Amanhã, dia 18, estarei em reunião com a Venerável Ordem Terceira do Carmo de Santos, São Paulo (Foto). E no sábado e domingo, 19 e 20, na Festa do Divino Espírito Santo em Angra dos Reis/RJ Acompanhe tudo aqui no Olhar. 

Quando falamos aqui de ‘Terceira Ordem’ referimo-nos a pessoas que vivem o carisma carmelitano exatamente na sua condição de leigo ou leiga. Globalmente podemos distinguir três fases evolutivas. Antes de descrevê-las convém dizer que o assunto é um tanto complexo, pelo fato de serem as datas às vezes confusas, imprecisas e localmente situadas. Corremos, assim, o risco de introduzir generalizações que, na realidade, se referem a fatos de um determinado tempo ou área geográfica específica.

Já nos inícios da história carmelitana, encontramos os chamados oblatos, leigos que, de uma ou outra forma, fazem parte da família do Carmo. Em certos casos chegam a fazer uma verdadeira profissão religiosa, ‘doando-se’ — se et sua (a si mesmo com seus bens) — à Ordem, representada pelo seu legítimo superior. Em tese podem ser tanto homens quanto mulheres, mas, na realidade, predominam largamente as leigas.  Normalmente vivem em casas separadas e vestem um hábito semelhante a dos frades, daí a denominação manteladas. Outros nomes dizem respeito a casos mais ou menos idênticos: oblatas, conversas, beatas, pinzocheras, beguínas, terciárias. Todas dependiam de um determinado convento e não formam grupos homogêneas.

Em maio de 1452, reuniu-se, na cidade de Colônia, o Capítulo Provincial da Alemanha Inferior, sob a presidência do Geral da Ordem, Frei João Soreth (1451-1471). Poucos meses antes, o Legado do Papa para a Alemanha e regiões vizinhas, Nicolau Krebs ou Nicolau de Cusa (1401-1564), apaixonado defensor da unidade da Igreja, exatamente numa época de muitas divisões, decorrentes do Cisma Ocidental (1378-1417), decretara que comunidades de mulheres consagradas, não dotadas de uma Regra aprovada pela Santa Sé, deveriam obtê-la ou unir-se a alguma Ordem Religiosa já existente. Caso não obedecessem seriam extintas!

Nesse contexto devemos situar o pedido das beguínas de Geldre, na Diocese de Colônia, apresentado no mencionado Capítulo Provincial. Na realidade, essas mulheres piedosas já mantinham contatos com os Freis Carmelitas desde que chegaram à freguesia onde se localizava a sua casa, em princípios do século XIV. Certo é que estavam sob a direção dos Carmelitas a partir de 1360, sem que seguissem uma Regra específica.

A solicitação das beguínas foi acolhida favoravelmente pelo Prior geral (10-5-1452), que encarregou o superior do convento de Geldre para efetuar a incorporação do grupo com a profissão religiosa, a fim de que vivessem regulariter como verdadeiras Carmelitas.

Na realidade, o ato de Soreth precedeu a Bula Cum Nulla (7-10-1452), de Nicolau V, com cinco meses! Numa carta às ex-beguínas de Geldre (14-10-1453), agora ‘monjas carmelitas’, o Geral ratificou sua decisão de maio do ano anterior, apoiando-se na Bula mencionada, transcrevendo, inclusive, o próprio texto daquele documento pontifício.

Foi o mesmo Prior geral que, após ter aceito as beguínas de Geldre, providenciou a incorporação de outras comunidades de ‘mulheres devotas’, como as de Nieukerk (Holanda), Dinant (Bélgica) e, provavelmente, ainda outras.

Nessa mesma época houve na Itália também aproximações de  algumas comunidades de pinzocheras à Ordem do Carmo. O caso de Florença é típico e daria origem ao célebre mosteiro de Santa Maria dos Anjos, onde viveu Santa Madalena de Pazzi (1566-1607), dotada com extraordinárias experiências místicas.

Os estudiosos não estão concordes quanto à origem da Bula Cum Nulla. A final de contas quem é que a pediu ao Papa? Há os que defendem a tese que a iniciativa partiu das ‘agregadas’ italianas, particularmente as de Florença. Muitas delas viviam nas suas próprias residências ‘como se fossem carmelitas’! Por volta de 1450 surgiu em Florença a ideia de acolher essas mulheres piedosas numa casa ‘de vida em comum’. O projeto da construção desse convento ficou pronto em 1452. É nessas alturas que teriam enviado a Roma uma representação para ‘garantir’ seus direitos como religiosas, o que resultaria na Bula Cum Nulla.

A questão continua em aberto. Frei Vital Wilderink, na sua tese de doutorado, aborda essa temática e chega às conclusões que resumimos em seguida.

Deixando de lado aspetos mais diretamente jurídicas e organizativas, é indiscutível que os conventos femininos fundados por Soreth se distinguem notoriamente dos cenóbios encontrados na Itália e na Espanha. Efetivamente, as fundações localizadas na Alemanha, nos Países Baixos (Holanda e Bélgica de hoje) e na França, constituíam uma unidade, formando uma verdadeira Família com uma mesma orientação e idêntico programa de vida.

Sabemos que, desde que sua eleição como Geral, João Soreth se empenhara na obra de reforma da sua Ordem, toda ela centrada na ‘observância regular’. A criação de conventos femininos está nesta mesma linha de ação. É bem possível que o caso das beguínas de Geldre ofereceu a Soreth  a oportunidade para ampliar sua visão no sentido de dar início a um verdadeiro ‘ramo feminino’ da Ordem do Carmo. É fato comprovado que o Geral colocou essas iniciativas sob sua direta jurisdição ou as confiou a Carmelitas ‘já reformados’. Os mosteiros de ‘monjas carmelitas’ tornaram-se logo centros de irradiação espiritual e laboratórios da reforma desejada por Soreth. A vida em comum, o Ofício coral, a estrita observância com a clausura rígida dão prova disso. Podemos até dizer que as ‘carmelitas de Soreth’ anteciparam em um século as reformas introduzidas pelo Concílio de Trento (1545-1563) e suas aplicações concretas no pontificado de São Pio V (1566-1572).

Frei João Soreth — afirma Dom Vital Wilderink (23) — pode ser reconhecido como o ‘fundador’ das Carmelitas na medida em que tenha sido o ‘reformador’ da Ordem do Carmo. O fato de sua obra reformadora ter tido pouca penetração nas regiões ao sul dos Alpes d e dos Pireneus, fez com que se dedicasse inteiramente às fundações nórdicas. Graças a seu empenho e santa teimosia, o ramo feminino do Carmo — a ‘Segunda Ordem’ — pode nascer e consolidar-se, pois foi ele que o concebeu, inspirou e organizou, inclusive com o indispensável embasamento jurídico que, mais tarde, seria adotado também em outras regiões antes avessas à sua reforma.

O Prior-geral Soreth gostava de dizer que a primeira preocupação das monjas carmelitas é honrar fielmente a Mãe de Deus, considerando-se como verdadeiras ‘Filhas de Nossa Senhora’ a quem têm por Prioresa de seus mosteiros. Maria é vista como guia de perfeição mística e modelo de pureza. Na vida espiritual é ela que conduz a monja ao seu divino Filho e à própria Santíssima Trindade (ver os ensinamentos de Santa Maria Madalena de Pazzi).

Enquanto lentamente se vai afirmando o que constituirá a “Segunda Ordem” ou Sancti Moniales (monjas de estrita clausura), as pinzocheras ‘de profissão solene’ continuaram a ser bastante numerosas na Itália e na Espanha sem, no entanto, levarem uma vida comum. Ocupam, de fato, o terceiro lugar na hierarquia da Ordem, após os religiosos e as monjas. Por este motivo foram chamadas, em alguns lugares, de terciárias mas, na realidade, eram ‘verdadeiras religiosas’, agregadas — pelos seus ‘votos solenes’ — a um convento masculino ou mosteiro feminino da Ordem. Pio V, querendo clarificar certas confusões reinantes, declarou que a Igreja doravante negaria o ‘caráter solene’ aos votos de pinzocheras que não vivessem em clausura. Acontece que, segundo as leis em vigor naquele tempo, só as terciárias ‘continentes’, portanto com voto de virgindade — o que excluía expressamente os laços matrimoniais — possuíam plenamente os privilégios da Ordem terceira. As não-continentes (as casadas) foram relegadas a um plano inferior, semelhante a das coirmãs da Ordem, ou seja aquelas que não tinham feita profissão religiosa e, por isso, consideradas ‘seculares’, não obstante certos compromissos espirituais as ligassem à Ordem. Essas últimas tornaram-se a variante feminina dos confrades ‘de capa branca’ com regras próprias que, na Espanha, ao que tudo indica, eram conhecidos também por “terceiros’.

Em suma, “quanto à origem da Ordem Terceira, podemos aceitar como um fato histórico, que a Ordem Terceira do Carmo. No seu sentido geral como é conhecida hoje, não existia antes de 1476. Os Carmelitas, embora tivessem a direção espiritual de numerosos grupos de pessoas desejosas de uma vida mais perfeita, não possuíam o direto de agregar tais grupos à Ordem.

A Bula Cum Nulla, de 1452, conferiu apenas a licença de unir à Ordem mulheres que vivessem em castidade. Não se tratava, pois, de uma permissão de fundar Ordens Terceiras em geral, que incluíssem homens e mulheres casados. Essa faculdade só veio na Bula Dum Attenta (1476), quando a licença de agregação foi estendida a quaisquer grupos de pessoas, casadas ou não, homens ou mulheres. Esta Bula significa verdadeiramente o início da Ordem Terceira Carmelita, ao menos em teoria. Pois, há em tudo isto a considerar uma circunstância particular: as outras Ordens Terceiras foram confirmadas depois de já existirem. A Ordem Terceira do Carmo, porém, teve a sua licença jurídica antes de ser organizada! Na prática, ela continuou durante mais de cem anos restrita a mulheres com o voto expresso de castidade perfeita.” (24)

Em fins do século XVI, constatamos na Ordem a existência de quatro grupos distintos: os frades, as monjas, mulheres continentes com voto explícito de castidade (impropriamente chamadas de ‘terceiras’), coirmãs e confrades da Ordem, a quem pode ser conferida, com razão, a qualificação de ‘terceiros’. Além desses grupos havia, desde o século XIV, um outro tipo de agregação: as ‘Confrarias da Madonna’. Algumas se limitam a viver na sombra das igrejas dos Carmelitas, outras assumem o escapulário como distintivo da Ordem, particularmente após as supostas visões de São Simão Stock de que falaremos em seguida.

No decorrer do tempo esvaem-se características específicas entre os vários grupos, gerando não poucas confusões. O Prior-geral Teodoro Straccio (1632-1642) procurou resolver a questão com uma dupla intervenção: agregou, em 1637, à Ordem terceira todos os confrades e coirmãs com votos de obediência e de castidade ‘segundo o próprio estado’, colocando, em 1540, todos os outros na Confraria do Escapulário.

Finalmente, no decurso do século XVIII, surge uma nova modalidade de agregação: Irmãs Terceiras, reunidas em verdadeiras Congregações de Terceiras Regulares de vida apostólica e missionária. Estas famílias religiosas tiveram grande florescimento, unindo formas específicas de serviço eclesial ao carisma e à espiritualidade do Carmo.

O hábito carmelita- em geral podemos dizer que a veste religiosa (‘o hábito’) é sinal de consagração a Deus. Ao mesmo tempo, significa a pertença a uma determinada Família Religiosa na Igreja. Manifesta externamente uma realidade interior de alguém que em Deus encontrou sua riqueza principal e, por isso, deixou de lado a ostentação de um vestuário pessoal. Neste sentido o hábito é também expressão de pobreza e simplicidade evangélicas.

Nos textos constitucionais do século XIII aparecem os diversos elementos do hábito carmelitano: uma túnica de lã crua, isto é, não tingida; o escapulário que, originalmente, formava uma só peça com o capuz. Sobre a túnica — ajustada por um cinto de couro — e o escapulário, vestia-se a capa, também de lá crua (‘barrada’ ou listrada inicialmente, sendo inteiramente branca a partir do Capítulo de Montpellier, 1287), interpretada como sinal de ‘humildade, honestidade e pobreza’. Revestido com a veste branca do batismo, os religiosos do Carmo deveriam seguir o Cordeiro imaculado com reta consciência e coração puro. No século XIV, João Baconthorp (+1348) começa dar à capa branca um sentido mariano, sendo, na sua opinião,  um símbolo externo da pureza e virgindade da Mãe de Deus.

O escudo do Carmo — impresso, pela primeira vez, em 1499 — traz três estrelas cada uma com seis pontas. Tradicionalmente a estrela inferior representa a Virgem Maria, enquanto as duas superiores fazem referência ao profeta Elias e seu discípulo Eliseu. Nesta interpretação as estrelas indicariam a índole Mariana da Ordem e sua inspiração Eliana.

 Frei Pedro Caxito O.Carm. In Memoriam

             Queremos falar sobre Santa Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face, a Teresinha carmelita, e os dons do Espírito Santo.

            Diz o Senhor: "Um ramo brotará do tronco de Jessé e um rebento surgirá das suas raízes. Sobre ele repousará o Espírito do Senhor: espírito de sabedoria e de entendimento, espírito de conselho e de fortaleza, espírito de ciência e de piedade, e o inundará o espírito do temor do Senhor"[1].

            O Espírito Santo é o Dom do Pai ao Filho e do Filho ao Pai, que a nós também O concedem generosamente, enquanto Ele, o próprio Espírito, a nós se dá com muito amor, e "torna-se a fonte de todo o nosso agir. No mundo atual de consumismo (hedonismo, sexualismo e somente egoísmo), que tudo faz para conquistar-me e acorrentar-me de modo que eu perca a minha identidade, o Espírito vela sobre a minha identidade de cristão"[2] e nos concede os sete dons que no Catecismo da Igreja Católica aprendemos serem aquelas "disposições permanentes que tornam homem e mulher dóceis para seguirem os impulsos do Espírito Santo", impulsos, segundo Frei Guido, "diversificados e adaptados às várias circunstâncias da vida quotidiana".

            Jesus nos afirma que o Pai, que só dá o que é bom, dará o seu Espírito Santo a quem o pedir: "se vós, que não sois lá assim tão bons, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai dos céus dará o Espírito Santo a quem a Ele o pedirem" (Lc 11, 13). A Virgem Maria, sobre quem desceu invisivelmente o Divino Amor, é nossa intercessora e modelo, para que nós também O recebamos do Pai e sejamos conduzidos por Ele[3].

            JESUS: personalidade una e riquíssima com duas naturezas, a divina e a humana. Todas as criaturas foram destinadas a serem algum reflexo da sua beleza. São Paulo nos aconselha: "Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo" (Rm 13,14); ele que aos Filipenses queridos dissera: "Cristo é o viver para mim", e ainda "Tende em vós os mesmos sentimentos, que estão em Cristo Jesus" (Fl 1,21; 2,5), aos Gálatas, que ele chamou de bobos, disse que: "Vivo. Não mais eu, mas é o Cristo quem vive em mim" (Gl 2,20; 3,1).

            Respeite embora a natureza da sua criatura e a liberdade que, cheio de confiança, concede ao homem e à mulher, Deus vai agindo por meio do seu Amor, para transformá-los à imagem do seu Filho, que é "o esplendor da sua glória e a imagem da sua divina essência" (Hb 1,3)[4], reflexo da Luz eterna, espelho sem mancha da atividade de Deus e imagem da sua bondade" (Sb 7,26), e assim, no dizer do Apóstolo, "todos os que são conduzidos pelo Espirito de Deus estes são filhos de Deus" (Rm 8,14).

            Os dons de Cristo, como Novo-Adão e Filho de Deus feito homem, são também para nós, homens e mulheres, que Ele veio transformar em filhos e filhas de Deus "por meio do amor, que em nós se difundiu pelo Espírito Santo, que nos foi dado"[5]. É de maneira análoga que os privilégios concedidos a Maria, Nova-Eva, são prenúncio e também reminiscência daquelas graças que, desde os dias do Éden, sempre o Pai quis dar aos filhos da Mulher: em nós o Espírito do Filho de Deus clama Abbá - Papai[6], Pai Nosso.

            E Deus age pelo seu Espírito, que vai distribuindo os seus dons, quando quer, como quer, quanto quer e a quem quer[7], e as nossas ações serão frutos do Divino Amor e daquela liberdade, que de graça o Pai nos concede, "uma liberdade fascinada e atraída pelo Bem Supremo"[8].

            Mais ainda. A Onipotência do Pai, não podendo fazer da criatura Deus por natureza, é ajudada pela divina Sabedoria, seu Filho, e pelo divino Amor de modo que a presença dos Três no mais íntimo de cada um faça que sejamos o que tanto desejam os Três, isto é, "participantes da divina natureza" (2Pe 1,4)! A presença de Deus vem divinizar como a presença da luz vai iluminar! Como Paulo a alma diz: "Eu vivo. Já não sou eu quem vive: é a Trindade Santa quem vive! É o Pai e o Espírito Santo quem vive em mim com Jesus que vive em mim!"[9]

            São João da Cruz - citando o que diz São Paulo: "O que está unido ao Senhor é um só espírito com Ele" (1Cor 6,27) - ensina que "entre as operações de Deus e as da alma deixa de haver distinção; não fazem mais do que um todo a atividade da alma e a de Deus"[10]. A alma guiada pelo Espírito de Deus "age não já de maneira humana, mas como que transformada em Deus por participação"[11].

            Numa carta a Celina Teresa escrevia: "Conhecê-Lo como Ele se conhece e nós mesmas chegarmos a ser deuses! Oh! Que destino! Como é grande nossa alma! Elevemo-nos acima de tudo o que passa; conservemo-nos distantes da terra. Nas regiões das alturas o ar é tão puro! Jesus pode esconder-se, mas sempre se adivinha onde Ele está..."[12]

            Os sete dons tornam-se um reforço da vida espiritual e concedem ao homem e à mulher capacidade e disponibilidade para receberem as luzes e as inspirações de Deus pelo Espírito Santo, que nos foi dado (Rm 5,5)

            Alguém ensina que é como numa barca que, ao ser com dificuldade movida somente pela força dos braços e dos remos, vai desfraldando as suas velas para receberem o impulso dos ventos: e com mais facilidade vencerá distâncias e os ímpetos das ondas. Os dons são as velas da nossa barca, que recebem o sopro do Santo Espírito, e a nossa barca poderá, ágil e segura, singrar com toda firmeza e tranqüilidade, levada pelo murmúrio de um suave silêncio (1Rs 19,12).

            Na sua "História de uma alma" Santa Teresinha conta a história de uma barca. Era noite de Natal. Era dezembro de 1887. Teresa com menos de 15 anos esperava passar o Natal "atrás das grades do Carmelo". Após a Missa do galo, ao chegar à sua casa, Celina armara-lhe uma surpresa: no quarto uma bacia bonita com uma barquinha à vela chamada "Abandono", onde dormia o Menino Jesus com uma bolinha ao lado chamada "Teresinha", e Jesus lhe dizia: "Estou dormindo; o meu coração, porém, está velando" (cf. Ct 5,2 [Vulg]): sobre a vela branca da barquinha "Abandono" sopra a brisa do Amor[13].

            "O silêncio de uma brisa leve" haveria de impulsioná-la sempre, por toda a vida, como a Elias, Pai e Modelo Inspirador dos Carmelitas. A brisa suave, que é o Espírito de Deus, há de tanger a humilde barquinha ou as delicadas cordas de um coração amoroso. Isabel da Trindade propunha a «Guide», sua irmã, viver com os seus «Três» no céu mais profundo da própria alma, e dava-lhe a garantia: "O Espírito Santo transformará você numa lira mística que, no silencio, sob seu toque divino, há de fazer ressoar um cântico magnífico ao Amor"[14].

            Teresa, embora não cite muito o Espírito Santo pelo nome de "Espírito Santo", e mais sob o nome de Amor, sobre a Crisma e sua preparação soube afirmar: "Preparei-me com muito carinho para receber a visita do Espírito Santo. Não compreendia a pouca importância dada à recepção desse Sacramento de Amor. (...). Não senti um vento impetuoso na descida do Espírito Santo, mas aquela «brisa leve», cujo murmúrio ouviu o Profeta Elias no Monte Horeb"[15].

            Mas cuidemos de não dar tristeza ao Espírito e, muito mais ainda, de não extingui-Lo; a prudência, ajudada pelo dom do Conselho, exige discernimento e atenção (Ef 4,30; 1Ts 5,19.21 e 1Jo 4,1).

            Diz o Pe. Philipon OP, a quem, às vezes, seguimos: "A essa luz (dos dons do Espírito Santo), a santidade de Teresinha de Lisieux aparece-nos como verdadeira obra-prima da ação divina em uma alma de criança"[16].

            Apesar de ter afirmado que Maria apresentada no Templo, aos três anos, agiu mais para fazer o gosto de Joaquim e Ana - "Não seria necessário dizer sobre Ela coisas inverossímeis ou que não se sabem: por exemplo, que quando pequenininha se apresentou no Templo para oferecer-se ao Senhor com ardentes sentimentos de amor e extraordinário  fervor, quando, talvez, foi única e simplesmente para obedecer aos seus pais"[17] - Teresinha afirma a seu próprio respeito que, "desde os três anos de idade, nada recusei jamais ao Bom Deus"[18].

            Teresa desejava que todas as suas ações fossem INSPIRADAS E DIRIGIDAS PELO ESPÍRITO DE AMOR": disse um dia a uma das suas noviças: "Quero que (Nosso Senhor) se apodere de todas as minhas faculdades de tal maneira que de hoje em diante eu não faça mais ações humanas e pessoais, mas ações totalmente divinas, INSPIRADAS E DIRIGIDAS PELO ESPÍRITO DE AMOR"[19].

            Pela estrada dos sete dons, desde o dom do filial Temor de Deus até às alturas da divina Sabedoria e até à humildade de uma Pequenina Via e até à morte em êxtase de amor e por amor, o Divino Espírito Santo a inspirou e dirigiu, preparando a futura "Doutora do Amor Misericordioso", elevando-a, através da sensibilidade e dos escrúpulos, através da delicadeza de consciência e de um grande amor ao Pai, à Virgem Maria, que é "Mãe mais do que Rainha", e através de uma vida de grande amizade com os anjos e com todos os irmãos da Comunhão dos Santos.

    [1]. Is 11,1-2 (as traduções dos  LXX  e da Vulgata distinguem  "piedade" e "temor de Deus".)

    [2]. Guido  Stinissen  OCD Vivre l' Esprit Saint aujourd' hui em Kerit nº 138  p.17

    [3]. cf. Ibid p.15 e 18

    [4]. cf. 2Cor 4,4.6; Cl 1,15

    [5]. Rm 5,5

    [6]. Rm 8,15 e Gl 4,6

    [7]. Cf. Jo 3,8 e 1Cor 12,11

    [8]. Guido Stinissen OCD  o.c.  p.9

    [9]. cf. Gl 2,20

    [10]. S 3,2 - citado pelo Pe. Philipon OP  em  Santa Teresinha de Lisieux  "UM  CAMINHO  TODO  NOVO"  Gráfica Olímpica Editora  Rio de Janeiro  1954  p.217.

    [11]. Sto. Tomás 3º das Sentenças  D34  q.I  a.3 - citado pelo mesmo autor Ibid  p.216

    [12]. Carta do dia 23 de julho de 1888

    [13]. MA  188  fl.67v

    [14]. M. M. Philipon O.P.  La Doctrine Spirituelle de Sr. Elisabeth de la Trinité   Desclée de Brouwer  1955  p.93

    [15]. História de uma alma - Manuscritos Autobiográficos   MA 114  fl.36r Cf. At 2,2; 1Rs 19,12-13.

    [16]. Em  Santa Teresinha de Lisieux - UM  CAMINHO  TODO  NOVO    Gráfica Olímpica Editora  Rio de Janeiro  1954  p.212

    [17]. Cf. Folhas Amarelas ou Novissima Verba  23/08/1897.

    [18]. Conseils e Souvenirs 11 - Hoje Últimas Palavras

    [19]. Conseils et Souvenirs 55  (Hoje Últimas Palavras) - citado pelo Pe. Philipon

Frei Vinicius (Ex-Frade Carmelita. Tese  Capítulo I TCC)

             A Ordem Carmelita surgiu na Palestina em meados do século XII, período das cruzadas à Terra Santa. Naquela época à Igreja passou por uma situação de profunda crise. As mudanças sociais, econômicas e políticas, desenvolveram uma série de transformações que repercutiram profundamente na organização eclesiástica. Neste contexto um grupo de homens, provavelmente cruzados europeus, instalaram-se no Monte Carmelo, lugar onde habitou o profeta Elias, e seguindo o exemplo do profeta buscavam viver uma vida acética e orante dentro do espírito eremítico já existente na época. Naquele momento com a efervescência da vida eremítica-cenobítica e religiosa, embora os conflitos entre os cristãos e mulçumanos na terra santa dificultaram a prática desta vida, os eremitas decidem ter uma organização mais sólida e pedem, entre 1206-1214, a S. Alberto, patriarca de Jerusalém, que lhes escrevesse uma “vitae formula” (Formula ou norma de Vida) segundo o propósito do mesmo grupo, que ficou sendo chamado de Carmelitas.

            O tipo da norma de vida Albertina é o eremítico, mas com elementos comunitários. A mesma “Norma” apresenta-se como codificação do modo de viver dos primeiros carmelitas, seguindo uma dinâmica na qual Santo Aberto se baseia para propor uma opção vital para eles no contexto da “reformatio Ecclesiae” (reforma da Igreja).

            Devido à instabilidade política na Palestina, conflitos e força dos sarracenos no controle da situação, no ano de 1238 os carmelitas emigraram para a Europa, uma decisão tomada “não sem pena e nem sem aflição de espírito” (cf. bula de Inocêncio IV, 27 de julho de 1247). Fundaram-se assim diversas comunidades religiosas carmelitas em diferentes países da Europa como: Inglaterra no ano 1242, França entre 1242 e 1248. Diz-se que após o fracasso de sua cruzada, São Luiz, rei da França, voltando para Paris trouxe consigo os carmelitas que ali se estabeleceram.

A partir desta nova realidade de vida os carmelitas inseridos na Europa passam por diversos momentos de adaptação ao novo contexto. Ao invés de grutas no Monte Carmelo eles foram obrigados a instalarem-se em conventos dentro das cidades sendo inseridos no contexto de religiosos mendicantes da época. A Ordem teve muitas lutas até conseguir seu pleno reconhecimento como instituição aprovada pela Igreja, o reconhecimento definitivo foi aperfeiçoado por João XXII (1317 e 1326) com extensão aos carmelitas dos mesmos direitos dos dominicanos e franciscanos. Como mendicantes os carmelitas assumiam as seguintes atividades pastorais:

- celebração de missa, sacramentos.

- pregação doutrinal e popular (com caráter ainda itinerante) na própria igreja e em qualquer lugar.

- o cuidado de confrarias (confraternidades), de associações, ordens terceiras.

- ensino universitário.

- a propagação da devoção mariana.

- direção ou guia espiritual.

- a atividade paroquial, que é assumida pelos carmelitas ao final do século XIII. As primeiras paróquias foram: Bolonha em 1293; Ferrara 1295; Roma, S. Martinho ai Monti, 1299.

            Além dessas assistências ao povo, introduzidas nesse período, os carmelitas traziam consigo a regra de vida dada por S. Alberto que lhes orientavam em suas rotinas diárias e na organização conventual, na qual lhes diferenciavam das demais ordens da época. Essas características perduraram durante toda a existência desta Ordem até os dias de hoje.

            Em Portugal os carmelitas fundaram seu primeiro convento na cidade de Moura pelo ano de 1250, que segundo as tradições foram os Militares de São João que os trouxeram da Palestina para Portugal, onde por mais de um século foi seu único convento em terras lusitanas.

            Nuno Álvares Pereira, Condestável de Portugal e herói nacional, nas suas campanhas militares, ficou conhecendo os Carmelitas em Moura. Impressionado com a piedade e devoção mariana destes monges, ofertou a estes o magnífico mosteiro e igreja de Santa Maria em Lisboa no ano de 1397. Em 1423 foi criada a Província Lusitana, pouco tempo depois o nobre D. Nuno ingressou na Ordem como humilde irmão leigo, adotando o nome de Frei Nuno de Santa Maria (canonizado em 26 de abril de 2008 com o titulo de São Nuno de Santa Maria).

            O Carmelo português se difundiu com grande êxito, sendo fundados diversos conventos por todo o Portugal entre os quais o Colégio de Coimbra em 1535, que incorporado na Universidade, foi substancialmente renovado e ampliado pelo eminente bispo e escritor carmelita D. Amador Arrais no ano de 1598. Além destas foram abertos mosteiros de irmãs de clausura em vários lugares.

            A Ordem em Portugal obteve grande prestígio durante séculos, com destaque de alguns de seus membros na sociedade daquela época, como é o caso de Frei Manuel Cardoso (1566-1650), compositor português, que viveu no Convento do Carmo de Lisboa aproximadamente sessenta e dois anos a serviço da liturgia e música deste local. Através dessa atividade musical e religiosa muito se difundiu a devoção e houve grande participação da nobreza nas cerimônias deste convento como se pode comprovar, no fim do século XVI, os príncipes reais e grande numero de fidalgos eram inscritos na Terceira Ordem Carmelita, difundida por esta comunidade de frades em Lisboa. Foram anexadas à quase todas as casas estes sodalícios da Ordem Terceira secular, que bem depressa atingiram um grande florescimento contando 7.000 irmãos em 1674, e foi além de 25.000 em 1722.

            Não se limitou a Portugal a expansão carmelita. No ano de 1580 os primeiros carmelitas atravessaram o oceano e foram espalhar-se por todo Brasil tendo Pe. Domingos Freira, como orientador da expedição. Quatro padres carmelitas vieram para o Brasil na tentativa de fundar uma colônia na Paraíba, eram eles Frei Alberto de Santa Maria, Frei Bernardo Pimentel e Frei Antonio Pinheiro, na carta de apresentação dos frades se encontra expressa a motivação deste envio dos carmelitas: “é obrigação nossa e de todos os religiosos que professam nosso modo de vida, servir a Deus e à sua Mãe SSma., dedicando-se à salvação das almas e incremento da religião cristã”.

            A tentativa da colonização fracassou, devido a uma violenta tempestade que dispersou os navios, assim os carmelitas ficaram em Pernambuco e se estabeleceram em Olinda e construíram seu primeiro convento em 1583. Em seguida vieram as novas fundações Salvador, Bahia 1586, Santos 1589, Rio de Janeiro 1590 e São Paulo em 1594. Devido ao crescimento da Ordem no Brasil o capítulo provincial de Portugal em 1595 erigiu o vicariato do Brasil que contava com 99 frades espalhados por conventos já fundados e novas fundações como em Angra dos Reis 1608, São Cristovão de Sergipe 1600, Paraíba (antes Vila Real 1608), S. Luís Ma 1616, Belém do Pará 1624 e Mogi das Cruzes 1629.

            No ano de 1685 os conventos do Brasil foram reorganizados em outros dois vicariatos: o do Rio de Janeiro, com os conventos de Rio de Janeiro, Santos, S. Paulo, Angra dos Reis, Mogi das Cruzes, Vitória do Espírito Santo (fundado em 1685); e o da Bahia-Pernambuco com os outros conventos de Olinda, S. Cristovão, Paraíba, Recife (1636), Goiana (1666), Salvador ou Bahia, Rio Real. Em 1720 estes dois vicariatos foram constituídos em províncias independentes de Portugal e autônomas.

            A vida destes carmelitas no Brasil era composta, sobretudo da vida conventual e contemplativa, da pregação, sacramentalização e da difusão à devoção mariana, também a realização de missões para a evangelização dos índios ou gentios.  Nas províncias, vários conventos eram sedes para os estudos de humanidade, de filosofia e de teologia; Alguns religiosos participavam da vida cultural da época, como Frei Leandro do SSmo. Sacramento, idealizador do Jardim Botânico do Rio de Janeiro e Frei José de St. Madalena, o introdutor da vacina contra a varíola.

            Os Carmelitas chegaram ao Estado de São Paulo primeiramente em Santos no ano de 1589 onde receberam a doação de uma ermida ou capela, dedicada a Nª.Srª. das Graças. Brás Cubas, Cavalheiro Fidalgo da Casa Real e provedor das fazendas nas capitanias de São Vicente e Sto. Amaro, fez a doação de terras para a fundação de um convento e sua manutenção, não apenas na Vila de Santos, mas também as terras da “Vila Sertão, partindo de um pinheiro na borda de Santo André”, conforme escritura pública de doação de 30 de maio de 1589, como escreveu Monsenhor Paulo Florêncio de Camargo. Eram quatro religiosos: frei Domingos Freire, Frei Alberto, Frei Bernardo Pimentel e frei Antonio de São Paulo Pinheiro, que no mesmo ano fundaram a igreja e o convento do Carmo de Santos, no local onde hoje se encontram na Praça Barão do Rio Branco.

“O crescimento povoado de Piratininga, e esse estado de obediência moderada em que pelos jesuítas foram postos os índios inspiraram nos Carmelitas de Santos o pensamento de fundar-se um convento da sua ordem na povoação que começava em cima da serra”. Machado de Oliveira, Quadro histórico da Província de São Paulo.

Em 1590 os carmelitas se instalaram na baixada do Tamanduateí. Naquela época a Vila de São Paulo era cercada por muros de taipas que abrangiam o triangulo da cidade; enfatiza uma ata quinhentista que o “Carmo” ficava no limite da “Villa”, e foi iniciada sua edificação em 1592, como se infere da Ata da Câmara de São Paulo de 20 de junho desse ano, que consta: “apareceo ho reverendo padre frei ANTONIO da hordem de Nossa Senhora do Carmo e pedio autoridade p.ª sitiar hua casa nesta Villa e seus limites e lhe parece o bom os ditos oficiais o que dariam conta de tudo ao povo.”

            A fundação do convento do Carmo deu-se logo que Frei Antônio de São Paulo obteve da Câmara esta autorização, iniciando imediatamente a construção da Igreja do Carmo, nesse mesmo ano Afonso Sardinha dispunha em seu testamento deixar “à casa de Nossa Senhora do Carmo cinco cruzados de esmolas” (Azevedo Marques, Apontamentos Históricos, Vol. II.). O primitivo templo de Nossa Senhora do Carmo foi erigido no outeiro dominando toda à beira do rio Tamanduateí, mais tarde este local veio a se chamar Esplanada do Carmo depois Largo do Carmo com frente para a ladeira que era o início da estrada do Brás, e que deram o nome de Ladeira do Carmo. (O Largo e a Ladeira do Carmo constituem hoje o início da Avenida Rangel Pestana, partindo da Praça Clovis Bevilacqua). A construção do prédio foi concluída em 1594 e neste ano Frei Antonio de São Paulo inaugurou o Convento anexo à Igreja do Carmo.

            O complexo do Carmo foi acrescentado em 1697 com a edificação da Igreja da Venerável Ordem terceira do Carmo, por provisão de frei Manuel Ferreira da Natividade, vigário provincial, reformador e visitador dos frades no Brasil.

            Logo após a edificação do convento e Igreja do Carmo, a devoção dos seus fiéis a esta, progrediu sendo que na sessão de 28 de novembro de 1598 reclamava-se contra a forca instalada no outeiro de Tabatinguera que lá se encontrava em “prejuízo do mosteiro e leis de nossa sõr do Carmo” (Atas, Vol. II, pág.48.). No testamento de Diogo Sanches encontra-se um termo pelo qual “o parecer do curador houve por bem de mandar dar aos padres de Nossa Senhora do Carmo para sua casa mil quinhentos réis por deixarem enterrar o corpo de defunto Diogo Sanches por estar à igreja matriz desfeita e se fazer de novo” (Inv. Test., Vol. I pág. 155). A data é de cinco de outubro de 1598, nessa época o convento e igreja funcionavam regularmente e podemos perceber que havia até muitos padres, como se deduz no termo anexado no testamento e inventário de Diogo Sanches.

            O primeiro convento e igreja deviam ser pequenas construções de taipa, e este na sua simplicidade bem servia para os ofícios religiosos, residência dos sacerdotes e para as sepulturas dos bandeirantes de São Paulo nos séculos XVI e XVII. A venda de sepulturas na igreja do Carmo se destaca nestes séculos, Gaspar Fernandes de 1600 determina “meu corpo seja enterrado dentro da igreja de Nossa Senhora do Carmo à qual casa mando de esmolas dez cruzados” (Inv. Test., Vol. I, pág. 155.) também Francisco Velho, de 1619 “declarou mais que por mandado de Maria Moraes comprara uma cova aos padres do Carmo por dez cruzados de que tem carta” (Inv. Test. Vol. XXV, pág.9.). No Carmo costa que foi sepultado um homem famoso do século XVII, Martim Rodrigues, conhecido por seus livros. Em seu inventário aparecem “O retábulo da Vida de Cristo”, “Crônica do Grã Capitão”, “Instrução de confessores” e “Mistérios da Paixão”, arrolados pelo escrivão de órfãos Simão Borges (Inv. Test. Vol. II, pág. 12.). Muitos livros de um só homem numa vila onde poucas pessoas eram alfabetizadas.

            Os carmelitas em meados do século XVII, pouco depois da edificação de seu convento e igreja, sentiram a necessidade de braços para o trabalho uma sendo a quantidade de terras doadas por Brás Cubas muito extensa sendo. Eram necessários índios para o trabalho. “Exigiam-se índios, pensava-se em índios, sonhava-se com índios. Os homens da vila vivam pelo sertão, em tal quantidade e tão amiúde que as Atas da Câmara nos dão conta regularmente desse êxodo que fazia despovoar não só o núcleo urbano como também as vizinhanças rurais.” (Arroyo, Leonardo. Igrejas de São Paulo). Segundo Azevedo Marques nos documentos compulsados em seus Apontamentos Históricos a igreja e o convento deveriam estar passando dificuldades para cuidar de suas posses, em vista disto o prior frei Ângelo dos Mártires e outros frades resolveram em 1648 “mandar alguns moços ao sertão arrimados a um homem branco, pagando-se-lhes todos os gastos e aviamentos necessários”. (Marques, Azevedo. Op. Cit. Vol. II, pág. 341). Ainda no século XVIII, segundo os documentos da época, os carmelitas participavam comumente de entradas pelo sertão em busca dos gentios. Há uma referência curiosa sobre o padre João Monteiro, que acompanhou “as gentes das Bandeiras” que foram “a descobrir, e examinar as Vertentes da Serra do Capivarassú”, apenas para administrar sacramentos (Documentos Interessantes para a História e Costumes de S. Paulo, Vol. VI pág. 125, Publicação do Departamento do Arquivo do Estado, São Paulo.)

            Através da incansável busca por “alguma gente, pois sem ela acabariam totalmente não só as fazendas, mas o convento”. (Marques, Azevedo. Op. Cit. Vol. II, pág. 342.) uma vez que suas fazendas eram muito vastas e se estendiam por todos os lados da vila de São Paulo. “Ainda no século XIX a igreja e convento do Carmo, possuíam seus escravos, pois é de 1804 o registro de um requerimento, na Câmara, do prior do Convento de Nossa Senhora do Carmo, “senhor e possuidor de umas terras que ficam nos fundos do mesmo convento, onde tem as senzalas dos seus escravos” (Registro Geral da Câmara de S. Paulo, Vol. XIII pág. 103, Publicação do Arquivo Histórico do Departamento de Cultura da Prefeitura, São Paulo.)

            Devido ao enriquecimento do convento em relação a quantidade de escravos “Davam-se bem a Câmara e os carmelitas, boas relações mantidas através do processo de empréstimo dos escravos para as obras públicas. Favores recíprocos, com certeza. Nada mais. Mas a verdade é que na entrada do século XVIII ainda a Ordem do Carmo se mantinha numa situação folgada, em cujo convento e igreja vivam 14 religiosos e um leigo e o número de escravos elevava-se a 431 (Docs. Inters., XXXI, pág. 167.), com as fazendas do Capão Alto, Sorocamim, Biacica, Caguassu e outras muitas extensões de terras por Santos, :Mogi das Cruzes e Itu.(idem, idem, págs. 167 e seguintes)

            A primeira reforma da igreja e do convento data de 1766, de acordo com vários historiadores. Já então o templo deveria ter tomado a conformação que veio até nossos dias, quando foi mudado para a Rua Martiniano de Carvalho, onde se encontra hoje. Alguns anos depois, ou para sermos exatos, onze anos depois à igreja de Nossa Senhora do Carmo seria ligado um exemplo rijo de dignidade e pudor de certas mulheres paulistas do século XVIII, como foi o caso de Francisco da Silva Rosário, que faleceu em São Paulo em 1777. Essa senhora casara-se por procuração com Francisco Álvares de Crasto (ou Castro?), assistente em Cuiabá. Voltando este a São Paulo, depois de alguns anos, parece que se esqueceu de sua legítima esposa que o aguardava. Porém não a procurou. Tal tratamento ofendeu a ilustre dama paulista, do ramo dos Furquins, que se sentiu desobrigada da sua condição de casada. Daí, na sua morte, não tendo herdeiros, haver legado todos os seus bens ao convento e igreja de Nossa Senhora do Carmo (Leme, Silva. Op. Cit. Vol. VI pág. 239.). Enriquecendo-os ainda mais. Em 1836 a ordem possuía “31 casa de aluguel, 6 estabelecimentos de agricultura, uma fazenda de crear, cento e trinta e tantos escravos, de onde provêm o seu rendimento”. (Muller, Marechal D. P. São Paulo em 1836, pág. 251, ensaio d’Um quadro estatístico, Tipografia da Costa Silveira, São Paulo, 1839.). (Arroyo, Leonardo. Igrejas de São Paulo.)

            A relação da comunidade de frades carmelitas na sociedade paulista daquela época era bastante participativa, sendo o Carmo, uma referência para a pequena vila, a aristocracia estava presente nas  cerimônias religiosas do templo e também muitos eram membros da Venerável Ordem Terceira, como podemos constar “Pedro Dias Pais Leme faleceu em 1633, capitão da polícia da Vila de São Paulo; pessoa de muita estima e respeito, ocupou vários cargos públicos no governo de são Paulo, foi sepultado na capela mor da igreja do Carmo. Casado com Maria Leite falecida em 1667. Seu primeiro filho foi Fernão Dias Pais Leme, o celebre bandeirante descobridor das esmeraldas que deixou seu nome gravado na história de São Paulo pelos feitos que o imortalizaram.” (Leme, Luiz Gonzaga da Silva. Genealogia Paulistana. Depoimento a fls. 450 do Vol. II).

             O viajante francês, Saint- Hilaire assim descreveu o templo na paisagem urbana de São Paulo: “A igreja do convento dos carmelitas é muito bonita, ornamentada com muito gosto e enriquecida com pinturas de ouro. Além do altar-mor, há mais três altares de cada lado, em que são reproduzidas as mais notáveis ocorrências da paixão de Cristo. Essa igreja me pareceu muito superior a Catedral.” (Arroyo, 1954:68).

            A importância do complexo para a vila tanto material como espiritual era notável para a vida daquele São Paulo que ainda ensaiava seus primeiros passos na urbanização, a boa relação da ordem com a Câmara continuou com o governo da Província de São Paulo.

“Em 1831, a pedido do brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar, presidente na época da província de São Paulo, o prior frei Francisco de Paulo concedeu, sem cláusula alguma, licença para o Corpo Policial de Permanentes ocupar uma parte do pavimento térreo do convento, que serviu de quartel até 1906. “(Arroyo, 1954:68).

            Também Pesanha Povoa, faz uma descrição do complexo do Carmo neste momento em que já se ocupava o quartel de uma parte do convento: “Sobre a eminência da ladeira do Carmo, que parece o flanco de uma montanha, ocupa o convento considerável espaço, dominando desde a rua do Carmo até à confluência oriental do rio Tamandatahy, onde fica a grande ponte construída no tempo do décimo terceiro governador Horta França...” E mais adiante entrando em detalhes, o cronista acrescenta: “O átrio, como bem mostra a gravura, é flanqueado de grossas paredes tendo em frente onze janelas rasgadas, com varandas, no andar que se ergue no pavimento inferior, que serve de quartel do corpo de Permanentes. Ao lado tem duas igrejas contiguas que pegam o convento. Uma é dos frades, e a outra da Ordem Terceira do Carmo. A primeira é interiormente de Architetura pesada e decorada com mau gosto. A segunda é mais simples, porem mais elegante. Ambas estas igrejas, no seu exterior, são de muita simplicidade, dando-lhe contudo muito realce o alto coruchéo ou torre dos sinos que extrema uma da outra” (Arroyo,1954: 68).

Foi na igreja dos carmelitas que Padre Jesuíno do Monte Carmelo, importante personagem da arte colonial paulista, músico, pintor, arquiteto. Executou sua primeira pintura e trabalhos em São Paulo como afirma Mário de Andrade em seu livro Padre Jesuíno do Monte Carmelo: “Justamente se perdeu o teto do convento do Carmo, que foi a primeira obra realizada pelo pintor em São Paulo. Destruíram-no nada guardaram, quando o edifício foi desapropriado em 1929.” (Andrade, 1963).

            Entre os artistas coloniais também destacamos na música o maestro Lustosa que muito contribuiu e atuou na igreja do Carmo: ”de que ainda existem reminiscências por ai algures, de cantochão que fizeram o encanto acustico dos nossos piedosos conteraneos avoegos” (Moura, Paulo Cursino, 1945). 

            O Carmo foi durante muito tempo uma referência de boa liturgia e sofisticação da fé Católica na cidade de São Paulo. Isso podemos comprovar pelos fatos e descrições ocorridos naquele tempo entre eles a visita dos imperadores do Brasil no Carmo em  12 de abril 1846, o templo foi tão suntuosamente decorado que, no dizer de José Maria Martins, então irmão sacristão, jamais a Ordem faria outra festa com tanto esplendor. As poltronas em que se sentaram o Imperador D. Pedro II e a Imperatriz Thereza Cristina estão guardadas no salão nobre como preciosa relíquia, onde se encontram até hoje. Já no dia 5 de março os Imperadores do Brasil haviam acompanhado a pé a procissão do Senhor dos Passos da Igreja do Carmo para a Igreja do Pátio do Colégio, demonstrando suas convicções e profundos sentimentos religiosos.

            Leonardo Arroyo diz que era da tradição que no Carmo se realizavam as melhores missas cantadas, as melhores procissões, as mais caprichadas novenas e comemorações da Semana Santa, com a presença de altas autoridades.

            Embora houvesse todo um contexto de beleza artística e litúrgica, a partir do início do século XIX a Ordem já começava a definhar pela falta de frades, e intervenções da coroa devido ao impedimento de noviços pelo governo e anteriormente uma reforma da província, solicitada pela própria Rainha de Portugal, Sra. Dna. Maria I. O capítulo provincial que devia começar no dia 01 de maio de 1783 foi sustado pelo Vice Rei, como consta na carta datada 23-05-1783 do Vice-Rei Luiz de Vasconcelos e Souza à Rainha Dna. Maria em Lisboa.

 ”Tendo já tocado por algumas vezes a V. Excia. na grande relaxação dos frades do Carmo desta Província e vendo a cada dia mais adiantada, principalmente nas presentes circunstâncias em que no Convento desta cidade juntos já os vogais para escutar intrigas dos mesmos vogais do Capítulo, com que cada um, conforme a sua paixão, procurava, quando não pudesse conseguir os seus intentos, perturbar um ato que na consideração dos mesmos frades devia ser o mais sério, me pareceu de comum acordo com o Bispo desta Diocese que seria muito do serviço de Deus e de sua Majestade, fazer sustar no seu real nome o mesmo Capítulo, muito mais quando nas vésperas dela me veio o próprio Provincial participar que pela disposição que via na sua comunidade, receava maiores insultos.

            Assim o pratiquei e movendo-se a questão de quem devia governar interinamente a Província na forma das Constituições da Ordem, na inteligência dos quais variaram os pareceres dos Padres Mestres, ditados em grande parte por um espírito de parcialidade, mandei conservar o mesmo Provincial sem alteração alguma até nova resolução de sua Majestade. E como para esta entendo ser necessário por na real presença da mesma Senhora o estado atual da mesma Província e uma informação clara dos indivíduos dela, o que farei com a maior brevidade.

            Deus guarde a Vossa Excelência.

            Rio 23 de maio de 1783

            Luiz de Vasconcelos e Souza” (Reeditado por Frei Carmelo Cox)

 

Em 1783 o Vice-Rei escreveu seu próprio livro: “A Relaxação dos Frades do Carmo e Reforma Ineficaz”, e o mandou para a Rainha Dna. Maria em Portugal. Ela o mandou para o Núncio Apostólico, que por sua vez o Núncio no Reino de Portugal e Algarves, Dom Vicente Ranuízo, nomeou, também por vontade da Rainha Dna. Maria I, o Bispo do Rio de Janeiro, Dom José Joaquim Mascarenhas Castelo Branco, como Visitador e Reformador da Província da Ordem dos Carmelitas Calçados no Rio de Janeiro.

            A reforma teve seu fim no ano de 1800, neste período a Ordem passou por diversas intervenções do governo e era necessária a autorização deste para que se recebessem noviços.  No ano de 1823 surge o primeiro projeto de lei contra as Ordens Religiosas na Monarquia Constitucional:  “A Assembléia Geral Constituinte e Legislativa decreta:

1º - Fica proibido provisoriamente da data do presente Decreto em diante, até que a Assembléia delibere o contrário, a admissão de qualquer pessoa à entrada para noviciado em todos os Conventos de um e outro sexo, podendo somente ser admitidos à profissão os que estando já no noviciado quiserem professar.

2º - Qualquer regular do sexo masculino, que quiser, poderá sair do Convento, precedendo Licença Pontifícia, que será requerida, e protegida pelo Governo; ficando os egressos hábeis para ocupar os Ofícios Civis e Eclesiásticos, como outro qualquer Cidadão.” (Cox, 2005)

            Essas intervenções afetaram toda a Ordem no Brasil, mas não somente os carmelitas, e sim todas as ordens religiosas, implicando radicalmente no futuro e existência das mesmas. O interesse que estava sendo visado em tais atitudes era a apropriação dos bens das ordens, segundo Frei Carmelo Cox, que nos diversos documentos organizados por ele estava presentes cartas do governo, “pedindo inventário de todos os conventos” da Ordem.

            Em 1834 foi oficializada a extinção de todas as ordens religiosas em Portugal. As causas mais profundas desta decadência devem ter sido a falta de adaptação e a alteração do tempo e da mentalidade. O fato de se começarem a utilizar os edifícios conventuais para aquartelamentos e tribunais, aproveitando as dependências desocupadas, ajudou ainda mais a perturbação claustral.

“O decreto de 30 de maio de 1834, assinado pelo então ministro da justiça, Joaquim Antônio de Aguiar, em que decretava a extinção de todas as Ordens Religiosas, acabou com o pouco que restava já do Carmo português.” (Cox, 2005)

            A partir de então a província dos carmelitas entrava em profunda agonia, ficando os conventos vazios aos poucos. Havia dificuldades para administração dos bens, uma vez que no ano de 1871, anos antes da abolição da escravatura, os carmelitas decidem “libertar todos os escravos da Província Carmelitana Fluminense, com exceção daqueles que se achavam sujeitos a contratos.” (Cox, 2005).

            Em agosto de 1881 ficou o Convento do Carmo de Santos sem religiosos Carmelitas, e o declínio perdurava por todas as casas carmelitas no Brasil. Em São Paulo como se consta já estava sem frades carmelitas desde 1873 uma vez que o convento estava sobre os cuidados de um frade que residia em Mogi das Cruzes: “Em São Paulo desde 08-11-1873 está tomando conta Frei Antônio Muniz, que também continua como Prior de Mogi das Cruzes.” (Cox, 2005)

            Assim resistiu até 1889 quando foi proclamada a República do Brasil, e foi decretado à separação entre Igreja e Estado, e conforme a Lei orgânica da constituição da República dos Estados Unidos do Brasil.

“Art. 72§3- Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum.”

            A partir desse momento, surgi à grande necessidade da restauração da província sendo o próprio Papa Leão XIII manifestando seu desejo de que “quanto antes, sejam restabelecidos e repovoados os Conventos da Ordem Carmelitana no Brasil e que a esse fim se mandem para ali novas comunidades.” Pediram então para os carmelitas da província da Espanha para que se iniciasse a restauração do Carmelo no Brasil, mas não foram recebidos a principio pelos frades no Rio de Janeiro, sendo assim foram para Pernambuco onde lá fizeram a restauração da Província Carmelitana Pernambucana.

            Em São Paulo o único frade Frei Antonio Muniz, administrador de quatro casas São Paulo, Santos, Itu e Mogi das Cruzes, começava a entrar em conflitos com o bispo, por questões administrativas, nas quais o bispo D. Antônio Candido de Alvarenga desejava cuidar da administração dos bens da ordem em São Paulo.

            Os carmelitas que pelo ano de 1900 haviam se estabilizado no Rio de Janeiro anunciavam sua partida do Brasil em 1904 deixando assim por decisão capitular os conventos da Lapa, Angra dos Reis e Bahia, no entanto foram partiram para o Recife. Assim o Padre geral do carmelitas vendo que falhara a tentativa espanhola no rio de Janeiro pede então a ajuda da Província Holandesa como podemos ver na carta do Pe. Geral Frei Pio Mayer ao Provincial Holandês, Frei Lamberto Smeets:

“Revmo. Padre Lmaberto Smeets

Zenderen.

Revemo. Padre Provincial,

No Capítulo Provincial da Espanha resolveu-se fechar quanto antes o Conventos das Províncias do Rio de Janeiro e da Bahia, e colocar os Padres espanhóis no Brasil juntos na Província de Pernambuco. O motivo desta resolução foi a impossibilidade da Província Espanhola de enviar tantos padres ao Brasil quantos o Arcebispo do Rio de Janeiro desejava.

 P.Pius Mayer, Geral. O. Carm.” (Cox, 2005)

           O Provincial da Holanda, Frei Lamberto Smeets, consultou seu Definitório e quatro dias depois respondeu afirmativamente sendo a partir daí a província fluminense entregue aos Carmelitas Holandeses sobe a responsabilidade de restauração.

            Frei Antônio Muniz, consegue resguardar o patrimônio de São Paulo que estava sem frades residindo no convento com apenas o quartel utilizando uma parte do edifício. A Venerável Ordem Terceira já estava sem a presença de frades junto a ela a muito tempo, sendo seus diretores espirituais padres seculares, tornando-a cada vez mais independente da Ordem.

            A chegada dos carmelitas holandeses a São Paulo aconteceu no dia 14 de maio de 1905, afim de ocuparem o convento e iniciarem a restauração do Carmo, vieram três frades: Frei Cirilo Thewes, Frei Simão Jans e alguns dias depois chegou Frei Guilherme Meijer.

Frei Jorge Van Kampen, Carmelita. In Memoriam. (*17/04/1932 + 08/08/2013)

O Evangelho de Marcos termina no cap. 16,8. Esperava-se uma conclusão do Evangelho com um encontro de Jesus com os apóstolos na Galileia, como o anjo tinha anunciado, mas não veio. Por isso conclui-se o evangelho como consta anteriormente: o evangelho é como uma semente, que se semeia no mundo. Produz fruto no seu devido tempo, em todos os campos da atividade humana. Os homens feitos filhos de Deus, tomarão consciência da sua dignidade, e nascerá uma humanidade nova, que prática justiça e amor. Assim se buscará a nova ordem, que corresponde ao Reino de Deus. É necessário anunciar o Evangelho aos homens em qualquer trabalho, investigação cientifica e procura humana. Jesus nos assegura a Sua presença e a sua eficácia pelas direções da Igreja.

Liturgia da Palavra de Deus. (At. 1,1-11) (Ef. 1,17-23) (Mar. 16,15-20).

A Ascensão de Jesus é o começo de um tempo novo para o futuro. Paulo mostra a realização do plano de Deus, que é como semente, que dá uma nova visão sobre a atividade do homem cristão.

Reflexão.

Senhor, fazei-nos homens libertos. Evitai, que sejamos temerosos ou medrosos. Que não nos sintamos ameaçados com qualquer coisa que aconteça.

Senhor, fazei-nos homens libertos. Ensinai-nos a libertar os outros. Que não oprimamos ninguém, mas abramos novos caminhos, que não os dominem, mas dão espaço.

Senhor, fazei-nos homens libertos. Dai-nos a coragem de dizer, o que deve ser dito e de fazer, o que deve ser feito. Com todo risco, que o acompanha.

Senhor, vós, que nos libertastes, enchei-nos com o Vosso Espírito, para que saibamos defender aqueles, que são marginalizados ou oprimidos, seguindo o exemplo de Jesus Cristo, nosso Libertador. Amém.

Resposta à Palavra de Deus.

Podemos distinguir três tipos de pessoas, de acordo com a sua inclinação. Os que fazem da terra seu tudo. Outros vivem com a cabeça mergulhado no céu. Finalmente os terceiros vêem o céu, presente na terra através do amor. Você pertence a qual tipo?  

*Frei Christopher O’Donnell, O. Carm.

Um elemento significativo na tradição da Ordem é a da mística mariana, um termo que não é usado univocamente por todos os estudiosos.[i]  Seu principal exemplo é a terceira carmelitana flamenga Maria Petyt (Petijt – Maria de Santa Teresa, 1623-1677).[ii]  Após alguns anos de busca por sua vocação ela encontrou o carmelita Miguel de Santo Agostinho, que se tornou seu orientador. Ele descreveu algumas das experiências de Maria Petyt num pequeno volume sobre a forma de vida mariana e a Vida de Maria. O estudo recente de S. Possanzini deixou este trabalho mais acessível aos carmelitas hoje.[iii]

Duas questões surgem sobre a mística mariana: a primeira é o papel de Maria que é geralmente encontrado na vida místico-contemplativa do Carmelo; a segunda é uma área mais difícil de examinar, ou seja, a realidade e a validade de uma experiência especificamente mística mariana.

Maria e os místicos carmelitanos

Em geral, podemos afirmar que na Ordem Carmelita a vida contemplativa e a experiência mística são freqüentemente definidas como tendo características marianas. Maria acompanha os carmelitas contemplativos em sua jornada para a união divina.[iv]  Além disso, muitos místicos carmelitas tiveram experiências nas quais Maria tinha seu papel central. Elas são tão comuns que não precisam de elaboração. Podemos tomar como exemplo Santa Teresa d’Ávila. Foi na festa da Assunção em 1561:

Eu refletia sobre os muitos pecados que confessei no passado naquela casa e muitas coisas sobre minha vida infeliz. Um êxtase invadiu-me tão fortemente que quase me arrebatou... Pareceu-me, enquanto estava neste estado, que me vi vestida de um manto branco esplendoroso e brilhante. Mas a princípio, não vi quem me vestia. Depois vi uma Senhora à minha direita e meu pai São José à minha esquerda, pois eles estavam revestindo-se com o manto. Compreendi então que estava limpa de meus pecados...

A beleza que vi em Nossa Senhora era extraordinária, apesar de não ter percebido qualquer detalhe em especial, exceto a forma de seu rosto e que suas vestes eram de um branco muito brilhante, não deslumbrante mas suave... Então, pareceu-me vê-los subir aos céus com uma grande multidão de anjos. Fui deixada em profunda solidão, apesar de tão consolada e elevada e serena em oração e tocada pelo amor, que permaneci algum tempo sem ser capaz de mover-me ou de falar, praticamente fora de mim mesma. Sentia em mim um grande impulso de ser dissolvida em Deus e com emoções semelhantes. E tudo aconteceu de tal modo que nunca poderia duvidar, não importa o quanto tentasse, que era uma visão de Deus.[v]

Aqui, apesar de Maria ser central na experiência, temos uma visão de Deus, levando a uma união mais profunda com Deus. Santa Teresa d’Ávila, numa visão mística em 08 de setembro de 1575 renovou seus votos nas mãos de Nossa Senhora. Ela observa: “Esta visão permaneceu comigo por alguns dias, como se ela estivesse junto a mim, à minha esquerda.”[vi]

A cura de Santa Teresinha de Lisieux através do sorriso de Nossa Senhora no Domingo de Pentecostes de 1883, é outro exemplo de uma visão mariana, mas vista como uma ação da misericórdia divina. Este foi o começo de um processo que, cinco anos mais tarde, permitiria que ela entrasse no Carmelo.[vii]

Tais experiências místicas são freqüentes na história da espiritualidade e não precisam ser consideradas como especificamente carmelitanas,[viii]  apesar de também encontradas, e surgindo, da vida do Carmelo.

A forma de vida mariana

Um segundo tipo de experiência é encontrado em autores carmelitanos, apesar de ainda não ter sido suficientemente estudado por teólogos espirituais.[ix]  Contudo, ele também é encontrado fora da Ordem Carmelita.[x]  Ele aparece mais elaborado em Miguel de Santo Agostinho e Maria Petyt, mas textos em línguas modernas não são muito acessíveis. Algumas observações iniciais devem ser feitas. O misticismo implica em uma jornada para Deus, para a união divina com a Trindade. Por isso, inevitavelmente, haverá uma necessidade de contextualização dos escritos destes dois autores, já que frases isoladas podem indicar um foco distorcido sobre Maria em lugar de Deus. Surgem dificuldades posteriores com a linguagem mística, altamente simbólica, usada por eles.

O estudo recente de S. Possanzini parece confirmar o que escritores mais antigos suspeitavam, ou seja, que sob a terminologia de forma de vida mariana o Venerável Miguel fala geralmente sobre a vida ascética, ou que parte da jornada espiritual é amplamente determinada pelo esforço humano, mas assistido, é claro, pela graça. O que ele chama de vida mariana é seu aspecto místico, ou seja, é livremente concedido como graça excepcional de Deus.[xi]

O fundamento da forma de vida mariana é a maternidade espiritual de Maria e sua mediação, as quais já vimos como estando profundamente dentro das tradições carmelitanas. A forma de vida mariana consiste em “manter os olhos abertos para Deus e para sua bem-aventurada Mãe, de forma que façamos pronta e alegremente o que sabemos ser agradável a eles, e evitar o que reconhecemos ser desagradável a eles”.[xii]  Assim, vivemos uma vida que é, ao mesmo tempo, divina e mariana. O reino de Jesus e o reino de Maria coincidem de forma que “Jesus e Maria reinam unanimemente nela (a alma)”.[xiii]

Assim, está claro que as intuições centrais desta espiritualidade a partir da forma de vida mariana são plenamente ortodoxas. As expressões que ela valoriza são explicações deste discernimento da identidade da vontade de Maria e de Jesus. Onde o ensinamento torna-se específico e original é o que Miguel chama de mariano, no qual Maria é vista acompanhando e instruindo a pessoa em toda a jornada para a profunda união divina e casamento místico. Ainda mais distinta é a noção de união com Maria definindo o modo pelo qual a pessoa chega à união com seu Filho e com o Deus Trino. Miguel de Santo Agostinho usa diversas destas imagens.

Primeiramente, existe a vida em Maria:

Pelo diligente exercício de fé e do amor constante, adquirimos o hábito ou a prática de ter em mente, sempre e em todo lugar, a presença de Deus, e existe tal sincera afeição fluindo com tal facilidade para Deus que parece impossível esquecer Deus. Do mesmo modo aquele que ama Maria através deste exercício contínuo, adquire o hábito ou a prática de tê-la sempre presente em mente como Mãe amorosa, de forma que todos os pensamentos e afeições da pessoa terminam nela e em Deus, e a pessoa não pode esquecer nem a Mãe amorosa nem Deus.[xiv]

Segundo ele, isto não é algo infantil ou inocente, mas um movimento muito maduro, racional e corajoso (viriliori). É um trabalho do Espírito levando a pessoa a uma consciência ora de Maria, ora de Deus, sem qualquer conflito ou divisão no coração.[xv] Em segundo lugar, a pessoa vive para Maria. Aqui o autor é novamente cuidadoso em mostrar que o serviço a Maria não diminui Deus de modo algum.

            Assim como em Maria tudo existe para o prazer divino e ela vive na eternidade para Deus, para seu prazer, amor e glória, então também cada vida e morte por Maria deve servir e ser dirigida a Deus. Portanto, não vivemos ou morremos para Maria como nosso fim definitivo, ou com qualquer reflexão que poderia aderir a qualquer coisa fora de Deus para nossa própria conveniência. Em vez disso, através da vida e morte em Maria e para Maria, vivemos e morremos mais perfeitamente em Deus e para Deus, como causa de seu prazer e amor. E nada no reino perfeito de Maria contradiz o reino de Jesus, mas é totalmente ordenado para ele.[xvi]

            Poderia parecer que esta forma de vida mariana não é mística no sentido técnico. Apesar da graça ser necessária, realmente uma graça especial, a pessoa pode escolher este modo de aproximação de Deus através de Maria. Se a pessoa cresce profundamente neste modo de espiritualidade poderia depender de uma continuação de tal graça e do temperamento e da afetividade da pessoa. Existe uma diferença essencial entre esta forma de vida mariana e a do misticismo mariano atribuído à Venerável Maria de Santa Teresa e descrito por seu orientador, Miguel de Santo Agostinho.

[i]  A. Neglia, “La mistica Mariana nel Carmelo” em Maria icona 115-128; cf. M. Schmidt et al, “Mystik”, MarLex 4:564-572; S. De Fiores, “Maria”, NDizSpir 878-902 em 890-891.

[ii]  A. Derville, “Petyt, Maria”, DSpir 12:1227-1229; A. Deblaere, “Maria Petyt, écrivain et mystique flamande”, Carmelus 26 (1979) 3-76; O. Steggink, “Maria von der hl. Theresia”, MarLex 4:296-297; alguns textos em Hoppenbrouwers, Devotio 403-419.

[iii]  S. Possanzini, La dottrina e la mistica Mariana del venerabile Michele di Sant’Agostino, Carmelitano (Roma: Edizioni Carmelitane, 1998); A. Deblaere, “Michel de Saint-Augustin”, Dspir 10: 1187-1191; ver G. Wessels, ed., Introductio ad vitam internam et fruitiva praxis vitae mystice. (Rome: Collegio S. Alberto, 1926) – Appendix “De vita Mariae-formi et Mariana in Maria et propter Mariam” 363-387.

[iv]  Hoppenbrouwers, Devotio 268-277.

[v]  Life 33:14-15 – Collected Works (n. 24) 1: 225-226.

[vi]  Spiritual Testimonies 43 em Collected Works (n. 24) 1:343.

[vii]  The Story of a Soul cap. 3 – Trad. J. Clarke (Washington DC: ICS, 1975) 65-67.

[viii]  Ver M. Schmidt et al., “Mystik”, MarLex 4:564-572.

[ix]  S. De Fiores, “Marie (Sainte Vierge)”, Dspir 10:461; id. “Maria” em NdizSpir 890-891; Hoppenbrouwers, Devotio 219-224; O. Steggink, “Mística Mariana en el Carmelo: P. Miguel de san Agustín y Maria de santa Teresa Petyt” em Congreso 1989 63-74; Valabek, Mary 1:269-289.

[x]  E.g. Pierre-Joseph de la Clorivière – ver A. Rayez, “Devotion et mystique mariales du Père de Clorivière” em H. de Manoir, ed., Maria. Études sur la Sainte Vierge (Paris: Beauchesne, 1954) 3:307-328; cf. H. Monier-Vinard, “La mystique du P. de Clovière”, Revue d’ascétique et mystique”, 17 (1936) 147-168, 225-242. Veronica O’Brien (1905-1998) – ver L. J. Suenens, The Hidden Hand of God. The Life of Veronica O’Brien and Our Common Apostolate (Dublin: Veritas, 1994) 298-309. Ver E. Neubert, La vie d’union à Marie (Paris: Alsacia, 1954).

[xi]  Op. Cit. 99-127.

[xii]  Michael of Saint Augustine, De vita Mariae-formi et Mariana, ed. Wessels (n. 56) cap. 1, p. 363.

[xiii]  Ibid. 364-365.

[xiv]  Ibid. cap. 2, pp. 366-367.

[xv]  Ibid. cap. 3, pp. 368-369.

[xvi]  Ibid. cap. 5, p. 371; cf. cap. 4, p. 369.

Frei Egídio Palumbo O. Carm

             Como "discípulos" daquela primeira comunidade de fratres do Monte Carmelo, hoje sintamos juntos uma responsabilidade eclesial: sintamo-nos chamados não somente para guardar a experiência carismática de oito séculos atrás, mas também para aprofundá-la e desenvolvê-la, relendo a memória do nosso passado debaixo da luz do presente ou, então, da sensibilidade eclesial e cultural de hoje.

            É este para nós o caminho da fidelidade dinâmica ao carisma dos fundadores. Somente assim, a oito séculos de distância, o carisma do Carmelo pode continuar a ser "um encargo de genuína novidade na vida espiritual da Igreja e de uma particular, operosa e corajosa realização" (Mutuæ Relationes 20). Unicamente desta maneira o carisma do Carmelo pode ter continuidade no tempo como uma herança viva e preciosa e fazer nascer afinidade entre as pessoas que o vivem (cf. o documento Christifideles Laici,24).

*0 CARMELO A SERVIÇO DA NOVA EVANGELIZAÇÃO: Carisma,  Espiritualidade e Missão - apontamentos. - Fraternità Carmelitana-  Pozzo di Gotto  -  1993. Tradução, Frei Pedro Caxito O.Carm. In Memoriam ( *31/12/1926  +02/09/ 2009 ).

Frei Emanuele Boaga, O.Carm. In Memoriam

Da experiência dos Carmelitas de cada época e do ensino dos Mestre, brotam alguns valores a respeito da CONTEMPLAÇÃO e da ORAÇÃO que formam o PATRIMÔNIO da tradição carmelitana. Brevemente se pode sintetizar assim este patrimônio:

1-CONTEMPLAÇÃO

É mergulho no Mistério de Deus que “colocou sua tenda no coração do homem. Portanto, CONTEMPLAÇÃO e ORAÇÃO é fazer uma profunda EXPERIÊNCIA de DEUS REAL e VIVO, ainda que as vezes obscura, em todas as dimensões humanas. É a capacidade de encontrar a DEUS que nos amou primeiro.

2- ESSÊNCIA da VERDADEIRA ORAÇÃO

É um relacionamento de amizade com Deus e consiste sempre em “sair de si para encontrar o “Outro”.

3- MORTE e CRUZ

A oração está associada com os temas da Morte e da cruz. Por isso, o caminho da Oração Carmelitana passa pela “noite purificadora dos sentidos”, pela solidão, pela aridez que faz morrer o egoísmo e leva a sair de si para encontrar o CRISTO.

4- DESERTO

É essencial à contemplação;

É o despojamento, o situar-se na verdade e sem ilusões diante de Deus;

É atitude de pobreza radical que tudo espera de Cristo;

É atitude de silêncio para escutar a Palavra do “Outro”, é experiência da própria limitação e da necessidade de Deus na nossa vida;

É convicção forte, ainda que obscura, que Ele nos busca mais do que O buscamos. Jesus procura o homem primeiro.

5- ESPIRITO SANTO

A Oração é dom do Espírito. É Ele que atua eficazmente na Oração e nos transforma quando na docilidade a Ele deixamo-nos conduzir. Ele nos leva às formas mais elevadas de oração, como fruto da fidelidade e acolhida de seus dons.

6-PRESENÇA de DEUS:

É preciso viver a presença de Deus no próprio coração, nos irmãos, na vida.

É preciso experimentá-lo por meio de abertura para a realidade e para os sinais dos tempos que revelam sua presença.

7- PALAVRA de DEUS

A contemplação e a oração se nutrem pela FAMILIARIDADE com a Palavra de Deus, ouvida

No silêncio e na solidão do próprio coração,

No dialogo comunitário e fraterno

Na realidade.

8- FORMAS de ORAÇÃO

Ainda que não se reduzam as formas concretas, a oração e a contemplação necessitam delas como meios indispensáveis para crescerem. Entre estas formas ocupa lugar privilegiado a oração litúrgica e a “Lectio Divina”.

9- ENVOLVIMENTO DO HOMEM TODO,

A vida de oração requer o envolvimento do homem todo e, portanto, o crescimento da pessoa com a integração de sua afetividade na oração. Além disto, a oração exige uma contínua verificação do próprio relacionamento com os outros, com a realidade, com a vida. Deve exprimir-se através das obras de virtude, como sinais de amor a Deus. A contemplação deve conduzir-nos através do encontro com o ABSOLUTO de DEUS a realização de seu plano de AMOR para os irmãos e o mundo, portanto deve levar-nos ao COMPROMISSO.

10- INSPIRAÇÃO ELIANO-MARIANA

A inspiração Eliana-Mariana reforça as dimensões de nossa contemplação-compromisso:

Maria - a Virgem da Encarnação, mulher de escuta amorosa e de fé.

Elias - o homem de contemplação encarnada na realidade humana, à procura da FACE do DEUS verdadeiro

ORIENTAÇÕES GERAIS PARA LEITURA DE UM TEXTO

1º - A imagem de Deus que cada um de nós tem se reflete na maneira concreta como fazemos oração e como falamos da Oração. Esta imagem pode ser diferente nas várias épocas.

2º - Todo ser vivo toma seus elementos do ambiente e assimila os elementos que lhe convém. Esta osmose é também presente na vida do Carmelo.

3º - No caminho histórico da Ordem o mesmo valor vem encarnado de maneiras diversas com ênfases, acentuações, enfraquecimentos, etc. É preciso, num discurso de valores, verificar quais são os valores que se encarnam no contingente e até que ponto, em cada época ou situação o contingente permite ao valor a encarnação no contexto histórico concreto.

4º - Um texto espiritual deve ser lido dentro do próprio contexto particular e geral, isto é, de acordo com a ideia global do livro, do autor e do ambiente. É necessária a atenção a figura literária, ao estilo do autor, a simbologia e a outros princípios de leitura hermenêutica.

5º - E necessário, enfim, ter presente a ambiguidade dos termos e o significado próprio da palavra tal como o Autor lhe confere:

CONTEMPLAÇÃO = aspecto intelectual, atitude do homem total diante de Deus forma superior de oração

AÇÃO = disposição para atuar atividade externa.

ORAÇÃO = atitude orante-formas e formulas de oração.

SILÊNCIO = vazio interior- falta de rumor

SOLIDÃO - lugar silencioso, sem barulho- situação interior.

ALMA E CORPO = elementos da pessoa humana relacionados muitas vezes de modo dualista, dicotômico.

AFETIVIDADE = sentimento. Tudo aquilo que se refere ao coração num preciso contexto antropológico

MUNDO - realidade criada, realidade interior, realidade externa- lugar de contra-valores, etc.

SUGESTÕES PARA A REFLEXÃO

1- Qual é a imagem de Deus e a experiência de oração que transparece no texto; Procurar os elementos positivos negativos

2- Como os valores fundamentais da Tradição Carmelitana estão expressos no texto? Em particular, qual ou quais?

3- A realidade do ambiente e o compromisso apostólico com o povo transparecem no texto? Como? Se não, por que?

4- E nossa Oração; Qual e a imagem de Deus que oferece e anuncia HOJE? Que formas concretas de vivência desta imagem procuramos?

5- Nós, como Carmelitas, precisamos denunciar os falsos ídolos da religiosidade na Igreja e no mundo. Quais? Como?

6- Qual deveria ser a nossa prática numa vida integral no PRESENTE e na FORMAÇÃO para o futuro?

*A ORAÇÃO NA VIDA CARMELITANA. Reflexões e textos de autores carmelitanos sobre a Comunhão com Deus e a Oração no Carmelo. Textos preparados por Frei Emanuele Boaga, O.Carm para Encontros de Espiritualidade Carmelitana das Irmãs Carmelitas da Divina Providência. JULHO - 1986 - Rio Janeiro.

Frei Christopher O’Donnell, O. Carm

        A consciência mariana da Ordem evolui rapidamente.[i]  Ao analisarmos este desenvolvimento devemos não apenas examinar cuidadosamente a documentação existente, mas, acima de tudo, devemos buscar um sentimento de empatia com situação dos carmelitas nos séculos XIII e XIV. Do contrário, corremos o risco de termos total antipatia para com uma evolução delicada e complexa. Além disso, devemos destacar alguns pontos proeminentes, tendo-os sempre em nossas mentes, se queremos compreender o modo como se originou a vida mariana da Ordem.

Os irmãos começaram a ir para a Europa por volta de 1238.[ii]  A migração foi gradual desde esta data até 1291, quando o Reino Latino de Jerusalém foi conquistado. Eles levavam consigo a Regra e um modo contemplativo de vida, fortemente marcado pelo ascetismo. Na verdade eles perderam, acima de tudo, sua capela no Monte Carmelo, dedicado à Maria. Vemos que eles logo dedicaram um mosteiro à Maria na Europa, já em 1235.[iii]  Eles chegaram a uma Europa que, como vimos na Introdução, possuía uma rica devoção mariana. Os Irmãos carmelitanos inseriram-se facilmente neste clima mariano. Eles iniciaram então um processo, integrando sua herança própria com a vida mariana encontrada na Europa.

Eles demonstram esta sua grande devoção ao escolherem Maria como sua Padroeira, simbolizada na Capela em sua honra no Monte Carmelo. Já em 1282 o Geral Pierre de Millau, numa carta a Eduardo I da Inglaterra buscando seu apoio, afirmou que a Ordem Carmelita tinha sido especialmente fundada em honra de Maria.[iv]  Isto foi novamente afirmado no capítulo geral de 1287.[v]  Mais tarde, John Baconthorpe (por volta de 1348) diria que “Deus... desejou estabelecer os Irmãos do Carmelo em louvor de sua Mãe.”[vi]  E olhou para o fim dos tempos quando os carmelitas serão recompensados por seu papel especial no serviço militante em louvor a Maria e em honra de Cristo.[vii]

No tempo da regulamentação e da busca por sua identidade, o relacionamento dos Irmãos com sua Padroeira Maria, serviu de base sólida. Mas também existiam outros elementos como o ideal contemplativo e a memória que tinham de Elias.

A Origem da Ordem a partir de Elias

        Já observamos que a origem da Ordem a partir de Elias foi claramente afirmada na Rubrica prima das Constituições de 1281. Não é difícil ver como o tema de Elias foi desenvolvido em resposta à oposição a esta nova Ordem, já que ela não tinha um fundador histórico evidente, tal como São Domingos ou São Francisco. Os Irmãos Carmelitas sabiam que tinham ficado no Monte Carmelo por muito tempo. Era uma montanha sagrada, associada a eremitas de tempos muito antigos e, na verdade, com o grande profeta Elias. Eles viram em Elias um grande profeta e um grande contemplativo. Alguém que, como Moisés, encontrou o Deus vivo no Monte Horeb (1Reis 19,11-18). Eles sabiam que, apesar da oposição que encontraram na Europa, o estilo de vida que tinham era antigo e autêntico.

Na Idade Média, como na época bíblica, as verdades eram sempre transmitidas através de mitos. Com nosso senso moderno de historicidade, muitas vezes não ficamos satisfeitos diante de mitos. Sempre fazemos a pergunta errada. Em vez de perguntarmos “o que significa o mito?”, perguntamos “aconteceu de fato?”  E um mito contém uma verdade que não são as afirmações explícitas do mito. A verdade que se esconde por trás do mito de Elias estava no fato de que os carmelitas reconheciam nele uma figura idealizada, cuja inspiração eles seguiam ao viverem como eremitas perto de seu poço histórico. Sendo contemplativos, buscavam a experiência espiritual do Deus vivo de Elias. Consagrados à caridade viam Elias como o primeiro exemplo ideal do Antigo Testamento que vivia na continência perpétua pelo Reino. Como eremitas viam nele uma figura solitária e companheira, alguém que deixou tudo para buscar apenas Deus.[viii]

A forma que o mito tomou foi um desejo aparente dos nossos fundadores, de construírem uma continuidade histórica entre o profeta do século VIII a.C. e a Ordem, assim como ela existia na Europa no século XIII. Bons estudiosos e teólogos da Ordem despenderam um tempo enorme na tentativa de encontrar elos tirados da Escritura e da Patrística para construir uma corrente ligando a Ordem até o tempo de Elias. Muitas figuras bíblicas, assim como antigos eremitas e santos da Palestina foram vistos como parte da continuidade histórica da Ordem. Historicamente tal trabalho não tem valor. Mas ele, na verdade, é muito mais que uma legenda, um mito. Ele tem sua verdade própria em termos de identidade e espiritualidade.

Maria e Elias - Maria e o Carmelo

Maria foi gradualmente inserida neste mito, ou hagada, de Elias.

Os Primeiros Escritores

        A Crônica De inceptione ordinis (cerca de 1324) afirmou que, após a Encarnação, os seguidores de Elias e de Eliseu construíram uma igreja em honra da Bem-aventurada Maria perto da fonte de Elias. Ela assegurava que a partir do tempo do patriarca Aimérico (+ 1196) eles eram conhecidos como Irmãos eremitas da Bem-aventurada Maria do Monte Carmelo.[ix]

O quarto capítulo do Speculum de Jean de Cheminot (+ por volta de 1337) afirmava que, como eles, os sucessores de Elias e de Eliseu abraçaram a castidade dedicada ao Senhor. Dois textos do Antigo Testamento, que se tornariam tradicionais na Ordem, eram aplicados à Maria: “Pois lhe será dado o esplendor do Líbano, a beleza do Carmelo e do Saron” (Is 32,2) e “Sua cabeça que se alteia como o Carmelo “ (Ct 7,6). Uma memória legendária afirmava que Maria, junto com outras virgens, costumava visitar o lugar dos eremitas por causa de sua santidade e da beleza do lugar: “Era apropriado que a mãe das virtudes honrasse o lugar e os filhos de tal santidade e devoção com sua presença”.[x]

Jean de Cheminot também recordou o oratório em honra da Virgem Maria construído após a Ascensão e que, para distinguir os Carmelitas dos outros, eles eram chamados de “os Irmãos da Ordem da Bem-aventurada Virgem Maria” – um título solenemente reconhecido mais tarde pela Santa Sé.[xi]

John Baconthorpe

         Neste mesmo período surge o carmelita inglês John Baconthorpe (+ cerca de 1348). Demonstrando vasta cultura em filosofia, teologia e leis canônicas, recebeu a alcunha medieval de “Doctor Resolutus”. Seus escritos são na realidade polêmicos, já que ele busca defender a Ordem diante de seus caluniadores. São também escritos espirituais, uma reflexão sobre as profundas raízes da Ordem. Ele escreveu quatro trabalhos que são do nosso interesse, articulando Elias e Maria:[xii]  Speculum de institutione ordinis pio veneratione Beatae Mariae, o primeiro tratado a Ordem que unifica profundamente as tradições de Elias e de Maria; Tratado sobre a Regra da Ordem Carmelita [tradução em português] onde mostra que a Regra corresponde de muitas formas à vida de Maria; Compendium historiarum et iurium, uma defesa histórica e jurídica da Ordem; Laus religionis carmelitanae, defendendo e exaltando a Ordem, especialmente no seu relacionamento com Maria.

Em Baconthorpe encontramos desenvolvidas as duas idéias anteriores e novas idéias emergem pela primeira vez dentro do nosso conhecimento. Já os antigos profetas veneravam Maria no Carmelo.[xiii]  É especialmente por causa dela que se honra o Monte Carmelo.[xiv]  A beleza física do Carmelo seria uma razão pela qual dever-se-ia dar a Maria tudo que há de mais bonito.[xv]

Seguindo uma lenda apócrifa, ele relembra como Maria foi trazida por um anjo ao Monte Carmelo. Foi no monte que ela, enlevada em contemplação, tornou-se a esposa de Deus através do voto da virgindade.[xvi]  Em vários lugares ele registra a capela construída no Monte Carmelo pelos contemplativos seguidores do profeta Elias, em honra da Virgem Maria e a sua opção por um título mariano.[xvii]  Na verdade, todo o Livro I do Laus religionis carmelitanae de Baconthorpe é uma esforçada tentativa de unir o Carmelo e Maria. Através de etimologias inventadas e falsas, alusões bíblicas, lendas e, às vezes, profundo discernimento espiritual, ele insiste que o ser carmelitano da Ordem pertence justamente a Maria.[xviii]

Baconthorpe parece ter sido o primeiro a interpretar a nuvenzinha vista por Elias (1Reis 18,44) como um símbolo de Maria: após a seca ela restaurou a fertilidade da terra.[xix]  “O amor de Deus desceu sobre Maria... e, através de Maria, as chuvas de misericórdia e de graça desceram no que estava seco e, assim, restauraram todas as coisas”.[xx]  Futuros autores carmelitanos fariam desta interpretação o principal símbolo de Maria no Antigo Testamento e, a partir daí, destacaram muitas implicações.

Os carmelitas são verdadeiramente discípulos de Maria, uma questão reconhecida pela Santa Sé.[xxi]  Além do conceito de exemplo de vida, que será desenvolvido em nosso próximo capítulo, a maior contribuição de Baconthorpe foi a fusão dos elementos da tradição da Ordem sobre Maria e Elias, além de sua especificação sobre as implicações em relação à proteção da Ordem com a escolha de Maria como titular junto ao oratório estabelecido em sua homenagem. Também examinaremos isso no próximo capítulo.

Uma primeira síntese entre Elias e Maria: Philip Ribot

            Atualmente temos um consenso que se o provincial catalão Philip Ribot (+ 1391) não foi o verdadeiro autor de quatro grandes trabalhos pseudoepígrafos, eles são, em último caso, do tempo dele.[xxii]  Decididamente o mais importante deles foi a Instituição dos Primeiros Monges, atribuído a João XLIV, Patriarca de Jerusalém (+ por volta de 412 d.C.?). Existem sugestões de que o primeiro capítulo sobre o ideal ascético e místico da Ordem pode ser um documento mais antigo, talvez dos últimos anos do século XIII,[xxiii]  mas devemos esperar a publicação da edição crítica feita por Paul Chandler, antes de levarmos tal hipótese a sério. Contudo, já que ele é inteiramente sobre Elias e não menciona Maria, não nos interessa aqui. Sobre o ensinamento mariano de outros livros, Ribot depende de escritores mais antigos, mas pode-se dizer que ele ampliou as idéias deles, desenvolvendo uma nova síntese.

A abordagem principal sobre Maria encontra-se no Livro Seis. Por todo esse livro Ribot se interessa pelo título da Ordem, “Irmãos da Bem-aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo”. Ele também admite que “Carmelitas” é um título legítimo.[xxiv]  Uma idéia fundamental que ele desenvolveu foi uma interpretação espiritual, mas de forma arbitrária, da nuvenzinha vista por Elias (1Reis 18,44). A chave para seu simbolismo mariano é que a nuvem de pura chuva, que é Maria, surgiu do mar amargo e salgado, que é a imagem da humanidade pecadora. O profeta recebeu por iluminação divina quatro mistérios sobre a futura redenção da raça humana, que depois comunicou a seus seguidores:

o nascimento do futuro redentor de uma virgem-mãe que, por sua origem, estaria livre de qualquer mancha de pecado; o tempo quando isto deveria acontecer; a decisão intencional da futura mãe de manter-se sempre virgem, consagrada ao serviço do Senhor; a fecundidade de sua virgindade, prefigurada pela chuva, que beneficiaria a condição da raça humana.[xxv] Imitando Elias, que foi o primeiro personagem virgem do Antigo Testamento, Maria faria o voto de virgindade e seria a primeira mulher a fazer tal promessa.[xxvi]  Os sucessores de Elias também fizeram este voto. Isso estabeleceu uma semelhança e uma profunda empatia entre eles e Maria, tanto que eles a chamavam de irmã e a si mesmos de Irmãos da Bem-aventurada Virgem Maria.[xxvii]  No entanto, a noção de irmã não elimina a palavra “mãe”, que é delicadamente insinuada: Antes que ela (a Palavra) se encarnasse existia apenas uma fraternidade de paternidade, porque do mesmo Pai de quem o Filho foi eternamente gerado, a raça humana também foi criada... antes que ele se encarnasse não havia uma fraternidade de maternidade, já que o Filho ainda não fora gerado por sua mãe.[xxviii] A consequência é que depois da Encarnação, houve um novo fundamento: a fraternidade na maternidade de Maria.

O título tradicional de “Padroeira” é associada também à virgindade. Os Carmelitas cuidaram de servir à Virgem com devoção especial.

Eles estavam especialmente ansiosos para escolher esta virgem como sua padroeira, porque sabiam que apenas ela era singularmente como eles nos primeiros frutos de virgindade voluntária. Pois assim como a virgindade espontânea para Deus foi iniciada em primeiro lugar pelos antigos seguidores dessa religião e introduzida aos homens, a mesma virgindade foi depois primeiramente introduzida  e começou entre as mulheres através da Mãe de Deus.[xxix]

Assim, vemos que Ribot faz uma síntese, partindo da virgindade, das noções tradicionais de Maria e a Ordem – Mãe, Padroeira e Irmã. E tudo isso se origina da meditação feita pelo autor do significado espiritual da nuvenzinha. Contudo, não temos apenas o fato de que Ribot está acrescentando algo novo à consciência mariana da Ordem. Ele também lê na nuvenzinha qual foi a atitude da Ordem para com Maria. Ele manteve sua base, a partir da virgindade, mais claramente do que os autores anteriores. Na verdade, ele usa uma falsa etimologia para a palavra “Carmelo” para indicar “conhecimento da circuncisão” o que ele interpreta depois como virgindade para Deus, buscada em primeiro lugar por Elias e seus seguidores e, depois, por Maria.[xxx]

Síntese entre Elias e Maria: Arnold Bostius

       No final do século XV temos uma síntese mais madura das tradições da Ordem, feita pelo humanista Arnold Bostius (+ 1499).[xxxi] Seu primeiro trabalho sobre Maria foi o Breviloquium,[xxxii]  que foi ampliado num inédito e vasto tratado chamado Speculum historiale.[xxxiii]  Seu melhor e mais conhecido trabalho foi De Patronatu et patrocinio B. Virg. Mariae in dicatum sibi Carmeli Ordinem, de 1479.[xxxiv]  Neste texto escrito em reposta à uma questão quanto a Maria ter sido especialmente favorecida pela Ordem, Bostius recorre em grande parte à tradição anterior, aos convenientes significados da Escritura, além de símbolos, da Escritura ou de pessoas, interpretados num sentido mariano.

Bostius é importante na história da mariologia por ser um representante das posições consensualmente sustentadas no final do século XV. Assim, temos um claro ensinamento sobre Maria como Mãe de Deus, Mediadora, Imaculada Conceição, Santíssima, Virgem, Assunta ao Céu, Rainha, Mãe Espiritual e Mãe de Misericórdia. Todas estas invocações são verdades que a Ordem Carmelita partilha com toda a Igreja.[xxxv]  Apesar de E. R. Carroll não afirmar que Bostius estava interessado em um princípio unificador da mariologia, ele reconhece que, apesar da maternidade divina não ser um tema de principal interesse no De patronatu, tal tema tem alguma centralidade em seu pensamento.[xxxvi]  N. Geagea concorda.[xxxvii]  Nosso interesse em Bostius é mais restrito. Veremos de que modo ele apresenta a mariologia carmelitana em sua época, isto é, apontando o inter-relacionamento entre Maria e a Ordem.

Além disso, existe um tema mariológico geral em Bostius que devemos mencionar por causa de sua proeminência no século XX. É o tema da beleza de Maria.[xxxviii]  Ele já é encontrado em Baconthorpe.[xxxix]  Algumas vezes em Bostius o tema é explícito: “Virgem de beleza incomparável, em quem juntam-se os dons da natureza e da graça, acima de tudo alguém que é graciosa, amorosa, de pele rosada, serena, a mais bela”.[xl]  Ou ainda: “A menos que se conheça a verdadeira divindade pela fé, não poderíamos acreditar que existiu alguém mais bela do que a Virgem”.[xli]  Em outras ocasiões o tema emerge em contextos diferentes, tal como a plenitude de sua graça: “Maria, a mais exaltada, é o espelho da Trindade.”[xlii]  Ela é a mais bela de todas: “incomparavelmente a mais resplandecente de todas as criaturas... e a glória do Carmelo”;[xliii]  “a honra de toda feminilidade e a glória de todas as mulheres”.[xliv]  Bostius, um humanista latino com um extenso vocabulário e uma retórica refinada, coleciona expressões em louvor à beleza de Maria por todo o De patronatu. Num capítulo posterior consideraremos o tema da beleza na mariologia contemporânea.

Em se tratando das associações especificamente carmelitanas com Maria, deveríamos lembrar em primeiro lugar do casal Elias e Maria. Em parágrafos compactos, Bostius mostra que Elias e Maria partilharam através do Espírito de doze privilégios que nutriu a ambos: a luz brilhante; o esplendor da virgindade; a fundação da vida religiosa; a exemplaridade de vida; as conversas com Deus; a associação com espíritos angelicais; o amor supremo e o zelo por Deus; o carisma profético; a obediência; a clemência e a misericórdia; os milagres e a subida aos céus.[xlv]

Mas Bostius, subitamente, muda o rumo da tradição de Elias e de Maria. Como alguns de seus predecessores, ele sustentou que Elias está na origem da vida religiosa. Sua ênfase é Elias, o contemplativo. Mas na tradição do Carmelo, Elias é pai, instituidor, patriarca, legislador, mestre, principal padroeiro, fundador.[xlvi]  No entanto, Bostius defende a prioridade e a primazia de Maria no que diz respeito ao Carmelo. A escolha de Elias pela virgindade foi inspirada precisamente na futura Virgem Mãe, aquela que ele vislumbrou na nuvenzinha que veio ao seu encontro no Carmelo e a quem ele desejou honrar e ensinou seus seguidores a honrarem também.[xlvii]

Portanto, Bostius conclui que Maria, por sua exemplaridade, é uma “legisladora” para Elias e para a instituição fundada pelo profeta.

Por isso, Maria é a legisladora de Elias e é, certamente, considerada a legisladora e fundadora de todo o grupo do Carmelo.[xlviii] Por sua vivência exemplar, ela é a senhora (domina) e a instituidora.[xlix]  Em Bostius, que foi seguido por Lezana (+ 1659) e outros,[l]  encontramos Elias e Maria apresentados como o casal fundador da Ordem.[li]

Síntese mariana - Bostius

        Em sua síntese envolvendo Elias e Maria, Bostius reflete sobre o relacionamento entre as duas figuras fundadoras da Ordem e definiu a prioridade de Maria com respeito aos Carmelitas. Foi o exemplo e o futuro destino dela que inspiraram o profeta a fundar a Ordem, de forma que ela deveria ser chamada de sua verdadeira fundadora. Ainda permanecem obscuros os outros elos que Bostius vê entre Maria e a Ordem. Ele usa outros títulos significativos, alguns dos quais são tradicionais e outros ele mesmo desenvolve: Protetora, Mestra, Guia, Amiga, Irmã, Mãe, uma Carmelita.[lii] Bostius chama Maria continuamente de Padroeira do Carmelo: “Ela é especial e verdadeiramente chamada de Padroeira do Carmelo e dos Carmelitas”; “a renomada Mãe de Deus, Maria, a muito admirável Padroeira do Carmelo”.[liii]  Maria é também Senhora e Mestra do Carmelo: Os carmelitas daquela época santa eram reconhecidos por sorverem de uma fonte viva, da mais perfeita mestra da vida religiosa, do espelho brilhante de toda modéstia, virtude e nobreza.[liv]

Ele resumiu seu ensinamento:

           Pela palavra, como mestra perfeita, ela abraçou todas as ordens do Senhor quando disse aos servos, “Façam o que ele mandar” (ver Jo 2,5).[lv] O ensinamento de Maria não é abstrato, pois ela é a Guia do Carmelo. Ela está junto de Elias no zelo pela Ordem. Ela é a Padroeira do Carmelo.[lvi]  Elias é visto como aquele que não morreu nem entrou no céu. Maria toma seu lugar. Bostius narra uma visão na qual ela diz: Enquanto o mundo durar, ele sempre deverá ter uma protetora. Sou a carruagem e o cocheiro do Carmelo, em lugar de vosso pai. Governo aqueles que são órfãos de pai. Sou mãe em vez de pai. Guardo os interesses do Carmelo em meu coração. Eu, a mãe, copiosamente nutri aqueles nascidos do Carmelo.[lvii]

            Bostius afirma freqüentemente que Maria também é a Amiga do Carmelo. Por isso, abençoados são os filhos do Carmelo que viram a muito bem-aventurada Mãe de Deus na carne, a fonte ideal de toda alegria. Mas também especialmente adornados são aqueles que merecem sua amizade, que é unida à de Cristo.[lviii] Bostius vai muito além dos relacionamentos feudais inerentes à noção de padroeira, enfatizando a noção do Carmelo como uma família: “os filhos do Carmelo pertencem especialmente à família de Maria”.[lix]  Nesta família Maria é tanto Mãe quanto Irmã, de forma que ela considera os carmelitas como filhos e irmãos.

          Na verdade, Maria, a muito digna Rainha do céu, causa encanto singular nas pessoas, nos encontros carmelitanos, em seus próprios servos por título e amparo. Como ela não ouviria a seus filhos e irmãos carmelitanos que estão singularmente comprometidos com sua defesa, e são os seus defensores, e que foram escolhidos e especialmente amados para propagar seu vinhedo em flor?[lx] O título de Mãe não precisa de ilustração por parte de Bostius. Ele está em todo lugar. Na opinião de alguns ele é para Bostius o atributo principal de Maria com respeito ao Carmelo.[lxi]  Ele afirma, por exemplo: A Rainha do céu, a sempre exaltada Virgem Maria, é a Mãe universal de todos os cristãos, um porto e refúgio comum para todos os homens e mulheres. Mas ela é especialmente Mãe e Padroeira dos Irmãos Carmelitas.[lxii] Mas Bostius desenvolve, mais claramente do que outros, a idéia de que os carmelitas são filhos tanto de Elias quanto de Maria, personagens que estão unidos num casamento místico. Já vimos a base desta idéia: era o voto de virgindade que Elias fez quando a futura Virgem foi revelada a ele na nuvenzinha. Portanto, os carmelitas são filhos e irmãos de seu pai Elias e de sua mãe Maria, seus muito valiosos genitores.[lxiii] Esta tradição foi reassumida, dois séculos depois, por Daniel da Virgem Maria em seu aprofundamento de um dos primeiros escritos carmelitanos, o Speculum.

        Elias era mariano. Elias consumiu-se em seu amor a Maria. Elias fez um voto de acordo com o exemplo de Maria, que ele mesmo anteviu. Elias é o pai dos carmelitas, mas primeiramente, Maria é Mãe deles.[lxiv] Finalmente, para Bostius, Maria pode ser considerada uma verdadeira carmelita: “Ela mostrou-se espiritual, corporal e literalmente uma carmelita”.[lxv] Em Bostius temos uma síntese e uma elaboração da reflexão anterior sobre Maria. Escritores posteriores não acrescentaram muito às suas posições centrais. Antes de deixarmos este período medieval de máximo desenvolvimento, existem mais dois temas que, apesar de estarem presentes em escritores mais recentes, foram desenvolvidos por escritores mais antigos. São os temas da Puríssima Virgem e do Escapulário.

A Puríssima Virgem

          A reflexão sobre pureza de Maria emerge de diversos contextos, em documentos muito antigos. Ela está implícita na forte ligação dos teólogos da Ordem com a Imaculada Conceição. Ela também se manifesta na gradual inserção da palavra “Virgem” ao título da Ordem. Ela emerge em Jean de Cheminot (por volta de 1350). Vimos anteriormente que em seu Speculum, ele considera a virgindade como um vínculo comum entre Elias e Maria. Ele exorta os carmelitas a se rejubilarem por terem o nome de Maria em seu título, “a flor da beleza e o título da virgindade”.[lxvi] Nas Instituições dos Primeiro Monges vimos o paralelo entre a virgindade de Elias e a de Maria. Mas esta virgindade é apenas um aspecto da completa ausência de pecado e da absoluta plenitude de Maria, apesar de ela ter surgido da humanidade pecadora: Ela era, na sua origem, como uma criança limpa de toda mancha de pecado, assim como aquela nuvenzinha surgiu do amargo mar, sem conter, no entanto, nenhuma amargura. Apesar de aquela nuvenzinha pertencer à mesma natureza do mar, ela possuía outras qualidades e outras propriedades. O mar é denso e amargo, mas aquela nuvem era tênue e doce. Assim, apesar de em todas as outras pessoas a natureza humana ser como o mar em sua origem, por ser oprimida pela amargura do pecado e pelo peso do vício, elas são forçadas a clamar “Minhas culpas ultrapassaram minha cabeça, e pesam sobre mim, como fardo pesado” (Sl 38,5). A Bem-aventurada Virgem Maria surgiu também deste mar que é a natureza humana. Pois, em sua origem, ela não foi queimada com o amargor das faltas mas, como a nuvenzinha, ela foi luz através da imunidade ao pecado e doce pela plenitude dos carismas.[lxvii]

Em Bostius o ensinamento é claro: “ela brilhava em sua grande pureza, de forma que, depois de Deus, nenhuma maior poderia ser imaginada”.[lxviii]  Ou ainda, além disso, os Carmelitas, os filhos de Elias e de Maria são convidados e ensinados fervorosamente a imitar Elias, que era totalmente brilhante por dentro e por fora, e Maria que, abaixo de Deus, nada de tão puro e tão brilhante, pode ser imaginado.[lxix] Mas se passará mais um século até que uma reflexão plenamente desenvolvida sobre a pureza e a pureza de coração seja apresentada.[lxx]

O Escapulário

         Como mencionamos na Introdução, a questão do Escapulário coloca dificuldades específicas para nosso tempo, embora a mais fiel devoção à Nossa Senhora do Monte Carmelo seja sinônimo do Escapulário. A evidência de problemas em todas as áreas deve ser encarada com cuidado. Não há referências ao Escapulário na Regra ou em Flechas de Fogo, de Nicolas, o Francês. A primeira referência a ele está nas Constituições de Londres, de 1281. Lá encontramos a instrução: “Os Irmãos devem dormir com sua túnica e com o Escapulário sob pena de severa punição”.[lxxi]  A razão para esta severa admoestação é que, naquele tempo, a remoção do hábito era vista como fuga da Ordem. Assim as Instituições dos Primeiros Monges afirma: Este traje, o capuz/capuchinho e o escapulário são usados ao mesmo tempo pelo monge e mostra que o monge sempre deve, humildemente, levar consigo a obediência e ser completamente obediente a seu superior.[lxxii] E exige que “eles sejam diligentemente usados dia e noite sem falta”.[lxxiii]  As Constituições de Montpelier ordenaram que o novo manto deveria ser aberto na frente para que o Escapulário, o hábito da Ordem, pudesse ser visto. Este regulamento foi repetido na legislação posterior.[lxxiv]  Assim, por mais ou menos 150 anos o Escapulário teve mais um sentido cristológico de obediência do que propriamente uma devoção mariana.

Além disso, existe um problema quanto a São Simão Stock. Seu nome aparece pela primeira vez numa lista de priores gerais apenas com Jean Grossi (+ por volta de 1411) e numa necrologia florentina, que não pode ser anterior a 1374.[lxxv]  Nas mais antigas listas de santos, ou Santorale, ele surge como quinto ou sexto prior geral. Estas listas de santos podem ser anteriores ao século XIV mas, como as necrologias, se originam de fontes mais antigas. A festa de São Simão Stock foi celebrada a partir de 1435 em Bordeaux, onde ele morreu, e na Inglaterra. Esta festa foi estendida para toda a Ordem em 1564.

O relato mais antigo da visão do Escapulário está no Sanctorale de Bruxelas, que pode ser datado mais ou menos do final do século XIV, ou seja, um século e meio depois de Simão Stock. Este Sanctorale pode realmente depender de documentos mais antigos, mas eles não foram encontrados. Lemos no relato mais primitivo e antigo da visão:

São Simão era um inglês, um homem de grande santidade e devoção, que sempre pedia à Virgem, em suas orações para favorecer a Ordem com algum privilégio único. A Virgem apareceu a ele segurando o Escapulário em sua mão e dizendo: “Isto é para ti e para os teus um privilégio. Aquele que morrer com ele será salvo”.[lxxvi]

Não é possível, através de métodos críticos, estabelecer a historicidade desta visão. A ausência de qualquer referência a ela na extensa e polêmica tradição escrita durante os séculos passados é talvez o único argumento contra a sua autenticidade. Mas é um argumento de peso. Por outro lado, não há qualquer evidência que desaprove a visão, apesar de que tal argumento do silêncio deva ser tratado com certa cautela.

Do ponto de vista dos estudiosos, aqueles que querem afirmar a autenticidade da visão deveriam se esforçar em fornecer provas. Numa perspectiva pastoral, talvez seja melhor não aprofundar os detalhes da visão, mas sim realçar o significado do Escapulário como uma expressão do zelo de Maria e de uma consagração a ela, de acordo com Pio XII, cujos ensinamentos examinaremos num capítulo posterior. O título mariano que melhor justifica o Escapulário é Padroeira, que consideraremos junto com outros no próximo capítulo.

Lectio Divina

         Os escritos de nossos autores medievais são de uma época e de uma cultura bem diferentes da nossa. Encontramos expressões sobre Maria que não seriam usadas hoje, como por exemplo, “divina” (mas que usamos tranqüilamente num contexto secular: “A música de Mozart é divina”). Mas o esforço de tentarmos nos solidarizar com nossos antepassados medievais é válido. Isto se faz de melhor forma através de seus textos da lectio divina.  Nele nos perguntamos:

o que o texto significa?

1-o que o texto significa para mim e para o mundo onde vivo e ao qual sirvo?

2-como respondo de forma orante à verdade que está sendo apresentada neste texto?

O trecho seguinte, tirado ao acaso de A. Bostius (1479) é uma rica expressão de nossa herança. Vale a pena aproveitar o tempo para orar com ele e, assim, aprofundarmos nossa tradição de um modo vivo. O texto é tirado de um longo capítulo mostrando como os carmelitas deveriam honrar Maria. Permanece por ser visto como os Irmãos devem mostrar o amor, toda honra e reverência fraterna a uma tal Irmã, excelente Mãe e Padroeira que possui tal poder sublime, piedade gentil, abundante generosidade e toda fecundidade. Pois, entre todas as pessoas, ela escolheu os carmelitas para serem uma raça que seria especial para ela e, particularmente, levou-os sob a sombra de suas asas. Como a Amada adotada pelos Irmãos, ela realmente ora a todo momento por eles, seu povo, a quem ela segura em seus seios, instruindo-os com o leite divino.

Omito o culto e as devoções especiais que dia e noite eles não param de oferecer à mais divina, Mãe Toda-poderosa, a quem eles amam tão profundamente, sempre reverentemente venerada, devotamente louvada, magnífica no mais algo grau e admiravelmente exaltada. Em seus corações e bocas proclamam corretamente um lugar muito especial para ela. Pelo menos, essas coisas devem ser guardadas na mente que une a família carmelitana aos benefícios da divina Maria. Eles devem mostrar aos outros a maior eficácia da proteção de Maria no meio de seu povo. Eles reconhecem como certo que devem dar graças eternamente a ela, pois eles não possuem a capacidade de dar benefícios àqueles que os concede. Lembrando que, no testemunho do Papa Gregório, cada um carrega algum título de seu trabalho, de forma que se pode facilmente ver sob a direção de quem este trabalho é feito. Por isso, todas as Igrejas de uma comunidade carmelitana são instituídas em honra da sempre gloriosa Maria e são dedicadas ao seu reverente nome. Portanto, alegremente todo o Carmelo proclama:

Escolhi a moradia da Mãe de Cristo por casa, que a santa Virgem possa vir em auxílio de seus servos.[lxxvii]

*UMA PRESENÇA AMOROSA: MARIA E O CARMELO. Um Estudo da Herança Mariana na Ordem.

 [i]  V. Hoppernbrouwers, “Come l’Ordine Carmelitano há veduto e come vede la Madonna”, Carmelo 15 (1968) 209-221.

[ii]  Ver Smet, Carmelites 1:10-28, esp. 10-12.

[iii]  Ibid. 1:11.

[iv]  MCH 47.

[v]  ACG 1:7.

[vi]  Laus religionis carmelitanae 4:2 – MCH 243.

[vii]  Laus 6:4 – MCH 253.

[viii]  Ver E. Boaga, “Elijah alle origini e nelle prime generazioni dell’Ordine Carmelitano” em P. Chandler, ed. A Journey with Elijah. Carisma e spiritualità 2. (Rome: Ed. Institutum Carmelitanum, 1991) 85-103; E. Boaga, Nello spirito e nella virtù di Elia. Antologia di documenti e sussidi. (Roma: Ordem Carmelita Comissão para o Carisma e a Espiritualidade, 1990).

[ix]  MCH 99.

[x]  O texto deveria ser traduzido para indicar que os eremitas eram filhos dela “Decebat igitur ut mater virtutum locum tantae sanctitatis et devotionis filios per suam personalem praesentiam decoraret”. MCH 128; ver Geagea, Maria 202-208.

[xi]  Ibid. 128, 131.

[xii]  MCH 184-253; ver Valabek, Mary 1:25-42.

[xiii]  Speculum 1 – MCH 187.

[xiv]  Laus 1:1 – MCH 218.

[xv]  Laus 1:2-3 – MCH 219-220.

[xvi]  Laus 1:4,6 e 14 – MCH 221, 222, 231.

[xvii]  Compendium 2 – MCH 202; Speculum 3 – MCH 190; Laus 1:6 – MCH 222-223.

[xviii]  MCH 218-233.

[xix]  Laus 1:9 – MCH 226.

[xx]  Laus 1:11 – MCH 228.

[xxi]  Speculum 2-3 – MCH 189-190.

[xxii]  Smet, Carmelites  1: 63-64; Geagea, Maria 129-137, 250-268; Valabek, Mary 1: 43-59; ver P. Chandler, “Ribot, Philippe”, D Spir 13: 537-539.

[xxiii]  Geagea, Maria 136-137.

[xxiv]  Institutes 6:5 – SpecC 2: 60-61, nn. 238-240; 6: 7-8 - SpecC 2: 62-63, nn. 246-251.

[xxv]  Institutes 6:1 – SpecC 2:54-55, n. 215.

[xxvi]  Institutes 6:3 – SpecC 2: 57-58, nn. 225-229.

[xxvii]  Institutes 6:5; 6:7 – SpecC 2:60, n. 238; cf. n. 240; 2:62, n. 246.

[xxviii]  Institutes 6:4 – SpecC 2: 59, n. 234.

[xxix]  Institutes 6:5 – SpecC 2:60, n. 238.

[xxx]  Institutes 6:3 – SpecC 2: 58, n. 226-228.

[xxxi]  E. R. Carrol, “The Marian Theology of Arnold Bostius, O. Carm. (1445-1499)”, Carmelus 9 (1962) 197-236; id. “Arnold Bostius, Fifteenth Century Flemish Exponent of Carmelite Devotion to Mary”, The Sword (1977) 7-20; Geagea, Maria 372-438; Valabek, Mary 1:61-78 = Roseti del Carmelo (Florence) 1982/2, pp. 25-42.

[xxxii]  Daniel a Virgine Maria, ed., Vinea Carmeli seu historia eliani Ordinis B. V. Mariae de Monte Carmelo (Antwerp, 1662).

[xxxiii]  Geagea, Maria 370-372.

[xxxiv]  SpecC 2: 375-431, nn. 1524-1703. Existe uma tradução em espanhol feita por A. M. Lópes Sendín, Patronato y patrocinio de la Santísima Virgen Maria sobre la Orden del Carmen que le está consagrada (Madrid: Centro de Espiritualidad Carmelitana, 1981). Aguardamos tanto uma edição crítica quanto uma tradução em inglês de Paul Chandler.

[xxxv]  Ver Carroll “Marian Theology” (n. 29); Geagea, Maria 379-397.

[xxxvi]  “Marian Theology” (n. 29) 203.

[xxxvii]  Maria 381-384.

[xxxviii]  Ver Geagea, Maria 376-379; S. De Fiores, “Bellezza”, NdizMar 222-231; cap. 6 abaixo.

[xxxix]  Laus religionis carmelitanae 1:4 – MCH 219-220.

[xl]  De patronatu 8 – SpecC 2:405, n. 1614.

[xli]  Ibid. 1:2 – SpecC 2:378, n. 1534.

[xlii]  Ibid. 9 – SpecC 2:407, n. 1619.

[xliii]  Ibid. 4:2 – SpecC 393; n. 1585.

[xliv]  Ibid. 4:1- SpecC 2:390, n. 1574.

[xlv]  Ibid. 11:2 –SpecC 417-420, nn. 1654-1668.

[xlvi]  Ibid. pater 4:2 – SpecC 2:391, n. 1578; institutor 12:2 – SpecC 2;423, n. 1677; patriarcha... legislator... praeceptor... patronus... fundator 12:2 – SpecC 2:423, n. 1678.

[xlvii]  Ibid. 1:1; 2:2 – SpecC 2:377, n. 1529; 383, n. 1549.

[xlviii]  Ea propter Legis-latrix Eliae, Maria: & totius Carmeli coetus legislatrix, fundatrixque primaria rite dicitur. Ibid. 2:2 – SpecC 2:383, n. 1549.

[xlix]  Domina et institutrix nostra Maria.  Ibid. 12:2 – SpecC 2:343, n. 1678; cf. “fundaste nossa ordem” (ordinem nostrum instituisti). Ibid. 1:1 – SpecC 2:377, n. 1531.

[l]  Maria patrona 3 – SpecC 2:437, n. 1730.

[li]  M. Cera, “II rapporto Elia-Maria nel Carmelo”, Maria icona 83-92.

[lii]  Geagea, Maria 405-417.

[liii]  Mater igitur et Patrona Carmeli et Carmelitarum. De patronatu 4:2 – SpecC 2:392, n. 1548. Inclyta Dei Genetrix Maria patrona Carmeli praeclarissima. Ibid. 5:1 – SpecC 394, n. 1590.

[liv]  Ibid. 1:1 – SpecC 377, n. 1530.

[lv]  Ibid. 11:2 – SpecC 2:419, n. 1662.

[lvi]  Tutrix. Ibid. 4:1 – SpecC 393, n. 1588.

[lvii]  Ibid. 5:1 – SpecC 395, n. 1593.

[lviii]  Ibid. 1:1 – SpecC 378, 1533.

[lix]  Ibid. 6:3 – SpecC 2:400, n. 1606.

[lx]  4:2 – SpecC 2:391, n. 1578.

[lxi]  Geagea, Maria 413-414.

[lxii]  De patronatu 4:2 – SpecC 2:391, n. 1578.

[lxiii]  Ibid. 7:1 – SpecC 2:401, n. 1609.

[lxiv]  SpeC Dedicação ao Cardeal Paluzio, protetor da Ordem.

[lxv]  De Patronatu 4:2 – SpecC 392, n. 1584.

[lxvi]  Ch. 4- MCH 127.

[lxvii]  6:1 – SpecC 2:55, n. 215.

[lxviii]  De Patronatu 13:2 – SpecC 2:428, n. 1697.

[lxix]  Ibid. 11:3 – SpecC 2:420, n. 1669.

[lxx]  V. Hoppenbrouwers, “Virgo purissima et vita spiritualis Carmeli”, Carmelus 1 (1954) 255-277; S. Possanzini, “La ‘Virgo Purissima’” em Maria icona 73-82; E. R. Carroll, “La ‘Virgo puissima’ y el Carmelo” em Congreso 1989: 51-61.

[lxxi]  Rub. 13 – AOC 15 (1950) 218.

[lxxii]  7:4 –SpecC 2:67, n. 265.

[lxxiii]  Ibid. n. 264.

[lxxiv]  ACG 1:11; MCH 67.

[lxxv]  MCH 314, 323, 324.

[lxxvi]  B. M. Xiberta, De visione Sancti Simonis Stock. Bibliotheca Sacri Scapularis. (Roma: Institutum Carmelitanum, 1950) 311.

[lxxvii]  De patronatu 13:1 – SpecC 2:416, n. 1691.

Parece-me agora a mim que quando Deus fez uma pessoa chegar a claro conhecimento do que é o mundo e que coisa é mundo, e que há outro mundo, e a diferença que há de um para o outro, e que um é eterno e o outro é sonhado; ou que coisa é amar o Criador ou a criatura - isto visto por experiência, que é negócio diferente do que apenas pensá-lo e crê-lo - ou (que coisa é) ver e provar que é que se ganha com um e se perde com o outro, e que coisa é Criador e que coisa é criatura, e outras muitas coisas, que o Senhor ensina a quem se quer entregar para ser ensinado por Ele na oração, ou aos que Sua Majestade quer que amem mui diferentemente de nós os que não temos chegado até aqui".

(...) São estas pessoas que Deus faz chegar a este estado; almas generosas, almas régias; não se contentam com amar coisa tão ruim como estes corpos, por mais formosos que sejam, por muitas graças que tenham (e ainda bem que haja agrado da vista e louvem a Deus); mas para neles se deter, não. Digo «se deter», de maneira que por estas coisas tenham amor; parecer-lhes-ia que amam coisa sem importância, e que se põem a querer sombras; correriam de si mesmos e não teriam cara para, sem grande afronta a Ele, dizer a Deus que o amam".

Dir-me-eis: «Estes tais não saberão querer nem pagar o amor que se lhes tiver; ao menos se lhes dá pouco de que o tenham a eles». Já que com rapidez algumas vezes a natureza leva a folgar-se de ser amados, tornando sobre si, vêem que é disparate, se não são pessoas que hão de fazer proveito a suas almas ou com doutrina ou com oração. Os outros amores todos as cansam, pois entendem que nenhum proveito lhes fazem, e poderiam prejudicá-las, não porque lhes deixem de agradecer e pagar ao encomendá-las a Deus. Tomam-no como coisa, que lançam elas aos que as amam como carga sobre o Senhor, pois entendem que vem dali, porque não lhes parece que há que querer em si (tais pessoas), e logo lhes parece que as querem porque as quer Deus, e deixam a Sua Majestade que o pague e lho suplicam, e com isto ficam livres, pois lhes parece não lhes tocar. E bem reparado, se não é com as pessoas a que me refiro, que nos podem fazer bem para ganharmos bens perfeitos, eu penso algumas vezes quão grande cegueira se traz neste querer que nos queiram".

Agora notem que como o amor, quando o queremos de alguma pessoa, sempre se pretende algum interesse de proveito ou contentamento nosso, e estas pessoas perfeitas já os têm todos debaixo dos pés, os bens, que no mundo se lhes pode fazer e agrados, e contentamentos, elas já se encontram de sorte que, ainda que eles o queiram - como se diz - não as podem manter que o seja fora de com Deus ou fora de tratar com Deus. Pois que proveito lhes pode vir de ser amadas?"

Quando se lhes representa esta verdade, de si mesmas se riem pela pena que algum tempo lhes foi dada se era pago ou não o seu amor. Ainda que seja bom o amor, não é logo natural querer ser pago. Vindo-se cobrar esta paga, é com palhas, porque tudo é ar e sem importância e o carrega o vento; porque, quando muito nos tenham querido, que é isto que nos resta? Assim que, se não é para proveito da sua alma com as pessoas de que tenho falado - porque vem a ser tal a nossa natureza que se não há algum amor logo se cansam - não se lhes dá mais ser queridas do que não".

            "Parecer-vos-á que estes tais não querem a ninguém, nem sabem, a não ser a Deus. Digo que sim: amam muito mais, e com mais verdadeiro amor, e mais apaixonadamente e mais proveitoso amor; enfim é amor. E estas tais almas são sempre afeiçoadas a dar muito mais do que a receber: até mesmo com o próprio Criador lhes acontece isto. Digo que merece este nome de amor, que estas outras afeições baixas lhe têm usurpado".

 “Não adianta... Não adianta lamentar os erros, as falhas e as derrotas ocorridas neste mês de abril. O mês passou, e talvez também passaram várias oportunidades que Deus nos concedeu. Amanhã começa tudo de novo! Que tal aproveitar cada segundo do mês de maio na abertura de novos caminhos? Tudo depende de você, somente de você!”. Frei Petrônio de Miranda, Carmelita. Convento do Carmo da Lapa, Rio de Janeiro. 30 de abril-2018. 

           

"Vivemos num mundo, onde até mesmo o amor é condenado e visto como fraqueza, que deve ser banida. «Nada de amor - dizem -e sim desenvolvimento da força. Cada pessoa procure ser o mais forte possível; morram os fracos!» E até dizem: «O Cristianismo, com a sua mensagem do amor, já teve o seu tempo e deve ser substituído pela antiga potência germânica».

            Oh! Sim! Vêm até vós com estas doutrinas e acham gente que as escutam com gosto. O amor é negado! São Francisco de Assis diria: "O amor não é amado!" e, alguns séculos mais tarde, em Florença, Santa Maria Madalena de' Pazzi num êxtase tocava os sinos do Mosteiro das Carmelitas e dizia: «Como é belo o amor!»

            Ah! Como gostaria de fazer soar os sinos do mundo para proclamar: «Como é belo o amor!»

            Embora o neopaganismo não deseje mais o amor, nós, fiéis à memória da História, com o amor venceremos este paganismo e não abdicaremos do nosso amor. O amor far-nos-á conquistar novamente o coração dos novos pagãos. A natureza está acima da teoria. Que seja rejeitada e condenada, chamada de fraqueza a doutrina sobre o amor, a prática da vida, porém, demonstrará novamente que o amor é uma força vencedora, que há de reconquistar o coração dos homens. «Olha como eles se amam!»  Esta frase dos pagãos a respeito dos cristãos, os neopagãos haverão de repeti-la a nosso respeito. Assim venceremos o mundo".

           

               "Oh! Jesus! Meu amor, minha vida... como fazer união destes contrastes? Como realizar os desejos da minha pobre pequenina alma?...

            Ah! Apesar da minha pequenez, gostaria de iluminar as almas como os Profetas, os Doutores, tenho a vocação de ser Apóstolo... Queria percorrer a terra, pregar o teu nome e plantar no solo infiel a tua Cruz gloriosa, mas, ó meu Bem-Amado, uma missão só não me bastaria, queria ao mesmo tempo anunciar o Evangelho nas cinco partes do mundo e até às ilhas mais longínquas...

Queria ser missionária não apenas alguns anos, mas queria já o ter sido desde a criação do mundo e o ser até à consumação dos séculos... Mas, acima de tudo eu queria, ó meu Bem-Amado Salvador, eu queria derramar o meu sangue por ti até à sua última gota...

            O Martírio, eis aí o sonho da minha juventude; este sonho cresceu comigo sob os claustros do Carmelo... Mas ainda aí sinto que meu sonho é uma loucura, pois não saberia limitar-me a desejar um gênero único de martírio... Para satisfazer-me eu teria necessidade de todos...

            (...) Ó meu Jesus! Que é que vais responder a todas as minhas loucuras?... Há alguma alma mais pequena, mais impotente do que a minha?!... Contudo, por causa mesmo da minha fraqueza, Tu te comprouveste, Senhor, em satisfazer aos meus desejinhos infantis, e hoje queres satisfazer a outros desejos maiores do que o universo..."

Frei Egídio Palumbo O. Carm .

A forma mariana da "koinonia" fraterna

             A "sororidade" ("irmanidade"): a presença de Maria como Irmã na fé. Significa esta presença sintonia de vida com Maria na virgindade como coração puro, coração indiviso, que adere totalmente a Deus ("Institutio", Bóstio). Sintonia que também se exprime pelo mesmo caminho de fé feito de escuta da Palavra, de oração, de silêncio, de humildade (Baconthorp).

            Esta presença significa ainda familiaridade no relacionamento, no diálogo construtivo, inspirado na caridade ("Institutio", Bóstio, Teresa de Lisieux).

            A ternura: a capacidade de amar o outro profundamente sem apoderar-se dele. Os autores carmelitas vêem em Maria esta virtude espiritual enquanto Maria é ícone do rosto maternal de Deus, da sua profunda misericórdia, que se inclina sobre o homem (cf. o ícone da Virgem que cobre os carmelitas com o seu manto).

            Refletida na vida de fraternidade, a ternura se desdobra em solícita atenção para com as necessidades do outro, em sustento, cuidado e proteção em tudo o que favorece a qualidade da vida. Somente quem experimenta a ternura de Deus refletida em Maria é capaz de se identificar com as situações da vida.

A forma mariana da dimensão contemplativa da vida

             A profecia: Maria soube aprofundar-se no mistério do Filho, compreendê-lo e anunciá-lo aos apóstolos e aos que tinham acreditado (Bóstio, Teresa de Lisieux e Isabel da Trindade); o seu anúncio é fruto da procura de Jesus "na noite escura da fé" (Teresa de Lisieux).

            Maria conquistou a capacidade de contemplação porque se tornou morada da Trindade, seu "puríssimo espelho". A presença desta mulher contemplativa faz-nos sentir Deus mais próximo; circunda e transfigura a nossa existência de acordo com as grandezas do Amor Divino que vemos nela refletidas (Miguel de Santo Agostinho), como pureza do coração, adesão total a Deus (Bóstio, Miguel de Santo Agostinho, Isabel da Trindade).

             A fecundidade espiritual: quem se deixa habitar pela presença de Deus-Trindade, como Maria, adquire a capacidade de gerar Cristo na história dos homens (Tito Brandsma). Esta é a finalidade da nossa caminhada de fé junto com Maria.

A forma mariana da "diakonia" no meio do povo

             A companhia na fé: a tradição do Carmelo vê Maria como uma mulher simples e humilde, capaz de caminhar com os homens e as mulheres de todos os tempos, mas de modo especial com os pobres: "Os pobres e os humildes são tão numerosos nesta terra, mas podem sem medo erguer os olhos para Ti. Tu és a Mãe Incomparável que vais com eles pelas estradas de todos" (Teresa de Lisieux).

            Na luz do mistério de Maria, estar em companhia junto com os últimos significa identificar-se com os problemas do povo, com as suas angústias e exílios existenciais (Teresa de Lisieux: "Tu, ó Mãe, conheces todos os rigores do exílio")

A humanização do mundo: impressiona ver com quanta insistência as antigas lendas da Ordem salientam a atitude de proteção, de carinho, que Maria reserva à humanidade. Pergunto-me se esta insistência não está manifestando a consciência do Carmelo de querer edificar uma Igreja e construir um mundo mais de acordo com as medidas do homem? Não uma Igreja trancada no juridicismo rude dos "princípios", mas aberta e compassiva: como Maria. Não um mundo desligado e indiferente, e sim mais atento, que  se  identifique mais com  os  problemas da humanidade: como Maria.

            A presença  de  Maria  dá  assim  uma  orientação  mais humanizante à nossa "diakonia" apostólica (Edith Stein), porque tem em vista a conversão integral do homem para os valores que trazem dignidade à existência: solidariedade, mansidão, alegria simplicidade, paz, etc.

*0 CARMELO A SERVIÇO DA NOVA EVANGELIZAÇÃO: Carisma,  Espiritualidade e Missão - apontamentos. - Fraternità Carmelitana-  Pozzo di Gotto  -  1993. Tradução, Frei Pedro Caxito O. Carm. In Memoriam ( *31/12/1926  +02/09/ 2009 )

Vídeo-Convite para o 1º Encontro Vocacional em Alagoas-Paróquia São Maximiliano Maria Kolbe na Diocese de Penedo- no dia 05 de maio-2018. INFORMAÇÕES E INSCRIÇÃO PELO SITE OU E-MAIL: Site: www.carmelitas.org.br E-mail: Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar. ou, Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar. (E-mail do Frei Petrônio do Carmo da Lapa, Rio de Janeiro. 17 de abril-2018. Divulgação:  FACE: www.facebook.com/freipetros SITE: www.olharjornalistico.com.br TWITTER: www.twitter.com/freipetronio Convento do Carmo da Lapa, Rio de Janeiro. 26 de abril-2018.

Frei Quinn R. Conners, O. Carm.

Os três votos professados por religiosos e religiosas estão enraizados nas Escrituras. Eles são uma expressão dos valores do Evangelho. Contudo, eles se encarnam num determinado momento histórico, refletindo assim as necessidades e as esperanças psicológicas e espirituais das pessoas e do tempo em que vivem. Nossa discussão sobre cada um dos votos partirá de suas raízes espirituais ou teológicas.

Reconhecemos que os votos não são entidades autônomas. Cada voto tenta exaltar um lado distinto da vida humana, dos valores evangélicos, da vida cristã e carmelitana. No entanto, cada voto está relacionado intimamente ao outro. A partir de nossa breve abordagem histórica, veremos que antigamente todos os votos estavam subordinados ao voto de obediência. Este inter-relacionamento dos votos fica evidente quando tentamos descrever cada um deles.

POBREZA: A matéria bruta em transformação

Ao contrário da obediência, encontrar as raízes bíblicas da pobreza exige algum esforço. Obediência é uma palavra bíblica bem comum, enquanto que pobreza ocorre com menos frequência. Contudo, a chave para a pobreza é a consciência de que ela deve estar enraizada na fé e no amor que nos une a Deus. De fato, num sentido bíblico a pobreza e a obediência estão intimamente relacionadas. Se obediência é o compromisso de ouvir a voz de Deus, a pobreza é o compromisso de responder a esta voz.

Em geral, as Escrituras olham a pobreza de um modo bem prático. Basicamente, os bens materiais são apresentados de uma maneira positiva. Eles são um dom de Deus, reflexo da criação de Deus. Por outro lado, a pobreza e a espoliação não são boas. Elas representam uma distorção da bondade de Deus. Portanto, um dos compromissos da Aliança era que todos mereciam atenção: ninguém deveria passar necessidades, ninguém deveria ser pobre. Quando Lucas retrata a comunidade de Jerusalém após a Páscoa, ele a descreve precisamente nestes termos como a realização da comunidade ideal ansiada por Israel: “Todos os que abraçaram a fé eram unidos e colocavam em comum todas as coisas... conforme a necessidade de cada um” (At 2,44-45).

Contudo, Israel e as igrejas do Novo Testamento também conheciam a tentação em ter tantos bens. As divisões entre os ricos e os pobres emergiram desde cedo na história de Israel. Eventualmente vozes proféticas, de Elias a Jeremias, surgiam contra os ricos e poderosos porque eles maltratavam os indefesos. Amós e Oséias denunciavam os ricos por ignorarem os pobres.

Assim, surgem duas correntes bíblicas sobre os bens nas escrituras hebraicas e persistem até o Novo Testamento. Primeiramente, os bens são bons quando servem como instrumentos e expressões da dignidade humana que recebemos como filhos de Deus. Em segundo lugar, numa comunidade baseada na fé em um Deus que é misericordioso e compassivo, ninguém deveria sofrer com a falta de alguma coisa.[i]

O Novo Testamento também tem uma visão prática dos bens. Uma grande riqueza é vista com ceticismo que nasceu da experiência. Jesus viveu num tempo onde existia uma grande divisão entre ricos e pobres. Ter muitos bens exige sua atenção nas coisas, não em Deus. “Onde está o seu tesouro, está o seu coração”. As pessoas que possuem muita colheita necessitam construir muitos celeiros, em vez de pensarem sobre o destino de suas almas. Aqueles que pisam em Lázaro e em suas feridas para entrarem nos salões do banquete estão também muito preocupados para ouvirem a voz da profecia. Aqueles que encontram conforto e poder naquilo que possuem podem estar cultuando a riqueza como se fosse seu Deus.

Estes são os exemplos de Jesus sobre riqueza e bens. Eles são pragmáticos e baseados na experiência. “Algumas de suas intuições mais explícitas sobre os bens são estabelecidas no contexto de metáforas sobre viagens”.[ii]  Carregue apenas um cajado. Muita riqueza é simplesmente muita bagagem. O jovem rico foi embora muito triste – tinha muita bagagem. Zaqueu, buscando a aprovação de Jesus, dá metade de suas riquezas.

Caminhar nas pegadas de Jesus é uma jornada de fé e de serviço. Devemos estar livres para esta jornada. Esta realidade influencia as parábolas de Jesus sobre os bens:

“Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga. Pois, quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la, mas quem perde a sua vida por causa de mim e da Boa Notícia, vai salvá-la. Com efeito, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, se perde a própria vida?” (Mc 8,34-36).

Quando os discípulos hesitam, imaginando que se arriscaram muito, Jesus lembra mais uma vez o chamado da liberdade:

Pedro começou a dizer a Jesus: “Eis que nós deixamos tudo e te seguimos”. Jesus respondeu: “Eu garanto a vocês: quem tiver deixado casa, irmãos, irmãs, mãe, filhos, campos, por causa de mim e da Boa Notícia, vai receber cem vezes mais. Agora, durante esta vida, vai receber casas, irmãos, irmãs, mãe, filhos e campos, junto com perseguições. E, no mundo futuro, vai receber a vida eterna” (Mc 10,28-30).

O pensamento de Jesus é claro: “O que chamamos de pobreza evangélica é aquilo que os evangelhos chamam de colocar de lado qualquer coisa que nos impeça de seguir Jesus. Jesus era totalmente livre, livre para seguir a orientação do Espírito, livre para trilhar pelas margens da sociedade de seu tempo, livre para estar em comunhão com os pobres, livre para tocar naqueles que precisavam de cura, livre para acolher a raiva e a violência, livre para ouvir a voz de Deus”.[iii]

A Bíblia fala positivamente do pobre, mas não da pobreza. Os pobres são o objeto da compaixão de Deus e, por isso, deveriam ser do interesse do povo de Deus. Aos olhos da Bíblia os pobres têm uma vantagem sobre os ricos: é menos provável que eles sejam seduzidos por uma profusão de bens. Por estarem indefesos e vulneráveis sua única força é Deus.

Assim, as raízes bíblicas da pobreza são simples. Bem-aventurados os pobres porque deles é o reino de Deus. Bem-aventurados os que têm fome de Deus e de seu reino que colocam de lado todos os empecilhos, toda bagagem e seguem Jesus para a realização de suas esperanças.

Existem duas motivações bíblicas óbvias para deixarmos de lado os bens. Primeiro, o voto de pobreza nos permite a liberdade de colocarmos o excesso de nossos bens à disposição dos necessitados. Segundo, o voto nos torna livres daquelas posses que poderiam nos impedir de seguir Jesus.[iv]

Na Regra, a pobreza aparece no n. 12. A visão é aquela das primeiras comunidades apostólicas cujo objetivo é preservar o bem comum. A pobreza em si não é o ideal. O bem de todos os irmãos e irmãs é o ideal. Portanto, partilhamos o que temos uns com os outros de modo que ninguém tenha necessidade de qualquer coisa.

Contudo, o bem comum em si não é um tipo de comportamento nivelador ou cego de modo que a singularidade de cada pessoa se perca ou desapareça sob uma monotonia ou uniformidade superficial. O objetivo de partilhar todas as coisas em comum é colocado no contexto onde também saibamos reconhecer as necessidades individuais – “conforme cada qual estiver precisando, levando-se em consideração as idades e as necessidades de cada um”.[v]  A Regra nos desafia a assumir nossa responsabilidade em determinar o que precisamos e avaliá-las no contexto das necessidades da comunidade.

O voto, em seu ideal e em sua realidade, nos une à esfera econômica da vida humana. Cada ser humano estabelece algum tipo de relacionamento com o mundo econômico. Universalmente as pessoas tendem a medir o sucesso na vida através deste relacionamento. O que eu ganho na esfera econômica? De quantas maneiras posso ser dominado pelo mundo que me rodeia? A minha doação é benéfica ou maléfica, libertadora ou escravizante?

Ao professarmos a pobreza não escapamos destas perguntas e da luta que elas representam. Estamos simplesmente dizendo que, através de nossa profissão para ser verdadeiramente humanos, queremos partilhar o que temos, viver simplesmente, desenvolver um espírito de desprendimento e sermos solidários com os necessitados e pobres de fato.

Partilhar

Partilhar não significa necessariamente dar um testemunho poderoso, mas é uma prática que nos une e nos ensina sobre nossa dependência de Deus e dos outros. A solidão e a indiferença mútua que experimentamos algumas vezes na vida comunitária estão muitas vezes relacionadas com questões envolvendo os bens comunitários. Muitos bens e conveniências pessoais embaralham nossas mentes e nossos corações e nos afastam de qualquer necessidade sentida na vida comunitária. A necessidade de partilhar nossos bens, de chegar a um acordo em nossas preferências, de estar satisfeitos com o bem-estar comum – tudo isso proporciona várias oportunidades para aquele apoio e desafio que são a essência da vida comunitária. A partilha dos bens por sua vez, proporciona um meio de também partilhar os interesses, as preocupações, as memórias, as aspirações e a oração.

Viver de modo simples

Viver de modo simples em nosso mundo consumista é um grande desafio. Muitos bens materiais podem nos provocar o esquecimento de quem nos fez e do porquê estamos aqui. Uma vida mais austera abre perspectivas, novas ou esquecidas no conhecimento de Deus. Libertados das distrações e da busca ilusória de nossos pequenos confortos e luxos, permanecemos diante de Deus um pouco mais como somos – como seres humanos com fome de Deus, necessitados da misericórdia de Deus, nunca realizados ou satisfeitos a não ser em Deus (vacare Deo).

A austeridade de vida nunca é fácil para um indivíduo ou para uma comunidade. Cada grupo etário, cada tipo de personalidade, cada cultura humana tem seus pontos fortes e suas fraquezas neste domínio. É um desafio avaliar continuamente nosso estilo de vida, com respeito uns pelos outros e fazer cada vez as mudanças necessárias que nos levarão para mais perto de Deus, dos outros e do povo de Deus ao nosso redor.

Ser desapegado

O voto de pobreza sem uma simplicidade material é certamente considerado suspeito. Contudo, a observância fiel do voto não pode ser medida em termos puramente econômicos. O significado mais profundo de nosso voto de pobreza nos desafia a um desapego, tanto espiritual como material. Nos capítulos 1-8 de seu livro Noite Escura, João da Cruz descreve enfaticamente a transformação a qual Deus nos chama através deste espírito de desprendimento.

Freqüentemente, de modo inconsciente e sutil, possuímos (ou somos possuídos por) funções, hábitos, tarefas, pessoas e lugares. É normal para nós reafirmarmos nossos sentimentos de segurança e de auto-estima em tarefas especiais, às quais nos apegamos tenazmente, ou em rotinas e práticas que canonizamos desnecessariamente, ou em instituições que controlamos, ou em lugares especiais dos quais pensamos não poder nos afastar. Tais ligações são geralmente o resultado de grande dedicação e compromisso. Mas o compromisso paralisa quando não está aberto à mudança. O que começou como um bem torna-se prejudicial – para nós pessoalmente e para a missão de nossa comunidade. Ele nos impede de ouvir novos chamados e de experimentar novos desafios. Nossa ligação excessiva com um bem muitas vezes não nos deixa livres para muitos outros bens.

Tais ligações com coisas não-materiais são difíceis de se identificar e de se enfrentar. Freqüentemente os outros as percebem em nós antes do que nós mesmos. O espírito de obediência nos desafia a ouvir os outros quando eles nos questionam. O espírito de pobreza nos desafia a deixar tais posições e nos promete uma nova liberdade.

Ser solidário

A pobreza voluntária não pode estar separada ou independente da pobreza involuntária experimentada por tanta gente do povo de Deus em nosso planeta. Se estamos realmente caminhando nas pegadas de Jesus, então o interesse dele pelos pobres, pelos sofredores e fracos de nosso mundo deve tornar-se também nosso. Jesus viveu no meio de pessoas que eram consideradas impuras: publicanos, pecadores, prostitutas, leprosos (Mc 2,16. 1,40; Lc 7,37). Ele reconheceu a riqueza e o valor que os pobres possuíam (Mt 11,25-6; Lc 21,1-4). Ele os proclamou felizes porque o Reino é deles, dos pobres (Lc 6,20: Mt 5,3). Ele definiu sua missão como “anunciar a Boa Notícia aos pobres” (Lc 4,18). Ele mesmo viveu com os pobres, sem possuir nada, nem mesmo uma pedra onde repousar a cabeça (Lc 9,58). Ele ordenou, a quem quisesse segui-lo, que escolhesse Deus ou o dinheiro (Mt 6,24). Ele ordenou fazer uma opção pelos pobres (Mc 10,21). Como realizamos isto?

Em primeiro lugar, um grande desafio para nós é redirecionar nosso trabalho nos ministérios atuais. Justiça para os pobres – aquela justiça que é “parte essencial do evangelho”[vi]  – deveria ser uma preocupação em tudo o que realizamos. Quando trabalhamos entre os saciados e os ricos, o desafio é motivá-los a ajudar, a ampliar seu pensamento e a estimular sua boa vontade. Os trabalhos em nossas paróquias, escolas, etc., precisam envolver também os participantes ricos, para que eles possam experimentar realmente os problemas dos pobres e dos marginalizados.

Um segundo caminho é nossa própria experiência direta, trabalhando com os pobres. Conviver e olhar nos olhos, uns dos outros, é absolutamente necessário. Podemos não resolver os problemas das pessoas, mas podemos aprender a ficar mais perto e a sentir mais profundamente as dores daqueles que não receberam tantos privilégios quanto nós. O tempo real que gastamos trabalhando lado a lado, muitas vezes nos abre os olhos e os corações para os problemas. Assim, o processo para crescer no amor de Jesus pelos pobres é, paradoxalmente, aprender como ser pobre com os próprios pobres. Eles podem nos formar na dependência radical em Deus que este voto testemunha.

Provavelmente o modo mais importante de viver este voto é ser solidário com os pobres. A carência material é um mal. Não queremos idealizá-la, mas superá-la tão eficazmente quanto possível. Não podemos fingir sermos exatamente como os pobres. Mas podemos conhecê-los e partilhar seus interesses e seus fardos mais plenamente. Nossa educação e influência como religiosos podem ajudar a dar voz e compreensão à luta dos pobres. A experiência única que eles têm de Deus e da divina providência é um presente para nós. Temos muito a dar e a receber uns aos outros. Este é o significado da solidariedade – “permanecemos juntos como Maria permaneceu com João aos pés da cruz e experimentamos uma nova fonte de poder”.[vii]  Tal postura é observada em nossa tradição carmelitana. Estaremos realmente próximos de Jesus na medida em que experimentarmos esta transformação em nossa solidariedade para com o pobre. Quanto mais estivermos perto dos pobres, experimentaremos esta transformação em nosso relacionamento com Jesus.

CASTIDADE: Um Amor Transformador

A Bíblia tem uma visão muito positiva da sexualidade. Não no seu sentido romântico, mas como uma expressão humana vital do poder criador de Deus. A visão bíblica era “crescer e multiplicar”. Por isso, as crianças – especialmente o filho, numa cultura de aldeia patriarcal – eram não apenas um sinal de bênção e de segurança, mas uma expressão de obediência.

A infecundidade e a esterilidade, por outro lado, eram uma maldição e um motivo para alguém ser ridicularizado. A Bíblia não traz hinos sobre a virgindade e poucas palavras de elogio à vida celibatária. Mais típico é o doloroso quadro de Ana, desfeita em pranto ao orar no santuário de Silo, implorando a Deus para livrá-la da vergonha da esterilidade. Então, onde encontramos um fundamento bíblico para o voto de castidade?

Desde o início da história cristã, aqueles que escolheram a castidade celibatária recorreram a dois textos como a base bíblica para esta decisão. Mateus 19 e 1Coríntios 7. Em Mateus, Jesus proclamou seu ensinamento sobre o matrimônio e aparentemente anulou a possibilidade do divórcio. Os discípulos atordoados dizem a ele: “‘Se a situação do homem com a mulher é assim, então é melhor não se casar’. Jesus respondeu: ‘Nem todos entendem isso, a não ser aqueles a quem é concedido. De fato, há homens castrados, porque nasceram assim; outros, porque os homens os fizeram assim; outros, ainda, se castraram por causa do Reino do Céu. Quem puder entender, entenda’” (Mt 19,10-12). Ainda que o estudo bíblico moderno sugira que esta passagem está mais relacionada com o casamento do que com o celibato, muitos sentem que ela ainda é um importante indício para um fundamento bíblico do voto.[viii]

Nesta passagem de Mateus, a frase chave é por causa do Reino do céu. A noção sugerida no texto grego não é a de que alguém se torna eunuco para ir para o Reino, mas que o reino fez algo para que a pessoa se tornasse um eunuco. “Em outras palavras, a lei de Deus – Deus – apodera-se de uma pessoa com uma paixão tão forte, tão dominante que ela toma conta da vida desta pessoa, a leva a uma decisão que a Bíblia dificilmente pode contemplar (e diante da qual os discípulos hesitam)”.[ix]

Na passagem de 1Coríntios, Paulo tem um enfoque semelhante. Ao nos aproximarmos do fim dos tempos, “quem não tem esposa, cuida das coisas do Senhor”. Ele diz isso a eles não para armar uma cilada, mas “para que possam permanecer sem distração junto ao Senhor” (1Cor 7,32-35). Assim, um enfoque semelhante é dado: a castidade celibatária torna-se uma opção cristã apenas porque a ardente paixão por Deus toma conta da vida da pessoa.

Tal fundamento lógico tem uma base espiritual sólida. As pessoas estéreis que lamentam seu vazio e sua esterilidade descobrem que Deus preenche suas vidas. Deus tira a vergonha de Ana; Deus sopra vida no útero de Isabel; e o Espírito de Deus leva vida ao útero de Maria. A única paixão que pode substituir a paixão do amor sexual é a paixão da fé. Assim, as escrituras sugerem que o voto de castidade, como os votos de obediência e de pobreza, “tira seu significado radical do vibrante elo primordial entre Deus e o fiel”.[x]

A Regra primitiva não menciona a castidade ou o celibato. Ela assume que a obediência no seguimento de Cristo ipso facto significa viver uma vida casta. A castidade é mencionada especificamente na adaptação da Regra pelo papa Inocêncio.[xi]  Pouco mais é escrito, a não ser na passagem do n. 19. O objetivo da Regra é tentar estabelecer estruturas (por exemplo, silêncio, jejum, autoridade) que sustentarão o discipulado fundamental que os carmelitas buscam. Caminhar nas pegadas de Jesus nos chama para aquela busca concentrada do reino de Deus que o voto de castidade possibilita e testemunha.

O celibato consagrado, ao qual o voto de castidade nos chama, é um aspecto da vida religiosa que é distinto do caminho para o qual todos os discípulos são chamados. O celibato religioso foi descrito por Sandra Schneiders[xii]  como um ícone, uma abertura no mistério de Deus. Este mistério nunca é plenamente revelado nem compreendido. Contudo, ele transmite aquele Deus misteriosamente presente no mundo. O amor celibatário na sua melhor forma evangeliza por sua absorção total em Deus, e por sua inclusão e seu extravasar do eu no outro. O celibato consagrado aponta para a irrupção do reino de Deus e para a totalidade de suas exigências.

A castidade celibatária trata da esfera pessoal ou doméstica de nossas vidas. Aqui o sucesso ou a realização na vida é muitas vezes medido em termos de relacionamentos íntimos. Que tipo de companheiros tenho e o que significo para eles? Quem conheço e como? Como me relaciono comigo mesmo e com meu corpo? Meus relacionamentos humanos e íntimos são libertadores ou escravizantes de alguma forma?

Ao professar a castidade celibatária, os religiosos não escapam destas questões e da genuína luta humana que elas representam. Ao professar buscar este relacionamento exclusivamente com Deus em sua vida, a pessoa não evita a profunda solidão ou o vazio que o fato de estar sem um parceiro permanente, ou uma família, carrega em si. Na verdade, a experiência da castidade celibatária é a de trabalhar com este vazio durante toda a vida da pessoa. Não é necessário dizer que existem muitos outros tipos de relacionamentos e de responsabilidades que aparecem em nosso caminho através da liberdade que o voto de castidade nos dá. Mas podemos esperar que nosso desejo e nossas necessidades por relacionamentos humanos serão, pelo menos às vezes, particularmente intensos.

Os religiosos que não vivem um amor intenso por Deus encontrarão o vazio esmagador. Freqüentemente eles procuram outras compensações: carreira, trabalho, conforto, bens, relacionamentos que comprometem potencialmente seu voto. Outros ficam deprimidos e retraídos na comunidade, severos e frios no ministério. Este é um voto perigoso. David Fleming, S.M., afirma: “Nenhum nível de maturidade, nenhuma técnica de desenvolvimento humano e religioso, nenhuma combinação de ministério e de amizade nos isolarão da dor e do desafio do celibato por causa do Reino”.[xiii]

Que oportunidades na vida religiosa estão disponíveis para nos ajudar a viver este voto com integridade, humanidade e generosidade? Para viver a castidade celibatária os religiosos devem crescer na compreensão de sua corporeidade, devem desenvolver uma abertura para o relacionamento na sua comunidade e nos ministérios e devem viver uma vida de contínua oração.

Nossa Corporeidade

No passado, numa tentativa de incentivar a castidade, parte de nossa formação religiosa voltou-se para um tipo de angelismo. Nem sempre houve um reconhecimento e uma apreciação positiva das necessidades de nossos corpos.

Quando nos relacionamos com outras pessoas, sempre o fazemos através de nosso corpo. É importante para nós voltar ao contato com a expressão natural do corpo e não negar seu valor como parte da criação de Deus. O voto de castidade não elimina nossa expressão corporal.

Sentir e tocar (um tapinha nas costas, um abraço, um aperto de mão caloroso, um beijo) são uma parte natural do relacionamento humano. As culturas variam muito no significado de tais gestos, mas em toda cultura o corpo exerce um papel importante ao expressar calor e afeição. Quando se reprime a expressão corporal somos tentados à sensualidade e ao erotismo compulsivos que poderiam ser expressos, por exemplo, na masturbação compulsiva ou no vício da pornografia. A melhor ajuda para a castidade não é a inibição, mas um zelo contínuo e respeitoso por nossas necessidades físicas e psíquicas. Este zelo se manifesta em comportamentos como: uma dieta saudável, exercícios regulares, repouso adequado, relaxamento e recreação. Quando este zelo é parte da vida celibatária, nossos corpos se tornam parte de uma pessoa madura, percebida como um todo, como um canal de encanto e de graciosidade.

Um respeito maduro e equilibrado por nossos corpos é parte do agradecimento pela criação da santidade unificada à qual somos chamados. Tais atitudes sustentam nossa vivência do voto em vez de miná-la. Elas são ajudas importantes à castidade. O voto de castidade não é um voto de ignorar o corpo. “Ele é certamente um voto onde se canalizam as energias criativas e significativas de nossos corpos para a vida de santidade”.[xiv]

Para viver o voto de castidade devemos crescer na aceitação e no respeito de nossos corpos. Este crescimento inclui aceitação e respeito por nossa sexualidade e por nossos desejos sexuais. Um desafio quando se busca integrar o próprio desejo por uma união sexual com outra pessoa, desejo este que pode ser muito poderoso. No entanto, tais desejos são parte da ação de Deus em nós. Eles não podem ser negados ou ignorados sem nos causarem problemas mais profundos. É valioso para nós refletirmos se existe um medo exagerado ou um puritanismo sobre a dimensão do corpo em nossas vidas. Em vez de reprimir qualquer interesse ou atenção pelo corpo humano (o nosso próprio corpo ou o corpo de outra pessoa), devemos aprender a sermos gratos e felizes por esta parte da criação de Deus. O resultado pode ser um relaxamento maior e uma atenção maior ao que nosso corpo nos diz sobre o todo de nossa natureza corpo-espírito. Se isto ocorreu, então de fato, seremos mais plenamente templos do Espírito Santo.

Relacionamentos em Comunidade e Ministérios

A intimidade humana é essencial para vivermos uma vida de castidade celibatária. Ser íntimo é deixar outra pessoa participar de nossa vida de tal modo que sua presença se torna uma parte do que somos. Isto aprofunda nossa auto-estima. A intimidade envolve uma certa morte para o eu e amar nosso próximo como a nós mesmos. Os relacionamentos são complicados e não saímos bem deles sem cicatrizes. Já que a intimidade é perigosa, temos muitas maneiras de nos proteger e de nos defender contra ela. Contudo, alguns relacionamentos íntimos são necessários para uma vida plenamente integrada e generosa.

Evidentemente a intimidade na vida religiosa é mais difícil do que na vida do leigo. Quanto mais próximos ficamos de uma pessoa, mais difícil é deixá-la ir. Contudo, o amor celibatário, em sua universalidade, implica na disposição de deixar muitas pessoas entrarem em nossas vidas mas também na boa vontade de deixá-las sair. Já que o processo de deixar partir é muito doloroso, os religiosos podem ter a tendência de desenvolver uma forte resistência à qualquer tipo de intimidade.

Além disso, a intimidade por sua própria natureza pede uma expressão física. Assim, o desenvolvimento da intimidade dentro de uma comunidade religiosa celibatária ou num ambiente ministerial pode criar, às vezes, uma tensão com respeito à expressão física que também será dolorosa e difícil de ser tratada. O que fazer? O caminho mais fácil seria evitar a intimidade em vez de desenvolver atitudes e comportamentos apropriados para a intimidade celibatária. Para evitar a intimidade usamos a repressão e a compensação que são reações psicologicamente doentias. O que ocorre então é o retraimento da intimidade e o investimento de nossa auto-estima em coisas, não em pessoas: trabalho, papéis, funções, realizações, conforto, etc.

Jesus não tinha medo da intimidade. Ela estava presente em muitos de seus relacionamentos: com os discípulos, com Marta e Maria, com Lázaro. A intimidade, incluindo a intimidade com o próprio Senhor, é um fato marcante nas vidas de muitos santos como Teresa e João da Cruz. O ideal deste voto é valorizar a intimidade com muitas pessoas, especialmente com os menores: os pobres, os doentes, as crianças, os deficientes. Assim, a vivência da intimidade dentro de uma vida religiosa celibatária torna-se um compromisso de solidariedade com os pobres, os sofredores, os marginalizados.

O religioso celibatário pode viver uma genuína vida de intimidade. Mas a consciência da sexualidade deve estar integrada com o desejo de viver o amor universal, integrador, redentor e piedoso de Cristo.

Oração

A experiência religiosa, cultivada numa vida consistente de oração, é a chave para a vivência significativa da castidade. Deus é o relacionamento permanente e mais importante em nossas vidas. Assumir o voto significa que nenhum ser humano é mais importante para nós do que Deus. É claro que este fato é verdadeiro para todos os seres humanos, mas a vida religiosa estimula a experiência de nossa solidão fundamental, tornando-o mais evidente e óbvio.

Uma vida de oração proporciona a oportunidade de experimentar este Deus que nos chamou a partilhar nosso eu com todos. Vamos para Deus com a experiência deste chamado em todas as suas ramificações: alegria e sofrimento, intimidade e vazio. Este tipo de vida é assumido adequadamente apenas na fé, certos de que Deus nos transformará. Apenas Deus fará de nosso coração uma fonte doadora de vida, desinteressada, aberta ao amor universal.

Uma vida de oração permite que continuemos a crescer nesta transformação e conscientização. Ser fiel à oração proporciona a oportunidade de estar em contato com o desejo que temos por Deus e com o desejo de Deus por nós assim como com as racionalizações e compensações que desenvolvemos para preencher a solidão. Basicamente, oramos porque sabemos que precisamos de Deus. Precisamos que Deus nos preencha e transforme nosso amor, para que ele possa ser libertado para interesses mais amplos e vastos em nosso mundo.

A castidade celibatária é um dom no qual crescemos. É um processo de crescimento perpétuo, não um voto que é medido apenas pelo fato de sermos ou não castos. É verdade que a atividade genital é algo que fazemos ou não. Mas, além disso, este voto é um chamado viver apenas para Deus, crescendo em nossos relacionamentos, tanto com companheiros religiosos como com o povo a quem servimos, buscando a integração mais profunda de todas as dimensões de nossa humanidade, canalizando nossas tendências para a sexualidade e criando relacionamentos que sejam um dom genuíno e saudável do eu para outras pessoas. Tudo isto exige crescimento constante e é uma experiência contínua que levamos a Deus em nossa oração.

Deus transforma nosso amor pelo bem do reino. Deus usa nosso amor para transformar o mundo. Este processo não é angelical. É humano. Oramos como pessoas corporificadas. Oramos com as experiências de relacionamentos que temos em comunidade e no ministério. Levamos todas estas experiências para nosso relacionamento com Deus e é lá que elas são transformadas na energia e na generosidade que Deus necessita no nosso mundo.

 OBEDIÊNCIA- A Escuta como Transformação

A forma mais radical de obediência na Bíblia é a escuta fiel da voz de Deus que vem a nós através da comunidade, através de nossos mestres e líderes e através dos fatos da história. Deuteronômio 6,4-9 é a expressão perfeita da virtude bíblica da obediência.

Ouça, Israel! Javé nosso Deus é o único Javé. Portanto, ame a Javé seu Deus com todo o seu coração, com toda a sua alma e com toda a sua força. Que estas palavras, que hoje eu lhe ordeno, estejam em seu coração. Você as inculcará em seus filhos, e delas falará sentado em sua casa e andando em seu caminho, estando deitado e de pé. Você também as amarrará em sua mão como sinal, e elas serão como faixa entre seus olhos. Você as escreverá nos batentes de sua casa e nas portas da cidade.

Este credo, o famoso Shema, capta concisamente a noção judaica de como a vida dos judeus é totalmente centrada em Deus. Por Israel estar tão convencido da presença amorosa de Deus na história, por estar tão agarrada à realidade de Deus, sua única resposta é aquela de obediência reverente e de abertura confiante na direção amorosa de Deus feitas diariamente.

As grandes figuras do Antigo Testamento nos mostram que este tipo de obediência é um desafio. O exemplo de obediência radical destas figuras pode coexistir com a confusão e a ira diante dos caminhos misteriosos de Deus. Por exemplo, Moisés, que tira suas sandálias em reverência diante da presença de Deus na sarça ardente, também pode quebrar as tábuas de Deus com ira diante da estupidez do povo de Deus e dos confusos caminhos de Deus. O Salmista, cuja poesia lírica louva o poder e a grandeza criadora de Deus, também pode captar a raiva e a frustração diante das exigências de Deus. Jeremias, o profeta que fala de Deus como um fogo ardente em seus ossos, também pode chamar Deus de um rio enganador que corre para o deserto apenas para desaparecer em terras áridas. A obediência é uma experiência humana e multidimensional.

No Novo Testamento, Jesus se torna a plena expressão da obediência. Ele conhecia o poder da fé bíblica. Jesus foi o único Filho em quem Deus permaneceu. Ele foi plenificado com o Espírito de Deus, buscando muitas vezes a comunhão silenciosa com seu “Abba”. No evangelho de João ouvimos muitas vezes sua confiança de conhecer Deus e de ser conhecido por Deus. Contudo, antes do mistério da paixão e da morte, Jesus também se tornou o Filho obediente de Deus, enquanto esbravejava contra a escuridão e o silêncio da voz de Deus: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Sl 22,1).

Jesus lutou para ser fiel ao Pai: “Embora sendo Filho de Deus, aprendeu a ser obediente através de seus sofrimentos” (Hb 5,8). Ele fez muitas orações para se tornar capaz de conquistar esta posição (Hb 5,7; Lc 22,41-6). Mas ele não foi conquistado. Ninguém, nenhuma autoridade em qualquer época foi capaz de interferir neste segredo mais profundo de Jesus. Aqueles que tentaram interferir chocaram-se com uma parede impenetrável. Ele foi obediente até a morte, e morte de cruz (Fl 2,8).

A comunhão entre Jesus e o Pai não foi automática, mas sim o fruto da luta que Jesus travou dentro de si mesmo para obedecer ao Pai em tudo e para estar sempre unido a ele. Jesus disse: “Eu não posso fazer nada por mim mesmo. Eu julgo conforme o que escuto” (Jo 5,30). “O Filho não pode fazer nada por sua própria conta; ele faz apenas o que vê o Pai fazer” (Jo 5,19). Como e onde Jesus viu e ouviu o que o Pai queria dele? Como a vontade do Pai se manifestou a Jesus?

Em primeiro lugar, Jesus descobriu a vontade do Pai assumindo sua condição de pobre. O que para alguns era a condenação do destino, para Jesus era a manifestação da vontade do Pai. Jesus nasceu pobre. Continuar ao lado dos pobres foi a decisão do Filho querendo ser obediente ao Pai até a morte e “morte na Cruz”.

Em segundo lugar, Jesus descobriu a vontade do Pai nas Sagradas Escrituras e na história de seu povo. Jesus buscou as Escrituras como a fonte da autoridade (Lc 4,18). Ele se orientou através das profecias do Servo de Deus e do Filho do Homem para realizar sua missão como Messias (Mc 1,11; 8,31). Foi nas Escrituras que ele encontrou as respostas contra as tentações que experimentou. “Não faço nada por mim mesmo, pois falo apenas aquilo que o Pai me ensinou” (Jo 8,28). A Boa Nova do Reino foi e continua sendo, antes de mais nada, a face do Pai a ser revelada ao povo, especialmente aos pobres.

Assim, a obediência bíblica é elaborada no contexto das escolhas da vida real. O sofrimento, as frustrações, a aridez espiritual, são preços a serem pagos. Mas o povo das Escrituras apega-se ferozmente à sua fé na realidade da presença de Deus na história, sua história pessoal.

Os carmelitas entram nesta tradição bíblica da obediência em seu voto. Pelo voto, que está enraizado no chamado para a obediência absoluta dirigida igualmente a cada cristão no batismo, o religioso carmelitano situa seu total compromisso com a vontade de Deus no contexto de uma comunidade que caminha nas pegadas de Jesus Cristo.

A Regra (n.º 22 e n.º 23) propõe como assumir esta obediência. Alberto se refere ao ofício do prior, que é apresentado primeiramente no n.º 4. Aqui o ofício do prior foi estabelecido num nível estrutural para a boa ordem da comunidade. Contudo, nos nn. 22 e 23 o prior e a comunidade têm que descobrir Cristo na “mútua co-responsabilidade da obediência”.[xv]  Alberto nos recomenda ver Jesus Cristo como o único centro de nossas vidas. Permanecer em nossas celas é “permanecer na vinha”. Aprendendo a não possuir nada, experimentamos como Jesus não possuía lugar para recostar sua cabeça. Celebrando juntos a Eucaristia, nos tornamos pedras vivas com Cristo como a pedra fundamental. Quando nos reunimos no capítulo e na correção fraterna, ele está em nosso meio.[xvi]  Basicamente, somos obedientes ao poder do Espírito de Cristo manifestado em nós mesmos, em nossa comunidade e sob sua liderança.

No nível do humano, o voto de obediência levanta a questão de como usamos nosso poder e nossa liberdade, tanto comunitária como pessoalmente. A última metade do século XX viu a queda do patriarcado como vimos nos anos 60 e 70 com as revoltas estudantis, nos blocos comerciais unindo muitas nações ocidentais, o fim dos regimes coloniais, militares e outros regimes repressores e o crescimento do feminismo. Concomitantemente, este período também testemunhou um individualismo excessivo e uma obsessão pela auto-realização, especialmente no hemisfério ocidental, que causou forte impacto em muitas partes do mundo.

Estes fatores históricos e culturais influenciam nossa compreensão e o exercício do poder,[xvii]  a esfera política da vida, que interfere no voto de obediência. Ao assumir este voto nos confrontamos com as mesmas perguntas que qualquer outro ser humano faz. Que poder tenho sobre os outros? Que esforço comum posso utilizar? Qual minha contribuição para a vida da sociedade e da comunidade? Qual minha influência em determinar direções comuns? Embora todos os cristãos se engajem nestas questões, o contexto em que elas se realizam varia muito. Para os religiosos, o contexto é a comunidade com a qual estão comprometidos.

Professando a obediência os religiosos dizem que querem usar sua capacidade de dialogar com os outros na busca pela vontade de Deus. O poder deles é mais humano e eficaz quando ouvem e agem de acordo com as inspirações pessoais que Deus lhes oferece. Estas inspirações vêm através de muitos meios. Basicamente, a obediência vem pela ponderação da Palavra de Deus e pelos sinais da presença de Deus em nosso mundo, de acordo com nossos irmãos e irmãs no Carmelo e com aqueles que escolhemos para liderar a comunidade.

Em primeiro lugar, a obediência exige um confronto contínuo com a Palavra de Deus. As Escrituras, refletidas individual e comunitariamente, nos dão acesso à revelação da presença de Deus no meio das comunidades judeu-cristãs do passado. É a revelação de como Deus se comunicou com seu povo e é uma fonte de discernimento da presença de Deus entre nós hoje. Devemos conhecer as Escrituras com nossos corações e nossas mentes para penetrar no coração e na mente de Deus.

Em segundo lugar, a vontade de Deus também está presente nos sinais dos tempos. A meditação da Palavra de Deus deve ser feita no contexto de nossa realidade para conhecermos a vontade de Deus. Nossas circunstâncias históricas devem dialogar com as Escrituras, para discernirmos o lugar para onde a obediência nos chama. Estas circunstâncias históricas têm muitos níveis: o individual/pessoal, o apostólico, a comunidade local e provincial, as lideranças locais e provinciais e o social. Qualquer uma destas áreas pode exigir mais atenção e significado numa determinada hora, dependendo da situação. Então a obediência se torna mais desafiadora e o discernimento da vontade de Deus requer maior disciplina e humildade.

Num terceiro ponto vemos que a obediência se realiza no diálogo com nossa comunidade e sua liderança. O chamado para a vida comunitária é fundamental para o carisma carmelitano. Desse modo, acreditamos que o Espírito de Deus se move através da voz coletiva da comunidade e daqueles que escolhemos para liderá-la. Qualquer discernimento da vontade de Deus deve incluir necessariamente nossa escuta da comunidade. Além disso, a obediência religiosa pode ser um verdadeiro testemunho evangélico, pela compreensão do poder que ela transmite, especialmente em nossas estruturas governamentais. Muitas comunidades, principalmente as congregações femininas, estão trabalhando rumo a estruturas mais participativas. Surgem novos modelos de governo, tais como grupos regionais que se encontram regularmente, capítulos onde todos os membros participam ativamente, líderes engajados num processo comunitário de tomar decisões. Desta forma, eles revelam uma maneira diferente de exercer o poder e a autoridade, longe do antigo modelo hierárquico e patriarcal. Estes modelos participativos permitem que cada membro possa discernir a vontade de Deus assim como exercer o poder coletivo na comunidade.

A liderança em tais modelos é realmente um chamado ao serviço (Lc 22,26-27). Ela exige um novo jeito de administrar a complexidade da vida religiosa, a habilidade em conduzir a atenção da comunidade para uma visão partilhada que unirá os esforços individuais, inspirados pela missão da província e da comunidade local, e a capacidade de formular estratégias para alcançar tudo isso.[xviii]  Esta liderança pede a habilidade de entender as estruturas subjacentes, os modelos e as forças que devem ser avaliados para se ir de um ponto ao outro.

Finalmente, a obediência é realmente o cultivo de uma união amorosa com Deus. Esta união se torna a base de todas as nossas escolhas que, por sua vez, nos une profundamente com Deus. Ao estarmos conscientemente mais unidos com Deus, começamos a ver tudo com os olhos de Deus e a buscar a verdade no amor. Em muitas circunstâncias pode existir apenas uma escolha para nós. No entanto, em outras situações podem existir várias escolhas. Nem sempre existe uma escolha que é melhor do que as outras. Nem é o caso de Deus ter pré-julgado o que devemos fazer. Buscar a vontade de Deus, obedecer a Deus é fazer as escolhas e tomar a decisão mais amorosa que podemos em qualquer momento. A longo prazo, a obediência consiste formalmente no como e no porquê fazemos uma certa escolha, em vez de o que realmente escolhemos.[xix]

Como carmelitas caminhando nas pegadas de Jesus Cristo, a obediência deveria nos levar à liberdade para escolher a vida como Jesus o fez. Em qualquer circunstância em que ele se encontrava – na festa de casamento em Caná, com a samaritana junto ao poço, na morte de seu amigo Lázaro ou na sua própria morte – ele escolheu fazer a vontade de seu Pai, mesmo quando ele não a compreendia. O contexto no qual buscamos a vontade de Deus é essencialmente contemplativo. É um meio de sondar e procurar, um modo de escutar e de orar que é transformador. Os anseios do Espírito de Deus em nós, a comunidade, a liderança comunitária, o povo e o tempo ao qual servimos, deveriam nos levar a uma maior generosidade e liberdade, para melhor testemunharmos a presença amorosa de Deus no mundo.

[i]  D. Senior, C. P. “Vivendo neste ínterim: princípio bíblico para a vida religiosa”. Em P. Philibert, O.P., (ed.), Vivendo neste ínterim. Mahwah, NJ: Paulist Press, 1994, p. 63.

[ii]  Senior, p. 64.

[iii]  Ibid.

[iv]  Senior, p. 65.

[v]  RA 12.

[vi]  Justiça no Mundo, Declaração do Sínodo dos Bispos, 1971.

[vii]  D. A. Fleming, S.M. Anotações do peregrino: uma experiência de vida religiosa. Maryknoll, NY: Orbis, 1992, p. 35.

[viii]  Senior, p. 66.

[ix]  Ibid.

[x]  Ibid, p. 67.

[xi]  RA, 19.

[xii]  Schneiders, pp. 114-136.

[xiii]  Fleming, p. 39.

[xiv]  Fleming, p. 44.

[xv]  Kees Waarjman, O.Carm., A identidade carmelitana a partir da perspectiva da Regra, 13º Conselho das Províncias (Nantes). Publicações Carmelitanas: Melbourne, 1994, p. 48.

[xvi]  Ibid., pp. 48-49.

[xvii]  Congregação para Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica. Diretivas sobre a formação nos institutos religiosos, # 12. Origens, 19 (20 de março de 1992).

[xviii]  D. Nygren e M. Ukeritis, ‘O futuro das ordens religiosas nos Estados Unidos’. Origens 22 (1992), 267. Os autores relatam que a incapacidade de formular uma estratégia para alcançar um propósito ou uma missão é a fraqueza mais surpreendente entre os líderes atuais.

[xix]  S. M. Schneiders, I.H.M. Odres novos: Reimaginando a vida religiosa hoje. Mahwah, NJ: Paulist Press, 1986, p. 142.