Imagens da Assembleia Eletiva Provincial da Ordem Terceira do Carmo. O evento acontece entre os dias 10-12 de março no Convento do Carmo, da Bela Vista, São Paulo. No vídeo, Frei Petrônio de Miranda, Delegado Provincial. Convento do Carmo, São Paulo. 11 de março-2017.

Imagens da Assembleia Eletiva Provincial da Ordem Terceira do Carmo. O evento acontece entre os dias 10-12 de março no Convento do Carmo, da Bela Vista, São Paulo. No vídeo, conferência do Frei Evaldo Xavier, Superior Provincial. Convento do Carmo, São Paulo. 11 de março-2017.

Os membros da Ordem Terceira reconhecem o Prior Geral como pai espiritual, chefe e vínculo de unidade; recebem da Ordem, orientação e estímulo, destinados a promover, fomentar a concretização dos fins da própria Ordem Terceira do Carmo. Contudo se concede aos próprios leigos uma ampla autonomia de iniciativa e de condução da vida das respectivas fraternidades, segundo os próprios estatutos. São eles mesmos que elegem os seus dirigentes, assistidos espiritualmente e ajudados pela disponibilidade paternal de um sacerdote, Carmelita ou não, ou ainda de um frade ou de uma religiosa Carmelita.

O vínculo fundamental do terceiro com o Carmelo é a profissão. Este empenho traduz-se em uma forma de promessa ou, em alguns casos, conforme um antigo costume, com a emissão dos votos de obediência e de castidade, segundo as obrigações do próprio estado. Deste modo, o terceiro consagra-se mais profundamente a Deus, de modo que possa oferecer-lhe um culto mais intenso. Mediante a profissão o terceiro, na verdade visa intensificar as promessas batismais de amar a Deus sobre todas as coisas e de renunciar a Satanás e às suas seduções. A originalidade desta profissão está nos meios escolhidos para atingir a plena conformidade com Cristo. O Carmelita sabe que comparece diante do Senhor de mãos vazias, mas põe todo seu amor esperanças em Cristo Jesus, que se toma pessoalmente a sua santidade, a sua justiça, o seu amor, a sua coroa. O cerne da mensagem de Jesus - amar Deus com todo o coração e ao próximo como a si mesmo - exige do terceiro uma afirmação constante do primado de Deus, a recusa categórica de servir a dois senhores e a opção prioritária de amar o próximo, combatendo toda a forma de egoísmo de fechamento em si mesmo.

Os valores dos conselhos evangélicos, comuns a todos os cristãos, tomam-se para o terceiro um programa de vida que atinge as esferas do poder, da sexualidade e dos bens materiais. São um auxílio mais forte para não servir falsos ídolos; e conseguir a liberdade de amar Deus e o próximo acima de todo egoísmo. A santidade consiste exatamente neste duplo preceito.

Pela profissão o terceiro assume o compromisso de viver o Evangelho radicalmente, segundo o próprio estado de vida. Ao terceiro é dada a liberdade de emitir a profissão sem os votos, apenas com o propósito de professar a presente Regra, ou também com os votos. Os terceiros que fazem os votos são chamados à obediência aos superiores da Ordem e ao seu assistente espiritual em tudo aquilo que lhes é determinado pela Regra para sua própria vida espiritual. Com o voto de castidade comprometem-se a viver esta virtude de acordo com as obrigações do próprio estado.

Os terceiros reconhecem nos Carmelitas consagrados na vida religiosa uma válida direção espiritual. São acompanhados pelos religiosos em seu caminho rumo a uma vida contemplativa e ativa num mundo sempre mais complexo e exigente, mas que ao mesmo tempo procura avidamente os valores espirituais. Por essa razão os leigos devem ser acompanhados para viverem o carisma do Carmelo em espírito e verdade, abertos à ação do Espírito Santo, e tendendo a uma plena participação e comunhão no carisma e na espiritualidade do Carmelo, tendo em vista uma nova leitura carismática da sua laicidade e uma plena corresponsabilidade no dever de evangelizar e no exercício dos ministérios específicos da vida Carmelita. Deste modo, os Terceiros Carmelitas Seculares tornam-se efetivamente e de pleno direito membros da Família Carmelita.

Os Carmelitas consagrados na vida religiosa reconhecem as vantagens espirituais e o enriquecimento que para a Família Carmelita trazem os fiéis leigos, que, inspirados pelo Espírito Santo, e respondendo a um especial chamado de Deus, livre e espontaneamente se comprometem a viver o Evangelho segundo o espírito do Carmelo. Na verdade, a sua participação pode contribuir, como nos ensinam experiências do passado, com fecundos aprofundamentos de alguns aspectos do carisma, reinterpretando-os e impulsionando a novos dinamismos apostólicos também por meio da “preciosa contribuição da sua secularidade e do seu serviço específico.

Da Regra da Ordem Terceira do Carmo: A Ordem Terceira do Carmo Secular

 

A Ordem dos Irmãos da Bem-Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo surgiu nos fins do século XII e início do século XIII, a partir de um grupo de homens que, atraídos pelo fascínio evangélico dos Lugares Santos “lá se consagraram Aquele que ali havia derramado o seu sangue em uma vida de penitência e de oração. Estabeleceram-se no Monte Carmelo, junto á Fonte de Elias e receberam, a seu pedido, uma Norma de Vida, de Alberto, Patriarca de Jerusalém (1206-1214) que os constituiu em uma única comunidade de eremitas, reunidos ao redor de um oratório dedicado a Maria. Após as aprovações de Honório III (1226) e Gregório IX (1229), Inocêncio IV (1247) completou seu caminho de fundação e, com algumas alterações dessa Norma de Vida, inseriu-os entre as nascentes Ordens de Fraternidade Apostólica (mendicantes) chamando-os a unir à vida contemplativa a solicitude pela salvação do próximo.

Uma vez estabelecidos na Europa, os frades acolheram leigos, junto aos próprios conventos, os quais, de certo modo, foram considerados Carmelitas. Eram chamados “oblatos” ou “donatos”, visto que doavam os próprios bens aos conventos, passando a depender dos mesmos para o seu sustento. Como na sua maioria eram mulheres, havia necessidade de casas próprias. Também eram chamadas “manteladas” pois traziam um hábito semelhante ao dos frades.

Com o tempo estes leigos organizaram-se em grupos homogêneos, com obrigações análogas às dos frades. A primeira aprovação jurídico-eclesiástica foi por meio da bula pontifícia “Cum Nulla“, de autoria do Papa Nicolau V, de 7 de outubro de 1452. Esta bula lançou as bases da Ordem Segunda e Terceira, com várias etapas de desenvolvimento. A bula autoriza os superiores da Ordem a dirigir vários grupos de mulheres e a explicitar o seu gênero de vida. A concessão contida na bula “Cum Nulla”, foi posteriormente explicitada por outra bula, a “Dum atenta” de Sisto IV, de 28 de novembro de 1476. Estes dois documentos pontifícios são a base da hodierna estrutura da Família Carmelitana.

A bula “Cum Nulla” reconheceu a existência de grupos distintos, com votos solenes ou simples. Paulatinamente algumas dessas mulheres, que podiam também viver sozinhas e fora do convento, identificaram-se como o terceiro grupo da Família Carmelita, razão pela qual começaram a ser chamadas “terceiras” Em 1476, o Papa Sisto IV autorizou a Ordem do Carmo a organizar os seus vários grupos de leigos, como as Ordens Terceiras das demais Ordens Mendicantes.

Simultaneamente surgiam confrarias que solicitavam o gozo dos privilégios do Escapulário. O Prior Geral Teodoro Straccio (1636-1642) desejando resolver a situação, criou uma Ordem Terceira de “continentes” na qual os confrades e irmãs emitiam votos de obediência e de castidade segundo o próprio estado, enquanto os demais seculares ingressavam nas confrarias do Escapulário.

Já nos séculos XIX e XX procurou-se favorecer o aspecto “secular” dos terceiros. Esta dimensão atingiu o ápice na Regra aprovada após o Concílio Vaticano II. Hoje, portanto, os seculares são chamados, na especificidade de sua vocação, a iluminar e a dar o justo valor a todas as realidades temporais, de forma que sejam vividas segundo os valores proclamados por Cristo e em louvor do Criador, do Redentor e Santificador num mundo que parece viver e agir como se Deus não existisse. Espera-se que os leigos Carmelitas sejam colaboradores da nova evangelização que permeia toda a Igreja; por isso procurem superar em si mesmos a separação entre Evangelho e vida. Em sua rica atividade quotidiana, na família, no trabalho e na sociedade, procurem restaurar a unidade de uma vida que encontre no Evangelho inspiração e força para ser vivida em plenitude.

Frei Egídio Palumbo O.Carm

A Regra Carmelitana favorece um equilíbrio entre a vida litúrgica e a oração individual (com este termo indica-se a oração feita na solidão, já que, seja isoladamente, seja comunitariamente, a oração é e deve ser sempre um ato pessoal). Com o decorrer do tempo, sobretudo do século XIV em diante, acentua-se o predomínio da oração individual, sem perder os elementos litúrgicos e a rica tradição eliano-mariana que alimentava a dimensão contemplativa.

A tendência de acentuar o carácter subjetivo da oração individual foi acentuada em algumas reformas do século XV e mais ainda com S. Teresa de Jesus e a sua obra reformadora, com desafios em relação à oração individual meditativo-contemplativa. Para o “primado da comunhão com Deus” privilegia Teresa o “só a sós” da meditação. Coloca assim o acento na oração individual ou meditativa; porém, em Teresa, tal primado abraça também todas as formas possíveis da oração.

Sob a influência desta tendência formaram-se e desenvolveram-se no interior da Ordem três formas privilegiadas e características de oração individual:

- a meditação ou oração mental

- o exercício da presença de Deus

- a oração aspirativa

A meditação

  • Relativamente à meditação como forma específica de oração, os primeiros testemunhos do seu uso como prática individual são do século XIV. Tal uso torna-se geral a partir da metade do século seguinte. O Beato Soreth, nos comentários da Regra Carmelitana escritos em 1459, recorda que a obrigação deste exercício nasce do capítulo VII (= n. 10) da Regra e, tomando um certo método de Ugo de S. Vittore, sublinha também que a meditação não deve ser um fim em si mesma, mas meio e preparação para a oração que se faz seguir da contemplação.
  • Durante quase todo o século XVI a meditação permaneceu entre os carmelitas como um exercício obrigatório de caráter privado. O caso dos religiosos de Portugal, que tomaram desde 1424 o uso da meditação em comum, é isolado. Outras tentativas para introduzir a meditação como ato comum fracassaram na Ordem. Ao mesmo tempo, porém, há autores, entre os quais (Cristovão Silvestrani Brenzone e João Sanz), que desenvolveram mais largamente a reflexão sobre a natureza deste exercício e sugeriram vários métodos para fazê-lo, com referência constante aos aspectos afetivos.
  • É na segunda metade do século XVI que, especialmente na Espanha, inicia-se a difusão da prática da meditação em comum, sob a influência também da corrente espiritual do tempo. Face a isto o prior geral João Batista Rossi sente-se perplexo. Assim, ainda que concedesse licença às comunidades que o solicitavam para o exercício em comum, ele sempre sublinhava que tal prática deve ser assumida como reparação para as transgressões do cap. VII (= n. 10) da Regra, e não pode, ao contrário, ser porta para uma mitigação muito perigosa da mesma Regra.
  • Finalmente, com a aceitação e colocação em prática dos decretos de Clemente VIII, o Capítulo Geral de 1593 promulgou o primeiro decreto para toda a Ordem sobre a meditação em comum: deveria ser feita duas vezes ao dia, pelo tempo de meia hora, depois de Prima e de Vésperas. O Capítulo Geral sucessivo (1598) relatou, ao pé da letra, em suas atas, os decretos clementinos sobre a leitura espiritual e sobre o sermão semanal, enquanto que neste sentido resumiu a parte referente à meditação em comum. Deste modo, cada frei deve fazer quotidianamente um “exercício espiritual com uma escolha própria e seguindo o Espírito”. Nas Constituições promulgadas por Canali em 1626 e nas sucessivas até 1902, este Decreto Clementino sobre a meditação em comum, não foi inserido, sendo o mesmo somente relatado em apêndice, junto a outros decretos pontifícios.
  • Na Congregação de Mântua, a imposição da obrigação da meditação em comum teve início em 1582 com a visita do prior geral Caffardi, mas permaneceu letra morta. Foi aceita somente por insistência de outro prior geral, Enrico Silvio, pela aplicação dos decretos pontifícios de 1596. A norma foi então inserida nas Constituições Mantovanas de 1602.
  • Para os Mosteiros femininos, ao contrário, a legislação em matéria de meditação em comum é fixada desde o final do século XV. O mais antigo documento sobre o assunto são os estatutos de 1481 para as monjas da Congregação Mantovana. Também as constituições observadas desde o final do século XV no mosteiro da Encarnação de Ávila, onde entrou S. Teresa, falam da obrigação da meditação e ainda da meditação feita em comum. No ambiente das monjas essa vem proposta em várias formas:

- Meditação praticada em conexão com o ofício divino no coro, duas vezes ao dia por um período igual de tempo: reflete-se, compulsoriamente, sobre os textos litúrgicos do ofício ou da missa do dia. A meditação em comum dos frades, ao contrário, não parece apresentar frequentemente esta conexão.

- a meditação conectada com a sala de trabalho: o trabalho deveria ser acompanhado da “devoção”, sustentada pela leitura e uma reflexão comum sobre coisas espirituais. Este é outro aspecto que não acontece na vida dos frades, que porém tinham a “leitura espiritual” como exercício independente de outros.

- a meditação, como exercício em si mesmo, interpretada como forma de realização do cap. VII (= n. 10) da Regra. Esta não aparece logo no início, porém, aumenta sucessivamente sua prática (nisto se nota uma influência da “Devotio moderna”), até assumir o caráter comunitário e a fixar para tal exercício um largo espaço de tempo (duas horas para as monjas, uma hora para os padres).

  • Na prática da meditação, sobretudo entre as monjas do século XV até a época recente, particularmente nas Reformas Teresiana e de Touraine, sublinham-se os aspectos psicológico-afetivos (cf. S. Teresa de Jesus, S. João da Cruz, S. Maria Madalena de’ Pazzi, fr. João di São Sansão, Pe. Domingos de S. Alberto, etc., até Pe. Tito Brandsma). Floresce neste contexto uma espiritualidade da Paixão (o sofrer por amor ao Esposo Crucificado) característica de muitas Santas e Santos do Carmelo.
  • Paralelamente à introdução da oração mental floresce uma literatura de formação espiritual e de métodos de oração. Para os tratados sobre a meditação, com exposição também de métodos de oração, devem ser recordados aqueles de João Sanz e Cristovão Silvestrani Brenzone, podendo-se tainda acrescentar os de: Matias Fabri, João Bek, João van Paeschen (nos quais a meditação é vista como peregrinação à Terra Santa, numa forma de primeira “Via Sacra”) , Paulo Ezquerra, Pedro Tomás Saraceni, Paulo Antônio Foscarini, Jerônimo Gracián, etc. Finalmente pode-se lembrar de Domingos di S. Alberto e dos Diretórios dos Noviços da Reforma de Touraine, com a elaboração teórico-prática mais completa dos métodos sistemáticos da oração mental.
  • Entre os Descalços, os autores julgam que a oração sistemática torna-se a forma mais adaptada para realizar a oração contemplativa que conduz à comunhão com Deus.

O exercício da presença de Deus e a oração aspirativa

  • A partir do século XVII esta forma de oração se desenvolve como a mais usual e adaptada para conduzir à união com Deus: ou seja a presença do Senhor na própria vida. É indicada para conservar o próprio espírito contemplativo, em todo o tempo e lugar, também fora do convento. Os autores espirituais descrevem a modalidade e as técnicas concretas, como também oferecem exercícios metódicos diversificados.

Em particular

1) O exercício da presença de Deus significa reportar-se a Ele por meio de atos da memória e de vigilante atenção, com consequente estímulo no afeto, evitando tudo quanto possa desagradar ao Senhor, e melhor ainda praticando tudo o que lhe é agradável.

2) A aspiração é substancialmente uma oração constituída de alguma jaculatória, na qual se exprime ao Senhor os bons afetos e os santos desejos do coração.

3) A oração aspirativa pressupõe o exercício da presença de Deus, como também este encontra seu aperfeiçoamento na mesma oração aspirativa. Deste modo as duas coisas são coincidentes e não se pode, na prática, separar uma da outra.

  • O mais destacado autor sobre o exercício da presença de Deus é o descalço Frei Lourenço da Ressurreição (†1691). Ele ensina a contínua presença amorosa de Deus vivida pela alma com fé pura, abandono total, caridade e fidelidade. Os meios fundamentais para este exercício são indicados pelo mesmo frei Lourenço como “uma grande pureza de vida” (que comporta renúncia de si e primazia do amor), e “fidelidade ao exercício da presença de Deus no próprio ser”. O recolhimento é visto não como uma realidade negativa, mas como abertura ao encontro com Deus, no qual se realizam as virtudes teologais. Frei Lourenço descreve também um exercício ou melhor um “caminho de amor” que conduz à interioridade e à adoração. Coloca-se portanto, na linha da afetividade, tomando uma clara posição contra o intelectualismo. Algumas expressões do autor parecem não valorizar plenamente os exercícios ascéticos e as boas obras, que porém nunca foram negadas por ele.
  • Na Reforma de Touraine, já na primeira metade do século XVII, (e portanto antes de Frei Lourenço), existem exposições sobre este exercício da presença de Deus. Entre os vários autores pode-se lembrar Domingos de S. Alberto.
  • Também, João Sanz (†1606) fala da oração aspirativa como se a mesma fosse uma “teologia mística” com a qual se obtém os raios da luz divina. Para ele esta mística não se realiza através do estudo e das disputas teológicas, mas somente, abrindo-se o coração e alimentando-o com o fogo do amor.
  • Alberto Leoni, da Congregação de Mântua, fala das formas desta oração aspirativa como se fossem flechas de fogo lançadas ao céu.
  • A aspiração, na reflexão dos autores da Reforma de Tourain, é apresentada como meio excelente de viver a união com Deus. É nesta forma que a consideram Felipe Thibault, Domingos de S. Alberto e João de São Sansão. Este último autor oferece uma viva descrição da oração aspirativa, mostrando como ela é apta a conduzir à união mística mais elevada. Para este mesmo autor a aspiração mais que “um diálogo de amor” é “um lançar-se amoroso e inflamado de todo o coração e da mente, pelo qual a pessoa supera prontamente a si mesma e cada coisa criada, unindo-se estreitamente a Deus na vivacidade de sua expressão amorosa”.
  • O método para exercitar-se na presença de Deus e na aspiração é exposto inteiramente nos já citados diretórios dos noviços da Reforma de Touraine. Na perspectiva destes livros, estas duas formas de oração favorecem muito a união harmônica entre o apostolado e a contemplação.

*0 CARMELO A SERVIÇO DA NOVA EVANGELIZAÇÃO:     Carisma,  Espiritualidade, Missão – apontamentos.

Tradução  por Frei Pedro Caxito, O. Carm. In Memoriam.

Frei  Egídio Palumbo O.Carm

            Uma das imagens simbólicas fortemente evocativas do Carmelo das origens é a "centralidade" da igrejinha dedicada a Santa Maria: ela demonstra a centralidade da Eucaristia como força plasmadora da "koinonia" fraterna na linha existencial da condivisão, da caridade, do serviço. Não por acaso, de fato, a Regra coloca esta "centralidade" num contexto mais amplo - bem no meio dos capítulos VII-XIII -  onde  emerge  com  evidência  a ligação por "entrelaçamento" entre oração e vida: a escuta pessoal da Palavra (VII), que se faz louvor comunitário (VIII), exige dos irmãos a vivência da comunhão de bens (IX), que na Eucaristia encontra a sua profecia e o seu fundamento (é o Capítulo X), enquanto a Eucaristia assume forma existencial no diálogo e na reconciliação mediante a caridade (XI) e num estilo de vida simples e sóbrio, atento às verdadeiras necessidades do outro e capaz de adaptar-se às situações (XII e XIII).

            Outra imagem, complementar da primeira, vem expressa por uma indicação "ritual" da Institutio Primorum Monachorum (Livro II, cap. 3º), onde se afirma que os carmelitas eram chamados profetas, porque salmodiavam ou então porque entoavam em louvor de Deus salmos, hinos e cânticos, acompanhados por instrumentos musicais, "na casa de oração", que Elias havia edificado para eles sobre o Monte Carmelo, e ali se reuniam três vezes ao dia para orarem. Com a vinda de Jesus Cristo - contam-nos ainda naquela mesma obra (Livro IV, cap.5º) - este rito de louvor a Deus ao som de instrumentos musicais foi interiorizado conforme as palavras do Apóstolo: "Sede cheios do Espírito, entretendo-vos mutuamente por meio de salmos e cânticos espirituais, entoando hinos ao Senhor com todo o vosso coração, por todas as coisas dando graças a Deus Pai continuamente, no nome do Senhor Nosso, Jesus Cristo" (Ef 5,18-20). Aqui também, segundo penso, revela-se o peso da intenção do autor de, numa linguagem e figuras diversas, reafirmar aquele "entrelaçamento": oração/vida já observado na Regra, e que significa fazer da nossa vida uma doxologia perene, um autêntico "Louvor de Glória" - para usar o modo de falar de Isabel da Trindade - onde esteja espelhada a presença do Deus Vivo.

            Enfim não se deve esquecer que o tema "oração e vida" é um dos mais fecundos na tradição espiritual do Carmelo, a tal ponto que tem uma ressonância eclesial a nível universal, educando e inspirando gerações inteiras.

            Cabe a nós hoje revitalizar a herança desta "indiscutível" Diaconia e antes de tudo dar à nossa oração pessoal e comunitária e à nossa Liturgia não somente dignidade e beleza, mas também uma "respiração" contemplativa que possa nutri-la com a Palavra de Deus e encarná-la na vida. Só daqui surgirá depois o empenho pastoral de criar Escolas de iniciação à oração, de promover momentos de formação litúrgica, de cuidar de um culto mariano autêntico em memória da "centralidade" da primeira igrejinha dedicada a Santa Maria.

Frei  Egídio Palumbo O. Carm

            A maior parte dos escritos carmelitanos têm uma dimensão mistagógica, quer dizer, pretendem introduzir o fiel numa experiência de Deus mais autêntica e amadurecida. Basta pensar na Institutio (Itinerário com Elias); no Livro da Vida, no Caminho da Perfeição(caminho da oração), no Castelo Interior (Itinerário progressivo para a comunhão com Deus) de Teresa de Ávila; na Subida, na Noite Escura, no Cântico Espiritual de João da Cruz; em João de São Sansão; na "pequenina via" de Teresa de Lisieux; em Como encontrar o Céu na Terra escrito para uma mãe de família por Isabel da Trindade.

            Podemos dizer que a espiritualidade carmelita se apresenta como espiritualidade do caminho. Neste caminho o Deus-Trindade age como Pedagogo (2Subida 17,2-4): é Ele o Princípio donde parte o Itinerário; é Ele quem toma a iniciativa, se põe à procura do fiel, suscita, conduz e sustenta a caminhada, respeitando ritmos e tempos.

            A experiência do Deus-Trindade como Pedagogo é ação transformante da existência do fiel em existência "trinitária", capaz de criar relações de autêntica comunhão fraterna, capaz de amar o outro assim como Deus o ama. No íntimo esta é a meta do itinerário mistagógico: formar para uma autêntica antropologia de comunhão, fundada na Trindade.

A dinâmica do caminho mistagógico age por etapas:

            - da passagem/saída do velho homem (egocêntrico) para o novo homem (alocêntrico em Deus e nos irmãos);

            - do contínuo confrontar-se e conformar-se em vista do projeto de Deus;

            - da procura constante do Rosto de Deus nas mediações eclesiais e humanas;

            - da experiência da dialética da presença/ausência de Deus, de um Deus que não podemos possuir totalmente e pelo qual devemos ser possuídos.

            Neste caminho a atitude do fiel é marcada pela docilidade à ação pedagógica de Deus e pelo esforço e compromisso de vida.

 

Frei  Egídio Palumbo O.Carm

           Nas origens do Carmelo não encontramos uma pessoa isolada como Fundador, mas sim uma comunidade. Ela está provavelmente vivendo uma certa evolução interna: de pessoas mais ou menos isoladas rumo a um grupo; pede ajuda e discernimento ao Patriarca de Jerusalém, Alberto, a fim de que (a nível não apenas jurídico, mas também teológico-espiritual) consolide e codifique o projeto de vida deles, o seu "propositum", numa "vitæ formula", que a seguir, com o discernimento do Papa, adquirirá o status de Regra.

            Confirmação do que dizemos nos vem antes de tudo do próprio texto da Regra - ou melhor do dinamismo e dos valores do projeto de vida que ela propõe - enquanto mediação para transmitir a "experiência do Espírito" do Fundador ou do carisma de fundação.

            Além disso, aquela expressão, que aparece mais vezes nas Primeiras Constituições e em outros escritos medievais - "(...) Albertus Ierosolymitanæ ecclesiæ Patriarcha in unum collegium congregavit, scribendo eis Regulam(...)" - sintetiza tanto o discernimento feito pelo Patriarca Alberto como a fisionomia dos primeiros irmãos do Carmelo.

            Podemos, então, dizer que Fundadores do Carmelo foi aquela primeira comunidade de fratres do Monte Carmelo, não outros. Eles devem permanecer o ponto de referência constante, original e originante do carisma e da missão do Carmelo. A questão, pois, de Elias e de Maria como "fundadores" do Carmelo, no meu parecer, precisa de uma releitura na ótica do "modelo de vida" fortemente personalizado, em sintonia com toda a tradição monástica e, além disso, com a carmelitana.

A NOSSA RESPONSABILIDADE DE DISCÍPULOS

            Como "discípulos" daquela primeira comunidade de fratres do Monte Carmelo, hoje sintamos juntos uma responsabilidade eclesial: sintamo-nos chamados não somente para guardar a experiência carismática de oito séculos atrás, mas também para aprofundá-la e desenvolvê-la, relendo a memória do nosso passado debaixo da luz do presente ou, então, da sensibilidade eclesial e cultural de hoje.

            É este para nós o caminho da fidelidade dinâmica ao carisma dos fundadores. Somente assim, a oito séculos de distância, o carisma do Carmelo pode continuar a ser "um encargo de genuína novidade na vida espiritual da Igreja e de uma particular, operosa e corajosa realização" (Mutuæ Relationes 20). Unicamente desta maneira o carisma do Carmelo pode ter continuidade no tempo como uma herança viva e preciosa e fazer nascer afinidade entre as pessoas que o vivem (cf. o documento Christifideles Laici,24).

PROVÍNCIA CARMELITANA DE SANTO ELIAS

COMISSÃO PROVINCIAL PARA ORDEM TERCEIRA

                                                       Rio de Janeiro, 06 de dezembro de 2016.

                Prezado(a) Irmão(ã) Prior(a)

                                                                                                   Salve Maria!!

          Acontecerá nos dias 10, 11 e12 de março de 2017, sexta a domingo, a Assembleia Eletiva da Comissão Provincial para a Ordem Terceira do Carmo, para eleger a Coordenação e o Conselho para o próximo triênio. Será realizada no CONVENTO DO CARMO, RUA MARTINIANO DE CARVALHO, 114 - BELA VISTA, SÃO PAULO - SP.

        O valor da diária é de R$ 132,00, portanto como são duas diárias, o valor total da hospedagem é de R$ 264,00, por pessoa. A entrada dos participantes é a partir das 14 h de sexta-feira, dia 10 de março.

        Conforme o Capítulo Terceiro, Artigos 4º, do Estatuto da Comissão Provincial, estão convocados o (a) Prior(a) e mais dois Delegados com Profissão Perpétua, não necessariamente Conselheiros do Sodalício,  para estarem presentes à  Assembleia Eletiva.

        PEDIMOS QUE CONFIRMEM A PRESEÇA DOS DELEGADOS ATÉ O DIA 03 DE MARÇO DE 2017, IMPRETERIVELMENTE, para podermos viabilizar a acomodação e informar ao Convento o número de participantes. PEDIMOS QUE NÃO DEIXEM DE CONFIRMAR A PRESENÇA ATÉ A DATA PREVISTA. Na confirmação deverá constar os seguintes dados: Nome, telefone, e-mail, O COMPARECIMENTO   DEVERÁ OCORRER A PARTIR DE SEXTA-FEIRA OU NO MÁXIMO ATÉ SÁBADO PELA MANHÃ, OS QUE NÃO PUDEREM ESTAR PRESENTES NESSAS CONDIÇÕES, NÃO PODERÃO COMPARECER SOMENTE NO DOMINGO PARA O VOTAR.

         Caso o(a) Prior(a) tenha algum motivo relevante que o(a) impeça de comparecer, poderá indicar outro(a) irmão(ã) que o(a) substitua, desde que tenha Profissão Perpétua. Mas conforme o Estatuto da Comissão, sua presença é imprescindível.

        Contaremos com a presença de ..........que fará conferência sobre Igreja.

          As presenças deverão ser confirmados através dos telefones : 24-33650045 ou 988284743 ou e-mail – Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar. .

     Frei Petrônio Miranda O.Carm                                   Paulo Daher

           Delegado Provincial                                             Coordenador

*Frei Carlos Mesters, Carmelita.

A poesia dos salmos uma outra entrada para dentro da vida.

A oração dos salmos se situa mais do lado da poesia e da arte do que do lado da lógica e da razão. Ainda que seja um assunto meio difícil e complicado, convém ver de perto este aspecto poético dos salmos, pois ele ajuda muito a perceber o rumo e o objetivo dos salmos. A poesia dos salmos é a linguagem humana colocada a serviço da descoberta de Deus.

Poesia: o lado de dentro das coisas.

Poesia não é só uma questão de rima e de ritmo. É muito mais do que isto. A poesia tem outra porta de entrada, outro caminho de acesso aos segredos da vida. Consegue ver e experimentar o outro lado dos fatos e da natureza, o lado de dentro, onde a razão não penetra, a eficiência nada alcança, o planejamento se frustra. Onde a vida encontra razões para viver que a razão desconhece. É o lado onde, no segredo, a fonte gera a sua água, a flor solta o seu perfume, o passarinho recomeça o seu canto. Onde o dia nasce, o mar se esconde, o sol descansa. Onde a criança é adulto, e o adulto continua criança. Onde a dor é acolhida como irmã, e a alegria se desprende da alma em pranto. Onde existe a escuridão luminosa, o silêncio sonoro, a solidão partilhada. Onde se encontra a fonte sem fundo que reflete o rosto de quem nela olha e lhe faz descobrir o seu eu escondido.

A poesia é uma faísca da plenitude de Deus, uma amostra da sua presença no meio de nós. Ela é uma interpretação da fala de Deus. Nada melhor do que a poesia para ser a expressão do nosso diálogo com Deus.

Alma e corpo da poesia

Na hora em que a prece sobe no coração e a inspiração nasce na cabeça, o salmista vai à procura de uma forma para expressar o que está sentindo. O casamento perfeito entre a inspiração e a forma literária é a expressão mais alta da arte. É onde alma e corpo da poesia se unem e geram vida nova. Nem todos os salmos alcançam a perfeição poética. Mas todos eles, perfeitos ou não, expressam um sentir, um sentido, um sentimento, uma experiência de Deus na vida.

O sentido que o poeta quer expressar e transmitir através da sua poesia ou salmo não está só nas palavras e frases que ele escolhe e arruma com tanto cuidado, mas também e sobretudo no espaço invisível que ele cria entre as palavras e entre as frases, nas entrelinhas. Arrumando as palavras e as frases dentro de uma determinada ordem, o poeta cria entre elas uma relação, uma tensão, um espaço, uma zona de silêncio, que provoca o leitor. As palavras assim arrumadas tornam-se como que grávidas de um novo sentido (que não está no dicionário).

Entre as frases e as palavras da poesia, do salmo, corre o fio invisível do sentido a ser captado pelo leitor. O resultado da poesia não depende só do poeta. O poeta inicia a obra, o leitor deve completá-la. As palavras e as frases do salmo são como um binóculo que o poeta entrega ao leitor dizendo: “Aqui! Olhe você também para a vida, para Deus! Você vai gostar!” E pode até acontecer que o leitor, olhando pelo salmo, consiga enxergar mais que o próprio poeta.

O jeito como a poesia dos salmos arruma as palavras e as frases

Cada povo arruma as palavras da sua poesia de acordo com as possibilidades e as exigências da sua cultura e da sua língua. A característica básica da poesia do povo hebreu é esta: aproximar, uma da outra, duas ou mais frases, dois ou mais pensamentos, completos em si, cada um carregado de um sentido. São como dois polos, entre os quais se estabelece uma tensão, uma relação; como dois fios, entre os quais salta a faísca invisível do sentido. O critério usado pelos poetas hebreus para aproximar entre si a palavra e as frases não é tanto (como na nossa poesia) a associação sonora, o ritmo ou a rima, mas, sim, o conteúdo, o significado da frase; e isto de duas maneiras: em forma de comparação e em forma de paralelismo.

A comparação: iluminar um pelo outro

A comparação é uma maneira elementar e popular para expressar e transmitir um sentido. Até hoje, o povo recorre à comparação quando quer explicar alguma coisa. A comparação pertence mais à linguagem falada; ela é menos frequente na linguagem escrita dos salmos. Há duas maneiras de se fazer a comparação:

  1. Comparar para igualar ou equiparar: “Como..., assim...”. A frase menos conhecida se esclarece a partir da mais conhecida.

Alguns exemplos:

“Como vinagre nos dentes e fumaça nos olhos, assim é o preguiçoso para quem o envia”. (Pr 10,26)

“Como o animal sedento à procura dos córregos, assim eu estou à tua procura, Senhor!” (SI 42,2)

“Abriram sua boca contra mim, como o leão que dilacera e ruge”. (SI 22,14)

“Mil anos aos teus olhos são como o dia de ontem que já passou”. (SI 90,4)

  1. Comparar para diferenciar e avaliar. “Melhor é..., do que...”. O poeta estabelece uma escala de valores entre as duas frases, o que permite julgar e apreciar as coisas. Alguns exemplos:

“Mais vale o pouco do justo, do que as grandes riquezas do ímpio”. (SI 37,16)

“Melhor um dia na tua casa, do que mil passados em minha casa”. (SI 84,11)

“Puseste mais alegria no meu coração, do que a alegria deles em época de colheita abundante de trigo e vinho”. (SI 4,8)

O paralelismo: iluminar-se mutuamente

O paralelismo aproxima ou justapõe duas frases em pé de igualdade e faz com que uma interfira na descoberta do sentido da outra. O paralelismo é a forma poética mais frequente nos salmos. Ele se faz de três maneiras:

  1. Uma frase completa o sentido da outra: paralelismo sintético:

“O Senhor reconstrói Jerusalém, reúne os exilados de Israel”(SI 147,2)

“Levanta-te, ó Juiz da terra, devolve o merecido aos soberbos”. (SI 94,2)

“Habitar na casa do Senhor todos os dias da minha vida, para gozar a doçura do Senhor e meditar no seu templo”. (SI 27,4)

  1. Uma frase diz o mesmo que a outra: paralelismo sinônimo:

“Povo meu, escuta minha lei, dá ouvido às palavras da minha boca”. (SI 7811)

“Eles tramam um plano contra o teu povo, conspiram contra os teus protegidos”. (SI 83,4) “O Senhor não rejeita seu povo, jamais abandona sua herança”. (SI 94,14)

  1. Uma frase diz o contrário da outra: paralelismo antitético:

“O ingênuo acredita em tudo que se diz, o esperto discerne as coisas”. (Pr 14,15)

“O Senhor conhece o caminho do justo, o caminho dos ímpios se perde”. (SI 1,6)

“Os ricos passam necessidade e fome, nenhum bem falta aos que procuram o Senhor”. (SI 34,11)

Às vezes, o salmista combina comparação com paralelismo (SI 92, 13), outras vezes, combina entre si as várias formas do paralelismo:

“O Senhor tem os olhos sobre os justos e os ouvidos atentos ao seu clamor. A face do Senhor está contra os malfeitores, para da terra apagar a sua memória”. (SI 34,16-17)

O versículo 16 é paralelismo sintético. O mesmo vale para o versículo 17. Mas os dois versículos comparados entre si formam um paralelismo antitético.

Dois complementos sobre a poesia dos salmos

  1. Paralelismo: estrutura do Livro dos Salmos

A Bíblia usa o paralelismo não só para organizar as palavras e as frases dentro de cada salmo, mas também para organizar os salmos dentro do conjunto do Livro dos Salmos. Assim, vários salmos formam duplas. Parecem gêmeos. Alguns exemplos:

1) Paralelismo sintético entre os Salmos 50 e 51: Salmo 50 é uma acusação contra o povo, uma denúncia da sua culpa; Salmo 51 é uma confissão do pecado, um reconhecimento da culpa. Um completa o outro.

2) Paralelismo antitético entre os Salmos 22 e 23: Salmo 22 diz: “Meu Deus! Meu Deus! Por que me abandonaste?” (SI 22,2); Salmo 23 diz: “O Senhor é meu Pastor, nada me faltará. Tu estás junto de mim” (SI 23,1.4). Um diz o contrário do outro.

3) Paralelismo sinônimo entre os Salmos 3 e 4: Salmo 3 diz: “Eu me deito e logo adormeço” (SI 3,6); Salmo 4 diz: “Em paz me deito e logo adormeço” (SI 4,9). Um diz o mesmo que o outro. Os dois são orações da noite.

Aqui se abre todo um campo de pesquisa: investigar e descobrir o fio invisível do sentido que corre não só entre as palavras e as frases de cada salmo, mas também entre os próprios salmos, desde o Salmo 1 até o Salmo 150; descobrir as duplas de salmos e as várias formas de paralelismo que existem entre eles, e investigar como o sentido de um salmo ajuda a descobrir e a completar o sentido do outro.

2-Paralelismo: como estrutura da própria Bíblia

O paralelismo existe não só dentro de cada salmo, nem só dentro do conjunto do Livro dos Salmos, mas também dentro do conjunto da Bíblia. A própria estrutura da Bíblia está baseada na lei do paralelismo. Ou seja, a Bíblia justapõe e aproxima entre si doutrinas, fatos, interpretações da vida e da história, sem preocupação em harmonizá-las entre si. Num lugar, ela diz uma coisa; em outro, diz o contrário.

Por exemplo, a descrição da criação em Gênesis 1 é uma, a de Gênesis 2 é outra; e a interpretação da história dada pelos Livros de Samuel e dos Reis é diferente da interpretação dada pelos Livros das Crônicas; o Davi dos Livros de Samuel é um, o Davi dos Livros das Crônicas é outro; o Livro do Eclesiastes tem uma visão das coisas, o Livro do Eclesiástico tem outra; a solução proposta pelo Livro de Rute é bem diferente da solução dos Livros de Esdras e Neemias; as Cartas de Paulo e a de Tiago oferecem duas maneiras diferentes de encarar o problema da lei e das obras; a maneira de apresentar a pessoa de Jesus é diferente em Mateus, em Lucas, em Marcos, em João, nas Cartas de Paulo e no Apocalipse; e assim por diante.

Às vezes, as várias afirmações se completam (sintético); às vezes, dizem a mesma coisa (sinônimo); outras vezes, dizem o contrário (antitético). Deste modo, colocando os contrários, um ao lado do outro, a Bíblia cria uma tensão, um campo de força, entre as várias partes ou livros que a compõem.

A tentação do intérprete é querer resolver o problema escolhendo uma afirma­ção e negando a outra; ou reduzindo o sentido de uma frase ao tamanho do sentido da outra. A Bíblia, porém, não racionaliza. Através da lei do paralelismo, ela simplesmente explicita as contradições existentes na vida, nos fatos, na história. Ela é a imagem do que acontece e existe na história humana. Ela provoca e convida o leitor a assumir a contradição e o conflito como parte integrante da caminhada, e a permanecer na busca, sem esmorecer, até chegar no ponto onde as duas afirmações contrárias se encontram como dois galhos nascendo da mesma raiz, ou onde uma, apoiada pelo Evangelho, exclui a outra como contrária a Deus, ao Evangelho e à vida humana.

O desafio da poesia

Esta reflexão sobre o paralelismo encerra uma lição. De um lado, faz a gente ficar mais humilde; ajuda a relativizar os nossos conflitos internos, as nossas brigas e contradições. Faz perceber que “na casa do Pai há muitas moradas” (João 14,2). Por outro lado, ajuda a perceber e a assumir com mais garra a grande luta que atravessa a história. Ajuda, como diz o povo, a “dar um boi para não entrar na briga, e uma boiada para não sair dela”. O mais importante na poesia dos salmos não são as normas literárias. O mais importante da janela não é a sua forma, mas, sim, o panorama que pode ser visto através dela.

A poesia é como uma seta na estrada, um estímulo. Ela coloca o leitor num caminho de descoberta. Quer provocar nele a mesma experiência que o poeta ou o salmista teve. No momento em que conseguirmos reencontrar dentro de nós um reflexo desta experiência, teremos atingido a fonte de onde o poeta bebeu, teremos agarrado a matriz que gera o sentido, e encontrado a luz que ilumina os salmos pelo lado de dentro. Nesse momento, começamos a “rezar como Davi rezou”.

* Conhecido por seus estudos sobre a Bíblia - estudou em Roma e em Jerusalém - Frei Carlos Mesters, Carmelita da Ordem do Carmo, nasceu na Holanda em 1931. Missionário no Brasil desde 1949. Sacerdote desde 1957, doutor em Teologia Bíblica. É um dos principais exegetas bíblicos do método histórico-crítico no Brasil e foi fundador CEBI - Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (1978). Atualmente reside no Convento do Carmo de Unaí-MG.

*Frei Carlos Mesters, Carmelita.

Salmo 1 e Salmo 150: luta e festa

O Livro dos Salmos é como uma grande rede, onde o povo deita e descansa da caminhada, se refaz dos estragos e da dor, e acumula novas forças para retomar a luta. Esta rede está pendurada em dois ganchos bem fortes, o Salmo 1 e o Salmo 150, que ficam nas duas pontas, o primeiro e o último. Estes dois salmos descrevem o ponto de partida e o ponto de chegada da oração e revelam a tensão que existe entre as duas motivações mais profundas que nos levam a rezar. O Salmo 1 fala da meditação e da observância da Lei do Senhor, enquanto o Salmo 150 fala do louvor e da festa total. Luta e Festa! Eficiência e Gratuidade! Os dois pólos da oração.

Salmo 1: eficiência e luta

O Salmo 1 indica o ponto de partida da oração. É o salmo dos “Dois Caminhos”. Quem quiser levar uma vida de oração deve fazer uma opção inicial bem clara entre o caminho dos justos e o caminho dos pecadores (SI 1,6); deve decidir-se firmemente a viver conforme as exigências da Lei do Senhor (SI 1,2). Aqui, no início do Livro dos Salmos, a oração aparece como “meditar dia e noite na Lei do Senhor” e encontrar nela o seu prazer (SI 1,2). A oração está intimamente ligada à luta entre o bem e o mal, entre a justiça e a injustiça, pois ela é vista como um meio que ajuda o povo a romper com o caminho da injustiça e a se manter no rumo da Lei do Senhor (SI 1,1-2). O objetivo da oração é produzir bons frutos no  tempo certo, igual a uma árvore frondosa sempre verde, plantada à beira das águas correntes (SI 1,3). Resumindo: na abertura do Livro dos Salmos, no começo da caminhada com Deus, está a preocupação com a observância da lei e com a eficiência da ação. Esta preocupação é um dos dois ganchos que sustentam a rede dos salmos. A influência deste gancho percorre todo o livro até o outro lado, até o Salmo 150. Mas a oração não é só isto; não é só meio para alcançar um fim. Ela é também o próprio fim que se quer alcançar, amostra grátis da festa final. É disto que fala o Salmo 150.

Salmo 150: a gratuidade, a festa

O Salmo 150 descreve, como num painel luminoso, o ponto de chegada do caminho da oração. Aqui, no encerramento do Livro dos Salmos, a oração aparece como louvor e festa. Aleluia! Louvai o Senhor! (SI 150,1.6). Com traços curtos e claros, o salmo indica qual é o lugar e o motivo do louvor:

  1. É o templo (SI 150,1), isto é, o lugar onde Deus reside no Santo dos Santos e onde a comunidade se reúne diante de Deus;
  2. É o firmamento (SI 150,1), isto é, a natureza onde se revela a presença de Deus como Criador;
  3. São as façanhas (SI 150,2), isto é, a história onde Deus se revela, como Libertador e Salvador, nas maravilhas que operou para o povo.

Comunidade, Natureza, História! As três são expressão de "sua imensa glória" (SI 150,2) que deve ser louvada. O salmo convida a todos, sem distinção, a participar do louvor: “Tudo que vive e respira louve o Senhor!” (SI 150,6). Ele pede para usar todos os instrumentos (SI 150,3-5). Todos têm que entrar na dança (SI 150,4). Neste painel luminoso, que descreve o ponto final da história e da prece, a humanidade aparece como um bloco alegre e animado, cantando e dançando num louvor eterno.

Resumindo: a história termina no louvor; a gratidão explode em canto: “Tudo que vive e respira louve o Senhor!” (SI 150,6). Este é o outro gancho em que está pendurada a rede dos salmos. E também aqui, a influência deste gancho percorre todo o livro até o outro lado, até o Salmo 1. É o gancho da festa, da gratuidade, do puro bem querer, sem nenhum outro objetivo, a não ser este: estar aí, diante de Deus, numa presença amiga e gratuita, para cantar, louvar e agradecer. Aqui, a oração já não é meio, mas é o próprio ponto final: a festa. Deitado nesta rede, o povo tem os pés na direção do Salmo 1;  a cabeça e o coração na direção do Salmo 150. Toda oração é, ao mesmo tempo, meio e fim, observância e gratuidade, pedido e louvor, conversão e gratidão, compromisso e amizade, caminhada e chegada, Lei e Graça, luta e festa!

Os dois perigos que ameaçam a prece

Estes dois pólos também encerram em si os dois perigos que, constantemente, ameaçam a prece, entortam a rede e fazem o povo cair no chão.

Um dos dois perigos é achar que basta o louvor (salmo 150) e que a luta pela justiça (salmo 1) contribui para sustentar a caminhada do povo. É achar que só Deus é quem faz as coisas e que a nossa observância e luta não são necessárias para a salvação; é achar que nós não podemos nem devemos fazer coisa alguma, pois a salvação é um dom gratuito de Deus. Esta atitude provoca a passividade que deixa a história à deriva, entregue à ideologia dominante que devasta a comunidade, a natureza e a história, sem deixar lugar nem para Deus nem para o povo.

O outro perigo é achar que o louvor e a celebração não contribuem para animar a luta entre o bem e o mal; é achar que só a eficiência e o planejamento podem levar a algum resultado de mudança e de transformação. Isto provoca o farisaísmo que exclui a ação da graça, elimina a festa, se fecha nas próprias idéias e pode levar ao fanatismo e à loucura.

O difícil mesmo é achar a fonte, onde estes dois córregos, o da luta e o da festa, existem unidos, nascendo a cada instante como irmãs, filhas do mesmo pai e da mesma mãe, brigando entre si, mas irmãs, que se querem bem e que precisam uma da outra.

* Conhecido por seus estudos sobre a Bíblia - estudou em Roma e em Jerusalém - Frei Carlos Mesters, Carmelita da Ordem do Carmo, nasceu na Holanda em 1931. Missionário no Brasil desde 1949. Sacerdote desde 1957, doutor em Teologia Bíblica. É um dos principais exegetas bíblicos do método histórico-crítico no Brasil e foi fundador CEBI - Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (1978). Atualmente reside no Convento do Carmo de Unaí-MG.

*Frei Carlos Mesters, Carmelita.

O jeito de o povo rezar os seus salmos

Hoje existem várias maneiras de se rezar os salmos. “O Senhor é meu Pastor” (Sl 23), por exemplo, tem várias melodias e várias letras. Usam-se vários instrumentos. Às vezes, os salmos são rezados por uma única pessoa, enquanto os outros escutam; outras vezes, são rezados alternadamente, em coro. Às vezes, depois de recitação do salmo, fica-se um tempo em silêncio para ruminar a palavra ouvida e, em seguida, cada um repete o versículo que mais o impressionou.

Estas e outras maneiras são meios que nós usamos hoje para poder agarrar o sentido do salmo e, assim, rezá-lo como expressão dos nossos próprios sentimentos. O ideal é este: recriar o salmo, a partir da sua raiz, como se fosse rezado hoje pela primeira vez.

E aí vem a pergunta: Como é que o povo do tempo da Bíblia rezava os seus salmos? Como fazia para recriá-los e assimilá-los na vida? O que podemos aprender deles neste ponto? O próprio Livro dos Salmos nos dará a resposta a estas perguntas.

1-Chaves de leitura

A maioria dos salmos tem um pequeno título que funcionava como chave de leitura. Ele informava sobre a origem, o autor, o tipo e o uso do salmo. Os títulos dos salmos são antiqüíssimos. Nem sempre são claros. Eles nos dão uma idéia de como os salmos eram rezados naquele tempo. Tomemos como exemplo, entre muitos outros, o título do Salmo 57 que diz: “Do mestre do canto. Não destruas. De Davi. A meia voz. Quando fugia de Saul na caverna” (Sl 57,1). Vejamos ponto por ponto:

Do mestre do canto. Sinal de que eles tinham um responsável que puxava o canto durante as celebrações. Provavelmente, havia um grupo de cantores que formava um coro para animar o culto (cf. 1Cr 15,16; 9,33; 2Cr 23,13).

Não destruas. Era o título de uma música popular bem conhecida de todos. O Salmo 57 devia ser cantado com a melodia da música “Não destruas”. Até hoje, o povo faz letra para ser cantada conforme a melodia de cantos populares bem conhecidos.

De Davi. Atribuir o salmo a Davi ajudava o povo a “rezar como Davi rezou, a cantar como Davi cantou”. Tornava mais concreta a recitação do salmo, pois facilitava a identificação do povo com Davi.

A meia voz. Indicava que se tratava de um salmo mais meditativo, pois havia outros salmos em que o povo era convidado a cantar e gritar bem alto (Sl 47,2). Nem sempre as celebrações eram silenciosas. Pelo contrário! (Sl 42,5).

Quando fugia de Saul na caverna. Evoca um fato bem conhecido da vida de Davi (cf. 1Sm 24,1-8) como contexto de origem do salmo. Isto ajudava a dramatizar o salmo, a ligá-lo com a vida, e favorecia a identificação do orante com Davi.

2-Instrumentos musicais

Ao que parece, as celebrações eram bem animadas, acompanhadas com muitos instrumentos musicais. O Salmo 150 enumera vários: trombeta, cítara, harpa, tambor, instrumento de corda, flauta, címbalo (Sl 150,3-4; cf. 81,3-4). Em outros salmos aparecem outros instrumentos como a lira de dez cordas (Sl 33,2), o oboé (Sl 46,1). Havia salmos que deviam ser acompanhados com um determinado instrumento musical. Por exemplo, o Salmo 54, foi feito para ser acompanhado com instrumento de corda (Sl 54,1); O Salmo 46, com oboé (Sl 46,1). O Salmo 33 convida o povo a tocar os instrumentos e fazer grande louvação (Sl 33,2-3). Eles gostavam de música e festa!

3-Participação do povo

Hoje em dia, quando se reza um salmo, todo mundo tem o texto na mão. Isto facilita a participação. Naquele tempo, não havia texto na mão do povo. Cantava-se de memória e o povo participava de muitas maneiras. Às vezes, alguém puxava o canto e o povo respondia em forma de ladainha, dizendo sem parar: “Eterno é seu amor, eterno é seu amor, eterno é seu amor, eterno...” (Sl 136). Outras vezes, o cantor que puxava o canto mandava o povo confirmar a prece com a aclamação “Amém! Amém!” (Sl 106,48). Ou provocava os vários grupos presentes na celebração: “A Casa de Israel, repita: eterno é seu amor! Agora a Casa de Aarão, repita: eterno é seu amor! Agora todo mundo que teme o Senhor, repita: eterno é seu amor! Agora todo mundo que teme o Senhor, repita: eterno é seu amor!” (Sl 118,2-4).

Em outros salmos, o povo participava por meio do canto de um refrão que voltava no começo, no meio e no fim (Sl 80,4.8.20). Outras vezes, participava dançando (Sl 150,4), acompanhando a procissão (Sl 42,5; 24,6-10), fazendo romaria (Sl 122,1-2), tocando seus instrumentos (Sl 33,2-3). As festas eram alegres e barulhentas (Sl 81,3-4; Sl 42,5).

4-Expressão corporal

Corpo e alma formam uma unidade. O corpo acompanha o movimento da mente e dele procura ser uma expressão e uma ajuda. Por isso, a expressão corporal faz parte da prece e lhe dá mais vida. A Bíblia tem muitas informações sobre as várias formas de expressão corporal que acompanhavam a recitação dos salmos e a prece em geral: prostração, genuflexão, inclinação (Sl 95,6; 22,30); levantar as mãos para o alto (Sl 63,5), bater palmas (Sl 47,1), soltar gritos (Sl 47,1), colocar a cabeça entre os joelhos (1Rs 18,42).

Depois do exílio, quando uma grande parte dos judeus vivia fora da Palestina, espalhada pelas costas do Mar Mediterrâneo, criaram o costume de orientar o corpo. Isto é, durante a oração, eles se voltavam na direção do templo de Jerusalém que ficava no Oriente (Sl 138,2). Faziam isto três vezes ao dia, no momento exato em que, lá no templo, se oferecia o sacrifício, de manhã, ao meio dia e no fim da tarde. Assim, unidos entre si no mundo inteiro, faziam subir as preces até Deus junto com a fumaça dos sacrifícios do templo de Jerusalém.

5-Espelho para todo sofredor

Como vimos anteriormente, é difícil saber exatamente em que época, em que lugar e a partir de que fato a maioria dos salmos foi escrita. Ou seja, não é fácil atingir o contexto histórico exato da origem dos salmos. De certo modo, isto era proposital! Era para permitir que os salmos pudessem ser rezados em todo tempo e em todo lugar, sobretudo os salmos de lamento. Nos salmos de lamento, o salmista expressava a sua dor de tal maneira, que a sua prece pudesse ser assumida e rezada também por outros. Por isso, ele não particularizava demais nos detalhes pessoais, pois isto dificultaria ao outro identificar-se com o salmo. Nem generalizava demais, pois isto separaria o salmo da vida e ele já não seria espelho para ninguém. Numa palavra, os salmos são, ao mesmo tempo, universais e concretos. Nisto está a sua arte! Por isso são espelho para todo sofredor. Até hoje, o povo se encontra lá dentro, apesar de todas as dificuldades de linguagem, de interpretações e de distância no tempo.

Para a oração dos salmos é importante lembrar o seguinte. O sentido dos salmos se concretiza não só a partir do contexto da pessoa que fez o salmo, mas também e sobretudo a partir do contexto daquele que reza o salmo. Por exemplo, o Salmo 72 diz: “O Senhor liberta o indigente que clama, e o pobre que não tem protetor” (SI 72,12). Ao rezar este salmo, não se deve pensar no indigente e no pobre do século IV antes de Cristo, mas, sim, nos indigentes e nos pobres que nós mesmos conhecemos no lugar onde moramos, hoje, aqui e agora, no Brasil! O estudo do contexto histórico do salmo pode ajudar muito para que, na oração, o salmo possa ser espelho para todo sofredor.

6-Retrato da vida de cada um

As imagens ou comparações usadas nos salmos para expressar a atitude orante do povo diante de Deus eram as mesmas que se usavam para expressar as coisas mais comuns da vida e da convivência diária: criança dormindo no colo da mãe (SI 131,2), a família em casa ao redor da mesa (SI 128,3), uma roda alegre de gente amiga que grita e canta com violão e pandeiro (SI 33,1-3; 81,3-4), o luar do sertão (SI 8,4), saudades da terra (SI 42,5), o pedreiro que constrói uma casa e o vigia que guarda uma cidade (SI 127,1), etc.

Todas as situações da vida estão presentes nos salmos: alegria, tristeza, solidão, abandono, perseguição, exploração, repressão, opressão, desespero, esperança, doença, morte, amor, ódio, casamento, educação, juventude e velhice, calor, frio, luta, festa ... tudo! Os salmos não distanciavam as pessoas da vida. Pelo contrário. Traziam a vida para dentro da prece, e levavam a prece para dentro da vida. Tudo que dava para rir e para chorar era usado no diálogo com Deus. Os salmos têm a variedade da própria vida.

7-Ambiente organizado da comunidade

O povo que hoje participa da comunidade conhece de cor muitos cânticos: “O Povo de Deus no deserto andava”, “Da cepa brotou a rama”, “Queremos Deus”, "Eu confio em Nosso Senhor", "A Ti, meu Deus", "Me chamaste", etc. Outro dia perguntaram: “Dona Maria, quando foi que a senhora aprendeu Queremos Deus?” Ela respondeu: “Não sei! A gente sabe!” Nas comunidades existe um ambiente de vida que transmite as coisas sem que a gente se dá conta. Assim, no tempo de Jesus, havia um ambiente de vida, sustentado e mantido pela organização comunitária do povo em torno da sinagoga, e pelos costumes familiares. Neste ambiente, o povo aprendia os salmos de cor, quase como a respiração da vida da comunidade.

Os evangelhos ainda deixam transparecer alguns traços deste ambiente de oração da vida comunitária do tempo de Jesus, em que os salmos aparecem como parte integrante do conjunto. No Domingo de Ramos, o povo gritou espontaneamente a frase de um salmo para aclamar Jesus (Mc 21,9 e SI 118,25-26). O cântico de Maria cita mais de quatro salmos diferentes (Lc 1,46-55). Depois da Ceia Pascal, Jesus e os apóstolos saíram da sala e foram para o Horto rezando salmos (Mt 26,30). Três ou quatro das oito bem-aventuranças que Jesus proclamou para o povo são frases  tiradas dos salmos (Mt 5,3-10).

Estes e outros fatos mostram que os salmos permeavam a vida do povo como o cimento permeia os tijolos e dá consistência à parede. Eles davam consistência e expressão à piedade e à fé do povo. Os salmos eram ensinados e divulgados entre o povo através das reuniões na sinagoga, através da oração em família, através das procissões e das romarias. Os salmos chamados alfabéticos facilitavam a memorização dos mesmos (SI 25, 34, 37, 111, 112, 119 e 145).

Estes sete pontos revelam o jeito usado pelo povo daquele tempo para rezar e assimilar os salmos na vida. Quem for ler e estudar os salmos com atenção, poderá descobrir muitas outras informações a respeito de cada um destes sete assuntos. Demos apenas algumas dicas.

* Conhecido por seus estudos sobre a Bíblia - estudou em Roma e em Jerusalém - Frei Carlos Mesters, Carmelita da Ordem do Carmo, nasceu na Holanda em 1931. Missionário no Brasil desde 1949. Sacerdote desde 1957, doutor em Teologia Bíblica. É um dos principais exegetas bíblicos do método histórico-crítico no Brasil e foi fundador CEBI - Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (1978). Atualmente reside no Convento do Carmo de Unaí-MG.