudo o que favorece a qualidade da vida. Somente quem experimenta a ternura de Deus refletida em Maria é capaz de se identificar com as situações da vida.
A forma mariana da dimensão contemplativa da vida
A profecia: Maria soube aprofundar-se no mistério do Filho, compreendê-lo e anunciá-lo aos apóstolos e aos que tinham acreditado (Bóstio, Teresa de Lisieux e Isabel da Trindade); o seu anúncio é fruto da procura de Jesus "na noite escura da fé" (Teresa de Lisieux).
Maria conquistou a capacidade de contemplação porque se tornou morada da Trindade, seu "puríssimo espelho". A presença desta mulher contemplativa faz-nos sentir Deus mais próximo; circunda e transfigura a nossa existência de acordo com as grandezas do Amor Divino que vemos nela refletidas (Miguel de Santo Agostinho), como pureza do coração, adesão total a Deus (Bóstio, Miguel de Santo Agostinho, Isabel da Trindade).
A fecundidade espiritual: quem se deixa habitar pela presença de Deus-Trindade, como Maria, adquire a capacidade de gerar Cristo na história dos homens (Tito Brandsma). Esta é a finalidade da nossa caminhada de fé junto com Maria.
A forma mariana da "diakonia" no meio do povo
A companhia na fé: a tradição do Carmelo vê Maria como uma mulher simples e humilde, capaz de caminhar com os homens e as mulheres de todos os tempos, mas de modo especial com os pobres: "Os pobres e os humildes são tão numerosos nesta terra, mas podem sem medo erguer os olhos para Ti. Tu és a Mãe Incomparável que vais com eles pelas estradas de todos" (Teresa de Lisieux).
Na luz do mistério de Maria, estar em companhia junto com os últimos significa identificar-se com os problemas do povo, com as suas angústias e exílios existenciais (Teresa de Lisieux: "Tu, ó Mãe, conheces todos os rigores do exílio")
A humanização do mundo: impressiona ver com quanta insistência as antigas lendas da Ordem salientam a atitude de proteção, de carinho, que Maria reserva à humanidade. Pergunto-me se esta insistência não está manifestando a consciência do Carmelo de querer edificar uma Igreja e construir um mundo mais de acordo com as medidas do homem? Não uma Igreja trancada no juridicismo rude dos "princípios", mas aberta e compassiva: como Maria. Não um mundo desligado e indiferente, e sim mais atento, que se identifique mais com os problemas da humanidade: como Maria.
A presença de Maria dá assim uma orientação mais humanizante à nossa "diakonia" apostólica (Edith Stein), porque tem em vista a conversão integral do homem para os valores que trazem dignidade à existência: solidariedade, mansidão, alegria simplicidade, paz, etc.
*0 CARMELO A SERVIÇO DA NOVA EVANGELIZAÇÃO: Carisma, Espiritualidade e Missão - apontamentos. - Fraternità Carmelitana- Pozzo di Gotto - 1993. Tradução, Frei Pedro Caxito O. Carm. In Memoriam ( *31/12/1926 +02/09/ 2009 )
CARMELITAS: Encontro em Alagoas-03.
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Vídeo-Convite para o 1º Encontro Vocacional em Alagoas-Paróquia São Maximiliano Maria Kolbe na Diocese de Penedo- no dia 05 de maio-2018. INFORMAÇÕES E INSCRIÇÃO PELO SITE OU E-MAIL: Site: www.carmelitas.org.br E-mail: Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar. ou, Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar. (E-mail do Frei Petrônio do Carmo da Lapa, Rio de Janeiro. 17 de abril-2018. Divulgação: FACE: www.facebook.com/freipetros SITE: www.olharjornalistico.com.br TWITTER: www.twitter.com/freipetronio Convento do Carmo da Lapa, Rio de Janeiro. 26 de abril-2018.
OS VOTOS EVANGÉLICOS- Pobreza, Castidade e Obediência- Um chamado à transformação.
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Frei Quinn R. Conners, O. Carm.
Os três votos professados por religiosos e religiosas estão enraizados nas Escrituras. Eles são uma expressão dos valores do Evangelho. Contudo, eles se encarnam num determinado momento histórico, refletindo assim as necessidades e as esperanças psicológicas e espirituais das pessoas e do tempo em que vivem. Nossa discussão sobre cada um dos votos partirá de suas raízes espirituais ou teológicas.
Reconhecemos que os votos não são entidades autônomas. Cada voto tenta exaltar um lado distinto da vida humana, dos valores evangélicos, da vida cristã e carmelitana. No entanto, cada voto está relacionado intimamente ao outro. A partir de nossa breve abordagem histórica, veremos que antigamente todos os votos estavam subordinados ao voto de obediência. Este inter-relacionamento dos votos fica evidente quando tentamos descrever cada um deles.
POBREZA: A matéria bruta em transformação
Ao contrário da obediência, encontrar as raízes bíblicas da pobreza exige algum esforço. Obediência é uma palavra bíblica bem comum, enquanto que pobreza ocorre com menos frequência. Contudo, a chave para a pobreza é a consciência de que ela deve estar enraizada na fé e no amor que nos une a Deus. De fato, num sentido bíblico a pobreza e a obediência estão intimamente relacionadas. Se obediência é o compromisso de ouvir a voz de Deus, a pobreza é o compromisso de responder a esta voz.
Em geral, as Escrituras olham a pobreza de um modo bem prático. Basicamente, os bens materiais são apresentados de uma maneira positiva. Eles são um dom de Deus, reflexo da criação de Deus. Por outro lado, a pobreza e a espoliação não são boas. Elas representam uma distorção da bondade de Deus. Portanto, um dos compromissos da Aliança era que todos mereciam atenção: ninguém deveria passar necessidades, ninguém deveria ser pobre. Quando Lucas retrata a comunidade de Jerusalém após a Páscoa, ele a descreve precisamente nestes termos como a realização da comunidade ideal ansiada por Israel: “Todos os que abraçaram a fé eram unidos e colocavam em comum todas as coisas... conforme a necessidade de cada um” (At 2,44-45).
Contudo, Israel e as igrejas do Novo Testamento também conheciam a tentação em ter tantos bens. As divisões entre os ricos e os pobres emergiram desde cedo na história de Israel. Eventualmente vozes proféticas, de Elias a Jeremias, surgiam contra os ricos e poderosos porque eles maltratavam os indefesos. Amós e Oséias denunciavam os ricos por ignorarem os pobres.
Assim, surgem duas correntes bíblicas sobre os bens nas escrituras hebraicas e persistem até o Novo Testamento. Primeiramente, os bens são bons quando servem como instrumentos e expressões da dignidade humana que recebemos como filhos de Deus. Em segundo lugar, numa comunidade baseada na fé em um Deus que é misericordioso e compassivo, ninguém deveria sofrer com a falta de alguma coisa.[i]
O Novo Testamento também tem uma visão prática dos bens. Uma grande riqueza é vista com ceticismo que nasceu da experiência. Jesus viveu num tempo onde existia uma grande divisão entre ricos e pobres. Ter muitos bens exige sua atenção nas coisas, não em Deus. “Onde está o seu tesouro, está o seu coração”. As pessoas que possuem muita colheita necessitam construir muitos celeiros, em vez de pensarem sobre o destino de suas almas. Aqueles que pisam em Lázaro e em suas feridas para entrarem nos salões do banquete estão também muito preocupados para ouvirem a voz da profecia. Aqueles que encontram conforto e poder naquilo que possuem podem estar cultuando a riqueza como se fosse seu Deus.
Estes são os exemplos de Jesus sobre riqueza e bens. Eles são pragmáticos e baseados na experiência. “Algumas de suas intuições mais explícitas sobre os bens são estabelecidas no contexto de metáforas sobre viagens”.[ii] Carregue apenas um cajado. Muita riqueza é simplesmente muita bagagem. O jovem rico foi embora muito triste – tinha muita bagagem. Zaqueu, buscando a aprovação de Jesus, dá metade de suas riquezas.
Caminhar nas pegadas de Jesus é uma jornada de fé e de serviço. Devemos estar livres para esta jornada. Esta realidade influencia as parábolas de Jesus sobre os bens:
“Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga. Pois, quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la, mas quem perde a sua vida por causa de mim e da Boa Notícia, vai salvá-la. Com efeito, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, se perde a própria vida?” (Mc 8,34-36).
Quando os discípulos hesitam, imaginando que se arriscaram muito, Jesus lembra mais uma vez o chamado da liberdade:
Pedro começou a dizer a Jesus: “Eis que nós deixamos tudo e te seguimos”. Jesus respondeu: “Eu garanto a vocês: quem tiver deixado casa, irmãos, irmãs, mãe, filhos, campos, por causa de mim e da Boa Notícia, vai receber cem vezes mais. Agora, durante esta vida, vai receber casas, irmãos, irmãs, mãe, filhos e campos, junto com perseguições. E, no mundo futuro, vai receber a vida eterna” (Mc 10,28-30).
O pensamento de Jesus é claro: “O que chamamos de pobreza evangélica é aquilo que os evangelhos chamam de colocar de lado qualquer coisa que nos impeça de seguir Jesus. Jesus era totalmente livre, livre para seguir a orientação do Espírito, livre para trilhar pelas margens da sociedade de seu tempo, livre para estar em comunhão com os pobres, livre para tocar naqueles que precisavam de cura, livre para acolher a raiva e a violência, livre para ouvir a voz de Deus”.[iii]
A Bíblia fala positivamente do pobre, mas não da pobreza. Os pobres são o objeto da compaixão de Deus e, por isso, deveriam ser do interesse do povo de Deus. Aos olhos da Bíblia os pobres têm uma vantagem sobre os ricos: é menos provável que eles sejam seduzidos por uma profusão de bens. Por estarem indefesos e vulneráveis sua única força é Deus.
Assim, as raízes bíblicas da pobreza são simples. Bem-aventurados os pobres porque deles é o reino de Deus. Bem-aventurados os que têm fome de Deus e de seu reino que colocam de lado todos os empecilhos, toda bagagem e seguem Jesus para a realização de suas esperanças.
Existem duas motivações bíblicas óbvias para deixarmos de lado os bens. Primeiro, o voto de pobreza nos permite a liberdade de colocarmos o excesso de nossos bens à disposição dos necessitados. Segundo, o voto nos torna livres daquelas posses que poderiam nos impedir de seguir Jesus.[iv]
Na Regra, a pobreza aparece no n. 12. A visão é aquela das primeiras comunidades apostólicas cujo objetivo é preservar o bem comum. A pobreza em si não é o ideal. O bem de todos os irmãos e irmãs é o ideal. Portanto, partilhamos o que temos uns com os outros de modo que ninguém tenha necessidade de qualquer coisa.
Contudo, o bem comum em si não é um tipo de comportamento nivelador ou cego de modo que a singularidade de cada pessoa se perca ou desapareça sob uma monotonia ou uniformidade superficial. O objetivo de partilhar todas as coisas em comum é colocado no contexto onde também saibamos reconhecer as necessidades individuais – “conforme cada qual estiver precisando, levando-se em consideração as idades e as necessidades de cada um”.[v] A Regra nos desafia a assumir nossa responsabilidade em determinar o que precisamos e avaliá-las no contexto das necessidades da comunidade.
O voto, em seu ideal e em sua realidade, nos une à esfera econômica da vida humana. Cada ser humano estabelece algum tipo de relacionamento com o mundo econômico. Universalmente as pessoas tendem a medir o sucesso na vida através deste relacionamento. O que eu ganho na esfera econômica? De quantas maneiras posso ser dominado pelo mundo que me rodeia? A minha doação é benéfica ou maléfica, libertadora ou escravizante?
Ao professarmos a pobreza não escapamos destas perguntas e da luta que elas representam. Estamos simplesmente dizendo que, através de nossa profissão para ser verdadeiramente humanos, queremos partilhar o que temos, viver simplesmente, desenvolver um espírito de desprendimento e sermos solidários com os necessitados e pobres de fato.
Partilhar
Partilhar não significa necessariamente dar um testemunho poderoso, mas é uma prática que nos une e nos ensina sobre nossa dependência de Deus e dos outros. A solidão e a indiferença mútua que experimentamos algumas vezes na vida comunitária estão muitas vezes relacionadas com questões envolvendo os bens comunitários. Muitos bens e conveniências pessoais embaralham nossas mentes e nossos corações e nos afastam de qualquer necessidade sentida na vida comunitária. A necessidade de partilhar nossos bens, de chegar a um acordo em nossas preferências, de estar satisfeitos com o bem-estar comum – tudo isso proporciona várias oportunidades para aquele apoio e desafio que são a essência da vida comunitária. A partilha dos bens por sua vez, proporciona um meio de também partilhar os interesses, as preocupações, as memórias, as aspirações e a oração.
Viver de modo simples
Viver de modo simples em nosso mundo consumista é um grande desafio. Muitos bens materiais podem nos provocar o esquecimento de quem nos fez e do porquê estamos aqui. Uma vida mais austera abre perspectivas, novas ou esquecidas no conhecimento de Deus. Libertados das distrações e da busca ilusória de nossos pequenos confortos e luxos, permanecemos diante de Deus um pouco mais como somos – como seres humanos com fome de Deus, necessitados da misericórdia de Deus, nunca realizados ou satisfeitos a não ser em Deus (vacare Deo).
A austeridade de vida nunca é fácil para um indivíduo ou para uma comunidade. Cada grupo etário, cada tipo de personalidade, cada cultura humana tem seus pontos fortes e suas fraquezas neste domínio. É um desafio avaliar continuamente nosso estilo de vida, com respeito uns pelos outros e fazer cada vez as mudanças necessárias que nos levarão para mais perto de Deus, dos outros e do povo de Deus ao nosso redor.
Ser desapegado
O voto de pobreza sem uma simplicidade material é certamente considerado suspeito. Contudo, a observância fiel do voto não pode ser medida em termos puramente econômicos. O significado mais profundo de nosso voto de pobreza nos desafia a um desapego, tanto espiritual como material. Nos capítulos 1-8 de seu livro Noite Escura, João da Cruz descreve enfaticamente a transformação a qual Deus nos chama através deste espírito de desprendimento.
Freqüentemente, de modo inconsciente e sutil, possuímos (ou somos possuídos por) funções, hábitos, tarefas, pessoas e lugares. É normal para nós reafirmarmos nossos sentimentos de segurança e de auto-estima em tarefas especiais, às quais nos apegamos tenazmente, ou em rotinas e práticas que canonizamos desnecessariamente, ou em instituições que controlamos, ou em lugares especiais dos quais pensamos não poder nos afastar. Tais ligações são geralmente o resultado de grande dedicação e compromisso. Mas o compromisso paralisa quando não está aberto à mudança. O que começou como um bem torna-se prejudicial – para nós pessoalmente e para a missão de nossa comunidade. Ele nos impede de ouvir novos chamados e de experimentar novos desafios. Nossa ligação excessiva com um bem muitas vezes não nos deixa livres para muitos outros bens.
Tais ligações com coisas não-materiais são difíceis de se identificar e de se enfrentar. Freqüentemente os outros as percebem em nós antes do que nós mesmos. O espírito de obediência nos desafia a ouvir os outros quando eles nos questionam. O espírito de pobreza nos desafia a deixar tais posições e nos promete uma nova liberdade.
Ser solidário
A pobreza voluntária não pode estar separada ou independente da pobreza involuntária experimentada por tanta gente do povo de Deus em nosso planeta. Se estamos realmente caminhando nas pegadas de Jesus, então o interesse dele pelos pobres, pelos sofredores e fracos de nosso mundo deve tornar-se também nosso. Jesus viveu no meio de pessoas que eram consideradas impuras: publicanos, pecadores, prostitutas, leprosos (Mc 2,16. 1,40; Lc 7,37). Ele reconheceu a riqueza e o valor que os pobres possuíam (Mt 11,25-6; Lc 21,1-4). Ele os proclamou felizes porque o Reino é deles, dos pobres (Lc 6,20: Mt 5,3). Ele definiu sua missão como “anunciar a Boa Notícia aos pobres” (Lc 4,18). Ele mesmo viveu com os pobres, sem possuir nada, nem mesmo uma pedra onde repousar a cabeça (Lc 9,58). Ele ordenou, a quem quisesse segui-lo, que escolhesse Deus ou o dinheiro (Mt 6,24). Ele ordenou fazer uma opção pelos pobres (Mc 10,21). Como realizamos isto?
Em primeiro lugar, um grande desafio para nós é redirecionar nosso trabalho nos ministérios atuais. Justiça para os pobres – aquela justiça que é “parte essencial do evangelho”[vi] – deveria ser uma preocupação em tudo o que realizamos. Quando trabalhamos entre os saciados e os ricos, o desafio é motivá-los a ajudar, a ampliar seu pensamento e a estimular sua boa vontade. Os trabalhos em nossas paróquias, escolas, etc., precisam envolver também os participantes ricos, para que eles possam experimentar realmente os problemas dos pobres e dos marginalizados.
Um segundo caminho é nossa própria experiência direta, trabalhando com os pobres. Conviver e olhar nos olhos, uns dos outros, é absolutamente necessário. Podemos não resolver os problemas das pessoas, mas podemos aprender a ficar mais perto e a sentir mais profundamente as dores daqueles que não receberam tantos privilégios quanto nós. O tempo real que gastamos trabalhando lado a lado, muitas vezes nos abre os olhos e os corações para os problemas. Assim, o processo para crescer no amor de Jesus pelos pobres é, paradoxalmente, aprender como ser pobre com os próprios pobres. Eles podem nos formar na dependência radical em Deus que este voto testemunha.
Provavelmente o modo mais importante de viver este voto é ser solidário com os pobres. A carência material é um mal. Não queremos idealizá-la, mas superá-la tão eficazmente quanto possível. Não podemos fingir sermos exatamente como os pobres. Mas podemos conhecê-los e partilhar seus interesses e seus fardos mais plenamente. Nossa educação e influência como religiosos podem ajudar a dar voz e compreensão à luta dos pobres. A experiência única que eles têm de Deus e da divina providência é um presente para nós. Temos muito a dar e a receber uns aos outros. Este é o significado da solidariedade – “permanecemos juntos como Maria permaneceu com João aos pés da cruz e experimentamos uma nova fonte de poder”.[vii] Tal postura é observada em nossa tradição carmelitana. Estaremos realmente próximos de Jesus na medida em que experimentarmos esta transformação em nossa solidariedade para com o pobre. Quanto mais estivermos perto dos pobres, experimentaremos esta transformação em nosso relacionamento com Jesus.
CASTIDADE: Um Amor Transformador
A Bíblia tem uma visão muito positiva da sexualidade. Não no seu sentido romântico, mas como uma expressão humana vital do poder criador de Deus. A visão bíblica era “crescer e multiplicar”. Por isso, as crianças – especialmente o filho, numa cultura de aldeia patriarcal – eram não apenas um sinal de bênção e de segurança, mas uma expressão de obediência.
A infecundidade e a esterilidade, por outro lado, eram uma maldição e um motivo para alguém ser ridicularizado. A Bíblia não traz hinos sobre a virgindade e poucas palavras de elogio à vida celibatária. Mais típico é o doloroso quadro de Ana, desfeita em pranto ao orar no santuário de Silo, implorando a Deus para livrá-la da vergonha da esterilidade. Então, onde encontramos um fundamento bíblico para o voto de castidade?
Desde o início da história cristã, aqueles que escolheram a castidade celibatária recorreram a dois textos como a base bíblica para esta decisão. Mateus 19 e 1Coríntios 7. Em Mateus, Jesus proclamou seu ensinamento sobre o matrimônio e aparentemente anulou a possibilidade do divórcio. Os discípulos atordoados dizem a ele: “‘Se a situação do homem com a mulher é assim, então é melhor não se casar’. Jesus respondeu: ‘Nem todos entendem isso, a não ser aqueles a quem é concedido. De fato, há homens castrados, porque nasceram assim; outros, porque os homens os fizeram assim; outros, ainda, se castraram por causa do Reino do Céu. Quem puder entender, entenda’” (Mt 19,10-12). Ainda que o estudo bíblico moderno sugira que esta passagem está mais relacionada com o casamento do que com o celibato, muitos sentem que ela ainda é um importante indício para um fundamento bíblico do voto.[viii]
Nesta passagem de Mateus, a frase chave é por causa do Reino do céu. A noção sugerida no texto grego não é a de que alguém se torna eunuco para ir para o Reino, mas que o reino fez algo para que a pessoa se tornasse um eunuco. “Em outras palavras, a lei de Deus – Deus – apodera-se de uma pessoa com uma paixão tão forte, tão dominante que ela toma conta da vida desta pessoa, a leva a uma decisão que a Bíblia dificilmente pode contemplar (e diante da qual os discípulos hesitam)”.[ix]
Na passagem de 1Coríntios, Paulo tem um enfoque semelhante. Ao nos aproximarmos do fim dos tempos, “quem não tem esposa, cuida das coisas do Senhor”. Ele diz isso a eles não para armar uma cilada, mas “para que possam permanecer sem distração junto ao Senhor” (1Cor 7,32-35). Assim, um enfoque semelhante é dado: a castidade celibatária torna-se uma opção cristã apenas porque a ardente paixão por Deus toma conta da vida da pessoa.
Tal fundamento lógico tem uma base espiritual sólida. As pessoas estéreis que lamentam seu vazio e sua esterilidade descobrem que Deus preenche suas vidas. Deus tira a vergonha de Ana; Deus sopra vida no útero de Isabel; e o Espírito de Deus leva vida ao útero de Maria. A única paixão que pode substituir a paixão do amor sexual é a paixão da fé. Assim, as escrituras sugerem que o voto de castidade, como os votos de obediência e de pobreza, “tira seu significado radical do vibrante elo primordial entre Deus e o fiel”.[x]
A Regra primitiva não menciona a castidade ou o celibato. Ela assume que a obediência no seguimento de Cristo ipso facto significa viver uma vida casta. A castidade é mencionada especificamente na adaptação da Regra pelo papa Inocêncio.[xi] Pouco mais é escrito, a não ser na passagem do n. 19. O objetivo da Regra é tentar estabelecer estruturas (por exemplo, silêncio, jejum, autoridade) que sustentarão o discipulado fundamental que os carmelitas buscam. Caminhar nas pegadas de Jesus nos chama para aquela busca concentrada do reino de Deus que o voto de castidade possibilita e testemunha.
O celibato consagrado, ao qual o voto de castidade nos chama, é um aspecto da vida religiosa que é distinto do caminho para o qual todos os discípulos são chamados. O celibato religioso foi descrito por Sandra Schneiders[xii] como um ícone, uma abertura no mistério de Deus. Este mistério nunca é plenamente revelado nem compreendido. Contudo, ele transmite aquele Deus misteriosamente presente no mundo. O amor celibatário na sua melhor forma evangeliza por sua absorção total em Deus, e por sua inclusão e seu extravasar do eu no outro. O celibato consagrado aponta para a irrupção do reino de Deus e para a totalidade de suas exigências.
A castidade celibatária trata da esfera pessoal ou doméstica de nossas vidas. Aqui o sucesso ou a realização na vida é muitas vezes medido em termos de relacionamentos íntimos. Que tipo de companheiros tenho e o que significo para eles? Quem conheço e como? Como me relaciono comigo mesmo e com meu corpo? Meus relacionamentos humanos e íntimos são libertadores ou escravizantes de alguma forma?
Ao professar a castidade celibatária, os religiosos não escapam destas questões e da genuína luta humana que elas representam. Ao professar buscar este relacionamento exclusivamente com Deus em sua vida, a pessoa não evita a profunda solidão ou o vazio que o fato de estar sem um parceiro permanente, ou uma família, carrega em si. Na verdade, a experiência da castidade celibatária é a de trabalhar com este vazio durante toda a vida da pessoa. Não é necessário dizer que existem muitos outros tipos de relacionamentos e de responsabilidades que aparecem em nosso caminho através da liberdade que o voto de castidade nos dá. Mas podemos esperar que nosso desejo e nossas necessidades por relacionamentos humanos serão, pelo menos às vezes, particularmente intensos.
Os religiosos que não vivem um amor intenso por Deus encontrarão o vazio esmagador. Freqüentemente eles procuram outras compensações: carreira, trabalho, conforto, bens, relacionamentos que comprometem potencialmente seu voto. Outros ficam deprimidos e retraídos na comunidade, severos e frios no ministério. Este é um voto perigoso. David Fleming, S.M., afirma: “Nenhum nível de maturidade, nenhuma técnica de desenvolvimento humano e religioso, nenhuma combinação de ministério e de amizade nos isolarão da dor e do desafio do celibato por causa do Reino”.[xiii]
Que oportunidades na vida religiosa estão disponíveis para nos ajudar a viver este voto com integridade, humanidade e generosidade? Para viver a castidade celibatária os religiosos devem crescer na compreensão de sua corporeidade, devem desenvolver uma abertura para o relacionamento na sua comunidade e nos ministérios e devem viver uma vida de contínua oração.
Nossa Corporeidade
No passado, numa tentativa de incentivar a castidade, parte de nossa formação religiosa voltou-se para um tipo de angelismo. Nem sempre houve um reconhecimento e uma apreciação positiva das necessidades de nossos corpos.
Quando nos relacionamos com outras pessoas, sempre o fazemos através de nosso corpo. É importante para nós voltar ao contato com a expressão natural do corpo e não negar seu valor como parte da criação de Deus. O voto de castidade não elimina nossa expressão corporal.
Sentir e tocar (um tapinha nas costas, um abraço, um aperto de mão caloroso, um beijo) são uma parte natural do relacionamento humano. As culturas variam muito no significado de tais gestos, mas em toda cultura o corpo exerce um papel importante ao expressar calor e afeição. Quando se reprime a expressão corporal somos tentados à sensualidade e ao erotismo compulsivos que poderiam ser expressos, por exemplo, na masturbação compulsiva ou no vício da pornografia. A melhor ajuda para a castidade não é a inibição, mas um zelo contínuo e respeitoso por nossas necessidades físicas e psíquicas. Este zelo se manifesta em comportamentos como: uma dieta saudável, exercícios regulares, repouso adequado, relaxamento e recreação. Quando este zelo é parte da vida celibatária, nossos corpos se tornam parte de uma pessoa madura, percebida como um todo, como um canal de encanto e de graciosidade.
Um respeito maduro e equilibrado por nossos corpos é parte do agradecimento pela criação da santidade unificada à qual somos chamados. Tais atitudes sustentam nossa vivência do voto em vez de miná-la. Elas são ajudas importantes à castidade. O voto de castidade não é um voto de ignorar o corpo. “Ele é certamente um voto onde se canalizam as energias criativas e significativas de nossos corpos para a vida de santidade”.[xiv]
Para viver o voto de castidade devemos crescer na aceitação e no respeito de nossos corpos. Este crescimento inclui aceitação e respeito por nossa sexualidade e por nossos desejos sexuais. Um desafio quando se busca integrar o próprio desejo por uma união sexual com outra pessoa, desejo este que pode ser muito poderoso. No entanto, tais desejos são parte da ação de Deus em nós. Eles não podem ser negados ou ignorados sem nos causarem problemas mais profundos. É valioso para nós refletirmos se existe um medo exagerado ou um puritanismo sobre a dimensão do corpo em nossas vidas. Em vez de reprimir qualquer interesse ou atenção pelo corpo humano (o nosso próprio corpo ou o corpo de outra pessoa), devemos aprender a sermos gratos e felizes por esta parte da criação de Deus. O resultado pode ser um relaxamento maior e uma atenção maior ao que nosso corpo nos diz sobre o todo de nossa natureza corpo-espírito. Se isto ocorreu, então de fato, seremos mais plenamente templos do Espírito Santo.
Relacionamentos em Comunidade e Ministérios
A intimidade humana é essencial para vivermos uma vida de castidade celibatária. Ser íntimo é deixar outra pessoa participar de nossa vida de tal modo que sua presença se torna uma parte do que somos. Isto aprofunda nossa auto-estima. A intimidade envolve uma certa morte para o eu e amar nosso próximo como a nós mesmos. Os relacionamentos são complicados e não saímos bem deles sem cicatrizes. Já que a intimidade é perigosa, temos muitas maneiras de nos proteger e de nos defender contra ela. Contudo, alguns relacionamentos íntimos são necessários para uma vida plenamente integrada e generosa.
Evidentemente a intimidade na vida religiosa é mais difícil do que na vida do leigo. Quanto mais próximos ficamos de uma pessoa, mais difícil é deixá-la ir. Contudo, o amor celibatário, em sua universalidade, implica na disposição de deixar muitas pessoas entrarem em nossas vidas mas também na boa vontade de deixá-las sair. Já que o processo de deixar partir é muito doloroso, os religiosos podem ter a tendência de desenvolver uma forte resistência à qualquer tipo de intimidade.
Além disso, a intimidade por sua própria natureza pede uma expressão física. Assim, o desenvolvimento da intimidade dentro de uma comunidade religiosa celibatária ou num ambiente ministerial pode criar, às vezes, uma tensão com respeito à expressão física que também será dolorosa e difícil de ser tratada. O que fazer? O caminho mais fácil seria evitar a intimidade em vez de desenvolver atitudes e comportamentos apropriados para a intimidade celibatária. Para evitar a intimidade usamos a repressão e a compensação que são reações psicologicamente doentias. O que ocorre então é o retraimento da intimidade e o investimento de nossa auto-estima em coisas, não em pessoas: trabalho, papéis, funções, realizações, conforto, etc.
Jesus não tinha medo da intimidade. Ela estava presente em muitos de seus relacionamentos: com os discípulos, com Marta e Maria, com Lázaro. A intimidade, incluindo a intimidade com o próprio Senhor, é um fato marcante nas vidas de muitos santos como Teresa e João da Cruz. O ideal deste voto é valorizar a intimidade com muitas pessoas, especialmente com os menores: os pobres, os doentes, as crianças, os deficientes. Assim, a vivência da intimidade dentro de uma vida religiosa celibatária torna-se um compromisso de solidariedade com os pobres, os sofredores, os marginalizados.
O religioso celibatário pode viver uma genuína vida de intimidade. Mas a consciência da sexualidade deve estar integrada com o desejo de viver o amor universal, integrador, redentor e piedoso de Cristo.
Oração
A experiência religiosa, cultivada numa vida consistente de oração, é a chave para a vivência significativa da castidade. Deus é o relacionamento permanente e mais importante em nossas vidas. Assumir o voto significa que nenhum ser humano é mais importante para nós do que Deus. É claro que este fato é verdadeiro para todos os seres humanos, mas a vida religiosa estimula a experiência de nossa solidão fundamental, tornando-o mais evidente e óbvio.
Uma vida de oração proporciona a oportunidade de experimentar este Deus que nos chamou a partilhar nosso eu com todos. Vamos para Deus com a experiência deste chamado em todas as suas ramificações: alegria e sofrimento, intimidade e vazio. Este tipo de vida é assumido adequadamente apenas na fé, certos de que Deus nos transformará. Apenas Deus fará de nosso coração uma fonte doadora de vida, desinteressada, aberta ao amor universal.
Uma vida de oração permite que continuemos a crescer nesta transformação e conscientização. Ser fiel à oração proporciona a oportunidade de estar em contato com o desejo que temos por Deus e com o desejo de Deus por nós assim como com as racionalizações e compensações que desenvolvemos para preencher a solidão. Basicamente, oramos porque sabemos que precisamos de Deus. Precisamos que Deus nos preencha e transforme nosso amor, para que ele possa ser libertado para interesses mais amplos e vastos em nosso mundo.
A castidade celibatária é um dom no qual crescemos. É um processo de crescimento perpétuo, não um voto que é medido apenas pelo fato de sermos ou não castos. É verdade que a atividade genital é algo que fazemos ou não. Mas, além disso, este voto é um chamado viver apenas para Deus, crescendo em nossos relacionamentos, tanto com companheiros religiosos como com o povo a quem servimos, buscando a integração mais profunda de todas as dimensões de nossa humanidade, canalizando nossas tendências para a sexualidade e criando relacionamentos que sejam um dom genuíno e saudável do eu para outras pessoas. Tudo isto exige crescimento constante e é uma experiência contínua que levamos a Deus em nossa oração.
Deus transforma nosso amor pelo bem do reino. Deus usa nosso amor para transformar o mundo. Este processo não é angelical. É humano. Oramos como pessoas corporificadas. Oramos com as experiências de relacionamentos que temos em comunidade e no ministério. Levamos todas estas experiências para nosso relacionamento com Deus e é lá que elas são transformadas na energia e na generosidade que Deus necessita no nosso mundo.
OBEDIÊNCIA- A Escuta como Transformação
A forma mais radical de obediência na Bíblia é a escuta fiel da voz de Deus que vem a nós através da comunidade, através de nossos mestres e líderes e através dos fatos da história. Deuteronômio 6,4-9 é a expressão perfeita da virtude bíblica da obediência.
Ouça, Israel! Javé nosso Deus é o único Javé. Portanto, ame a Javé seu Deus com todo o seu coração, com toda a sua alma e com toda a sua força. Que estas palavras, que hoje eu lhe ordeno, estejam em seu coração. Você as inculcará em seus filhos, e delas falará sentado em sua casa e andando em seu caminho, estando deitado e de pé. Você também as amarrará em sua mão como sinal, e elas serão como faixa entre seus olhos. Você as escreverá nos batentes de sua casa e nas portas da cidade.
Este credo, o famoso Shema, capta concisamente a noção judaica de como a vida dos judeus é totalmente centrada em Deus. Por Israel estar tão convencido da presença amorosa de Deus na história, por estar tão agarrada à realidade de Deus, sua única resposta é aquela de obediência reverente e de abertura confiante na direção amorosa de Deus feitas diariamente.
As grandes figuras do Antigo Testamento nos mostram que este tipo de obediência é um desafio. O exemplo de obediência radical destas figuras pode coexistir com a confusão e a ira diante dos caminhos misteriosos de Deus. Por exemplo, Moisés, que tira suas sandálias em reverência diante da presença de Deus na sarça ardente, também pode quebrar as tábuas de Deus com ira diante da estupidez do povo de Deus e dos confusos caminhos de Deus. O Salmista, cuja poesia lírica louva o poder e a grandeza criadora de Deus, também pode captar a raiva e a frustração diante das exigências de Deus. Jeremias, o profeta que fala de Deus como um fogo ardente em seus ossos, também pode chamar Deus de um rio enganador que corre para o deserto apenas para desaparecer em terras áridas. A obediência é uma experiência humana e multidimensional.
No Novo Testamento, Jesus se torna a plena expressão da obediência. Ele conhecia o poder da fé bíblica. Jesus foi o único Filho em quem Deus permaneceu. Ele foi plenificado com o Espírito de Deus, buscando muitas vezes a comunhão silenciosa com seu “Abba”. No evangelho de João ouvimos muitas vezes sua confiança de conhecer Deus e de ser conhecido por Deus. Contudo, antes do mistério da paixão e da morte, Jesus também se tornou o Filho obediente de Deus, enquanto esbravejava contra a escuridão e o silêncio da voz de Deus: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Sl 22,1).
Jesus lutou para ser fiel ao Pai: “Embora sendo Filho de Deus, aprendeu a ser obediente através de seus sofrimentos” (Hb 5,8). Ele fez muitas orações para se tornar capaz de conquistar esta posição (Hb 5,7; Lc 22,41-6). Mas ele não foi conquistado. Ninguém, nenhuma autoridade em qualquer época foi capaz de interferir neste segredo mais profundo de Jesus. Aqueles que tentaram interferir chocaram-se com uma parede impenetrável. Ele foi obediente até a morte, e morte de cruz (Fl 2,8).
A comunhão entre Jesus e o Pai não foi automática, mas sim o fruto da luta que Jesus travou dentro de si mesmo para obedecer ao Pai em tudo e para estar sempre unido a ele. Jesus disse: “Eu não posso fazer nada por mim mesmo. Eu julgo conforme o que escuto” (Jo 5,30). “O Filho não pode fazer nada por sua própria conta; ele faz apenas o que vê o Pai fazer” (Jo 5,19). Como e onde Jesus viu e ouviu o que o Pai queria dele? Como a vontade do Pai se manifestou a Jesus?
Em primeiro lugar, Jesus descobriu a vontade do Pai assumindo sua condição de pobre. O que para alguns era a condenação do destino, para Jesus era a manifestação da vontade do Pai. Jesus nasceu pobre. Continuar ao lado dos pobres foi a decisão do Filho querendo ser obediente ao Pai até a morte e “morte na Cruz”.
Em segundo lugar, Jesus descobriu a vontade do Pai nas Sagradas Escrituras e na história de seu povo. Jesus buscou as Escrituras como a fonte da autoridade (Lc 4,18). Ele se orientou através das profecias do Servo de Deus e do Filho do Homem para realizar sua missão como Messias (Mc 1,11; 8,31). Foi nas Escrituras que ele encontrou as respostas contra as tentações que experimentou. “Não faço nada por mim mesmo, pois falo apenas aquilo que o Pai me ensinou” (Jo 8,28). A Boa Nova do Reino foi e continua sendo, antes de mais nada, a face do Pai a ser revelada ao povo, especialmente aos pobres.
Assim, a obediência bíblica é elaborada no contexto das escolhas da vida real. O sofrimento, as frustrações, a aridez espiritual, são preços a serem pagos. Mas o povo das Escrituras apega-se ferozmente à sua fé na realidade da presença de Deus na história, sua história pessoal.
Os carmelitas entram nesta tradição bíblica da obediência em seu voto. Pelo voto, que está enraizado no chamado para a obediência absoluta dirigida igualmente a cada cristão no batismo, o religioso carmelitano situa seu total compromisso com a vontade de Deus no contexto de uma comunidade que caminha nas pegadas de Jesus Cristo.
A Regra (n.º 22 e n.º 23) propõe como assumir esta obediência. Alberto se refere ao ofício do prior, que é apresentado primeiramente no n.º 4. Aqui o ofício do prior foi estabelecido num nível estrutural para a boa ordem da comunidade. Contudo, nos nn. 22 e 23 o prior e a comunidade têm que descobrir Cristo na “mútua co-responsabilidade da obediência”.[xv] Alberto nos recomenda ver Jesus Cristo como o único centro de nossas vidas. Permanecer em nossas celas é “permanecer na vinha”. Aprendendo a não possuir nada, experimentamos como Jesus não possuía lugar para recostar sua cabeça. Celebrando juntos a Eucaristia, nos tornamos pedras vivas com Cristo como a pedra fundamental. Quando nos reunimos no capítulo e na correção fraterna, ele está em nosso meio.[xvi] Basicamente, somos obedientes ao poder do Espírito de Cristo manifestado em nós mesmos, em nossa comunidade e sob sua liderança.
No nível do humano, o voto de obediência levanta a questão de como usamos nosso poder e nossa liberdade, tanto comunitária como pessoalmente. A última metade do século XX viu a queda do patriarcado como vimos nos anos 60 e 70 com as revoltas estudantis, nos blocos comerciais unindo muitas nações ocidentais, o fim dos regimes coloniais, militares e outros regimes repressores e o crescimento do feminismo. Concomitantemente, este período também testemunhou um individualismo excessivo e uma obsessão pela auto-realização, especialmente no hemisfério ocidental, que causou forte impacto em muitas partes do mundo.
Estes fatores históricos e culturais influenciam nossa compreensão e o exercício do poder,[xvii] a esfera política da vida, que interfere no voto de obediência. Ao assumir este voto nos confrontamos com as mesmas perguntas que qualquer outro ser humano faz. Que poder tenho sobre os outros? Que esforço comum posso utilizar? Qual minha contribuição para a vida da sociedade e da comunidade? Qual minha influência em determinar direções comuns? Embora todos os cristãos se engajem nestas questões, o contexto em que elas se realizam varia muito. Para os religiosos, o contexto é a comunidade com a qual estão comprometidos.
Professando a obediência os religiosos dizem que querem usar sua capacidade de dialogar com os outros na busca pela vontade de Deus. O poder deles é mais humano e eficaz quando ouvem e agem de acordo com as inspirações pessoais que Deus lhes oferece. Estas inspirações vêm através de muitos meios. Basicamente, a obediência vem pela ponderação da Palavra de Deus e pelos sinais da presença de Deus em nosso mundo, de acordo com nossos irmãos e irmãs no Carmelo e com aqueles que escolhemos para liderar a comunidade.
Em primeiro lugar, a obediência exige um confronto contínuo com a Palavra de Deus. As Escrituras, refletidas individual e comunitariamente, nos dão acesso à revelação da presença de Deus no meio das comunidades judeu-cristãs do passado. É a revelação de como Deus se comunicou com seu povo e é uma fonte de discernimento da presença de Deus entre nós hoje. Devemos conhecer as Escrituras com nossos corações e nossas mentes para penetrar no coração e na mente de Deus.
Em segundo lugar, a vontade de Deus também está presente nos sinais dos tempos. A meditação da Palavra de Deus deve ser feita no contexto de nossa realidade para conhecermos a vontade de Deus. Nossas circunstâncias históricas devem dialogar com as Escrituras, para discernirmos o lugar para onde a obediência nos chama. Estas circunstâncias históricas têm muitos níveis: o individual/pessoal, o apostólico, a comunidade local e provincial, as lideranças locais e provinciais e o social. Qualquer uma destas áreas pode exigir mais atenção e significado numa determinada hora, dependendo da situação. Então a obediência se torna mais desafiadora e o discernimento da vontade de Deus requer maior disciplina e humildade.
Num terceiro ponto vemos que a obediência se realiza no diálogo com nossa comunidade e sua liderança. O chamado para a vida comunitária é fundamental para o carisma carmelitano. Desse modo, acreditamos que o Espírito de Deus se move através da voz coletiva da comunidade e daqueles que escolhemos para liderá-la. Qualquer discernimento da vontade de Deus deve incluir necessariamente nossa escuta da comunidade. Além disso, a obediência religiosa pode ser um verdadeiro testemunho evangélico, pela compreensão do poder que ela transmite, especialmente em nossas estruturas governamentais. Muitas comunidades, principalmente as congregações femininas, estão trabalhando rumo a estruturas mais participativas. Surgem novos modelos de governo, tais como grupos regionais que se encontram regularmente, capítulos onde todos os membros participam ativamente, líderes engajados num processo comunitário de tomar decisões. Desta forma, eles revelam uma maneira diferente de exercer o poder e a autoridade, longe do antigo modelo hierárquico e patriarcal. Estes modelos participativos permitem que cada membro possa discernir a vontade de Deus assim como exercer o poder coletivo na comunidade.
A liderança em tais modelos é realmente um chamado ao serviço (Lc 22,26-27). Ela exige um novo jeito de administrar a complexidade da vida religiosa, a habilidade em conduzir a atenção da comunidade para uma visão partilhada que unirá os esforços individuais, inspirados pela missão da província e da comunidade local, e a capacidade de formular estratégias para alcançar tudo isso.[xviii] Esta liderança pede a habilidade de entender as estruturas subjacentes, os modelos e as forças que devem ser avaliados para se ir de um ponto ao outro.
Finalmente, a obediência é realmente o cultivo de uma união amorosa com Deus. Esta união se torna a base de todas as nossas escolhas que, por sua vez, nos une profundamente com Deus. Ao estarmos conscientemente mais unidos com Deus, começamos a ver tudo com os olhos de Deus e a buscar a verdade no amor. Em muitas circunstâncias pode existir apenas uma escolha para nós. No entanto, em outras situações podem existir várias escolhas. Nem sempre existe uma escolha que é melhor do que as outras. Nem é o caso de Deus ter pré-julgado o que devemos fazer. Buscar a vontade de Deus, obedecer a Deus é fazer as escolhas e tomar a decisão mais amorosa que podemos em qualquer momento. A longo prazo, a obediência consiste formalmente no como e no porquê fazemos uma certa escolha, em vez de o que realmente escolhemos.[xix]
Como carmelitas caminhando nas pegadas de Jesus Cristo, a obediência deveria nos levar à liberdade para escolher a vida como Jesus o fez. Em qualquer circunstância em que ele se encontrava – na festa de casamento em Caná, com a samaritana junto ao poço, na morte de seu amigo Lázaro ou na sua própria morte – ele escolheu fazer a vontade de seu Pai, mesmo quando ele não a compreendia. O contexto no qual buscamos a vontade de Deus é essencialmente contemplativo. É um meio de sondar e procurar, um modo de escutar e de orar que é transformador. Os anseios do Espírito de Deus em nós, a comunidade, a liderança comunitária, o povo e o tempo ao qual servimos, deveriam nos levar a uma maior generosidade e liberdade, para melhor testemunharmos a presença amorosa de Deus no mundo.
[i] D. Senior, C. P. “Vivendo neste ínterim: princípio bíblico para a vida religiosa”. Em P. Philibert, O.P., (ed.), Vivendo neste ínterim. Mahwah, NJ: Paulist Press, 1994, p. 63.
[ii] Senior, p. 64.
[iii] Ibid.
[iv] Senior, p. 65.
[v] RA 12.
[vi] Justiça no Mundo, Declaração do Sínodo dos Bispos, 1971.
[vii] D. A. Fleming, S.M. Anotações do peregrino: uma experiência de vida religiosa. Maryknoll, NY: Orbis, 1992, p. 35.
[viii] Senior, p. 66.
[ix] Ibid.
[x] Ibid, p. 67.
[xi] RA, 19.
[xii] Schneiders, pp. 114-136.
[xiii] Fleming, p. 39.
[xiv] Fleming, p. 44.
[xv] Kees Waarjman, O.Carm., A identidade carmelitana a partir da perspectiva da Regra, 13º Conselho das Províncias (Nantes). Publicações Carmelitanas: Melbourne, 1994, p. 48.
[xvi] Ibid., pp. 48-49.
[xvii] Congregação para Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica. Diretivas sobre a formação nos institutos religiosos, # 12. Origens, 19 (20 de março de 1992).
[xviii] D. Nygren e M. Ukeritis, ‘O futuro das ordens religiosas nos Estados Unidos’. Origens 22 (1992), 267. Os autores relatam que a incapacidade de formular uma estratégia para alcançar um propósito ou uma missão é a fraqueza mais surpreendente entre os líderes atuais.
[xix] S. M. Schneiders, I.H.M. Odres novos: Reimaginando a vida religiosa hoje. Mahwah, NJ: Paulist Press, 1986, p. 142.
Irmã Irene Lopes encontra-se com o Papa Francisco e leva abraço dos brasileiros
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Ir. Irene Lopes dos Santos, assessora da Comissão Episcopal Especial para Amazônia da CNBB e membro da Comissão pré-sinodal para a Pan-Amazônia encontrou-se, nesta quinta-feira, 12 de abril, com o Papa Francisco. Ela está em Roma para reunião do grupo que prepara o Sínodo dos Bispos.
A experiência
Em vídeo que registrou o encontro, Papa Francisco a elogia e ela responde: “muito obrigada, Santo Padre. Muitos abraços do Brasil“. O Papa está sorridente. Nomeada no último dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, Ir. Irene será a única voz feminina no Conselho pré-sinodal. Ela também é assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica, a REPAM,
“Hoje, pela manhã, foi um momento muito especial para mim. Primeiro porque nunca imaginava encontrar o Papa Francisco assim de tão perto. E ele já chegou cumprimentando todos nós, demonstrando grande alegria em encontrar com todos nós. Foi um presente de Deus para a minha vida“, disse.
E continuou: “depois, também tive a alegria de fazer uma partilhar a partir de um trecho da Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios para todos eles, inclusive o Papa. Na verdade, eu tive que fazer de conta que estava falando para muitas outras pessoas, e não para o Papa, porque senão iria conseguir“, confessa.
Ir. Irene também relatou os trabalhos do dia feito pelo Conselho pré-sinodal para a Pan-Amazônia: “Pela amanhã, nós fizemos estudo da primeira parte do texto de trabalho, a parte do “ver”. À tarde,a profundamos a parte do “Julgar”. E tem sido uma experiência muito rica“.
No Conselho, Ir. Irene também é representante da CLAR, Confederação Latino-Americana e Caribenha de Religiosos e Religiosas.
Conselho Pré-sinodal
Papa Francisco estabeleceu que a assembleia especial do Sínodo dos Bispos para a Pan-amazônia, programada para outubro de 2019, terá como tema: “Amazônia: novos caminhos para a Igreja e por uma ecologia integral”.
Além de Ir. Irene, outros membros membros do Conselho pré-sinodal foram nomeados pelo Pontífice e estão colaborando com a Secretaria Geral na preparação dessa assembleia:
- Cardeal Cláudio HUMMES, O.F.M., arcebispo emérito de São Paulo (Brasil), presidente da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM).
- Cardeal Peter Kodwo Appiah TURKSON, Prefeito do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral.
- Cardeal Carlos AGUIAR RETES, Arcebispo de Cidade do México (México).
- Dom Pedro Ricardo BARRETO JIMENO, S.I., Arcebispo de Huancayo (Peru), vice-presidente da REPAM.
- Dom Paul Richard GALLAGHER, Secretário das Relações com os Estados.
- Dom Edmundo Ponciano VALENZUELA MELLID, Arcebispo de Assunção (Paraguai).
- Dom Roque PALOSCHI, Arcebispo de Porto Velho, Rondônia (Brasil).
- Dom Oscar Vicente OJEA, Bispo de San Isidro, Presidente da Conferência Episcopal Argentina.
- Dom Neri José TONDELLO, Bispo de Juína, Mato Grosso (Brasil).
- Dom Karel Martinus CHOENNIE, Bispo de Paramaribo (Suriname).
- Dom Erwin KRÄUTLER, C.PP.S., Prelado emérito do Xingu, Pará (Brasil).
- Dom José Ángel DIVASSÓN CILVETI, S.D.B., vigário apostólico emérito de Puerto Ayacucho (Venezuela).
- Dom Rafael COB GARCÍA, vigário apostólico de Puyo (Equador).
- Dom Eugenio COTER, vigário apostólico de Pando (Bolívia).
- Dom Joaquín Humberto PINZÓN GÜIZA, I.M.C., vigário apostólico de Puerto Leguízamo-Solano (Colômbia).
- Dom David MARTÍNEZ DE AGUIRRE GUINEA, O.P., vigário apostólico de Puerto Maldonado (Peru).
- Irmã María Irene LOPES DOS SANTOS, S.C.M.S.T.B.G., Delegada da Confederação Latino-Americana e Caribenha de Religiosos e Religiosas (CLAR).
- Sr. Mauricio LÓPEZ, secretário executivo da REPAM (Equador). Fonte: http://ffb.org.br
ESCAPULÁRIO DE NOSSA SENHORA DO CARMO: ESTRUTURA DA DEVOÇÃO
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Antes de qualquer outro assunto, tratemos da estrutura em que repousa a devoção do S. Escapulário. Tem ela um objeto material. É aquilo que cai diretamente sob os nossos sentidos, i. é. o Escapulário, que deve se usado constantemente até à morte, como parte principal do hábito carmelitano. Na sua forma reduzida (o bentinho) para o uso cômodo dos fiéis, vem este constituir uma agregação à Ordem mediante a imposição litúrgica que dele se faz.
Esta parcela do hábito carmelitano (digno de todo o respeito por ser o hábito da Ordem por excelência) considerada em si mesma, como simples pedacinho de lã bem pouca coisa significa. No entretanto, pela devoção que ele rememora, o seu significado é bem mais profundo, por isso que constitui a sua verdadeira natureza: por parte do homem que o veste, é uma perfeita consagração a Maria Santíssima de modo permanente, total e filial; por parte da Mãe de Deus indica proteção que se concretiza nas duas grandes promessas feitas por Nossa Senhora a quem usasse devotamente o S. Escapulário: a perseverança final e a liberação do Purgatório, especialmente no primeiro Sábado depois da morte.
Podemos, portanto afirmar, que o Escapulário é o hábito de uma Ordem eminentemente mariana e que evoca de um modo concreto pelas promessas que encerra, as prerrogativas da verdadeira devoção a Nossa Senhora.
Universalmente reconhecido como símbolo e meio de consagração, é o Escapulário do Carmo um sinal de aliança pelo qual Maria Santíssima, unindo-nos a Si, nos tem como filhos e irmãos, assegurando-nos a Sua maternal proteção em troca da nossa fidelidade ao Seu amor de predileção.
ORIGEM CANÔNICA DA DEVOÇÃO
Após estas explicações gerais, apliquemo-nos a estudar algumas questões de ordem particular. Na origem canônica do Escapulário, na sua forma reduzida para o fácil uso dos fiéis, encontramos o próprio hábito da Ordem, do qual o Escapulário é parte principal e um como distintivo. Daqui se conclui, que o primeiro efeito da devoção e o fundamento dos seu privilégios consiste numa incorporação ou agregação à Ordem; incorporação essa que pode admitir vários graus mais ou menos íntimos, para usufruir os seus valores e bens espirituais.
Esta doutrina, aliás tem muita afinidade com o Corpo Místico de Cristo na sua Igreja. As Ordens religiosas nesse Corpo Místico representam vivamente o espírito de santidade expresso nos três conselhos evangélicos, pobreza, castidade e obediência, que encarna o ideal da perfeição pela profissão religiosa. Por isso, os que emitem os votos religiosos exercem a sua influência nos membros da Igreja com o holocausto da vida, plenificando segundo a doutrina de São Paulo, aquilo que faltava à Paixão de Cristo. Finalmente, a união da caridade e da graça, que participamos como fruto da Comunhão dos Santos especialmente quando estamos em graça, participamo-la muito mais largamente entre os religiosos e os fiéis.
Esta mística concepção encontramo-la também na devoção do Escapulário e a teremos certamente na mais alta consideração, quando teologicamente esclarecemos o seu verdadeiro e pleno sentido. O que melhor se compreenderá, quando compreendermos o Escapulário no seu verdadeiro espírito, i. é. no ideal da vida religiosa do Carmelo, da qual ele é a mais viva e palpitante expressão.
ESCAPULÁRIOS FALSOS...
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NOTA: "Falsos, falsos e FALSOS!!!!! Não existem Escapulários de São Pio, São Francisco ou outros santos. O verdadeiro Escapulário é de Nossa Senhora do Carmo. Aliás, esta devoção é própria dos Carmelitas. Portanto, não se deixem enganar com mais esta NOVIDADE da religião consumista e mágica". Frei Petrônio de Miranda, Carmelita.
SÃO JOÃO DA CRUZ, O HOMEM QUE MERGULHOU NO MISTÉRIO
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Frei Martinho Cortez, O. Carm.
Convento do Carmo de Santos, São Paulo.
João da Cruz foi chamado e simplesmente mergulhou no Mistério! Com 49 anos era já um santo, alguém que optou por Deus e, dando o melhor de si para acolher e colaborar, foi transformado pelo Amor eterno. Quando iniciei a leitura página a página de suas obras completas, na primeira parada, com o fim de mastigar bem e assimilar mais proveitosamente seus conceitos, aprofundamentos e arroubos — me ficou a forte impressão de que aquele homem não havia titubeado: descobriu a Fonte e quis ver-lhe o fundo, “que bem sei eu a fonte que mana e corre, mesmo de noite” (Poesias, “Sei bem que a fonte”).
João da Cruz foi cantado no disco “Solidão Sonora”, da Irmã Míria Kolling. Na noite sossegada, as criaturas todas se afinam de tal modo entre si, que a alma capta essa sintonia como música elevadíssima, música “calada”, em que se degusta a delícia da música e o divino sabor do silêncio: experiência de solidão sonora (Cântico XV, 25-27)... O disco foi rapidamente assimilado por frades jovens e seminaristas. Agradáveis melodias freqüentemente usadas em encontros. Quando alguém puxa “Caminho é noite escura, mas, ó feliz ventura, sair, indo à procura do Amor do meu Amado!” — é aquela onda maravilhosa de som e fé a ecoar pelos recantos de onde se celebra!
Carmelita professo desde os 16 anos, eu mal havia lido, em português, a “História de uma vida”, de Teresa de Lisieux e “Fundações”, de Teresa de Ahumada, também em português. Daquele me ficou a impressão de que era como as “pílulas do Doutor Ross”[1]: por fora, cor-de-rosa e doces; por dentro, amargas como fel. Da leitura de Teresa brotou em mim a admiração por uma contemplativa de incrível realismo e persistência. De João de Yepes, quase nada, somente algumas poesias que passaram por minhas defesas, dada a minha queda pelo exercício poético.
Carmelita sempre, passei pelos vinte cinco anos de vida consagrada em quase nulo nível de conhecimento dos grandes representantes da santidade e da literatura do Carmelo, que, em termos, nem nossos são. Antes dos cinqüenta anos, porém, num dia desses, comuns por absoluta igualdade com os dias comuns, um dos nossos jovens estudantes, me sai com esta frase: “Na tarde de nossa vida, seremos examinados no amor”, dizendo que gostava imensamente dela. A partir de minha ignorância, observei-lhe que a frase entrou em mim como se fosse um raio de revelação e perguntei-lhe: de quem é? “De são João da Cruz”, respondeu-me, “Ditos de Luz e Amor”. Nem sabia que João da Cruz escrevera os tais ditos. A vergonha me levou imediatamente à biblioteca conventual em busca das obras completas do santo, e achei a frase: “Ditos”, nº 58, na edição consultada. Encantado, cresceu meu interesse por João da Cruz e resolvi ler seus escritos. Tenho lido muitíssimo pouco, na verdade, mas até hoje agradeço àquele frei jovem. E bendigo todos os formadores que, em anos mais recentes, levaram seus pupilos a ler e conhecer melhor os nossos místicos: um deles me fez preferir o “antes tarde” ao “nunca”!
Lembro-me do Frei Cláudio van Balen, em Belo Horizonte, com o grupo do CEPA[2], lendo, estudando e comentando a poesia “Noite Escura”, com uma profundidade que iam buscar à vida e à mente. Lembro-me do Frei Tinus van Balen, em Mogi das Cruzes, passando-me a riqueza do que João da Cruz ensina sobre o Silêncio que dá origem à Palavra. Lembro-me da carmelita Lacyr Schettino, que, em seus arroubos de poeta, produziu traduções competentes dos poemas joaninos. Lembro-me de uma tarde de teatro, em Diamantina, com que os terceiros carmelitas celebraram com arte o sofrimento causado a João pelas duas Ordens. A essa altura eu já havia lido um pouquinho mais das artes poéticas e doutrinárias do pequeno grande homem, gigante da vida espiritual, em quem de certa forma se apoiava Madre Teresa, mesmo que uma vez o tenha chamado jocosamente de meio frade.
Lembro-me da Irmã Aurora, colega de Cetesp[3], por ocasião de uma visita sua a Itu, onde, após alguns anos, se recomeçava a caminhada seminarística da Província. Conversávamos sobre as peripécias da formação e eu reclamava de não sentir o afeto dos seminaristas. Com a franqueza que a caracteriza, mas com a delicadeza de amiga querida, deu-me esta sugestão: — “Martinho, se você acha que não é amado, faça-se amar”. Fiquei embatucado por algum tempo com a aparente rudeza da frase. Instruído, porém, por um frade jovem ainda na Filosofia, encontrei praticamente a mesma sugestão em João da Cruz (Carta a Madre Maria da Encarnação, Segóvia, 1591): “Onde não existe amor, coloque amor e encontrará amor”. Sem ser carmelita, a Irmã pareceu mais por dentro do Carmelo e de seus autores místicos do que o membro da família!
Dali em diante, fui descobrindo a razão de João da Cruz ter escrito à Irmã Maria sobre a importância extrema de amar e de inventar cotidianamente o amor, se quisermos viver de amor. Quem espera por amor e nada faz para que exista, esqueceu-se de que Deus é pura iniciativa e fonte de amor. O imobilismo espiritual não é próprio de quem vive do Senhor!
Sou entusiasta de Gustavo Gutierrez desde que me envolvi com sua linha de reflexão teológica, mesmo que não tenha me capacitado como praticante dela. Ao ler e meditar seu livro “Beber no Próprio Poço”, numa das primeiras edições em português, topei com algumas páginas que me encheram de orgulho. Estão no capítulo II, parte III, onde se fala do povo em busca de Deus, de sua espiritualidade e do modo de ser cristão na realidade latino-americana de então. Trata-se, à época, da “noite escura da injustiça” que recobria a América Latina, um autêntico caminho no deserto, cuja travessia se consuma na forma de uma progressão de três noites ou três partes da noite até à união com Deus. A bela interpretação de Gustavo, com base na prosa e nos versos do santo, descreve como o místico carmelita poderia ajudar a caminhada de libertação, até que se anunciasse a aurora de um novo dia, quando o caminhante repousaria com o rosto reclinado no peito do Amado.
Continuo a dever em matéria de São João da Cruz. De vez em quando continuo a usufruir do dito de luz e amor sobre o julgamento com base no amor. Sinto-me suavemente impelido a meditar sobre a lei que alguém um dia disse que é a mais profunda da vida: a Lei do Amor. Amar o Eu como medida ou critério para um exercitar-se mais adequado no amor. Amar o Homem e a Mulher, irmãos e irmãs, como uma comprovação de que o Último amor, que é também o Primeiro, escolheu você para expandir a verdade vital dessa lei! Assim se preparam o homem e a mulher para enfrentar o julgamento do próprio Amor. Este não precisa de outras leis para instruir a sentença. Oferecidas à consciência, passaram as leis por diversos filtros de circunstâncias, e se mostram agora no teimoso pisca-pisca da própria conclusão final do indivíduo. Se o amor é a lei mais profunda da vida, então o coração sabe qual é a conclusão, pois “o coração tem razões, que a própria razão desconhece” (Pascal). A sentença a partir do amor, na boca do Amor eterno, deve possuir a delicadeza de uma brisa e a força avassaladora de uma tsunâmi — definitiva.
Tudo por causa do meio frade que ajudou Madre Teresa de Ávila a realizar o que lhe ditava a consciência: a reforma de uma espiritualidade com admirável potencial de serviço à sociedade; uma espiritualidade antiga necessária aos tempos modernos de então e à modernidade de sempre. João da Cruz, o pequeno espanhol decidido, um dos maiores poetas da língua espanhola e da literatura mística, foi chamado e não titubeou: deixou que o Espírito o transformasse em nada a fim de que o Senhor criasse tudo que um santo é. Elevou-se assim ao cume do monte Carmelo. Atravessou assim a noite escura da aventura humana que ousou enfrentar o desafio de Deus. No fim de sua história pessoal, soltou aos quatro ventos da vida o cântico espiritual sobre a chama viva do Amor que o consumou sem consumir.
[1] Remédio antigo.
[2] Grupo de espiritualidade de índole carmelita (paróquia do Carmo – BH, MG)
[3] Curso de atualização para formadores, Rio de Janeiro.
CNBB: 56ª ASSEMBLEIA. “Os leigos não só pertencem à Igreja, mas são Igreja”, afirma dom Severino Clasen, bispo de Caçador (SC)
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Por Fernando Geronazzo
A vivência do Ano do Laicato na Igreja do Brasil foi o tema do segundo Metting Point realizado durante a 56ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), na manhã desta sexta-feira, 13, no Centro de Eventos Padre Vitor Coelho de Almeida, em Aparecida (SP).
Para tratar do assunto com os jornalistas foram convidados dom Severino Clasen, bispo de Caçador (SC) e Presidente da Comissão Episcopal Pastoral para o Laicato e Marilza Schuina, presidente do Conselho Nacional do Laicato no Brasil (CNLB).
Dom Severino afirmou que é importante destacar a missão dos cristãos leigos como sujeitos na evangelização, na Igreja e na sociedade. “Vivemos um momento em que o protagonismo do laicato é convocado a testemunhar o Evangelho de jesus Cristo e até redescobrir quem é Jesus de Nazaré, este que nós queremos seguir e em quem depositamos nossa fé e esperança”, afirmou o Bispo.
Dom Severino chamou a atenção para três documentos da CNBB que ajudam a aprofundar a temática do Ano do Laicato: O Documento 100, “Comunidade de Comunidades – uma nova paróquia”; o Documento 105, “Cristãos leigos e leigas – sal da terra e luz do mundo na Igreja e na Sociedade”; e o Documento 107, “Iniciação à vida cristã – itinerário para formar discípulos missionários”.
Documento 105 – Tratando especialmente do Documento 105, o Bispo explicou que o seu texto nasceu a partir das decisões e inspirações do Concílio Vaticano II, sobretudo na Constituição Dogmática Lumen Gentium. “Os leigos não só pertencem à Igreja, mas são Igreja”, ressaltou dom Severino, que salientou, ainda, que, a partir do Batismo, não existem categorias superior e inferior de Cristãos, mas todos são “Igreja povo de Deus”.
De acordo com dom Severino, o Ano do Laicato conseguiu reafirmar a consciência da missão e identidade dos leigos. “Ao percorrer o Brasil, percebemos que os cristãos leigos e leigas aderiram ao Ano Nacional do Laicato por meio de tantas ações a programações que acontecem em todo o País”, destacou o Bispo.
Ao citar o lema “sal da terra e luz do mundo”, Dom Severino convidou para a reflexão: “Que gosto nós estamos dando à vida, que gosto o mundo pode também extrair de nós, cristãos, para sermos pessoas boas? Também é preciso brilhar, iluminar, irradiar. Mas a luz não é nossa. Cristo é a luz. Quanto mais estivermos ligados a ele, mais teremos brilho que tem que ser espalhado pelo mundo”.
Marilza ressaltou que “o protagonismo dos cristãos leigos é contribuir para que a unidade e a comunhão seja vivenciada na sua plenitude em nossa Igreja, povo de Deus”.
“Que possamos aprofundar a identidade, vocação, espiritualidade e missão dos cristãos leigos e leigas. Que toda a Igreja realmente reconheça e confirme a vocação dos leigos como sujeito eclesial”, acrescentou a Presidente do CNLB.
Dentre as atividades programadas para a celebração do Ano do Laicato, estão sendo programados 16 seminários em diversos regionais da CNBB sobre temas relacionados à atuação dos leigos na vida eclesial e âmbitos da sociedade, como na política, educação, cultura, trabalho e família.
Outra atividade prevista é a Semana Missionária Igreja em Saída, de 22 a 29 de julho. “A Semana Missionária quer ser um grande retiro popular para que as comunidades se encontrem não só para círculos bíblicos, oração, mas onde também possamos atingir os diversos espaços onde o leigo e a leiga atuam e trabalham”, explicou Marilza, acrescentando que esses eventos não aconteçam apenas nas igrejas ou nas casas, mas nos ambientes de atuação dos leigos, como os locais de trabalho.
Na conclusão do Ano do Laicato, entre dos dias 22 e 25 de novembro, acontecerá a Assembleia Nacional dos Organismos do Povo de Deus, em Aparecida. Além da CNBB e do CNLB, entidades como a Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), a Comissão Nacional dos Diáconos (CND), a Comissão Nacional de Presbíteros (CNP) e a Conferência Nacional dos Institutos Seculares estão na organização do evento que tratará a temática da sinodalidade e o protagonismo dos leigos na Igreja. No encerramento dessa Assembleia, acontecerá a Romaria do Laicato.
Por fim, Marilza reforçou que o Ano do Laicato deve ser um “impulsionador para que toda a Igreja no Brasil continue a pensar e refletir a vocação, identidade, espiritualidade e missão própria dos leigos”.
O próximo Meeting Point será na segunda-feira, 16, às 9h, com Dom Pedro José Conti, bispo de Macapá (AP), e Dom Ricardo Hoepers, bispo de Rio Grande (RS), sobre a experiência da Igreja local nos extremos do país. O encontro será transmitido pelo portal A12.com. Fonte: http://www.cnbb.org.br
ESPIRITUALIDADE CARMELITANA: A nuvenzinha e seu significado.
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Texto carmelita mais característico: a nuvem, a forma de mão de homem, do mar para o céu. (1 Rs 18, 42-45). A identificação “nuvem ß> Maria” (cf tbm Is 19, 1 + 45, 8) aparece no Oriente e no Ocidente nos séculos IV e V.
Testemunho precioso, porque se aproxima bastante do que se fala longamente no “De Institutione”: Maria é a criatura imaculada e imune do pecado. Fala ainda da virgindade como elemento importante na formação carmelita.
Particular importância tem a locução “Mare amaro”, de base bíblica: “mare” = realidade de forças desconhecidas e negativas. semelhante interpretação: Maria = gota de mar ou mar amargo. Há em Maria esplêndido equilíbrio entre a sua eleição por Deus, que lhe deu privilegiados dotes, e a pertença à humanidade pecadora (“Mare amaro”).
A tradição espiritual da Ordem viu nessa figuração da Mãe de Deus sua imaculada conceição, verdade de fé diretamente dependente da Encarnação. Viu, também, a figuração da Assunção (cf Miguel Aiguani, autor carmelita, † 1400).
Primeira conclusão: a presença mútua de dois fatores (pertença à nossa humanidade + graça especial de Deus) na única imagem da nuvenzinha. Imagem profunda que reafirma a pureza de Maria e abre a reflexão sobre o testemunho e a vocação das carmelitas.
*O lugar do profeta: a fuga não é solução uma leitura de 1Rs 19,1-21 – Elias no Horeb (1ª Parte)
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Pe. Jaldemir Vitório SJ
Introdução
A cena de Elias, no monte Horeb, parece destoar do conjunto da tradição em torno do profeta. Teve coragem de profetizar, contrariando a casa real (1Rs 17,1-17). No estrangeiro, mostrou-se solidário com uma pobre viúva, à beira da morte por inanição (1Rs 17,8-24). A cena no monte Carmelo descreve-o com uma impavidez invejável, a ponto de, sozinho, desafiar os quatrocentos e cinquenta profetas de Baal e, no fim, passar todos ao fio da espada (1Rs 18,20-46). O injustiçado Nabot encontrou em Elias um defensor destemido, cujas palavras desmascararam a má conduta do rei e de sua mulher e anunciaram a terrível punição pela impiedade (1Rs 21,1-29). Falou duro contra o rei doente que, ao invés de confiar em Javé, preferiu consultar Beelzebub (2Rs 1,1-17). A carreira gloriosa de Elias foi concluída com o arrebatamento para o céu, levado num “carro de fogo e cavalos de fogo” (2Rs 2,1-28).
1Rs 19,1-21 apresenta o profeta de forma muito diferente. “Desespero profundo, expressão de fracasso, e rejeição do ofício profético são os temas preponderantes” (COGAN, 2001, p. 456). Tem-se a impressão de terem fracassado os esforços para fazer frente à disseminação da idolatria em Israel. A fuga desponta como a única saída. É como se estivesse fugindo da luta. Javé, porém, fá-lo tomar o caminho de volta, para o “lugar” de onde não deveria ter saído.
Este artigo pretende fazer uma leitura de 1Rs 19, levando em consideração o conjunto das tradições em torno do profeta Elias, sem se deter nas várias questões de crítica textual, de unidade, de relação com o capítulo precedente, de historicidade, de significado de certas palavras e expressões, evidentes no texto. O sentido do conjunto é claro, apesar dos entraves pontuais no texto hebraico[1]. No correr da leitura, será explicitado o que, em análise narrativa, é chamado de “ação transformadora”. Ou seja, o caminho percorrido pela ação desde a situação inicial até o seu desfecho (MARGUERAT-BOURQUIN, 2009, p. 59). O percurso da leitura mostrará como o profeta Elias, optando por fugir, foi para o lugar errado. Javé fá-lo voltar para o lugar onde deveria estar, pois, para um profeta verdadeiro, a fuga jamais será solução. Para ele, vale o que diz uma música brasileira bem conhecida: “Nada temer, senão o correr da luta!” O lugar do profeta é, sempre, o lugar do conflito. A fuga, mesmo para um lugar sacratíssimo – “o monte de Deus” – leva-lo-á ao lugar equivocado. É aí que ouvirá a ordem peremptória de Javé: “Vai e volta por teu caminho!” (v. 15a). Em outras palavras: “Volta para o teu lugar”.
O profeta Elias na mira da rainha Jezabel (vv. 1-2)
A narração inicia-se aludindo ao conflito do profeta com a casa real de Israel. O rei Acab informa à rainha Jezabel a ação violenta de Elias contra os profetas de Baal, como havia eliminado todos eles, matando-os à espada (1Rs 19,1; cf. 18,40).
Jezabel era estrangeira, filha do rei dos sidônios. Deve ter vindo para Israel no contexto da aliança entre Omri e Etbaal, seu pai. Omri deu-a em casamento a seu filho Acab (1Rs 16,31a). Era costume dar uma filha para o rei com quem se estabelecia aliança, certamente, para estreitar os laços entre os contratantes[2]. O casamento de Acab com Jezabel estreitou os laços entre Israel e Sidon.
Jezabel era devota adoradora de seu deus – Baal – e, por todos os meios, tentou implantar sua religião no reino de Israel. Acab, que deveria ser adorador de Javé, era de personalidade pusilânime. E se deixou manipular pela esposa, incapaz de se impor. Antes, “deu u’a mãozinha” a Jezabel para propagar o culto baalista. O baalismo em Israel teve grande sucesso, durante seu reinado. Por isto se diz dele, logo na primeira referência que se lhe faz na Obra Historiográfica Deuteronomista (Js-2Rs), que “foi prestar culto a Baal, adorando-o. Pôs um altar de Baal no templo de Baal que tinha construído em Samaria, ergueu um poste idolátrico e cometeu ainda outros pecados, a ponto de irritar o Senhor, Deus de Israel, mais do que todos os reis de Israel que o antecederam” (1Rs 16,31b-33). Os adoradores de Javé vivem uma situação difícil. Jezabel mandara eliminar os profetas de Javé. Um grupo sobreviveu, protegido por Obadias, que “os escondera em grupos de cinquenta em duas cavernas, alimentando-os com pão e água” (1Rs 18,4.13). Já “os quatrocentos e cinquenta profetas de Baal e os quatrocentos profetas de Asera” gozavam da proteção real, comendo à mesa de Jezabel (1Rs 18,19).
O profeta Elias desponta como defensor impávido da fé em Javé, disposto a tudo. No confronto com os profetas de Baal, no Monte Carmelo, sai vencedor. E manda prender os profetas de Baal, sem deixar escapar nenhum; “fê-los descer à torrente do Qishon, onde os degolou” (1Rs 18,40). Esta notícia chega a Jezabel por intermédio de Acab. A rainha é informada que Elias “tinha passado ao fio da espada todos os profetas de Baal” (1Rs 19,1). Desencadeia-se, então, contra ele uma cólera sem tamanho. A rainha toma a decisão de tirar-lhe a vida, mandando avisar-lhe por um mensageiro: “Os deuses me cumulem de castigos, se amanhã, a esta hora, eu não tiver feito contigo o mesmo que fizeste com a vida desses profetas” (1Rs 19,2). Os dias do profeta estavam contados. A rainha, de certa forma, dá-lhe tempo para fugir, pois não manda prendê-lo, imediatamente, e, sim, envia um mensageiro para comunicar-lhe sua intenção. É uma forma de dizer-lhe para “dar o fora”[3]. O profeta dispunha de um dia – “amanhã a esta hora” (v. 2) – para tomar as providências.
*Publicado em Estudos Bíblicos nº 107 (2010) 35-49
[1] Para ROBINSON (1991, p. 533), apesar de vários episódios terem circulado, originalmente, de forma independente, e de os sinais de múltiplas autorias e redações serem claros, “a narrativa, como um todo, foi, cuidadosamente, organizada temática e estruturalmente”. Um elenco dos problemas presentes em 1Rs 19 está nas pp. 514-516.
[2] Explica-se, assim, o casamento de Salomão com a filha do Faraó egípcio e com muitíssimas outras mulheres (1Rs 11,1-3).
[3] “Seria isto, realmente, uma ‘confissão de impotência’ por parte da rainha, como sugeriu Skinner? Com o pano de fundo do Carmelo, poderia ter sentido que não mais estava livre para seguir seu caminho, como aconteceu quando matou, impunemente, os profetas” (COGAN, 2001, p. 451).
ESPIRITUALIDADE CARMELITANA: REGRA E A RESSURREIÇÃO-02
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O oratório deve ser construído no meio das celas (14)
Por dois motivos o oratório tem que ver algo com a Ressurreição. Em primeiro lugar porque nele deve ser celebrada a Eucaristia que é como é sabido o memorial da Ressurreição de Jesus.
O segundo motivo provém do fato de que o primeiro oratório era dedicado a Maria, uma das primeiras testemunhas da Ressurreição de Jesus que, no contexto das festas a Ela dedicadas, era vista pelos antigos carmelitas como penhor escatológico e promessa duma nova vida após a morte. (Veja a oficina: Nossa Senhora na Ressurreição)
Aprofundando o primeiro motivo podemos dizer que na visão da Regra o oratório era destinado à celebração em comum da Eucaristia sendo ao mesmo tempo o lugar onde os irmãos se reuniam todos os dias de manhã cedo (14).
A respeito disto o Carmelita Kees Waaijman escreve no seu livro O Espaço Místico do Carmelo:
"Os antigos monges do deserto celebravam a Eucaristia uma vez por semana. No século XIII era diferente. A maioria das comunidades religiosas juntava-se todos os dias para a Eucaristia. A reunião diária dá uma estrutura rítmica à vida. O facto de se juntarem diariamente, de manhã cedo, ao crepúsculo, dá ao dia um ritmo básico. O nascer do sol que conquista a noite deve ter sido intuitivamente entendido como sinal do Ressuscitado”
O encontro dos irmãos tinha uma dimensão litúrgica. O facto de virem todos juntos para a Eucaristia lembra a Ressurreição. A Eucaristia, afinal de contas, começa lá onde o Senhor nos una num só redil. Ele convida-nos a escutar a sua palavra para que ela nos toque, forme o desejo no nosso coração e nos faça procurar a Sua presença. Ele convida-nos a tomar o seu corpo e sangue, para nos lembrarmos d'Ele e nos identificarmos com Ele, para que entremos na sua morte e sejamos encontrados pelo próprio Deus.
A Eucaristia radicaliza o acto de sair de nós próprios: não somos nós quem vimos: mas somos conduzidos, conduzidos para a vastidão do Mundo e para a profundeza da Morte para sermos encontrados, para sermos unidos.
Esta é a perspectiva mística do facto de se reunir para a celebração da Eucaristia. Este movimento místico está lindamente representado através das palavras ‘de manhã cedo’, palavras que evocam a marcha silenciosa de Maria Madalena até ao túmulo: ‘No primeiro dia da semana, ainda era escuro, Maria de Mágdala foi ao túmulo de manhã cedo...' (João 20:1). De manhã cedo os Carmelitas reúnem-se no oratório, no CENTRO (das celas) por ninguém ocupado. Como a noiva do Cântico dos Cânticos, também eles, enquanto ainda é noite, procuram Aquele a quem as suas almas amam.
À procura do amor através da escuridão da noite segue-se a experiência da Páscoa na escuta da voz suave: 'Maria' (João 20:16), o querido nome pronunciado por aquele que é amado pela alma. Segue-se a resposta não menos terna: 'Rabbuni' (João 20:16). Esta é a Páscoa do amor, a profundidade mística da Eucaristia. Aqui está o coração do Carmelo" (Kees Waaijman, De mystieke ruimte van de Karmel, 101).
É impressionante que Kees Waaijman dando um comentário sobre a Regra, acaba por chegar à Ressurreição que durante séculos era comemorada diariamente na liturgia dos Carmelitas. Quase se poderia dizer que a Ressurreição de Jesus é inerente à Regra e integrada nela e que a união com Christus Ressurgens, com Cristo Ressurgindo, se encontra explicitada na antiga liturgia.
*A REGRA E A RESSURREIÇÃO. INTERCAB. 23 A 31 DE JULHO DE 2005- RIO DE JANEIRO.
ESPIRITUALIDADE CARMELITANA: REGRA E A RESSURREIÇÃO-01
- Detalhes
“Regra e Ressurreição”, um assunto intrigante que pode ser analisada de várias maneiras. Neste momento, porém, não vamos abordar o assunto do ponto de vista científica ou histórica mas vamos à procura de elementos que esclarecem se a espiritualidade da Regra tem que ver algo com a Ressurreição de Jesus e com a Liturgia ressurreccional da Ordem.
Como era de esperar, na Regra de Santo Alberto não há regras que prescrevem pormenorizadamente a maneira como devemos celebrar a nossa liturgia nem há alusões concretas à Ressurreição de Jesus.
Mesmo assim, há certas passagens que falam da oração litúrgica (11, 14), da frequência da mesma (11, 14), do Ano Litúrgico (11, 16), do lugar onde a oração litúrgica se deve realizar (14). Há outros aspectos na Regra que se referem, por exemplo, ao Domingo como dia semanal da Comemoração da Ressurreição em que os irmãos devem tratar da observância da vida comum e do bem espiritual das pessoas (15).
Como a Ressurreição é por definição escatológica, vamos prestar também atenção aos vários aspectos escatológicos que se encontram espalhados na Regra.
1- Referências litúrgicas
A recitação dos salmos ou um número equivalente de Pai Nossos (11).
Na Regra Primitiva não havia prescrições que obrigassem os irmãos a recitar salmos ou Pai Nossos em conjunto. É mais provável que Santo Alberto prescreveu a recitação dos Salmos in deputatis cellulis ou seja privadamente e na solidão. Inocêncio IV prescreve a recitação em comum das horas canônicas para todos os irmãos (clérigos ou leigos) exceptuando-se aqueles que não sabiam ler ou que não eram capazes de rezar as horas canônicas. São esses que deviam rezar o número prescrito de Pai Nossos. Nota-se aqui a transição da oração privada na solidão para a oração litúrgica em comum, ou seja o Ofício Divino. E isso apenas uns 40 anos depois da data em que Santo Alberto deu a Regra.
2-A recitação dos salmos e das horas canônicas deve ser feita de acordo com os legítimos costumes da Igreja. (11)
Antigamente pensavam que “os legítimos costumes da Igreja” estavam relatados aos costumes da Igreja do Santo Sepulcro em Jerusalém e que com estas palavras o Rito do Santo Sepulto era imposto à Ordem. No entanto, é mais provável que a Regra se referia aqui aos legítimos costumes da Igreja Universal.
*A REGRA E A RESSURREIÇÃO. INTERCAB. 23 A 31 DE JULHO DE 2005- RIO DE JANEIRO.
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